quinta-feira, 30 de julho de 2015

O PEQUENO POLEGAR - CONTOS DE GRIMM

Era uma vez um pobre campônio que, certa noite, acomodado junto ao fogão, avivava o fogo, enquanto sua mulher fiava, a seu lado.
    - Que tristeza não termos filhos! - disse ele.- O silêncio reina em nossa casa, enquanto na dos outros é vida e alegria!
    - Sim, - respondeu a mulher, suspirando - mesmo que fosse apenas um e pequenino como um polegar, eu já me daria por satisfeita; gostaríamos dele de todo o coração.
    Em seguida a mulher sentiu-se indisposta e, passados sete meses, deu à luz um filho  que, embora tivesse os membros perfeitos, não era maior do que um dedo polegar. O casal comentou:
   - Aconteceu como desejávamos e nós o amamos de todo coração.
    Tomando em conta o seu tamanho, deram-lhe o nome de Pequeno Polegar. Embora cuidassem bem de sua alimentação, a criança não cresceu e continuou pequenina como ao nascer. Tinha, no entanto, o olhar vivo e logo se revelou um menino inteligente e esperto, que fazia bem tudo o que queria.
    Certa vez o pai aprontava-se para ir ao mato cortar lenha. Gostaria que alguém me levasse o carro - disse ele a meia-voz, para si mesmo.
    - Ora, pai! - exclamou o Pequeno Polegar - posso levar-lhe o carro!
     O homem riu e respondeu-lhe:
    - De que maneira? És pequeno demais para manejar as rédeas.
     - Não importa, pai. Se mamãe atrelar o cavalo, eu me sentarei na orelha dele e o vou orientando.
    - Bem - retrucou  o camponês - não custa experimentarmos.
   Quando chegou a hora combinada, a mãe atrelou o animal e sentou Pequeno Polegar na orelha dele. O pequeno começou a dar-lhe ordens: "Êi! Vamos! Anda! Anda!" e o cavalo pô-se a puxar tão bem como se fosse guiado pelo seu dono, seguindo o caminho que conduzia ao mato. em certo momento, quando o Pequeno Polegar dobrava uma curva gritando "Êi! Êi!, surgiram dois homens na estrada.
    - Olha só! - disse um deles.- Que é isso? Ali vai um carro e o carroceiro dá ordens ao cavalo, mas não se vê o homem em parte alguma.
    - Aí tem mistério! - respondeu o outro. - Vamos segui-lo para ver aonde vai.
      O carro continuou mato a dentro até chegar ao lugar em que estava sendo cortada a lenha. Quando o Pequeno polegar avistou seu pai, gritou-lhe:
    -Pai, cá estou com o carro! Agora tira-me daqui! O pai pegou as rédeas com a esquerda e com a direita tirou seu filhinho da orelha do cavalo. Pequeno Polegar, feliz e contente, sentou-se sobre um ramo de capim. Quando os dois homens avistaram o pequeno, ficaram tão admirados que não sabiam o que dizer. Um deles chamou o outro para um lado e cochichou:
    - Ouve! Esse pirralho aí poderá fazer nossa fortuna se o exibirmos, por dinheiro, numa cidade grande. Vamos comprá-lo.
    E, dirigindo-se ao camponês, lhe propuseram:
    - Venda-nos esse homenzinho; irá passar bem conosco.
    - Não - respondeu o  pai - ele é o meu tesouro e não o vendo por nenhum dinheiro do mundo!
    O pequeno Polegar, porém, que ouvira a proposta, trepou pelas dobras do casaco do pai e, chegando aos seus ombros, lhe disse, baixinho, ao ouvido:
    - Pai, podes me vender, que voltarei.
    O lenhador, diante disso, cedeu e o entregou aos dois homens por boa quantia em dinheiro.
    - Onde queres sentar-se? - perguntaram-lhe.
     - Ponham-se na aba de seus chapéus que aí poderei andar à vontade e admirar a paisagem, sem perigo de cair.
      Os homens lhe fizeram a vontade e, depois de se despedirem do pai, partiram levando o Pequeno Polegar. Caminharam até ao anoitecer, quando o pequeno disse:
    - Ponham-me no chão que preciso fazer uma necessidade.
    - Fica onde estás! - retrucou o homem em cujo chapéu viajava o anãozinho- não me importarei; os pássaros de vez em quando também deixam cair alguma coisa.
    - Não- retrucou o Pequeno Polegar. - Tenho boas maneiras. Desçam-me, depressa!
    O homem tirou o chapéu e pôs o pequerrucho sobre o campo, à beira da estrada. Ali ficou a andar por algum tempo entre os torrões da terra; de repente, meteu-se na toca de um rato.
    - Boa noite, senhores! Sigam adiante, sem mim! - gritou ele, rindo-se a valer.
     Os homens vieram correndo e começaram a enfiar paus no buraco, mas em vão. Quando o Pequeno Polegar notou que se haviam ido embora, saiu do esconderijo subterrâneo.
     " Que perigo andar no campo nessa escuridão!" - pensou ele. - "É fácil quebrar o pescoço!" - Nisto, encontrou um caracol vazio. - Graças a Deus! - exclamou.  Aqui posso passar a noite! - E sentou-se lá dentro.
    Não demorou muito, notou que passava dois homens. Um deles dizia:
    - Como havemos de fazer para tomar o dinheiro e a prata daquele padre rico?
    - Pois eu sei como! - gritou o Pequeno Polegar, metendo-se na conversa.
    - Que foi isso? - perguntou, assustado, um dos ladrões. - Ouvi alguém falar.
     Pararam à escuta e o Pequeno Polegar, então, prosseguiu:
    - Levem -me com vocês, que os ajudarei.
    - Ondes estás?
    - Procurem no chão e observem de onde vem a voz - respondeu ele.
    Finalmente, os ladrões o encontraram e o levantaram do chão.
    - Pobre anãozinho! De que maneira poderás ajudar-nos?
     - Ouçam! - respondeu ele. - Meto-me entre as grades de ferro, no quarto do cura, e lhes alcanço tudo o que quiserem.
    - Pois bem! - disseram. - Vamos ver do que és capaz.
    Quando chegaram à casa do padre, o Pequeno Polegar meteu-se no quarto, mas logo principiou a gritar:
   - Vocês querem tudo o que tem aqui?
    Os ladrões assustaram-se e o preveniram:
   - Fala baixo, senão vais acordar meio mundo.
    O Pequeno Polegar fez como se não os tivesse ouvido e gritou, novamente:
   - O que é que vocês querem? Tudo o que está aqui dentro?
    A cozinheira, que dormia no quarto ao lado, ouviu os gritos e, sentando-se na cama, pô-se a escutar. Assustados, os ladrões haviam desaparecido, mas, passado um tempinho, voltaram a criar coragem, pensando que o pequeno parceiro só lhes queria pregar uma peça. Voltaram então e lhe disseram, baixinho:
  - Andam deixa de brincadeiras bobas e alcança-nos alguma coisa.
  Aí o Pequeno Polegar pela terceira vez se pôs a gritar com toda força de seus pulmões;
   - Darei tudo a vocês, é só abrirem as mãos!
   A criada, que estava alerta, ouviu claramente essas palavras e, saltando da cama, precipitou-se no quarto. Os ladrões saíram correndo e a mulher, não tendo visto nada de suspeito, foi acender uma vela. Quando ela entrou com o castiçal, Pequeno Polegar conseguiu escapar, sem ser visto, e dirigiu-se ao celeiro. A criada, depois de revistar todos os cantos, acabou voltando para a cama, convencida de ter sonhado de olhos abertos.
  Pequeno Polegar meteu-se entre os talinhos de feno e encontrou um bom lugar para dormir. Ali pretendia descansar até o dia seguinte e depois voltar junto de seus pais. Mas quantas aventuras ainda lhe estavam reservadas! Sim, este mundo está cheio de contratempos! A raiar do dia, a criada saltou da cama para dar pasto aos animais. Encaminhou-se, em primeiro lugar, ao celeiro e apanhou uma braçada de feno, justamente aquele onde dormia o Pequeno Polegar. Ele estava tão ferrado  no sono que nada percebeu e só acordou dentro da boca da vaca, que o havia apanhado junto com um feixe de pasto.
   - Meu Deus!- gritou.- Como é que fui parara neste moinho?
  Mas logo notou onde se encontrava e teve de se cuidar para não ser triturado pelos dentes do animal; no entanto, apesar de seu cuidado, escorregou para o estômago da vaca.
    Esqueceram-se de pôr janelas neste quartinho- disse ele. Aqui não entra um só raio de sol e nem ao menos trazem uma luzinha.
    Ademais, não estava se agradando nada daquele aposento e o pior era que cada vez ia entrando mais feno pela porta e o espaço ia diminuindo cada vez mais. Por fim, assustado, começou a gritar o mais alto que pode:
    - Não me tragam mais pasto! Não me tragam mais pasto!
   A criada, que estava ordenhando a vaca, ao ouvir falar, sem ver ninguém, e notando que era a mesma voz que ouvira durante a noite, assustou-se tanto que caiu do banquinho e entornou todo o leite. Depressa, correu até onde estava seu amo e disse-lhe:
     - Céus, senhor padre, a vaca está falando!
     - Enlouqueceste, mulher! - respondeu-lhe o cura.- Em todo caso, foi ao estábulo para ver o que se passava. Mal pusera os pés ali, o Pequeno Polegar tornou a gritar:
     - Não me tragam mais pasto! Não me tragam mais pasto!
      Quem se assustou, então, foi o cura, pensando que um espírito mau se apossara da vaca e ordenou que a matassem. Assim fizeram,  e o estomago, onde se encontrava Polegarzinho, foi jogado sobre um monte de estrume. O pequeno teve de fazer um esforço muito grande para arranjar passagem ,mas afinal conseguiu achar a saída. No mesmo momento, quando ia meter para fora a cabeça, sobreveio uma nova desgraça. Um lobo faminto, que andava por ali, tragou, de uma só vez o estômago inteiro. O Pequeno Polegar não perdeu a coragem. "Talvez possa entender-me com o lobo" - Pensou e de dentro da barriga da fera, começou a falar:
    - Amigo lobo, sei de um lugar onde encontrarás um banquete maravilhoso!
    - Onde? - perguntou o lobo.
     - Em tal e tal casa. terás de entrar pelo cano da sarjeta e encontrarás bolo, toucinho e linguiça à vontade.
     Passou, então, a descrever-lhe, com precisão, a casa de seu pai. O lobo não esperou segundo conselho e, durante a noite, espremeu-se pelo cano do esgoto, indo parar na despensa onde comeu a não poder mais. Depois quis ir embora, mas a sua barriga se tornara tão grande que ele não conseguiu sair pelo mesmo caminho. O menino, que contara com aquilo, começou, então , a fazer uma barulhada infernal, gritando com toda a força de seus pulmões.
     - Cala-te! - disse o lobo. - Vais acordar o pessoal.
     - Que nada! - respondeu o pequeno. - Comeste até não poder mais e agora sou eu que vou me divertir.
    E recomeçou a gritaria. Todo aquele berreiro acabou acordando seu pai e sua mãe, que foram correndo até a despensa e espiaram lá para dentro por uma fresta. Quando viram o lobo. saíram depressa para buscar, ele um machado e  ela uma foice.
    - Fica para trás - disse o homem, ao entrarem na despensa. - Se ele não morrer depois que eu o atingir com o machado, tu lhe abrirás a barriga com a foice.
    Naquele momento o Pequeno Polegar ouviu a voz de seu pai e gritou:
    - Querido pai, estou aqui na barriga do lobo!
    E o pai, cheio de alegria, exclamou:
    - Graças a Deus, nosso amado filho está de volta!
   E, dirigindo-se à mulher, mandou que pusesse a foice de lado, para não ferir o pequeno. Depois levantou o braço e deu um golpe na cabeça do lobo, fazendo-o cair morto no chão. A seguir, trouxeram uma faca e uma tesoura e, abrindo a barriga do animal com todo cuidado, tiraram lá de dentro o seu filhilho.
  - Quanta preocupação nos causaste! - exclamou o lenhador.
    - Sim, pai, andei muito por este mundo afora.
   - E onde estiveste?
    - Ah! Estive na toca de um rato, no estômago de uma vaca e na barriga de um lobo. Agora ficarei, sempre , com vocês.
    - E nós jamais te venderemos, nem por todos os tesouros do mundo! - disseram os pais, acariciando e beijando seu querido filhinho. Deram-lhe boa comida e bebida e mandara fazer-lhe roupas novas, porque as suas estava rôtas com as aventuras daquela viagem. FIM
 
























