segunda-feira, 31 de agosto de 2015

ROLANDO, O BEM-AMADO CONTOS DE GRIMM

Era uma vez uma mulher, verdadeira bruxa, que vivia com duas moças. Uma, feia e má, a quem amava por ser sua filha; outra, formosa e boa, a quem odiava porque era sua enteada. Esta última tinha um lindo aventalzinho que enchia de inveja a sua irmã de criação, a qual um dia confessou à sua mãe que desejava possuí-lo, fosse como fosse.
   - Não te preocupes, minha filha- respondeu-lhe a velha- tu o terás. Há muito tempo que tua irmã merece morrer. Hoje à noite, quando ela estiver dormindo, entrarei no quarto de vocês e lhe cortarei a cabeça. Trata, apenas, de te pores no lado da cama que fica junto à parede e vê se a empurras bem para a beirada.
    A pobre moça estaria perdida se não tivesse escutado tudo num canto da sala. Durante o dia não a deixaram sair de casa e, na hora de deitar, a outra meteu-se na cama primeiro, ficando junto à parede. Mas, quando ela adormeceu, sua irmã, de mansinho, trocou-a de lugar. Alta noite, avelha entrou na ponta dos pés, empunhando um machado na mão direita. Com a esquerda experimentou se, de fato, havia alguém na beira da cama. Depois, segurando o machado com ambas as mãos, cortou de um golpe o pescoço da filha.
    Assim que a velha se afastou, a moça ergueu-se e foi à casa do seu bem-amado, que se chamava Rolando. Bateu à porta e, logo que ele abriu, disse-lhe:
     - Escuta. Temos de fugir o quanto antes. Minha madrasta quis matar-me, mas enganou-se e degolou a filha. Amanhã cedo, quando se der conta do que fez, estaremos perdidos.
     - Mas aconselho-te- disse Rolando- que antes apanhes a sua varinha mágica; do contrário não poderemos salvar-nos, caso ela nos persiga.
    A jovem voltou em busca da varinha. Depois, agarrou a cabeça da morta e derramou três gotas de sangue no chão: uma diante da cama, uma na cozinha e outra na escada. Feito isso, fugiu a toda pressa com seu bem-amado.
    Quando amanheceu, a velha bruxa levantou-se e foi chamar a filha para para lhe dar o avental. Como ela não respondesse a seu chamado, gritou:
   - Onde estás ?
   - Aqui na escada, varrendo-respondeu uma das gotas de sangue.
    A velha foi até lá, mas, não vendo ninguém, tornou a chamar em voz alta:
   - Onde estás?
   - Na cozinha aquecendo-me! - respondeu a segunda gota de sangue.
    A bruxa se dirigiu para lá e não encontrou ninguém. Perguntou de novo:
   - Onde estás?
    - Ora, aqui na cama dormindo! - disse a terceira gota.
     A velha encaminhou-se para o quarto e se aproximou do leito. e o que foi que viu?... Sua própria filha, banhada em sangue. Ela mesma lhe cortara  a cabeça.
    A feiticeira enfureceu-se e correu à janela. Como, por meio de sua artes mágicas, enxergasse muito longe, descobriu a enteada que fugia com seu noivo.
   - Não adianta! - exclamou.- Não me escaparão, por mais longe que estejam. Calçou suas botas de sete léguas,que a cada passo percorriam o caminho de uma hora, e saiu em sua perseguição. Em pouco tempo acercou-se dos dois.
    A jovem, vendo que sua madrasta se aproximava a passos gigantescos,utilizou-se da varinha mágica e transformou seu bem- amado num lago enquanto ela se convertia em um pato que passou a nadar no centro da água. Quando a bruxa chegou à beira do lago, começou a atirar migalhas de pão à  ave, fazendo todo o possível para atraí-la. Mas esta não caiu na cilada e, ao anoitecer,a velha teve de voltar para casa como tinha vindo.
