domingo, 30 de outubro de 2016

O BESOURO- CONTOS DE ANDERSEN



                                                    


Acabavam de ajustar ferraduras de ouro às quatro patas do cavalo do imperador. De ouro, como eram as esporas do seu dono.
   Mas por que ferraduras de ouro?
   Era um animal magnífico, de pernas esbeltas, olhos suaves e inteligente e uma crina flutuava como  uma juba. Tinha carregado o amo por entre o fumo dos canhões e a chuva de balas que silvavam de todos os lados. Tomara parte na batalha, resistindo com singular denodo à acometida do inimigo, e salvara não só a coroa imperial como a vida do próprio imperador, saltando por cima do cavalo prostrado do mais pertinaz inimigo. Isto, por certo, valia mais que todas as riquezas. Merecera, pois, as ferraduras de ouro.
   Mas eis que um besouro se adianta, dizendo:
   - Primeiro foram os grandes; agora chegou a vez dos pequenos - ainda que o tamanho nada signifique.
   E espichou as patinhas secas.
  - Que queres aqui? - perguntou o ferrador.
   - Ferraduras de ouro!
   - Estás louco? - gritou o homem. - Também queres calçado de ouro?
   - E por que não? Acaso não valho tanto como esse aí? E ele precisa que o sirvam, o escovem e lhe ponham diante do focinho a comida e a bebida, para que pareça bem, Não pertenço tanto como ele aos estábulos imperiais?
   - Não sejas maluco! - replicou o ferreiro. - Então não compreendes por que ferramos de ouro este cavalo?
   - O que eu compreendo muito bem é que isto é um insulto pessoal que me fazem! - retrucou o besouro. - Não suporto semelhante humilhação, e vou sair a correr mundo!
    - Pois boa viagem!
   - Insolente! - disse o besouro.
  E, alcançando as asas, saiu do estábulo e foi parar em um jardim muito lindo, cheio do perfume das rosas e das alfazemas.
   Esvoaçava por ali uma joaninha, de asas vermelhas, mosqueadas de negro, que logo lhe foi dizendo:
   _ Que lugar delicioso, não achas? Como cheira bem, e que lindo é tudo aqui!
   - Estou habituado a coisas melhores - disse o besouro. - É a isto que chamas deliciosos? Mas se aqui não há sequer uma esterqueira!
   E lá se foi embora, para a sombra de uma moita de goivos. Uma lagarta subia por um talo acima, e dizia:
  - Que belo é o mundo! O sol é tão agradável e tão quente! E tudo sorri de felicidade! Afinal hei de acabar por adormecer e morrer, como dizem; mas depois despertarei convertida em uma borboleta!
   - Mas que ideia! Tu, voando como uma borboleta! Pois olha: venho das cavalariças do imperador, e lá ninguém, nem mesmo o cavalo favorito de Sua Majestade, que calçou os meu sapatos de ouro,  nem esse tem ideias tão idiotas! Criar asas! Voar! Ora essa! Agora vais ver na verdade o que é voar!
   E, desdobrando as asas, saiu voando, e murmurando pelos ares:
     - Quero fugir dos insultos, e é só o que ouço!
   Foi cair em um gramado e fingiu-se adormecido; mas dali a pouco estava dormindo de verdade.
   Não dormiu por muito tempo: começou logo a cair uma chuva copiosa, e o ruído da água batendo no chão despertou-o. Procurou esconder-se dentro da terra, e não o conseguiu, porque a água o arrastava; lá foi indo, primeiro de bruços, depois nadando de lado: não podia sequer pensar em voar, e daria graças se saísse daquela torrente com vida. Resolveu resignar-se, entregando-se à sorte; e quando cessou a chuva e, de tanto esfregar os olhos, conseguiu tirar deles toda água, viu que ali perto brilhava uma coisa branca: um camisa, que enxugava ao ar , estendida na grama. Manejou de modo a alcança-la e escondeu-se entre as dobras. Não era tão quentinho como no meio do esterco da cavalariça, é claro: contudo, não havia coisa melhor por enquanto, e ali ficou o besouro, o dia inteiro, e ainda toda a noite. A chuva continuava a cair por intervalos. Ao amanhecer saiu dali, indignado e amaldiçoando o clima.
  Sobre o linho alvo descansavam duas rãs, em cujos olhos brilhava a alegria. E uma dizia:
   - Que tempo magnífico! Tão fresquinho! E esta camisa junta água que é um gosto! Tenho cócegas nas patas, de vontade de nadar!
   - Eu gostaria de saber - disse a outra - se a andorinha, que voa tão alto e tão longe, já achou nas suas viagens pelo estrangeiro outro clima melhor que o nosso. Que agradável, que úmido! Eu me sinto tão bem aqui, como se estivesse em um charco! Quem não está contente e não se sente feliz assim é que certamente não tem patriotismo!
    - Bem se vê que vocês nunca estiveram nos estábulos do imperador! - interveio o besouro. - Aquela umidade, sim, é morninha e cheirosa- o melhor clima para meu gosto! É isso que estou habituado, mas é claro que quando a gente viaja não pode levar essas coisas...Não haverá neste jardim alguma esterqueira, onde uma pessoa de alta linhagem como eu possa fixar residência e viver à vontade?
    Mas as rãs não o entenderam - ou fingiram não o entender.
   Depois de repetir três vezes a pergunta, sem obter resposta alguma, exclamou o besouro, indignado:
    -Eu nunca pergunto uma coisa duas vezes!
   Afastou-se, irritado, e chegou a um sítio onde encontrou um bom abrigo contra a chuva e a ventania: era uma tampa da vasilha de barro, já quebrada. Seu lugar não era ali, certamente; mas era
um  abrigo providencial, e debaixo dela moravam algumas famílias de rapelhas - um bichinho que também se chama fura-orelhas; era gente pobre, mas viviam contentes. As fêmeas era todas um modelo de amor maternal: cada mãe exaltava o seu filho, que considerava o mais belo e o mais inteligente de todos.
    - O nosso rapazinho - dizia uma - já tem noiva, e não tardará muito em casar. É um inocentinho! Sua maior ambição neste mundo, é chegar algum dia a entrar na orelha de alguém. É tão bonzinho, tão amável! E com o casamento certamente há de assentar o juízo, não é? É o maior prazer que pode ter uma mãe!
   - Pois o nosso - acudia outra - mal saiu do ovo e já queira viajar pelo mundo! É a vivacidade e a destreza em pessoa! Já sabe retorcer as antenas. É o maior prazer que pode ter uma mãe, não acha, senhor Escaravelho?
   Tinham reconhecido logo a sua espécie pelo corte das asas.
   - Ambas tem razão - respondeu o besouro.