terça-feira, 28 de julho de 2015

A MESINHA, O BURRO E O BORDÃO - CONTOS DE GRIMM

          Existiu, há muitos anos, um alfaiate que tinha três filhos e uma só cabra. Esta alimentava a família inteira com seu leite e, portanto, necessitava de bom pasto. Todos os dias era preciso levá-la a pastar. Disto se encarregavam os filhos, cada um por sua  vez. Certo dia o mais velho a conduziu ao cemitério, onde cresciam as melhores ervas, e aí a deixou comer e saltar à vontade. À noite, na hora de voltar para casa, ele perguntou:
  - Cabrita, estás satisfeita?
   E o animal lhe respondeu:
    Tão farta estou assim
    Que não quero um só capim.
   Béé! Béé!
   - Pois vamos para casa! - disse o rapaz e, pegando-a pela corda, a levou ao estábulo, onde a amarrou.
    - E então? - indagou o velho alfaiate.- A cabra comeu o suficiente?
   - Acredito que sim - respondeu o filho. - Está tão farta que não quer mais um só capim.
    O pai, querendo certificar-se pessoalmente, desceu ao estábulo e, acariciando o animal, perguntou:
    - Cabrita, estás satisfeita?
   E o animal lhe respondeu:
    De que me vou satisfazer
    Se  só saltei sobre valos
   Sem nenhum capim comer?
   Béé! Béé!
- Que estás a dizer? - exclamou o alfaiate e, voltando sem mais tardança, falou ao rapaz:
  - Mentiroso! Disseste que a cabra estava farta quando a deixaste passar fome!
  Encolerizado, pegou a vara que estava na parede e,  abaixo de golpes, o expulsou de casa.
   No dia seguinte chegou a vez do segundo filho. Este escolheu um bom lugar junto à cerca do jardim, onde cresciam ervas suculentas, e a cabra comeu tanto que deixou o local pelado. Quando anoiteceu e ele quis voltar para casa, indagou:
  - Cabrita, estás satisfeita?
  E o animal lhe respondeu:
   Tão farta estou assim
   Que não quero um só capim
    Béé! Béé!
  - Então vamo-nos! - disse o rapaz e, chegando em casa, prendeu-a no estábulo.
   - A cabra ficou satisfeita? - perguntou o velho.
   - Creio que sim - retrucou o filho. - Esta tão farta que não quer mais um só capim.
   O alfaiate, não se fiando nas palavras do rapaz, desceu ao estábulo e perguntou:
  - Cabrita, estás satisfeita?
  E o animal lhe respondeu:
   De que me vou satisfazer
   Se só saltei sobre valos
   Sem nenhum capim comer?
   Béé! Béé!
  - Oh, miserável ! O malvado! - gritou o velho. - Deixar passando fome este santo animal!
   E, correndo de volta, expulsou o filho a golpes de vara.
   Chegou, então, a vez do terceiro e este querendo fazer a coisa às direitas, foi a um campo onde havia do melhor capim e deixou a cabra regalar-se. Ao entardecer, à hora de voltar, perguntou;
   - Cabrita, estás farta?
 E ela respondeu:
   Tão farta estou assim
   Que não quero um só capim.
   Béé! Béé!
  - Então vem para casa - disse o rapazinho e, conduzindo-a ao estábulo, lá a prendeu.
  - A cabra comeu bem? - perguntou o velho.
  - Acredito que sim - respondeu o rapaz .- Estás tão farta que não quer mais um só capim.
   O alfaiate, não lhe dando crédito, desceu e indagou:
 O maldoso animal respondeu-lhe:
  De que me vou satisfazer
  Se só saltei  sobre valos
   Sem nenhum capim comer?
    Béé! Béé!
 - Corja de mentirosos! - berrou o alfaiate. - Um é tão mau e descuidado quanto o outro. Mas daqui por diante não me farão mais de palhaço!
   E, exasperado de raiva, subiu às pressas e tanto deu no rapaz que este saiu de casa em corrida desabalada.
   O velho alfaiate ficou, assim sozinho com sua cabra. Na manhã seguinte desceu ao estábulo, acariciou o animal e disse-lhe:
  - Vem, meu bichinho, que hoje eu mesmo te levarei ao pasto. - E, segurando a cabra pela corda, a conduziu a cercas verdes onde cresciam ervas de que as cabras mais gostam. - Aqui poderás fartar-se à vontade - disse-lhe e a deixou pastar até a noite. Depois perguntou:
   - Cabrita, agora estás farta?
 E ela respondeu:
    Tão farta estou assim
    Que não quero um só capim.
   Béé! Béé!
 - Pois voltemos para casa, - falou o alfaiate e, levando-a até o estábulo, ali amarrou. Ao afastar-se, virou para trás e indagou:
  - Ficaste satisfeita, desta vez?
  A cabra, no entanto, também com ele não fez exceção e retrucou:
     de que me vou satisfazer
    Se só saltei sobre valos
    sem nenhum capim comer?
    Béé Béé!
  Ouvindo aquilo, o velho ficou perplexo e se deu conta de que havia expulsado seus três filhos sem motivo algum.
   - Espera, criatura ingrata! - berrou ele. - Correr-te daqui, ainda é pouco. Vou marcar-te para que jamais te possas apresentar diante de um alfaiate honrado!
   Correu para dentro de casa, apanhou a navalha e, depois de ensaboar a cabeça da cabra, raspou-lhe a cara até ficar tão lisa como a palma de suas mãos. E como a vara de medir lhe parecesse demasiado honrada, foi apanhar o chicote e deu uma surra tal no bicho que este, mal se viu solto, saiu fugindo e dando os maiores saltos da sua vida.
 O alfaiate, vendo-se sozinho em casa, sentiu uma tristeza muito grande e um imenso desejo de ter seus filhos de volta. Mas ninguém sabia dizer-lhe para onde havia ido.
   O mais velho entrara como aprendiz para os serviços de um marceneiro. Trabalhou com tanta aplicação que, ao terminar sua aprendizagem e quando chegou a hora de correr mundo, o mestre presenteou-lhe  uma mesinha, de aspecto comum e de  e de madeira barata, mas que possuía uma bela qualidade. Quando a punham no chão e lhe diziam: " Mesinha, cobre-te!', ela imediatamente se cobria com uma toalha branca, muito limpa, e sobre ela apareciam um prato, uma faca e um garfo; além disso surgiam travessas cheias de cozidos e assados, tantas quantas cabiam na mesa, e um copo grande de vinho tinto que chegava a alegrar o coração. O jovem pensou: " Com isso terei o suficiente por toda a vida." E seguiu seu caminho, animado e feliz, sem se preocupar jamais em saber se os albergues eram bons ou maus, se encontraria ou não o que comer. Conforme a disposição, ele às vezes nem se hospedava; ia procurar uma lareira no mato ou então um campo que melhor lhe agradasse, tirava a mesinha das costas e, colocando-a diante de si, dizia:
   - Mesinha, cobre-te! - e, num momento, aparecia tudo o que mais lhe apetecesse.
 Passado algum tempo, veio-lhe a idéia de voltar para casa; a ira de seu pai, naturalmente, já se teria aplacado e, se lhe apresentasse a mesinha mágica, ele, na certa, o receberia novamente de bom grado. Aconteceu, então, que, certa noite, a  caminho de casa, entrou numa estalagem repleta de hóspedes. Receberam-no muito bem e o convidaram à sua mesa, para jantar com eles, pois já era muito tarde e de outro modo dificilmente conseguiria, ainda, algo para comer.
   - Não - disse o carpinteiro, - não vou privá-los dessa janta frugal. Ao contrário, eu é que os convido!
   Todos desandaram a rir, pensando que se tratasse de uma brincadeira. Mas o rapaz clocou sua mesinha de madeira bem no centro da sala e disse:
  - Mesinha, cobre-te!
   No mesmo instante a mesa se cobriu de manjares tão apetitosos como jamais o estalajadeiro teria sido capaz de apresentar e que exalavam um cheiro tão agradável que fez vir água à boca de todos os hóspedes.
    - Sirvam-se, amigos! - disse o carpinteiro, e os convidados, vendo que ele falava sério, não se fizeram de rogadas; aproximaram-se, puxaram suas facas e serviram a mais não poder. E o que muito os admirava era o fato de que, mal terminavam um prato , este era logo substituído por outro igual e repleto. O estalajedeiro estava parado num canto, observando o que acontecia e sem saber o que dizer; entretando, pensava com seus botões: " Um cozinheiro desses me prestaria bons serviços na estalagem."
    O carpinteiro e seu grupo divertiram-se até altas horas da noite e afinal foram dormir. O jovem tam bém foi deitar-se e colocou sua mesinha mágica junto à parede. O dono da estalagem, no entanto, não teve sossego; lembrou-se de que na despensa havia uma mesinha velha justamente igual à de seu hóspede. Levantou-se e, pé ante pé, foi buscá-la e a trocou pela mágica. Na manhã seguinte o carpinteiro pagou a conta e, colocando a mesa às costas sem notar que era outra, seguiu seu caminho. Ao meio-dia, chegou à casa do pai, que o recebera com grande alegria.
   - Então, meu filho, que aprendeste? - perguntou o velho.
    - Tornei-me carpinteiro, meu pai.
   - Bom ofício. E o que trouxeste de tuas viagens?
    - Pai, o melhor que eu trouxe, foi esta mesinha.
  O alfaiate examinou-a por todos os lados e observou:
   - Pois não parece uma obra de arte; é uma mesinha velha e em mau estado.
   - Mas é uma mesinha mágica - respondeu o filho.
- Quando eu coloco no chão e lhe digo que se cubra, imediatamente fica repleta de iguarias saborosas e apresenta um vinho que alegra o coração. Convide a todos os parentes e amigos que venham comer e beber à vontade; a mesinha irá satisfazer a todos.
  Reunido o grupo inteiro, o rapaz colocou a mesa em meio da sala e disse:
  - Mesinha, cobre-te!
    A mesa, porém, não fez caso e permaneceu tão vazia como qualquer outra que não entendesse essas falas. Aí, então, o pobre rapaz notou que a mesinha fora trocada e envergonhou-se por parecer um mentiroso. Os parentes riram-se dele e tiveram de retirar-se famintos e sedentos como haviam chegado. O pai pegou, de novo, os seus retalhos para costurar; e o rapaz entrou para os serviços de um mestre carpinteiro.
   O segundo filho foi à casa de um moleiro para com ele aprender a profissão. Ao terminar o tempo de aprendizagem, disse-lhe o mestre;
   - Como sempre te portaste bem, vou presentear-te um burro especial; não puxa carro nem carrega sacos.
   - E para que serve então? - quis saber o jovem.
  Cospe ouro - retrucou o moleiro. - Basta que entendas uma toalha em baixo dele e digas: " briquelebrit!" que o bom animal deitará moedas de ouro pela frente e por trás.
    É formidável! - excalmou o jovem e, agradecendo ao moleiro, saiu a correr mundo.