    A moça e seu bem-amado Rolando recuperaram então a forma humana e seguiram adiante, caminhando toda a noite até de madrugada. Quando clareou o dia, a moça transformou-se numa linda flor, no meio de uma moita de espinhos. Ao seu bem-amado ela converteu num violinista. Pouco depois chegou a bruxa comas suas botas de sete léguas e, dirigindo ao músico, disse:
    - Meu bom homem, pode me dar licença para colher aquela linda flor?
    - Oh, pois não- respondeu ele. - Enquanto isso, vou tocar um pouco.
    Meteu-se a velha na moita para arrancar a flor, pois sabia muito bem quem era ela. Imediatamente o violino se pôs a tocar e a bruxa, quisesse ou não, viu-se obrigada a dançar, pois se tratava de uma ária mágica. Quanto mais depressa tocava, mais violentos saltos ela dava. Os espinhos lhe foram rasgando as vestes, deixando-a ferida e ensanguentada. Como o músico não cessasse de tocar, a feiticeira teve de continuar dançando até cair morta.
    Libertados da velha, Rolando disse:
    - Agora irei à casa de meu pai preparar nosso casamento.
    - Então ficarei aqui, aguardando a tua volta. E, para que ninguém me reconheça, me transformarei num marco de pedra.
    Rolando, porém, ao chegar em casa, caiu nos laços de uma outra mulher, que conseguiu fazê-lo esquecer sua noiva. A infeliz permaneceu muito tempo esperando por ele e, vendo que não voltava, ficou triste e transformou-se numa flor, pensando: "Um dia alguém pisará em mim."
    Mas aconteceu que um pastor que andava apascentando suas ovelhas naquele campo, avistou a flor. Como a  achasse muito linda, cortou-a e guardou-a numa caixinha. Desse dia em diante começaram a acontecer coisas estranhas em casa do homem. Quando se levantava pela manhã, o trabalho todo estava feito, o quarto varrido, as mesas e bancos sem pó, o fogo aceso e as panelas cheias de água. Ao meio-dia, quando chegava em casa, encontrava a mesa posta e servido um bom almoço. O homem não podia compreender aquilo, pois jamais via alguém em sua choupana a qual, além disso, era tão pequena que ninguém poderia ocultar-se nela. Naturalmente aquilo tudo era muito agradável, mas ele acabou ficando alarmado e foi consultar uma adivinha.
   - Isto é coisa de magia- disse ela. - Levanta-te bem cedo e observa se algo se move na casa. Se avistares qualquer coisa. seja o que for , joga-lhe em em seguida um pano em cima e o feitiço fica desfeito.
    O pastor assim resolveu fazer, Na manhã seguinte ao despontar da aurora, viu a caixa abrir-se e dela saiu a flor. Ele saltou depressa da cama e, rapidamente lhe jogou um pano branco em cima. Pouco depois o encanto se desfez e adiante dele apareceu um a linda moça que lhe confessou haver sido a flor que até então  cuidara de sua casa. Contou-lhe a sua história e, como o pastor tivesse gostado muito dela, pediu-a em casamento. Ela, porém, respondeu que não, pois amava a Rolando e que, apesar de a ter abandonado, lhe seria fiel. Mas prometeu ao pastor que continuaria cuidando da sua casa.
    Nesse meio tempo, foi se aproximando o dia do casamento de Rolando. De acordo com um velho costume, todas as moças do país foram convidadas a assistir à cerimonia e a cantar em louvor aos noivos. A jovem, ao saber disso, sentiu profunda tristeza que parecia que seu  coração já ia parar de angústia. Não quis ir à festa, mas as outras moças foram buscá-la e obrigaram-na a acompanhá-las. Chegada a sua vez de cantar, ela esquivou-se, mas afinal, já tendo todas as jovens cantando, não teve outro remédio senão fazê-lo também. Iniciou-se seu canto e, quando sua voz atingiu os ouvido de Rolando, ele ergueu-se depressa e exclamou.