                                                 
   Convidaram-no a entrar: podia passear até onde quisesse - debaixo da tampa quebrada. Mas já outras mães lhe gritavam:
   - Olhe aqui! Veja o meu filho!
   - E o meu!
   - E o meu! Já viu crianças melhores, ou mais alegres? Os nossos nunca desobedecem a não ser quando sentem alguma cólica - coisa frequente, aliás, nas crianças, não é?
  E assim cada mãe falava no seu filho. As crianças foram se aproximando sem se intrometer na conversa. Mas, com as pinças da cauda, iam puxando as barbas do besouro.
  - Estão sempre a fazer diabruras, estes marotinhos! - diziam as mamães.
  Mas a repreensão vinha em uma voz que mais parecia uma carícia animadora de novas estrepolias. O besouro não gostou da brincadeira: sentiu-se ofendido, e indagou se o esterqueiro ficava muito longe.
   - Fica, sim! Muito longe: do outro lado do valo - disse uma das mães. - É tão longe, que se um de meus filhos fosse até lá eu morreria. Espero, porém, que jamais aconteça semelhante coisa!
   - Não é a mim que as distâncias metem medo! - retrucou o besouro.
   E saiu sem se despedir: era esta, na sua opinião, a maior prova de cortesia.
  Junto ao valo encontrou muita gente: todos besouros, como ele. E, disseram-lhe:
   - Pois moramos aqui. E vivemos magníficamente! Não queres espojar-te um pouco, no lodo macio? Trazes cara de cansado! Há de ser da viagem...
  - Estou mesmo, disse o besouro. Apanhei uma chuva grossa, e tive de me refugiar em uma camisa lavada; e já sabes que a limpeza não é bom para a minha saúde. Além disso, dói-me uma asa, desde que fiquei desabrigado debaixo de um caco de barro. Mas é um consolo encontrar-se a gente entre os seus semelhantes!
   - Vens, talvez, do monte de esterco? - perguntou o mais velho.
    - Não! Venho de lugar muito mais alto! Venho da cavalariça do imperador, onde nasci já com sapatos de ouro. Viajo em uma missão secreta, e está claro que não posso dizer o que é.
   Desceu então para se reunir aos outros na lama. Achavam-se ali três mocinhas, que riam à socapa, por que não sabiam o que haviam de dizer.
   - As três são solteiras, e não estão ainda noivas - disse a mãe.
  - E as três donzelas tornaram a rir às escondidas, mas desta vez foi de envergonhadas.
   - Não vi nenhuma tão linda nos estábulos do imperador - disse o viajante - sentando-se.
    - Não gabe assim minhas filhas para me lisonjear - observou a mãe. - E não lhes dirija a palavra, a não ser com intenções sérias. Vejo, porém, que assim é, e desde já os abençoo.
   - Viva! - gritaram todos os outros besouros.
  E desse modo ele ficou noivo.
   Seguiu-se imediatamente o casamento, pois não havia razão para demoras.
  O dia seguinte passou-se perfeitamente: era a lua de mel; o segundo quase não fez diferença - mas no terceiro já é preciso pensar em ganhar com que sustentar a mulher, e quem sabe se algum filho. E o besouro pensou:
    - Uma vez que me deixei enganar assim por esta gente, não tenho outra coisa a fazer, senão enganá-la também.
   E dito e feito! Foi embora, deixando ali a esposa sozinha todo o dia e a noite toda: era agora uma viúva!
   - Esta foi boa! - diziam todos os besouros. Aquele sujeito que recebemos na nossa família não passa de um grandessíssimo vagabundo! Lá se foi embora, e ainda por cima deixa-nos este fardo: temos de lhe sustentar a mulher!
        - Paciência! - disse a mãe besoura. - Ela voltará  a usar o nome de solteira, e viverá aqui conosco. Aquele canalha! Abandonar assim a minha filha!
  Enquanto isso lá se ia o besouro, viajando muito  descansado. Embarcou em uma folha de couve, que a corrente de um canal ia levando à deriva. Passaram dois cavalheiros, apanharam-no e ficaram a dar-lhe voltas e mais voltas, falando como eruditos, principalmente o mais jovem.