    Quando necessitava de ouro, era só dizer ao burrinho: " briquelebrit!" e, em seguida, choviam as moedas sem que ele tivesse outro trabalho senão juntá-las do chão. Onde quer que fosse, só se dava por satisfeito com o melhor que havia. Que lhe importava o preço, se tinha sempre o bolso cheio? Depois de ter andado algum tempo pelo mundo, pensou: " Devo ver meu pai; quando me apresentar com o burro de ouro, esquecerá seu rancor e me receberá bem."
    Aconteceu que foi parar na mesma estalagem onde haviam trocado a mesinha de seu irmão. Conduzia ele próprio o burro pelo cabresto. O hospedeiro quis levar o animal para atá-lo, mas o jovem disse-lhe:
   - Não se incomode que eu mesmo o levarei à cocheira e lá o atarei, pois preciso saber o lugar onde vai ficar.
    O dono da estalagem achou estranho aquilo e pensou que um hóspede que cuidava, pessoalmente, de seu burro não podia ter lá grandes posses. Mas, quando viu que o forasteiro meteu a mão no bolso e, tirando duas moedas de ouro,o encarregou de lhe preparar o melhor que havia, arregalou os olhos e saiu correndo para satisfazer-lhe os desejos. Após a refeição, o jovem perguntou quanto devia. O estalajadeiro, querendo logo tirar proveito, pediu-lhe mais duas moedas de ouro. O rapaz meteu a mão no bolso, mas seu dinheiro havia terminado.
   - Espere um momento, senhor estalajadeiro- disse ele.- Vou buscar o ouro.
   E, ao sair, levou a toalha da mesa. O outro, intrigado e curioso, seguiu-o cautelosamente para não ser visto e, como o hóspede fechasse a porta do estábulo, espiou por um olho de madeira. O forasteiro estendeu a toalha em baixo do burro e disse: " briquelebrit" e, no mesmo instante, o animal começou a deitar moedas pela frente e por trás, que até parecia uma chuva de ouro.
    - Vejam só! - disse o dono da estalagem. - Desse modo é fácil cunhar moedas! Um bolso assim não é nada mau!
    O hóspede pagou a conta e deitou-se a dormir. À noite o estalajadeiro desceu, pé ante pé, até a cocheira, levou dali o mestre cunhador e, em seu lugar,amarrou outro burro.
   Na manhã seguinte, bem cedinho, o rapaz seguiu viagem, levando o animal, na boa crença de que era o seu burrinho de ouro. Ao meio-dia, chegou à casa de seu pai. O velho alegrou-se ao revê-lo e o recebeu muito bem.
    - Que é feito de ti, meu filho?- perguntou.
    - Tornei-me moleiro, querido pai - respondeu ele.
    - E que trouxeste de tuas viagens?
    - Nada mais que um burro.
    - Por aqui existem burros em quantidade -disse o pai. - Teria preferido uma cabra.
    - Sim -retrucou o filho. - Mas este não é do tipo comum. è um burro de ouro. Basta  dizer-lhe "briquelebrit" e o bom animal deita uma toalha cheia de moedas de ouro. Chame todos os parentes, que farei deles gente rica.
    - Isto sim, me agrada - disse o alfaiate.- Não preciso mais apoquentar-me com o trabalho de agulha.
    E saiu correndo a chamar seus parente.
    Assim que chegaram todo, o moleiro os dispôs em  círculo e, depois de estender uma toalha no chão, foi buscar o burro.
    - Agora prestem atenção! - disse primeiro e, logo após: " briquelebrit"
    Mas o que caiu não foram precisamente moedas de ouro e ficou claro que o bicho nada entendia da arte de cunhar dinheiro, pois nem todos os burros chegam a essa perfeição. O pobre moleiro, desapontado, notou o logro e pediu desculpas aos parentes, que retornaram a suas casas tão pobres quanto antes. Ao velho alfaiate não restou outra coisa senão pegar, novamente, na agulha e o rapaz empregou-se num moinho.
       O terceiro irmão havia entrado como aprendiz na oficina de um torneiro e, sendo esse um ofício difícil, levou mais tempo para aprender. Seus irmãos, escrevendo--lhe uma carta, contaram o que lhes havia acontecido e como o estalajadeiro lhes roubara seus belos tesouros mágicos na véspera de chegarem em casa. Depois que o rapaz terminou sua aprendizagem e quis correr mundo, o mestre, em recompensa a seu bom comportamento, presentou-lhe um saco e disse:
    - Há um bordão aí dentro.
    - O saco posso colocar nos meus ombros e poderá servir-me- disse o rapaz- mas que farei com o bordão? Será apenas um peso para mim.
    - Direi para que serve - respondeu-lhe o mestre. - Se alguém te maltratar, é suficiente que digas: " Bordão, sai do saco! " e logo o verás saltar para fora e dançar nas costas da pessoa, com tanto vigor e entusiamo que durante oito dias não poderá mover-se. Nada o fará parar enquanto não lhe ordenes: " Bordão, entra no saco."
    -   O jovem agradeceu, pôs o saco aos ombros e, quando o atacavam para brigar, dizia: " Bordão, sai do saco" e logo o cacete tratava de passar a roupa dos atacantes sem esperar  que as tirassem primeiro; e agia com tal ligeireza, passando de uma outro, que nem ao menos notavam quando chegava a sua vez.
    Ao anoitecer, o jovem torneiro chegou à hospedaria onde seus irmãos haviam sido logrados. Colocou a mochila sobre a mesa, à sua frente, e principiou a contar as maravilhas que vira pelo mundo afora.
   - Sim - disse ele - a gente encontra mesas encantadas, burros de ouro e coisas semelhantes. Tudo isso são maravilhas que não desprezo; entretanto, nada significam em comparação com o tesouro que adquiri e levo dentro de saco.---------
   O estalajadeiro aguçou os ouvidos. " Que diabo poderá ser? " pensou ele. " saco, na certa, está cheio de pedras preciosas. Devo pensar em como apossar-me dele, pois todas as coisas andam, sempre, em número de três. A mesa e o burro já tenho; agora só me falta o saco."
   Quando chegoy a hora de dormir, o hóspede deitou-se no banco, fazendo o saco de travesseiro. O dono da estalagem, acreditando que ele estivesse dormindo profundamente, aproximou-se e começou a puxar o saco, devagar e cautelosamente, para ver se era possível retirá-lo dali e substituí-lo por outro. O torneiro, porém, estava esperando por aquilo há muito tempo. No momento em que o dono da estalagem deu um puxão mais forte, ele gritou: " Bordão, sai do saco." Imediatamente o cacete se pôs a medir as costas do hospedeiro que dava gosto se ver. O homem gritava de fazer só, mas quanto mais berrava mais cacetadas recebia, até que caiu no chão, exausto. O torneiro, então, disse-lhe:
   - A dança continuará se não entregares a mesinha mágica e o burro de ouro.
    - Em seguida! Em seguida! - exclamou o homem, extenuado. - Entregarei tudo, contando que faças esse maldito mostro entrar, de novo novo, no saco.
    - Serei clemente, - disse o rapaz - mas que te sirvão de lição. E, gritando: " Bordão, entra no saco", ele o deixou em paz.
     Na manhã seguinte o torneiro partiu, levou a mesinha mágica e o burro de ouro e pôs-se a caminho da casa de seu pai. O alfaiate alegrou-se ao vê-lo e também a ele perguntou o que aprendera.
    - Querido pai - respondeu o jovem- aprendi a ser torneiro.
     Um ofício que exige muita arte- retrucou o pai - mas que trouxeste de tuas viagens,
   - Uma peça preciosa, querido pai -disse o filho. - Um bordão dentro de um saco.
   - O que?! - exclamou o velho - um bordão? Ah, vale mesmo a pena! Poderias cortar um de cada árvore!
   - Não um como este, meu pai! Se eu disser: " Bordão, sai do saco," ele salta para fora e inicia um baile com apessoa mal-intencionada que acaba deixando-a estendida no chão até pedir misericórdia. Veja, com este bordão consegui readquirir a mesinha mágica e o burro de ouro que o estalajadeiro ladrão roubou de meus irmãos. Agora vá chamar os dois e convide todos os parentes, que lhes darei de comer e beber e ainda encherei seus bolsos de ouro.
    Embora desconfiado, o velho alfaiate saiu a convidar os parente. Em seguida, o torneiro foi estender uma toalha no chão da sala e depois, entrando ali com o burro, disse a seu irmão:
   - Agora, entende-te com ele.
    E o moleiro pronunciou a palavra: " brinquelebrit!"
    No mesmo instante caíram moedas de ouro como se fosse uma verdadeira chuva e o burro não parou até que todos haviam recolhido tanto que ja´não podiam mais carregar.( Pela tua cara, vejo que gostaria de tomar parte!) Depois o torneiro foi buscar a mesinha mágica e disse:
    - Querido irmão, agora fala tu com ela.
    E mal o carpinteiro disse: "Mesinha, cobre-te!" - já estava cheia dos mais belos quitutes. Saborearam, então, um banquete com o bom alfaiate ainda naõ vira em sua casa e toda a parentela permaneceu reunida até alta noite em plena festa de regozijo. O alfaiate guardou no ármario a agulha e linha, a vara de medir e o ferro de engomar e viveu rico e feliz em companhia de seus três filhos.
  Mas que fim levou a cabra, culpada de ter o alfaiate expulsado seus filhos? Vou te contar. Cheia de vergonha por estar coma cabeça pelada, ela foi se esconder na toca da raposa. Esta, ao voltar para casa, enxergou no escuro uns olhos grandes, chamejantes, e, assustando-se, deitou a correr. Encontrou-se com ela o urso e, vendo que estava toda alvorotada, indagou:
   - Que há, irmã raposa, que cara é essa?
    - Ah! - responde a outra- um monstro se meteu na minha toca e me olhou com olhos de fogo!
    Ora! Logo o espantaremos! - falou o urso. Foi à toca e espiou para dentro. Mas quando enxergou os olhos chamejantes, ficou igualmente apavorado e, não querendo se ver às voltas com o monstro, saiu também em disparada.
    A abelha, encontrando-se come ele, percebeu que algo estranho se passava e indagou:
    - Urso, pareces aborrecido. Onde está teu bom humor?
     - Para ti é fácil falar! - respondeu o urso.- Há um monstro com olhos de fogo na casa da raposa e não conseguimos enxotá-lo!
     Respondeu-lhe, então, a abelha:
   - Tenho pena de ti,  urso. Sou uma pobre e débil criatura que vocês nem se dignam olhar , mas acho que poderia auxiliá-los.
     Voou até a toca da raposa, sentou-se na cabeça pelada da cabra e meteu-lhe o ferrão com tanta força que ela saiu a correr pelo mundo afora, gritando: Bééé! Bééé! E desde esse momento ninguém mais soube que rumo tomou.FIM


