     Tudo o que havia esquecido reviveu em sua memória e em seu coração. Assim, a fiel jovem casou-se com o seu bem-amado Rolando e, acabados os sofrimentos , começou para ela uma vida cheia de venturas.
   FIM

O DIABO E SEUS TRÊS CABELOS DE OURO- CONTOS DE GRIMM

  Em certa ocasião uma mulher pobre deu à luz um menino. Predisseram que, aos quatorze anos, o menino se  casaria com a filha do rei. Pouco depois o soberano passou pela vila onde moravam e, sem dar-se a conhecer, perguntou que novidades havia. Responderam-lhe:
    - Um dia destes nasceu aqui um menino. Pronosticaram-lhe que aos quatorze anos se casará com a filha do rei.
    O rei, que era um homem mau, aborreceu-se ao ouvir aquela profecia. foi aos pais do menino e, tratando-os com toda a amabilidade, disse-lhes:
    - Vocês são muito pobres; dêem-me o seu filho que cuidarei dele.
    A princípio o casal negou-se, mas como o forasteiro oferecesse grande quantidade de ouro, os dois pensaram: " Nasceu sob uma boa estrela e será para seu bem ". Acabaram , pois, concordando e lhe entregaram o menino.
   O rei deitou a criança numa caixa e com ela prosseguiu caminho até chegar a rio profundo. Ali jogou a caixa na água, pensando: " Libertei minha filha desse pretendente inesperado".
   A caixinha, porém, não submergiu. Ficou flutuando como um pequeno barco, sem que entrasse nela uma só gota d"água. Continuou boiando corrente abaixo até cerca de duas milhas da capital do reino, onde parou detida pelo dique de um moinho. Um dos empregados que, por sorte, ali estava, viu a caixa e apanhou-a com um gancho, acreditando  haver Nela um grande tesouro. No entanto, ao abri-la, deparou com um belo menino, alegre e cheio de vida. O rapaz levou-o ao moleiro e à sua mulher que, não tendo filhos , exclamaram contentes:
   - Deus nos enviou esta criança!
    E cuidaram, carinhosamente,, do menino enjeitado, o qual cresceu cheio de boas qualidades.
   Aconteceu que um dia o rei, surpreendido por uma tempestade, foi refugiar-se no moinho. Perguntou aos moleiros se aquele rapaz era seu filho.
    - Não- responderam eles- é um menino enjeitado. Há quatorze anos encontramos numa caixinha na represa do moinho e um dos rapazes o retirou das águas.
    O rei compreende que não podia ser outro senão o menino de sorte que ele jogara ao rio. Disse então:
    - Boa gente, esse rapaz não poderia levar uma carta à senhora rainha? Pago-lhe duas moedas de ouro pelo serviço.
    - O senhor é que ordena- responderam os dois velhos, e mandaram que o rapaz se preparasse. O soberano escreveu, então, uma carta à rainha nos seguintes termos: "Assim que o portador desta se apresentar aí o mandarás matar. Esta ordem deverá ser cumprida antes do meu regresso."
   O jovem saiu com a missiva, mas perdeu-se no caminho e à noite chegou a uma floresta. Avistou uma luzinha na escuridão e, dirigindo-se a ela foi ter a uma casa muito pequenina. Entrou e viu uma velinha, sentada junto ao fogo, completamente só. Ao perceber o rapaz assustou-se e disse:
   - De onde vens e para onde vais?
   - Venho do moinho- respondeu ele.- Levo uma carta que devo entregar à senhora rainha. Mas, como me perdi no mato, gostaria de passar a noite aqui.
     - Pobre rapaz - disse a mulher.- Vieste parar num covil de ladrões. Quando voltarem para casa e te enxergarem, na certa te matarão.
    - Venha quem vier, não tenho medo- respondeu o rapaz. - Sinto-me tão cansado que não posso dar mais um passo- e, entendendo-se num banco, adormeceu.
   Pouco depois chegaram os ladrões e perguntaram, enfurecidos, quem era aquele jovem.