   - Alá vê o besouro negro na escosta negra da montanha negra - disse ele. - Pois não está escrito isso no alcorão?
   E disse o nome do besouro, mas em latim. O outro, que era estudante, queria levá-lo, mas o companheiro dissuadiu-o, dizendo-lhe que possuía exemplares iguais àquele. Achou o besouro que aquilo era uma grande impertinência,e, alçando o voo, escapou da mão do moço grosseiro. Como já tinha as asas bem secas, pode voar muito longe: foi até uma estufa, entrou pela fresta da vidraça entreaberta, e procurou enterrar-se, com o maior prazer, num monte de adubo que viu a um canto.
  - Que lugar delicioso! - pensava ele.
  Adormeceu logo e sonhou que o cavalo favorito do imperador tinha adoecido, e antes de morrer o nomeara herdeiro de sua ferraduras de ouro, deixando ainda determinado que lhe fabricassem mais um par, na mesma medida. E era uma coisa muito razoável.
    Quando acordou resolveu sair, para dar uma vista de olhos. Era magnífica aquela casa de cristal! Altas palmeiras formavam uma abóboda, deixando penetrar a luz do sol; aos seus pés vicejavam maciços de flores de cores variadas - vermelhas como fogo, amarelas como o âmbar e alvas como a neve recém-calda.
   - Que folhagem esplêndida! E estas folhas serão uma riqueza, quando caírem e apodrecerem - dizia o besouro. - Que rica despensa achei! Certamente hão de viver por aqui parentes meus. Vou dar uma volta a ver se encontro gente com quem me possa associar. Estou orgulhoso do que sou, na verdade!
   E pôs-se a passear pela estufa, pensando na morte do cavalo e nas ferraduras de ouro que acabava de herdar.
  Mas nisto uma mão o colheu, e começou logo a virá-lo de todos os lados.
   Era o filhinho do jardineiro que, brincando com uma menina da sua idade, vira o besouro e resolvera divertir-se com ele. Embrulharam-no em uma folha de parreira e o menino meteu-o no bolso da calça, que era muito quente. O besouro mexia-se e remexia-se, para ver se libertava daquela prisão, mas um soco do rapazinho indicou-lhe que era melhor ficar quieto. As duas crianças correram para o grande lago que havia no extremo do jardim; meteram o besouro em um tamanco velho que estava atirado à margem, amarraram uma varinha ao tamanco, feito mastro, e prenderam nele o pobre besouro, segurando-o bem com um fio de linha. Agora ele era um capitão de navio, e ia navegar.
   O lago não era muito extenso, mas ao pobre do besouro pareceu o oceano; e ficou tão assustado que caiu de costas, e ali ficou, agitando as perninhas.
  O barquinho afastava-se da margem, impelindo pelo vento, mas o menino arregaçou as calças e foi apanhá-lo, empurrando-o para que navegasse a todo o pano. Quando o tamanco já ia longe, uma voz imperiosa chamou as crianças, e o besouro ficou abandonado à sua sorte. A embarcação ia afastando-se, afastando-se da margem, aproximando-se cada vez mais do alto mar, e a perspectiva que se apresentava ao bichinho era horrível; não podia voar porque estava todo amarrado ao mastro. Nisto apareceu uma mosca, que ia visitá-lo.
   - Que tempo esplêndido! - disse ela. - Dás licença que te acompanhe um pouco, para me aquecer ao sol? Como és feliz! Que vida agradável a tua!
   - Tu não sabes o que dizes! Não vês, estúpida, que estou amarrado?
   - Mas eu não! - respondeu a mosca, erguendo o voo.