quinta-feira, 23 de julho de 2015

JOÃOZINHO E MARIAZINHA - CONTOS DE GRIMM

       Perto de uma enorme floresta vivia um lenhador com sua segunda mulher e dois filhos do seu primeiro casamento. O menino se chamava Joãozinho e a menina Mariazinha. Pouco tinham para comer e, certa vez, quando houve uma grande miséria no país, o homem não conseguia mais ganhar nem o pão de cada dia.
   Uma noite em que, cheio de preocupações, ele se revolvia na cama sem poder dormir, disse, suspirando, à mulher:
   - Que será de nós? Como iremos sustentar meus pobres filhos se nem para nós resta coisa alguma que comer?
    - Sabes que mais? -respondeu a mulher.- Amanhã cedo,  levaremos as crianças a um lugar bem espesso da floresta. Ali acenderemos uma fogueira; daremos um pedacinho de pão a cada um e vamos tratar do nosso trabalho, deixando-os sozinhos. Não saberão encontrar o caminho de volta e ficaremos livres deles.
  - Não,  mulher! - disse o lenhador.- Não farei uma coisa dessas! Como poderia cometer a maldade de abandonar meus filhos no bosque? Em pouco tempo seriam devorados pelas feras.
  - Oh, seu tolo! - exclamou ela. - Não compreendes que então morreremos os quatro de fome? Já podes ir serrando as tábuas para os caixões!
   E não deixou o marido em paz até que ele, por fim, cedeu.
   - Mas tenho muita pena dessas pobres crianças! - dizia.
   Os dois irmãozinhos que, de fome, também não tinham podido dormir, havia escutado tudo o que a madrasta aconselhara a  seu pai. Entre lágrimas amargas, Mariazinha disse a Joãozinho:
   - Estamos perdidos!
   - Não chores - consolou o menino- e não te aflijas, que saberei como agir.
   Depois que os velhos adormeceram, ele se levantou, pôs o seu casaquinho e saiu pela porta dos fundos. A lua brilhava muito e as pedrinhas no chão, em frente à casa, reluziam que nem moedinhas de prata. Joãozinho abaixou-se e meteu tantas nos bolsos quantas cabiam. Feito isto, voltou para junto de Mariazinha e disse-lhe:
  - Coragem, irmãzinha, e dorme sossegada. Deus não nos abandonará.
  E deitou-se novamente. Pela madrugada, antes de sair o sol, a mulher foi acordar as criança.
   - Levantem-se, preguiçosos! Temos de ir à floresta buscar lenha!
   E, dando um pedacinho de pão a cada um deles, prosseguiu:
   - Tomem isso para o almoço, mas não comam antes, porque nada mais lhe darei.
    Mariazinha guardou os pedaços de pão no avental, já que Joãozinho tinha os bolsos cheios de pedras. depois todos se encaminharam para o bosque. Fazia algum tempo que andavam quando o menino, de trecho em trecho, passou a diminuir a marcha e a olhar para a casa. Disse-lhe o pai:
   - Joãozinho, que tanto olhas para trás? Anda, não te esqueças de caminhar!
   - Estou olhando meu gatinho branco que está lá no telhado me dizendo adeus - repondeu o menino.
   A mulher, porém, retrucou:
   - Idiota! Aquilo não é um gato; é o sol da manhã que se reflete no cano da chaminé!
     Mas Joãozinho não estava olhando gato nenhum; o que fazia era tirar do bolso as pedrinhas brancas que ia jogando ao longo do caminho.
    Quando chegaram ao meio da floresta, disse o pai:
   - Agora, meninos  procurem lenha. Vou acender um fogo para que não sintam frio.
    Joãozinho e Mariazinha juntaram um monte bem grande de lenha miúda. A seguir, foi acessa a fogueira e, depois que as chamas começaram a arder bem vivas, a mulher recomendou:
   - Fiquem perto do fogo, crianças, e descansem. Nós iremos adiante para cortar lenha. Quando estivermos prontos, viremos buscá-los.
   Os dois irmãozinhos sentaram-se junto à fogueira e, ao meio-dia, cada um comeu seu pedacinho de pão. Como estavam ouvindo golpes de machado, pensaram que seu pai andava ali perto. na verdade, o que ouviam não era o machado, mas um galho que o lenhador atara a uma árvore seca e que o vento fazia chocar contra o tronco. Depois de estarem sentados ali, por algum tempo, cansaço os obrigou a fechar os olhos e eles adormeceram profundamente.
    Quando acordaram, era noite fechada. Mariazinha começou a chorar e perguntou:
    - Como vamos sair da floresta?
     Mas Joãozinho a consolou:
    - Espera um pouco, até aparecer a lua, que logo encontraremos o caminho.
    E assim surgiu a lua cheia, o menino, tomando a mão de sua irmãzinha, foi seguindo as pedrinhas que, brilhando como prata batida, lhes indicaram o rumo. Andaram toda noite e, ao despontar da aurora, chegaram à casa de seus pais. Bateram à porta e a madrasta, que abriu, exclamou ao vê-los:
   - Meninos maus! Por  que ficaram dormindo tanto tempo no mato? Pensamos que nem quisessem voltar mais!
    Mas o pai alegrou-se com o regresso deles, pois sentia um peso na consciência por havê-los abandonado.
   Tempo depois houve outra época de fome no país e, certa noite , os meninos ouviram quando a madrasta, na cama, dizia ao marido:
    - Acabaram-se os alimentos. a não ser a metade de um pão, nada mais nos resta. É preciso nos desfazermos das crianças. Vamos levá-las mais para o fundo do mato, para que não possam encontrar o caminho de volta; do contrário, não haverá salvação para nós.
    O pai, desesperado, começou a discutir. Mas a mulher não quis ouvir suas razões e passou a insultá-lo e a censurá-lo. E como quem diz "A", diz "B", o marido, tendo cedido uma vez, teve de ceder novamente. Os meninos, que ainda estavam acordados, ouviram toda a conversa, e, quando os velhos adormeceram, Joãozinho levantou-se para ir juntar pedrinhas, como da outra vez; mas nada pode fazer porque a mulher tinha trancado a porta. E ele tratou de consolar a irmã, dizendo:
    - Não chores, Mariazinha. Dorme sossegada, que Deus Nosso Senhor há de nos ajudar.
    De madrugada, a mulher foi ao quarto tirá-los da cama. Deu a cada um deles um pedacinho de pão menor ainda que o da última vez. Pelo caminho, Joãozinho ia esmigalhando o pão no bolso e, detendo-se de vez em quando, deixava cair um pedacinho no chão.
   - Joãozinho, por que estás parado, olhando para trás?
- indagou o pai. - Vamos, não te distraias!
     - Olho a minha pombinha que está lá no telhado me dizendo adeus!
      - Tolo! - disse a mulher. - Não é a sua pombinha, é o sol da manhã no alto da chaminé!
       - Joãozinho, porém, continuou semeando migalhas pelo caminho.
       A madrasta conduziu os meninos ainda mais para o fundo da floresta, a um lugar onde jamais haviam estado. Ali acenderam uma grande fogueira e a mulher disse-lhes:
       - Fiquem aí, crianças! Se cansarem, durmam um pouco enquanto nós vamos cortar lenha. À tarde voltaremos aqui para buscá-los.
       Ao meio-dia, Mariazinha repartiu seu pão com Joãozinho, pois o seu ele espalhara na estrada. Depois adormeceram e, quando chegou a tarde, ninguém foi buscar os pobrezinhos. Só acordaram quando já era noite fechada. Joãozinho consolou a irmã, dizendo-lhe:
     - Espera, Mariazinha, até que saia a lua; então veremos as migalhas de pão que espalhei e que nos mostrarão o caminho de volta.
     Quando a lua apareceu, eles se dispuseram a voltar, mas não encontraram ao menos uma migalhinha.  Os passarinhos, que voam, aos milhares, pelos matos e pelas campinas, tinham comido tudo. Disse Joãozinho à Mariazinha:
  - Havemos de encontrar o caminho.
  Mas não o encontrara. Durante toda a noite e todo o dia seguinte andaram na madrugada até anoitecer, sem conseguirem sair da floresta imensa. Sentiam muita fome, pois, apenas tinham para comer umas poucas frutinhas silvestres que achavam pelo chão. estavam por fim tão cansados que as pernas se negavam a sustenta-los. Sentaram -se então ao pé de uma árvore e adormeceram.
   E amanheceu o terceiro dia, desde que haviam saído de casa. Começaram a andar, de novo. Entretanto, cada vez se perdiam mais. E se alguém não os socorresse, estariam condenados a morrer.
    Quando chegou ao meio-dia, viram um lindo pássaro, branco como a neve, pousado no galho de uma árvore. Cantava tão suavemente que os dois se detiveram a escutá-lo. Ao terminar sua canção, abriu as asas e saiu voando, mas Joãozinho e Mariazinha o seguiram até chegarem a uma cabana em cujo telhado ele pousou. De perto, viram que era toda feita de pão e coberta de bolos, e que as janelas eram de puro açúcar.
    - Olha! - exclamou Joãozinho- Vamos matar a nossa fome! Eu comerei um pedaço do telhado e tu, Mariazinha, a janela, que é doce.
    O menino foi ao telhado e tirou um pedacinho para provar o gosto, enquanto sua irmãzinha experimentava os cristais da janela. De repente, ouviram uma vozinha suave, vinda do interior da casa: 
   - Será, por acaso, um ratinho.
    Que rói a minha casinha?
   E as crianças responderam:
       - É o vento, é o vento,
       Que sopra neste momento.
   E continuaram comendo sem se deixarem estorvar. Joãozinho, que achou o telhado muito saboroso, arrancou um bom pedaço e Mariazinha tirou toda a vidraça e, sentando-se no chão, a saboreou com gosto.
    Subitamente a porta se abriu e uma mulher muito velha, apoiada a uma muleta, saiu da cabana. Joãozinho e Mariazinha se assustaram de tal modo que soltaram o que tinham nas mãos; a velha, porém ,sacudiu  a cabeça, e lhes disse:
   - Olá, crianças! Quem as  trouxe aqui? Entrem. Entrem e fiquem comigo, que não lhes farei mal.
   E, pegando a ambos pelas mãos, os introduziu na cabana. Ali serviu-lhes boa comida, leite com panquecas açucaradas, maças, nozes. Depois os levou a duas caminhas com lençóis brancos e Joãozinho e Mariazinha se deitaram nelas pensando estar no céu.
   Mas a velha estava apenas fingindo toda aquela gentileza, pois na realidade era uma feiticeira maldosa,acostumada a espreitar crianças, e só construíra a casinha de bolo para atraí-las. Se caíam em seu poder, ela as matava, cozinhava e comia. Era um dia de festa para ela! As bruxas tem olhos vermelhos enxergam pouco, mas, em compensação, seu olfato é muito desenvolvido, como o dos animais, e sentem de muito longe a presença das pessoas. Na véspera, enquanto Joãozinho e Mariazinha se aproximava, a velha dizia com um riso maldoso:
   - Já são meus, não hão de escapar!
   Levantou-se bem cedo, antes de as crianças despertarem e, ao vê-las descansar tão calmamente, com suas faces cheias e rosadas, murmurou:

   - Vai ser um prato gostoso!
   E pegando Joãozinho, com suas mãos secas, o levou a um pequeno estábulo e lá o encerrou atrás de uma porta de grades. O menino gritou com todas as suas forças, mas em vão.

   Depois a bruxa foi a cama de Mariazinha e, sacudindo-a, rudemente, gritou:
    - Levanta-te, preguiçosa! Vai buscar água e cozinha uns petiscos para teu irmão, que ficou no estábulo, para engordar. Depois se bem cevado, eu o comerei.
   Mariazinha começou a chorar amargamente, o que de nada lhe adiantou.
  Teve de cumprir o que a bruxa malvada ordenara. Daí por adiante, Joãozinho passou a comer pratos deliciosos, enquanto Mariazinha recebia, apenas, cascas de caramujo. Todas as manhãs, a velha aproximava-se do estábulo e dizia:
   - Joãozinho, mostra-me o teu dedo, que quero ver se já estás gordo.
    O menino, porém, mostrava-lhe um ossinho, e a velha, que não enxergava bem, pensava ser o seu dedo e muito se admirava por não haver jeito de ele engordar.
   Depois de quatro semanas, vendo que Joãozinho continuava magro , a bruxa perdeu a paciência e não quis esperar mais:
   - Ei, Mariazinha! - disse à menina.- Depressa, traz água. Gordo ou magro, amanhã vou matar e comer o teu irmão.
    Que aflição para a pobre pequena ao ver-se obrigada a trazer água! E como as lágrimas lhe corriam pelas faces!
   - Meu Deus, ajuda-nos! - rogava ela. - Antes as feras nos tivessem devorado; assim, ao menos teríamos morrido juntos.
    Para com esse choro! - gritou a velha.- De nada te adianta!
    De madrugada, Mariazinha teve de sair para encher de água a caldeira e acender o fogo.
   - Primeiro faremos pão - disse a feiticeira. - Já aqueci o forno e preparei a massa.
   E, abaixo de empurrões, levou a pobre menina até o forno, de onde saíam chamas.
    - Entra e verifica se o calor é suficiente para metermos o pão - ordenou a velha.
    O que ela tencionava era fechar a porta do forno quando a menina estivesse dentro, assá-la e comê-la também. Mas a Mariazinha lhe adivinhou o pensamento e disse:
     - Não sei como fazer para entrar aí.
    Criatura idiota! - replicou a bruxa. - A abertura é bastante grande. Vê, até eu passaria por ela.
    E, para demostrá-lo, adiantou-se e meteu  a cabeça na boca do forno. Nesse momento Mariazinha deu-lhe um empurrão tão forte que a precipitou lá dentro e, fechando a porta de ferro, correu depressa o ferrolho.
   Puxa! Como a velha berrou! Era horrível de se ouvir! Mas a menina saiu correndo e a bruxa miserável morreu queimada!