   - Ah! - disse a velha- é um inocente que se perdeu na floresta e eu acolhi por piedade. Foi incumbido de levar uma carta à senhora rainha.
   Os ladrões abriram a carta e leram o seu conteúdo, ficando assim inteirados de que o rapaz deveria ser morto logo que chegasse. Apesar do seu coração empedernido, os bandidos ficaram com pena e o capitão rasgou a carta. Depois sentou-se e escreveu outra na qual ordenava  que, ao chegar o rapaz, o casassem com a filha do rei. Deixaram-no dormir tranquilamente no banco até à manhã  seguinte e quando despertou deram-lhe a carta e lhe indicaram o caminho certo.
     A rainha, ao ler a missiva, cumpriu o que nela estava escrito. Organizou uma festa magnífica e a princesa foi unida em matrimônio ao favorito da sorte. Como o jovem era belo e amável, sua esposa vivia feliz e satisfeita com ele.
    Passado algum tempo o rei voltou ao palácio e viu que  se havia cumprido a profecia: o rapaz de sorte casara-se com sua filha.
    - Como pode acontecer isso? - perguntou.- Em minha carta dei ordem bem diversa.
     A rainha, então, apresentou-lhe a missiva, pedindo que ele mesmo lesse o que continha. O rei leu a carta  notou que fora trocada. Mandou chamar o jovem e perguntou o que havia sucedido com a mensagem que lhe confiara e por que a tinha substituído por outra.
    - Não sei de nada- respondeu o rapaz .- Devem tê-la trocado durante a noite em que dormi na floresta.
    - Isso não fica assim - falou o rei,zangado.- Quem quiser minha filha terá, antes, que ir ao inferno e me trazer três cabelos de ouro da cabeça do diabo. Se fores capaz disso, conservarás tua esposa.
      Dessa maneira o rei esperava livrar-se dele para sempre. Mas o favorito da sorte respondeu-lhe:
      - Trarei os três cabelos de ouro. Não temo o diabo!
     A seguir despediu-se da esposa e empreendeu viagem.
     Seu caminho o conduziu a uma grande cidade. A sentinela que estava diante do portão indagou qual era o seu ofício e que coisas sabia.
     - Sei tudo- respondeu o jovem.
      - Nesse caso poderás prestar-nos um favor- disse o guarda. - Explica-nos por que a fonte da praça, que antes vertia vinho, secou e agora não tem água sequer?
    - Saberão o motivo- prometeu ele - só esperem a minha volta.
    Continuou andando e chegou a outra cidade onde a sentinela do portão também lhe perguntou qual o seu ofício e que coisas sabia.
     - Sei tudo- respondeu.
     - Então poderás nos fazer um favor dizendo por que razão uma árvore da nossa cidade, que costuma dar maçãs de ouro, agora nem folhas apresenta?
     - Vocês saberão - retrucou ele. - Esperem pela minha volta.
     Seguindo caminho e chegou às margens de um grande rio, que era preciso atravessar. O barqueiro perguntou-lhe que ofício era o seu e quais as coisas que sabia.
    - Sei tudo- respondeu ele.
    - Sendo assim, podes prestar-me um favor- falou o homem. - Dizem-me por que motivo tenho que andar remando, sempre, de uma para outra margem, sem que nunca me venham substituir.
    Eu te direi- afirmou o rapaz- espera, apenas, que eu volte.
     Tendo atravessado o rio, encontrou a entrada do inferno. Lá tudo era preto e cheio de fuligem . O diabo havia saído, mas sua avó estava sentada numa cadeira de balanço.
     - Que queres? - perguntou ela ao jovem, sem parecer zangada.
    - Gostaria de obter três cabelos de ouro da cabeça do diabo- respondeu ele-pois sem isso não poderei conservar minha esposa.
     - Pedes muito- respondeu a velha. - Se o diabo vem e te encontra aqui, será a tua desgraça. Mas tenho pena de ti e vou ver se posso ajudar-te.
    Transformou o jovem numa formiga e lhe disse:
    - Esconde-te nas pregas da minha roupa que aí estarás seguro.