   - Agora é que vou conhecendo o mundo! - disse consigo o besouro. E como é baixo, este mundo! A única pessoa decente e digna que nele vive sou eu! Pois a primeira coisa que fazem contra mim é usurparem-me os sapatos de ouro; depois, obrigam-me a procurar abrigo em uma casa limpa, ou debaixo de uma tampa quebrada; e, para cúmulo de males, impigem-me uma esposa! Por fim, quando dou com um lugar onde se pode viver, e saio a ver onde posso instalar com toda a comodidade, eis que vem um rapazinho, amarra-me aqui e me deixa à mercê das ondas enfurecidas - enquanto o cavalo do imperador da cabriolas, com suas ferraduras de ouro! E isto é o que mais me dói! Não ! De um mundo assim nada se pode esperar de bom. É certo que minha carreira tem sido brilhante; mas de que serve, se ninguém a conhece? Nem o mundo merece mesmo conhecê-la, a minha história: pois não se recusaram a calçar-me sapatos de ouro na cavalariça do imperador, quando ferraram o cavalo favorito? Debalde estendi as patas! Se me tivessem calçado de ouro, seria eu uma glória, um ornamente brilhante para cocheira. Agora, ela me perdeu, e o mundo também não me obterá. Tudo acabado!
   Não estava tudo acabado, não. Aproximou-se um bote, cheio de moças que remavam.
    - Olha aquele tamanco, que navega como um barco! - disse uma.
   - E dentro vai um bichinho amarrado! - exclamou outra.
   Chegaram-se mais. A mais nova das moças pegou o minúsculo barquinho, e tirou-o da água. Outra moça tomou uma tesourinha e cortou o fio de linha, sem ferir o besouro, e quando chegaram à praia ela o depôs na grama, dizendo:
  - Trepa, trepa! Voa! Voa! Abre as asas, que a liberdade é uma coisa esplêndida!
    E o besouro voou, voou...No seu vasto voo passou pela janela de um grande edifício e foi cair, meio morto de fadiga, sobre a fina e macia crina do cavalo do imperador, naquele mesmo estábulo em que sempre tinham morado juntos. Segurou-se à crina, descansando ali um momento para se recobrar.
  - Eis-me agora montado no cavalo favorito do imperador! É como se eu fosse um cavaleiro! E na verdade, sou tão guapo como o dono! Mas...que ia eu dizer? Ah! Sim, já me recordo. Agora vejo tudo claro. E é esta uma ideia acertada, sim! Por que calçaram o cavalo com sapatos de ouro? Pois não foi isso mesmo o que ele me perguntou, o ferrador? Agora percebo claramente qual é a resposta...O cavalo foi calçado de ouro em minha intenção! Para que eu o monte!
  Agora o besouro recobrara o antigo bom humor. E dizia:
  - Não há  nada como as viagens, para abrir a inteligência!
   Os raios do sol, entrando na cocheira, banharam de luz o besouro, que via agora todas as coisa com otimismo.
  - Apesar de tudo - refletia ele - o mundo não é tão mau como parece. O que é preciso é que a gente saiba tomar as coisas como elas são.
   Sim: o mundo era belo agora porque tinham posto ferraduras de ouro nas patas do cavalo do imperador, só para que o besouro pudesse montá-lo.
   - Irei agora visitar meus companheiros, os outros besouros, para que saibam tudo quanto foi feito em minha intenção. Quero contar-lhes todas as aventuras agradáveis que me sucederam em minha viagem ao estrangeiro. FIM

Denodo -.
ousadia, bravura diante do perigo; intrepidez, coragem.
Goivos. Muito usada em paisagismo e jardinagem, a flor também pode decorar ambientes e até dar um sabor exótico a receitas culinárias.



Amigos cada vez que dou uma parada, registro um sentimento: Desculpa a interferência, eu sei que esses contos valiosos que transcrevo, são únicos. Mas necessito me sentir mais próxima dos amigos!
-Estou digitando aos poucos pois é muito longa esta linda história! Obrigada pela paciência! Hoje é domingo , dia de eleições aqui no Brasil, estamos ansiosos pelo resultado!Eleições municipais , para -Eleição de Prefeitos. Muitas pessoas aqui votaram nulo.

-UM abraço. Boa Noite ! Que anjo da noite proteja nosso descanso , que durante nosso sono possamos equilibrar nossas energias, para durante todo dia , podermos fazer diferença neste mundão.

-Bom dia, segunda-feira, esta semana temos o Enem e por favor queridos torçam por mim, pois minha filha vai fazer o Enem. Boa Sorte Júlia, tu mereces é uma pessoa muito do bem, ama os animais respeito o próximo , quer o melhor pro mundo! Que venha a Arquitetura! Beijos


Nenhum comentário:

Postar um comentário