    Mariazinha foi logo ao estábulo onde estava Joãozinho e lhe abriu a porta, exclamando:
   - Estamos salvos, Joãozinho! A bruxa velha está morta!

    O rapazinho saiu como pássaro ao qual se abre a gaiola. Que alegria sentiram os dois e como se jogaram aos braços um dos outro, beijando-se de contentamento! Como não precisassem mais temer coisa alguma, entraram na casa da bruxa, onde encontraram, por todos os cantos, caixas cheias de pérolas e pedras preciosas.
   Essas valem mais do que as pedrinhas! - exclamou Joãozinho, enchendo os bolso com quanto cabia neles. Mariazinha manifestou-se:
   - Eu também quero levar algo para casa..... 
    E, por sua vez, encheu bem   seu aventalzinho.
   - Vamos agora! - disse o menino. - Devemos sair desta floresta enfeitiçada!
   Depois de terem andando alguma horas, chegaram a um rio muito grande.
   - Não podemos atravessá-lo - observou Joãozinho. Não tem uma ponte ao menos.
    - E nem um barco- acrescentou Mariazinha. - Mas ali está andando um pato branco; se lhe pedirmos, ele nos ajudará a passar o rio. E gritou:
    Patinho, patinho!
    Aqui estão Mariazinha e Joãozinho.
    Não há ponte para passar.
    Nas tuas costas brancas queres nos levar?
 O patinho aproximou-se e o menino subiu nele, convidando sua irmã a fazer o mesmo.
 - Não respondeu ela, - seria pesado demais para o patinho; que leve um, depois o outro.
   Assim fez o bom animalzinho e, quando já tinham alcançado a margem oposta e caminhando um pequeno trecho, a floresta lhes pareceu cada vez mais familiar. Até que enfim descobriram, ao longe, a casa de seu pai. Começaram, então a correr, e entrando como um pé- de- vento pela porta, atiraram-se os dois ao pescoço dele, abraçando-o. O pobre homem não havia tido uma hora só de de descanso, desde o dia em que abandonara seus filhos na floresta. Quanto à madrasta, havia morrido nesse meio tempo. Mariazinha esvaziou o avental, fazendo as pérolas e as pedras preciosas saltarem pelo chão e Joãozinho também, terminaram-se as preocupações e os três viveram muito felizes. Minha história acabou e um ratinho por ali passou! Quem conseguir pegá-lo, poderá fazer dele um grande casaco de peles.
FIM



segunda-feira, 20 de julho de 2015

O ALFAIATE NO CÉU - CONTOS DE GRIMM

  Certa ocasião, como o dia estivesse muito bonito, Deus nosso Senhor resolveu passear pelos jardins celestiais e se fez acompanhar de todos os apóstolos e santos. Somente São pedro ficou no seu  posto. Ordenou-lhe o Senhor que não deixasse entrar ninguém durante Sua ausência e São Pedro ficou bem atento, junto à porta. Pouco depois alguém bateu. Pedro perguntou quem era e o que desejava.
   - Sou pobre e honrado alfaiate - respondeu uma vozinha suave - que pede para entrar.
    - Sim- disse Pedro- honrado como ladrão na forca! Bem que soubeste furtar o pano a teus fregueses. Não entrarás no céu. O  Senhor proibiu a entrada de qualquer pessoas durante Sua ausência.
    - Tem dó de mim! -suplicou o alfaiate. - Pequenos retalhos não representam furto. Nem vale a pena falar nisso! Vê, estou rengueando em consequência da caminhada e com pés cheios de bolhas; não posso voltar. Deixa-me entrar e eu farei todo o serviço pesado: carregar as crianças, lavar fraldas, limpar os bancos onde brincaram e remendar a roupa rasgada.
   São Pedro compadeceu-se e abriu uma frestinha, o suficiente para deixar passar o esquelético alfaiate. Depois disse-lhe que ficasse sentado, quietinho, num canto atrás da porta, afim de que o Senhor, ao voltar, não o visse e se zangasse. O alfaiate obedeceu. entretanto, quando São Pedro se afastou por um momento, ele levantou-se cheio de curiosidade, foi bisbilhotar todos os recantos do céu. Chegou, finalmente, a um lugar onde havia muitas cadeiras, lindas e preciosas, e ao centro um trono todo de ouro crivado de fulgurantes pedrarias; este, muito mais alto que os outros assentos, tinha à sua frente uma banquetinha para os pés, também de ouro. Era o trono de Deus. Nosso Senhor senta-se nele quando está em casa  e dali enxerga tudo o que se passa na Terra. O alfaiate ficou a contemplá-lo durante muito tempo, pois lhe agradava mais que outra coisa qualquer. Finalmente, não conseguindo dominar sua petulância, sentou-se no trono. Passou, então, a ver tudo o que se passava neste mundo e pode assim observar uma mulher muito velha e feia que lavava roupa num arroio e que acabava de esconder duas peças. O alfaiate, notando aquilo, enfureceu-se de tal modo que agarrou a banqueta de ouro e a arremessou, do céu à Terra, contra a velha ladra. Mas, como não pudesse trazer de volta o banquinho, desceu sorrateiramente do trono e foi sentar-se no seu lugar, atrás da porta.
     Nosso Senhor, ao regressar com seu séquito celestial, não percebeu o alfaiate no seu esconderijo, mas, quando foi sentar-se no trono, viu que faltava o banquinho e perguntou a Pedro onde estava. O santo não soube lhe responder. E o Senhor, prosseguindo, indagou se não deixara entrar alguém.
    - Que eu saiba- respondeu Pedro- a única pessoa que entrou aqui foi um alfaiate coxo que ainda está sentado atrás da porta. 
     O  Senhor então, mandou chamar o alfaiate, muito ancho,- enfureci-me ao ver uma velha roubando duas peças de roupa e atirei-lhe o banquinho na cabeça.
    - Grande velhaco! - exclamou Nosso Senhor .- Fosse eu fazer justiça como tu, o que pensas que seria de ti?
 Há muito não haveria mais cadeiras, bancos, poltronas e nem mesmo uma pá de fogo por aqui! Eu teria jogado tudo nos pecadores. Daqui por diante não poderás ficar no céu; vê lá onde te metes! Ninguém tem o direito de fazer justiça a não ser eu, o Senhor.
      Pedro foi obrigado a levar o alfaiate para fora do céu. E o nosso homem, como tinha os sapatos rasgados e os pés cheios de bolhas, empunhou um bastão e se dirigiu coxeando para a " Terra do Vai Esperando" , onde se encontram os soldados que foram bons e outras pessoas que lá se distraem como podem. FIM
     -