    - Sim- respondeu ele- está tudo muito bem, mas é que, além de conseguir isso ainda gostaria de saber três coisas: por que a fonte, que antes vertia vinho, secou e não dá nem sequer água; por que uma árvore que dava maças de ouro não tem agora nem folhas, e por que um barqueiro é obrigado a remar, constantemente de uma para outra margem, sem nunca o venham substituir.
    - São perguntas difíceis de responder- retrucou ela- mas permanece quieto e presta atenção ao que disser o diabo quando eu lhe arrancar os três cabelos de ouro.
     Ao anoitecer, o demo chegou em casa e assim que entrou percebeu que o ar não estava puro.
     - Estou cheirando, cheirando, carne humana! - disse. - Há algo estranho por aqui!
     E pôs-se  a olhar em todos os cantos, procurando e rebuscando, mas nada encontrou. A velha, então, passou-lhe uma descompostura:
    - Acabo de varrer e arrumar e agora estás pondo tudo em rebuliço de novo. Tens sempre o cheiro de carne humana nas narinas! Senta-te e come a tua janta. Vamos !
   O diabo, então, comeu e bebeu e, como estivesse cansado, pôs a cabeça no colo da avó, pedindo-lhe que o catasse um pouco.
   Não demorou muito adormeceu, ressonando e roncando. Aí a velha pegou um de seus cabelos de ouro, arranco-o e o pôs de lado.
    - Ui!- gritou o diabo- que estás fazendo?
   - Tive um pesadelo- respondeu-lhe a avó- e nisso agarrei os teus cabelos.
      - E que sonhaste? - indagou o diabo.
     - Sonhei que a fonte de uma praça, que sempre vertia vinho, secou e nem sequer água voltou a dar. Qual será  motivo?
   - Oh , se o soubessem! -exclamou o diabo. - Há um sapo debaixo de uma pedra da fonte; se o matassem voltaria a verter vinho.
     A velha continuou catando a cabeça do diabo até que ele tornou a adormecer e a roncar, fazendo vibrar as janelas. Arrancou-lhe, então, o segundo cabelo.
    - Ui, que fazes? - gritou o diabo, furioso.
    - Não leves a mal- desculpou-se ela -é que o fiz sonhando,
     - E que sonhavas agora?
     - Sonhei que num certo reino havia um pé de maças que antes produzia frutos de ouro e, agora, nem folhas tem. Qual seria o motivo disso?
     - Ah, se soubessem!  - respondeu o demônio. - Há um rato roendo as raízes. Se o matassem, a árvore voltaria a dar maças de ouro. Caso não o faça, a macieira acabará secando totalmente. Mas deixe-me em paz com teus sonhos. Se voltares a me amolar te darei uma bofetada.
   A avó tranquilizo-o e prosseguiu catando até que ele, novamente, adormeceu e roncou. De um golpe arranco-lhe, então o terceiro cabelo ao que o diabo se levantou de um salto, vociferando e disposto a dar na velha. Esta, porém, consegui acalmá-lo outra vez, dizendo-lhe:
    - Que culpa tenho de estar com pesadelos?
   - E que sonhaste agora?- voltou a perguntar o demo, pois não deixava de estar curioso.
    - Sonhei com um barqueiro que se queixava de ter que estar remando uma margem para outra , sem que ninguém apareça para substituí-lo. Por que razão?
      - Bah! O idiota! - respondeu-lhe o diabo. - Se chegar alguém e pedir que o leve à outra margem e ele puser o remo nas suas mãos, o outro será obrigado a remar e ele ficará em liberdade.
     Como já lhe havia arrancado os três cabelos de ouro e as três perguntas haviam sido respondidas, a velha deixou o tinhoso dormir em paz até a madrugada.
    Depois que o diabo foi embora, a velha tirou a formiga da prega de seu vestido e devolveu ao rapaz sua forma humana.
    - Aí tens  os três cabelos de ouro- disse-lhe. - E suponho que ouviste o que o diabo respondeu às tuas três perguntas.