A MOÇA DAS MÃOS CORTADAS -CONTOS DE GRIMM

 Um moleiro foi empobrecendo pouco a pouco, até que um dia nada mais lhe restou senão o moinho, atrás do qual havia um grande pé de macieira. Certa vez, indo ao bosque cortar lenha, encontrou um velho a quem nunca tinha visto e que assim lhe falou:
   Por que te cansas rachando lenha? Eu te farei rico se prometeres dar-me o que está atrás do teu moinho.
   " Que outra coisa pode se se não a macieira?", pensou o moleiro, e, aceitando a proposta, comprometeu-se com o desconhecido. Este soltou uma gargalhada e acrescentou:
    - Daqui a três anos virei buscar o que me pertence.
    - Dito isto, foi-se embora.
      O moleiro, ao chegar em casa, foi recebido por sua mulher, que lhe disse:
    - De onde nos vem essa riqueza, assim, tão de repente, homem? Todas as arcas e caixotes estão cheios de dinheiro; entretanto, ninguém o trouxe aqui e não posso saber como isso aconteceu!
    Respondeu-lhe o moleiro:
   - Encontrei um desconhecido no bosque, que me prometeu grandes tesouros. Eu, em troca, lhe prometi o que está atrás do moinho. A macieira bem vale isso tudo.
    - Que fizeste, homem? - exclamou  a mulher, horrorizada. - Aquele era o diabo, e não se referia à macieira, mas à nossa filha, que estava varrendo o pátio atrás do moinho.
    A filha do moleiro era uma moça bonita e religiosa. Durante três anos que se seguiram ao encontro do pai com o velho do bosque, ela viveu sempre fazendo as suas devoções e livre de pecados. Transcorrido o prazo, quando chegou o dia em que o diabo iria levá-la, lavou-se cuidadosamente e, com giz, traçou um círculo em seu redor. O diabo apresentou-se bem cedo, mas não conseguiu chegar perto dela. Furioso, falou ao moleiro.
    - Tira-lhe toda água, que se achar a seu alcance, para que ela não possa lavar-se. Do contrário, não tenho poder sobre ela.
     Assustado, o homem obedeceu. Na manhã seguinte, o diabo se apresentou de novo, mas a moça, que havia chorado com as mãos nos olhos, estava com elas bem limpas. Mais uma vez o diabo não pode aproximar-se e disse, furioso,ao moleiro.
    Corta-lhe as mãos; do contrário não posso levá-la.
    Apavorado, o homem respondeu-lhe;
   - Como poderei cortar as mãos de minha própria filha?
    O outro, porém, o ameaçou:
    - Se não fizeres, serás tu quem me pertencerá e te levarei comigo para as profundezas do inferno.
    Amedrontado, o pai prometeu obedecer e, dirigindo-se à moça, disse-lhe:
    - Minha filha, se eu não cortar as tuas mãos, o diabo me levará. Assim, em meu desespero, prometi o que ele exigiu. Ajuda-me nesta desgraça e perdoa o mal que te faço.
   - Meu pai- respondeu ela- faça comigo o que quiser. Sou sua filha.
   E, estendendo-lhe ambas as mãos, deixou que as cortasse. Veio o diabo pela terceira vez. Mas a moça, que havia chorado muito com os tocos dos braços apertados contra as pálpebras, acabou deixando-os limpos. O diabo, então, foi obrigado a retirar-se, perdendo todos os direitos sobre ela.
   Dirigindo-se logo à sua filha, o moleiro disse:
    - Foste a causa de minha fortuna. Viverás com todas as regalias durante a vida inteira.
   Mas a moça lhe respondeu:
   - Não posso ficar aqui, quero ir embora. Encontrarei pessoas piedosas que me darão aquilo de que necessito.
   Pediu que lhe atasse os braços mutilados à costas e quando o sol saiu, ela se pôs a caminho. Andou todo o dia até que anoiteceu. por fim, chegou à frente de um jardim real e, à luz da lua, pode ver  que as suas árvores estavam cheias de belos frutos. Não lhe foi possível, entretanto, entrar nele, pois o jardim era cercado por um canal cheio de água. Como tinha andando o dia inteiro sem comer coisa nenhuma, a moça pensou: "Quem me dera entrar entrar aí e comer dessas frutas para não morrer de fome! " Ajoelhou-se e, invocando a Deus, rezou. De repente apareceu um anjo que fechou a represa, fazendo secar o canal. Ela, então, pode atravessá-lo com os pés enxutos e entrou no jardim, acompanhada pela criatura celestial. Ali viu uma árvore carregada de belas peras. Não sabia que elas estavam todas contadas. Aproximou-se e apanhou uma, diretamente com a boca, apenas uma, só para matar a fome. O jardineiro a estava observando, mas, como anjo estava com ela, não se atreveu a intervir, pensando que a moça era um espírito. Assim conservou-se calado, sem chamá-la nem dirigir-lhe a palavra. Depois de ter comido a pera e sentir-se satisfeita, a moça escondeu-se no mato.
     Na manhã seguinte, o rei, a quem pertencia o jardim, foi até lá e, contando as peras, notou que faltava uma. Perguntou ao jardineiro o que acontecera, pois a fruta havia desaparecido e nem ao menos em baixo da árvore estava. Respondeu-lhe o homem:
    - À noite passada entrou aqui um espírito que não tinha mãos e apanhou a pera diretamente com a boca.
    - E como pode atravessar a água? - perguntou o rei. - E para onde foi, depois de comer a fruta?
    - Um ser baixou do céu, com um vestido branco como neve, e fechou a represa, para que o espírito pudesse atravessar o canal. E como só podia ser um anjo, fiquei com medo de chamar e indagar qualquer coisa. Depois de comer a pera, o espírito se retirou.
   - Se é como dizes- declarou o rei- ficarei de guarda contigo esta noite.
    Ao escurecer, o rei foi ao jardim, acompanhado de um sacerdote, que tinha a incumbência de falar com o espírito. Os três sentaram embaixo da árvore, atentos ao que iria acontecer. à meia-noite, a moça saiu do bosque e, aproximando-se da árvore, apanhou outra pera, diretamente com a boca. A seu lado estava o anjo vestido de branco. O sacerdote, então, apresentou-se e perguntou:
   - Vens de Deus ou vens do mundo? És um espírito ou ser humano?
    E a moça respondeu:
     - Não sou espírito; sou uma pobre criatura humana, abandonada de todos, menos de Deus.
    Falou-lhe, então, o rei:
   - Se o mundo inteiro te abandonou, eu não o farei. E levou-a consigo a seu palácio. Vendo que era linda de rosto e de coração, enamorou-se dela, mandou fazer-lhe umas mãos de prata e a tomou por esposa.
    Ao cabo de um ano, o rei foi obrigado a partir para a guerra e, recomendando a jovem rainha à sua mãe, disse-lhe:
  - Quando chegar a hora em que irá dar a luz, cuide bem dela e me mande uma carta em seguida.
    A rainha teve um lindo filho e a  avó apressou-se em escrever ao rei, dando-lhe a boa nova.O mensageiro,porém, fatigado da longa viagem, resolveu descansar junto a um arroio e ali adormeceu. Apresentou-se, então o diabo, sempre disposto a fazer mal à piedosa rainha, e trocou a carta por outra, na qual dizia que ela trouxera um monstro ao mundo. O rei, ao ler a notícia, ficou chocado a profundamente triste; no entanto escreveu, em resposta, que cuidassem bem da rainha até o seu regresso.
   O mensageiro voltou com a carta e pôs-se a sestear exatamente no mesmo lugar junto ao arroio. O diabo apareceu, de novo, e substituiu a carta por outra que continha uma ordem para matar a rainha e seu filho. A avó ficou horrorizada e, não podendo acreditar no que lia, tornou a escrever ao rei. A resposta, porém, foi a mesma, pois todas as vezes o diabo trocava a carta no bolso do mensageiro adormecido. Na última, ordenava até que, em testemunho de haver sido cumprida a ordem, guardassem a língua e os olhos da esposa.
   A velha rainha, desolada com o pensamento de que fosse derramado sangue tão inocente, mandou que matassem uma gazela; depois, tirou-lhe os olhos e a língua e os guardou. a seguir, chamou a rainha:
  - Não posso mandar que te matem como ordena o rei; mas aqui não podes ficar por mais tempo. Vai com teu filho pelo mundo afora e nunca voltes aqui.
   Atou-lhe o menino às costas e a pobre mulher partiu com os olhos cheios de lágrimas. Depois de muito caminhar, chegou a uma floresta enorme. Ali, pôs-se de joelhos e rezou a Deus. Apareceu-lhe então um anjo de Senhor e a conduziu a uma cabana onde se lia numa tabuleta: " Aqui todos moram de graça"
   Da casa saiu uma moça, branca como a neve, que disse:
  - Bem-vinda seja,senhora rainha! - e acompanho-a ao interior da casa.
   Desatando-lhe o filho das costas, ela o pôs no peito da mãe para que esta pudesse dar-lhe de mamar.
Depois, deitou-a num berço. Indagou, então a pobre mãe:
   - Como sabes que fui rainha?
   E a moça lhe respondeu:
  - Sou um anjo enviado por Deus para cuidar de ti e teu filho.
   A jovem viveu naquela casa durante sete anos, bem tratada e atendida em tudo e foi tanta a sua devoção que Deus, compadecido,fez com que aparecessem novas mãos.
   Depois de muito tempo, o rei, terminada a campanha, regressou ao palácio e logo quis ver a esposa e o filho. A velha rainha começou a chorar, exclamando:
   - Oh, malvado! Que foi que me escreveste? Madrasta matar aquelas duas almas inocentes! - E, mostrando-lhe as cartas falsificadas pelo diabo, acrescentou: - cumpri tua ordem- e apresentou-lhe, também, a língua e os olhos que ele mandara arrancar.
   Desconsolado, o rei chorou, amargamente, pelo triste destino de sua pobre esposa e de seu filhinho. Diante disso, a velha rainha, compadecida, lhe falou:
    -  Consola-te, que ela vive. Secretamente, mandei matar uma gazela e guardei isto como prova. Quanto à tua esposa , atei-lhe o menino às costas e mandei que saísse pelo mundo e jamais voltasse aqui, já que estavas tão zangado com ela.
    Disse, então o rei:
   - Sairei a caminhar sem comer nem beber, até que encontre minha esposa e meu filho, se não tiverem morrido de fome e frio.
   A seguir, o rei partiu. Vagou durante sete anos, procurando até nas mais escondidas grutas, mas não os encontrou em parte alguma e já estava convencido de que haviam morrido de fome. Durante todo aquele tempo, não comeu nem bebeu, mas Deus manteve com vida. Por fim, chegou a vasto bosque, onde descobriu a cabana com o letreiro: "Aqui todos moram de graça." A moça branca apareceu e, pegando sua mão, o levou para dentro, dizendo:
   - Bem-vindo seja, senhor rei! - indagou de onde vinha.
   - Em breve fará sete anos - respondeu ele- que ando, errante, à procura de minha esposa e de meu filho, sem encontrá-los em parte alguma.
     O anjo foi ao quarto onde se encontrava a rainha com seu filho, a quem ela dera o nome de Dorido, e disse-lhe:
    - Teu esposo chegou. Vai com teu filho para junto dele.
    A rainha dirigiu-se à sala onde o rei descansava e, vendo que o lenço lhe caíra do rosto, disse:
    - Dorido, apanha o lenço de teu pai e cobre-lhe o rosto.
    O menino repôs o lenço, mas orei, que o vira, tornou a deixá-lo cair. Impaciente, o pequeno exclamou:
    - Mãezinha, como posso cobrir o rosto de meu pai se nem tenho pai no mundo? Aprendi a rezar: " Pai nosso que estás no céu" e tu disseste que meu pai está no céu e é Deus Nosso Senhor. Como queres que conheça este homem? Ele não é meu pai.
   Ouvindo aquelas palavras, orei ergue-se e perguntou quem ela era.
  - Sou sua esposa- respondeu a rainha- e este é Dorido, teu filho.
   O rei, porém, olhando para suas mãos, disse:
   - As mãos de minha esposa são de prata e não de carne e osso.
  Ao que ela lhe respondeu:
   - Deus misericordioso concedeu-me a graça de fazer com que eu recuperasse as minha mãos naturais.
    E o anjo entrou para o quarto e trouxe as que eram de prata, mostrando-as ao rei. Este viu então que se tratava, de fato, da sua mulher e de seu filho. Radiante, abraço-os e beijou-os, dizendo:
   - Tirei um peso de minha alma!
   O anjo de Deus deu-lhes de comer e , a seguir, retornaram para a casa onde estava a velho avó. Quando chegaram, houve alegria geral e o rei e a rainha tornaram a festejar suas bodas, vivendo satisfeitos e felizes até o fim de seus dias. FIM

 

domingo, 19 de julho de 2015

A GATA BORRALHEIRA - Contos de Grimm

Era uma vez um homem muito rico; um dia sua esposa adoeceu gravemente e, quando sentiu que a morte se aproximava, chamou sua filha única e lhe disse:
   - Se sempre piedosa, que Deus estará contigo e, lá do céu, eu cuidarei de ti.
  Dito isso, fechou os olhos e morreu. Todos os dias a menina ia visitar a sepultura da mãe, onde chorava muito; e continuou sempre piedosa e boa. Ao chegar o inverno, a neve cobriu o túmulo com um vasto lençol branco e, na primavera, depois que o sol o derreteu, o homem casou-se outra vez.
  A segunda mulher trouxe para casa duas filhas, belas e de pele muito branca, mas de coração negro e maldoso. E assim chegaram maus dias para a pobre enteada.
  - Vamos então permitir que essa idiota esteja conosco na sala?! - diziam elas. - Quem quiser pão, terá de merecê-lo. Fora daqui! Essa criada que vá para a cozinha!
   Tiraram-lhe seus lindos vestidos; fizeram-na enfiar roupas velhas, desbotadas, e deram-lhe um par de tamancos para calçar.
  - Vejam a bela princesa, como está bem vestida! - gritavam rindo. Depois a levarem para a cozinha.
   Ali passava ela o dia inteiro ocupada com trabalhos pesados. Pela manhã levantava-se antes de raiar o dia, carregava água, acendia o fogo, cozinhava e lavava roupa. E não era só isso! Suas irmãs ainda a amarguravam constantemente; riam dela, derramavam ervilhas e lentilhas na cinza para que fosse obrigada a catá-las. À noite, cansada de tanta trabalheira, em vez de se deitar numa cama, tinha de acomodar-se junto ao fogão, sobre as cinzas. Por isso, andava sempre empoeirada e suja e todos em casa a chamavam de Gata Borralheira.
   Certa vez, o pai, pretendendo ir à feira, perguntou às duas enteadas o que desejavam que lhes trouxesse de presente.
   - Lindo vestidos! - disse uma delas.
  - Pérolas e pedras preciosas! - quis a outra.
   - E tu, Borralheira - indagou o pai - que desejas?
   - Pai, na sua volta, corte o primeiro ramo que tocar o chapéu e traga-o para mim.
   O homem comprou belos vestidos, pérolas e pedras preciosas para as duas irmãs. De regresso, ao cavalgar pelo mato, um ramo de aveleira lhe fez cair o chapéu e ele o cortou e levou consigo. Quando chegou em casa, deu às suas enteadas o que lhe haviam pedido e à Borralheira o ramo da aveleira. A menina agradeceu e foi até a sepultura de sua mãe; ali plantou a varinha. Depois chorou tanto que suas lágrimas regaram o ramo. O ramo foi crescendo, crescendo, até tornar-se uma bela árvore. A Borralheira ia lá três vezes por dia, chorava e rezava, e sempre um passarinho branco vinha pousar num dos galhos. Cada vez que Borralheira expressava um desejo, ele atirava do alto a coisa desejada.
    Aconteceu que o rei organizou uma festa que devia durar três dias e as moças mais formosas foram convidadas, para que o príncipe herdeiro escolhesse entre elas a sua esposa. Quando as duas irmãs souberam que também tinham sido convidadas, ficaram que não cabiam em si de alegria e chamaram logo a Borralheira.
   - Penteia-nos - disseram-lhe. - Escova nossos sapatos e fecha as fivelas. Vamos à festa no Palácio Real.
   Borralheira obedeceu, mas começou a chorar porque também gostaria de ir ao baile; pediu, pois, à sua madrasta que a levasse.
   - Tu, Borralheira - respondeu ela - imunda e cheia de cinzas, queres ir à festa?
   Mas como a menina não cessasse de pedir, acabou dizendo:
   - Derramei uma panela de lentilhas no borralho; se dentro de duas horas as tiveres catado, poderás ir.
    A moça saiu pela porta dos fundos, foi ao jardim e exclamou:
   - Ó pombinhas mansas, pombinhas-rolas e todas as avezinhas do céu, ajudem-me a catar essas lentilhas!

    As boas no potezinho,
   as que não prestam, no papinho!

   E logo duas pombinhas brancas entraram, voando, pela janela da cozinha; depois vieram as pombas-rolas e por fim todas a avezinhas do céu compareceram, indo pousar nas cinzas. As primeira, baixando as cabecinhas, começaram: pic, pic, pic e, em seguida, os outros pássaros as imitaram: pic, pic,pic, recolhendo todos os grãos bons dentro de uma bacia. Em menos de uma hora estava pronto o trabalho e desapareceram voando. A menina, satisfeita levou para sua madrasta, pensando que a levariam à festa. A mulher, porém, disse-lhe:
    - Não, Borralheira, não tens vestidos de baile e não sabes dançar. Só iriam rir-se de ti!
   A menina recomeçou a chorar e ela, então, lhe falou de novo:
   - Se fores capaz de escolher das cinzas duas panelas cheias de lentilhas, dentro de uma hora, poderás ir. - E pensou: - " Ela jamais conseguirá fazer isso."
   E foi derramar duas bacias de lentilhas na cinza.
 A menina saiu pela porta de fundos e, dirigindo-se ao jardim, chamou:
   - Ó pombinhas mansas, pombinhas-rolas e todas a avezinhas do céu, ajudem-me a catar essas lentilhas!

          As boas no potezinho,
           as que não prestam, no papinho!

   Em seguida duas pombinhas brancas entraram pela janela da cozinha; depois vieram as rolas e por fim todas as avezinhas do céu compareceram e pousaram nas cinzas. As primeira, baixando as cabecinhas, começaram: pic,pic,pic, e, logo depois, os demais pássaros as imitaram: pic, pic, pic, juntando todos os grãos dentro da bacia. Não havia passado meia hora, todo o trabalho já estava pronto e saíram voando pela janela.
   A menina, contente, levou a bacia à sua madrasta, pensando que desta vez lhe permitiriam ir à festa. Ela, porém, tornou a dizer-lhe:
   - É inútil! Não poderás ir porque não tens vestidos e não sabes dançar. Contigo só passaremos vergonha!
   E, apressadamente, saiu com suas orgulhosas filhas.
  Não havendo mais ninguém em casa, Borralheira foi ao túmulo de sua mãe, embaixo da aveleira, e exclamou:
 
 Sacode teus galhos, arvorezinha,
   e joga ouro e prata sobre mim!

   E o pássaro encantado, que lá estava, jogou-lhe um vestido bordado a ouro e prata e uns sapatinhos com adornos de seda e prata. Rapidamente enfiou o vestido e apresentou-se na festa. Mas suas irmãs e a madrasta não a reconheceram. Ao verem-na, em seu belo vestido dourado, pensaram que era uma princesa de outro país. Nem um momento lhes passou pela cabeça que poderia ser a Gata Borralheira. O príncipe foi a seu encontro, deu-lhe a mão e dançou com ela. E daí por diante não quis dançar com mais ninguém nem soltar-lhe a mão. Se acaso outro se aproximava para convidá-la, ele dizia:
  - Ela é meu par!
  Borralheira dançou até tarde, quando, então, quis voltar para sua casa.
   - Vou acompanhar-te - disse-lhe p príncipe, pois pretendia saber a que família pertencia a bela jovem. Ela, no entanto, conseguiu escapar-lhe e se refugiou na casinha da pombas. O filho do rei esperou até chegar o pai dela e lhe disse que a jovem forasteira tinha se escondido no pombal.
   " Teria sido a Borralheira? - pensou o velho.
  Mandou em seguida que lhe trouxessem um machado para derrubar a casinha das pombas. Mas logo viu que não havia ninguém lá dentro. Quando entraram em casa, Borralheira estava deitada nas cinzas, envolta em seus trapos, e só uma pequena lamparina ardia no cano da chaminé. A menina saltara rápida pela janelinha de trás do pombal, correra até a arvorezinha e depositara seus belos vestidos sobre o túmulo. O pássaro os havia retirado e ela, depois de enfiar, novamente, seu vestidinho roto, deitara-se na cozinha sobre as cinzas.
    No dia seguinte, na hora de começar a festa, depois que todos os de casa já se haviam afastado, Borralheira foi até a arvorezinha e falou:

   Sacode teus galhos, arvorezinha,
   e joga ouro e prata sobre mim!

   O pássaro, então, atirou-lhe um vestido ainda mais belo que o do dia anterior. e quando a menina se apresentou no palácio, todos ficaram assombrados diante de sua beleza. O príncipe, que já a esperava o tempo todo, logo tomou sua mão e só dançou com ela. se aparecia outro para convidá-la, dizia ele:
   - Ela é meu par!
  Quando a jovem quis retirar-se, o príncipe a seguiu ansioso para ver onde morava. Ela porém, desapareceu rapidamente no jardim, atrás de sua casa. Havia nele uma árvore alta, muito linda, carregada das mais belas peras, na qual a moça subiu com a ligeireza de um esquilo, escondendo-se na copa. O filho do rei a perdeu de vista, mas ficou aguardando a chegada do pai.
   - A jovem forasteira escapou outra vez, - disse ele - creio que subiu naquela arvore.
    E o pai ficou pensando: " Seria a Borralheira?
 Mandou trazer um machado e cortou a pereira; mas não havia ninguém na copa. Quando chegaram à cozinha, lá estava a Borralheira deitada nas cinzas como de costume, pois descera pelo outro lado da árvore, depois de devolver o belo vestido ao pássaro da aveleira, enfiara novamente os seus velhos trapos.
   No terceiro dia, depois de terem saído todos os de casa, a Borralheira voltou à sepultura de sua mãe e falou a arvorezinha:

 Sacode teus galhos, arvorezinha.
   e joga ouro e prata sobre mim!

 E o pássaro lhe atirou um vestido magnífico, todo fulgurante, como ainda não tivera igual, e os sapatinhos eram inteiramente dourados. Ao se apresentar na festa com aquele traje belíssimo, os convidados s se surpreenderam tanto que não podiam fechar a boca de admiração. O príncipe só dançou com ela e, se alguém a convidava, dizia:
   - Ela é meu par!
   Na hora de sempre a Borralheira se despediu. O filho do rei quis acompanhá-la, mas a menina lhe escapou com tanta rapidez que ele não pode seguir. Desta vez, porém, o príncipe recorrera a um ardil; havia mandado passar piche em toda a escadaria do palácio e, quando a moça por ali desceu correndo seu sapatinho esquerdo ficou grudado num degrau. O filho do rei levantou-o e viu que era pequenino, gracioso e todo dourado. No dia seguinte foi à casa do homem e lhe disse:
  - Minha esposa será aquela em que sirva este sapatinho dourado.
  As duas irmãs se alegraram muito, pois seus pés eram lindos. A mais velha levou o sapato ao quarto para experimentá-lo na presença de sua mãe. Mas não houve jeito de introduzir o dedo grande do pé, pois o calçado era pequeno demais. Falou-lhe, então, a mãe:
   A moça cortou o dedo, meteu o pé, à força, no calçado e, reprimindo a dor, apresentou-se ao príncipe. Este a fez montar em seu cavalo e partiu com ela. Mas o caminho passava pela sepultura e lá estavam as duas pombinhas nos galhos da aveleira, que começaram a gritar:
 
 O sangue está caindo!
   Caindo que não cessa!
 O pé é muito grande!
 A noiva não é essa!

O filho do rei olhou para o pé da moça e viu que o sangue jorrava do calçado. Logo deu meia-volta e, levando a falsa noiva para casa, disse à mãe que não era a que e procurava; a outra irmã que experimentasse o calçado. Esta  retirou-se, também, para o quarto e, embora conseguisse introduzir os dedos do pé, seu calcanhar era grande demais.
   - Corta um pedaço - disse-lhe a mãe. - Quando fores rainha, não terás necessidade de andar a pé.
   A jovem assim fez: depois forçou o pé no sapato e apresentou-se ao príncipe. Ele a pôs à garupa e ambos partiram. De passagem pela aveleira, as duas pombinhas que estavam posadas no galhos gritaram:

   O sangue está caindo!
   Caindo que não cessa!
   O pé é muito grande!
   A noiva não é essa!

 O príncipe olhou o pé da moça e viu que o sangue jorrava do sapato e já manchava de vermelho as meia s brancas. Deu meia-volta e levou a falsa noiva para casa.
   - Esta também não é a verdadeira - disse ele.- Não tem outra filha?
 - Não - respondeu o homem - só resta uma menina, filha de minha falecida esposa. É a Gata Borralheira. Como poderá ser a noiva?
   Ordenou o filho do rei que a chamassem, mas a madrasta opôs-se, dizendo:
   - Oh, não ! Ela está suja demais!
    Mas como o príncipe insistisse, não houve outro remédio senão chamar a Gata Borralheira. Primeiro a jovem lavou bem suas mãos e o rosto, depois foi apresentar-se ao príncipe e o saudou com uma reverência. Este alcançou-lhe o sapatinho. Sentando num banco, a moça tirou o pé do tamanco pesado e o meteu no sapato, que lhe serviu como se feito sob medida. e quando levantou a cabeça e o rei lhe viu o rosto, reconheceu  nela a linda  jovem com quem dançara. Exclamou alegremente:
   - Esta sim, é a minha verdadeira noiva!
 A madrasta e as duas irmãs ficaram verdes de raiva. Ele, no entanto, ajudou-a a montar no cavalo e com ela partiu. Quando passaram pela aveleira, as pombinhas brancas gritaram:

    Podem ir numa carreira,
que  sangue já não cai.
   A noiva verdadeira aí vai!

E desceram voando para ir pousar em cada ombro da Borralheira.
  Ao chegar o dia do casamento, as irmãs malvadas quiseram participar da felicidade da moça. Quando o par ia entrando na igreja, a mais velha caminhava ao lado direito e a outra ao lado esquerdo da noiva.
  As pomba, então, com uma bicada, tiraram um dos olhos a cada uma delas. Depois, ao sair o cortejo, quando a mais velha estava à esquerda e mais moça à direita, as pombinhas lhe tiraram o outro olho. E dessa maneira forma castigadas por sua maldade.
 
FIM



sexta-feira, 17 de julho de 2015

O RATINHO, O PASSARINHO E A SALSICHA - CONTOS DE GRIMM

   Era uma vez um ratinho, um passarinho e uma salsicha. Fazia muito tempo que moravam juntos. Davam-se muito bem e já tinham aumentando bastante suas posses. O trabalho do passarinho era voar todos os dias ao bosque e trazer lenha. O rato encarregava-se de buscar água, acender o fogo e por a mesa. A salsicha cozinhava.
   Quando tudo corre bem demais, costuma-se sair em busca de coisas novas. Assim, aconteceu que um dia o passarinho se encontrou com outro, a quem contou, gabando-se, a boa situação em que vivia. Mas o outro passarinho disse que ele não passava de um idiota que trabalhava como escravo, enquanto seus companheiros ficavam em casa, bem refestelados. Sim, porque o rato, depois de acender o fogo e carregar a água, ia descansar no seu quartinho até ser chamado para por a mesa. A salsicha ficava junto à panela, cuidando que a comida cozinhasse bem e, depois de estar pronto, rolava-se um momento no purê ou na verdura, que logo ficavam temperados, salgados e prontos para serem servidos. Quando chegava o passarinho e descarregava seu fardo, todos se sentavam à mesa, comiam e depois iam dormir o sono dos justos. Era, mesmo, uma vida regalada.
    No dia seguinte o passarinho, instigado por seu amigo, declarou que não iria mais buscar lenha; estava cansado de servir de criado e palhaço aos outros. Era preciso trocarem de encargos para fazerem uma experiência. De nada adiantaram os rogos do rato e da salsicha. O passarinho venceu a oposição e decidiram tudo tirando a sorte. Coube à salsicha carregar lenha; o rato tornou-se cozinheiro e o passarinho iria buscar água.
   E o que aconteceu? A salsichinha foi em busca de lenha,  o passarinho acendeu o fogo e o rato colocou a panela na chapa. Depois, ficaram esperando que a salsicha voltasse com a lenha para o dia seguinte. Ela, porém, demorou tanto que seus dois companheiros ficaram preocupados. O passarinho, então, saiu voando à sua procura. Logo adiante encontrou um cachorro. Este, que achara que a pobre salsichinha havia de ser um bom petisco, a tinha abocanhado. A avezinha acusou, violentamente, o cachorro, da prática do crime, sem resultado algum. O cão alegou que a salsicha levava consigo documentos falsos e foi por isso que teve de pagar com a vida.
    Muito triste, o passarinho pegou a lenha, voou para casa e contou o que acabara de ver e ouvir. Os dois companheiros, pesarosos, resolveram entretanto que o melhor seria continuarem sua vida em comum.
    Assim, o passarinho foi por  a mesa, enquanto o rato preparava a comida. Este, querendo imitar a salsicha, meteu-se na vasilha das verduras para as agitar e temperar. Antes, porém, de tocar o fundo da panela, ficou todo cozido e ali deixou a pele e a vida.
  Quando o passarinho quis servir a comida, não encontrou o cozinheiro. Assustado, foi procurá-lo; remexeu a lenha, chamou, e nada do rato. Por descuido, o fogo alcançou a lenha e incendiou-a. O passarinho saiu em busca de água; mas o balde caiu no poço com ele dentro e, como não conseguisse sair, acabou morrendo afogado. FIM

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Um beijo
Um abraço

e um aperto de mão.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

OS TRÊS ANÕES DO BOSQUE - CONTOS DE GRIMM

 Era uma vez um homem que perdera a mulher, e uma mulher que perdera o marido, ficando viúvos os dois. O homem tinha uma filha e a mulher outra. As moças se conheciam, passeavam juntas e às vezes a filha do viúvo ficava em casa de sua amiguinha. Um dia, a mãe desta última falou à outra moça:
   - Dize a teu pai que eu gostaria de casar com ele. Tu passarias, todas as manhãs, a lavar-te com leite e beberias vinho; minha filha, porém, se lavaria com água só água beberia.
    Chegando em casa, a jovem repetiu ao pai o que lhe dissera a mulher. Ele, então, observou:
   - Que hei de fazer? Casar é bom, mas não deixa de ser um problema.
  Por fim, não sabendo o que fazer, tirou uma de suas botas e disse:
   - Leva esta bota, que tem um buraco na sola, até o sótão e pendura-a no prego grande. Enche-a depois com água. Se a bota conservar a água, casarei de novo; se a água passar pelo buraco, não me casarei.
    A jovem fez o que lhe foi mandado. A água contraiu o couro e a bota ficou cheia até a borda. Correndo, a moça dirigiu-se ao pai para lhe contar o que acontecera. Ela subiu ao sótão e, vendo que a filha dissera a verdade, encaminhou-se à casa da viúva para pedir-lhe em casamento. E celebraram-se as núpcias.
  Na manhã seguinte, quando as duas moças se levantaram, a filha do marido encontrou leite para se lavar e vinho para beber, enquanto a outra não tinha senão água para se lavar e para beber. No outro dia, encontraram água para se lavar e água para beber, tanto a filha da mulher como a do esposo. E na terceira manhã, a enteada da mulher encontrou água para se lavar a para beber, e sua filha, leite para se lavar e vinho para beber. Daí por diante, continuou sendo assim. A mulher odiava a enteada e não sabia mais o que inventar para tratá-la cada vez pior. Tinha-lhe, também inveja, por ser tão linda e graciosa quanto sua filha era feia e desajeitada.
    Certa vez, no inverno, estando as montanhas e os vales cobertos de neve, a mulher fez um vestido de papel e, chamando a enteada, disse-lhe:
   - Toma, põe este vestido; vai à floresta e enche este cesto de morangos, que estou com vontade de comer alguns.
   - Meu Deus! - exclamou a moça. - Não há morangos no inverno, a terra está gelada e a neve cobriu tudo. E por que devo por este vestido? Lá fora faz um frio horrível! O vento passará  pelo papel e os espinhos arrancarão do meu corpo.
    - Queres desobedecer-me?- gritou a madrasta. - Anda, sai em seguida e não voltes sem me trazer o cesto cheio de morangos!
    Deu-lhe um pedaço de pão, bem duro, e acrescentou:


   - É para passares o dia.
   Esteva convencida de que a moça iria morrer de frio e fome e que jamais tornaria a vê-la.
   Obediente, a jovem pôs o vestido de papel e saiu com o cestinho. Fora, tudo estava coberto de neve e não se via ao menos um raminho verde. Chegando ao mato, ela avistou uma casinha, de onde três anõezinhos olhavam pela janela. Deu-lhes "bom dia" e bateu, discretamente, à porta. Eles convidaram-na a entrar e a moça sentou-se num banquinho, junto ao fogo, para aquecer-se e comer sua merenda. Os homenzinho lhe pediram:
   - Dá-nos um pedacinho?
   - Com muito prazer,- respondeu ela, e, partindo seu pedaço de pão, lhes ofereceu a metade. Perguntaram, então, os anões:
  - Que fazes aqui no bosque, no inverno, e com esse vestido tão fininho?
   - Ah!- suspirou ela. - Devo encher este cesto de morangos e não posso voltar para casa antes de colhê-los.
   Depois de comer seu pedaço de pão, os anões lhe deram uma vassoura, dizendo:
   - Varre para nós a neve da porta dos fundos.
  Enquanto a jovem estava do lado de fora, eles se reuniram em conferência:
   - Que lhe daremos por tão obediente e boa que até repartiu seu pão conosco?
   - Disse o primeiro:
   - Farei com que ela se torne, cada dia, mais bela!
  E o segundo:
   - Farei com que lhe caia uma moeda de ouro da boca a cada palavra que disser!
  E o terceiro:
  - Farei vir um rei que casará com ela.
   Enquanto isto, a menina fez o que os homenzinhos lhe haviam pedido e varreu toda a neve detrás da porta. E o que pensam vocês que ela encontrou? Uma porção de moranguinhos, bem maduros, assomando vermelhos, no meio da neve. Contente, encheu o cestinho e, depois de agradecer aos pequenos hospedeiros e ter dado a mão a cada um, dirigiu-se para casa a fim de entregar à madrasta à sua encomenda.
   Quando entrou em casa e disse " boa noite", cai-lhe da boca uma moeda de ouro. Pôs-se, então, a contar o que lhe sucedera e, a cada palavra, caíam moedas de sua boca, de modo que, em pouco tempo, o chão ficou rebrilhando de ouro.
    - Vejam só- exclamou a irmã.- Esparramar dinheiro desse modo!
   Por dentro, no entanto, sentia inveja. Por isso, quiz ir ao bosque colher morangos. Sua mãe se opôs, dizendo-lhe:
   - Não, filhinha; faz muito frio e poderás morrer gelada.
   Mas a filha insistia sem lhe dar sossego e ela acabou cedendo. Preparou-lhe um magnífico casaco de peles e depois lhe deu uma provisão de pão com manteiga e bolos.
  A jovem foi ao bosque e dirigiu-se, diretamente, à casinha. Os três anõezinhos estavam, novamente, à janela, mas a moça não os cumprimentou e, sem dar-lhes atenção, entrou, sentou-se junto ao fogo e começou a comer pão e bolo.
   - Dá-nos um pouco, - pediram os homenzinhos.
    Ela, entretanto, respondeu-lhes:
    - Nem tenho que chegue para mim. Como posso repartir com outros?
    Quando terminou de comer, eles disseram:
   - Aí tens uma vassoura, varre para nós a neve da porta dos fundos.
   - Ora! Varram vocês! - respondeu ela.- Não sou criada de ninguém!
    Vendo que eles não lhe iam dar presente algum, saiu da casa. Os homenzinhos, então, se reuniram, de novo, em conferência:
   - Que lhe daremos? Ela é grosseira, tem coração maldoso e cheio de cobiça e é incapaz de repartir com outros.
    Disse o primeiro:
   - Farei com que cada dia se torne mais feia!
    E o segundo:
   - Farei, a cada palavra que ela diga, saltar-lhe um sapo da boca.
   E o terceiro:
   - Farei com que tenha uma morte horrível!
   A jovem, lá fora, pôs-se a procurar morangos, mas, não encontrando nenhum, voltou, aborrecida, para casa. Quando abriu a boca para contar  à mãe o que lhe acontecera, eis que, a cada palavra sua, um sapo lhe saltava da boca! E todas as pessoas se afastaram dela, enojadas.
    Aquilo fez com que a mulher  se enchesse ainda mais de ódio e, daí por diante, só pensava num meio de maltratar o mais possível a filha do seu marido, que ia ficando mais bonita dia a dia. Por fim, pegou uma caldeira e a pôs no fogo para ferver a linha crua, a fim de amaciá-la. Uma vez cozida, colocou-a toda nos ombros de sua enteada, deu-lhe uma machadinha e mandou que ela  fosse ao rio congelado, para que lá abrisse um buraco e lavasse a linha. Obediente, a jovem dirigiu-se ao rio e começou a abrir um buraco no gelo. Enquanto fazia isso, passou por ali uma esplendida carruagem em que viajava o rei. Este mandou parar o carro e indagou?
    - Quem és e o que estás fazendo aí, minha filha?
    - Sou uma pobre moça e estou lavando linha.
  O rei, compadecido, vendo-a tão bela, disse-lhe:
   - Quere vir comigo?
   - Oh, sim! - apressou-se ela em responder, contente por se livrar da madrasta e a irmã.
    Saiu na carruagem e partiu com o rei. E, quando chegaram ao palácio, celebraram o casamento com grande pompa, tal como os anões haviam destinado para a sua amiguinha. Depois de um ano, ela deu a luz um filho. E a madrasta, a quem havia chegado a notícia de sua grande felicidade, encaminhou-se ao palácio, acompanhada de sua filha, sob o pretexto de fazer uma visita. Como o rei se ausentara e ninguém estivesse presente, a malvada mulher agarrou a rainha pela cabeça, enquanto sua filha a pegava pelos pés e,tirando-a da cama, a arrojaram pela janela a um rio que passava embaixo. Logo depois, aquela horrenda criatura se meteu na cama e a velha cobriu-a até a cabeça. Ao regressar, o rei quis falar com a esposa, mas velha o deteve, dizendo:
    - Silêncio, Silêncio! Agora não! Ela está suando muito e deve deixá-la em paz.
    O rei, sem pensar em nada de mal, retirou-se. Na manhã seguinte voltou e começou a falar com sua falsa esposa. Mas, à medida que ela respondia, sapos iam saltando de sua boca, quando antes o que caía eram moedas de ouro. O rei perguntou o que significava aquilo, mas a madrasta disse-lhe que era devido ao suor excessivo e que passaria sem demora.
    Aquela noite, porém, o ajudante da cozinha viu quando uma pata entrava nadando pelo cano da sarjeta e falava:

      Rei, em que estás ocupado?
      Estás dormindo ou estás acordado?

    E, como não recebesse resposta, prosseguiu:
   - E o que faz a minha gente?
    O ajudante da cozinha, então, retrucou:
   - Dorme profundamente.
   A pata continuou perguntando:
   - E onde está meu filhinho?
   Respondeu o rapaz:
    - Dormindo no seu bercinho.
   A pata, tomando, então, a forma da rainha, subiu ao quarto da criança, deu-lhe de mamar e arranjou-lhe sua caminha; depois, retomando a aparência de pato, saiu nadando pela sarjeta. Nas duas noites seguintes voltou a apresentar-se e na terceira disse ao ajudante:
    - Vai ao rei e dize-lhe que traga sua espada e que, no portal, dê três voltas com ela em cima da minha cabeça.
   Assim fez o criado; o rei, saindo com sua espada, a brandiu três vezes sobre a pata e, depois de faze-lo pela terceira vez, sua esposa apareceu diante dele, viva e cheia de saúde como antes.
    O rei sentiu uma alegria imensa, mas escondeu a rainha num quarto, onde ela ficou até domingo seguinte. Nesse dia iam celebrar o batizado de seu filho. Depois da cerimônia, ele perguntou:
    - Que merece uma pessoa que tira outra da cama e a joga na água?
    - Nada menos- respondeu a velha- que a metam num tonel crivado de pregos e o façam rolar do alto da montanha até cair no rio.
    Ao que disse o rei:
     - Pronunciaste a tua própria sentença!
     E ordenou que trouxessem um tonel daqueles, e metessem a velha e sua filha dentro. Depois de o fecharam, fizeram-no rolar montanha abaixo, até cair no rio.

 FIM


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