   - Sim- retrucou o jovem -ouvi e não me esquecerei delas.
    - Já tens, pois, o que querias. Podes ir embora.
     Agradecendo à velha o auxílio, o rapaz abandonou o inferno, contente por ter  se saído tão bem. Chegando ao lugar onde estava o barqueiro, este pediu-lhe a resposta à sua pergunta.
   - Primeiro passa-me para o outro lado - disse o jovem- depois te direi de que maneira  podes libertar-te.
     Na margem oposta, lhe transmitiu o conselho do diabo:
     - Ao primeiro que te pedir que o passes no teu barco, coloca-lhe o remo nas mãos.
      Seguiu seu caminho e chegou à cidade da árvore estéril, onde encontrou o guarda a quem havia prometido uma resposta. Repetiu-lhe as palavras do diabo:
    - Matem o rato que está roendo a raiz da árvore e ela voltará a dar  maças de ouro.
     O homem lhe agradeceu, oferecendo-lhe em recompensa dois burros carregados de ouro.
    Depois de algum tempo chegou ao portão da outra cidade, aquela em que a fonte secara. Disse ao guarda o que ouvira do diabo.
     - Há um sapo embaixo de uma pedra da fonte. Procurem-no e o matem  que a fonte tornará a verter vinho em abundância.
    O guarda lhe agradeceu e o presentou, também, com dois burros carregados de ouro.
   Finalmente, o afortunado rapaz chegou ao palácio onde estava sua esposa, que sentiu grande alegria ao revê-lo e a quem contou suas aventuras. Entregou ao rei o que lhe havia pedido: os três cabelos do diabo. Quando o monarca viu os quatro burros carregados de ouro, disse-lhe muito satisfeito:
   - Cumpriste todas as condições e podes, pois, ficar com a minha filha. Mas dize-me, querido genro, onde tiraste tanto ouro? É um tesouro imenso!
    Atravessei um rio-respondeu o rapaz - e o colhi na margem oposta, onde havia ouro em vez de areia.
   - E eu não poderia trazer um pouco? - perguntou o rei cobiçoso.
    - Tanto quanto quiserdes- respondeu o jovem.- Há um barqueiro na beira do rio que vos passará à outra margem, onde podereis encher os sacos.
    O rei, gannacioso, pôs-se a caminho sem perda de tempo. Chegando ao rio, pediu ao barqueiro que o passasse. Este o fez entrar no barco e, quando alcançaram a outra margem, colocou-lhe o remo nas mãos e saiu correndo. Desde aquele dia, o rei foi obrigado a remar como castigo por seus pecados.
   Se ainda continua remando?
   Claro que sim! Ninguém foi até lá para lhe tirar o remo das mãos.
   FIM
 





















quinta-feira, 27 de agosto de 2015

A MOCHILA, O CHAPEUZINHO E A CORNETA- CONTOS DE GRIMM

Era uma vez três irmãos que foram ficando cada vez mais pobres. Até que chegaram ao ponto de passar fome.
   - Isto não pode continuar assim - disseram eles, afinal!
   - É melhor irmos pelo mundo afora tentar a sorte.
    Puseram-se, então, a caminho. Andaram muito e pisaram muito chão, sem que se apresentasse a sorte. Assim chegaram um dia, a uma floresta muito grande, em meio da qual se elevava uma montanha. Ao se aproximarem, viram que toda ela era de prata. Disse, então, o mais velho:
   - Encontrei a sorte que desejava e não quero outra maior.
    - Recolheu toda a prata que podia carregar e voltou para casa.Os outros dois, porém, disseram:
   - Exigimos que a sorte nos dê algo mais que prata.
     E, sem tocar no metal, seguiram adiante.
    Depois de andar durante mais dois dias, chegaram a uma montanha que era de puro ouro. O segundo irmão ficou a pensar, indeciso: "Que devo fazer? Levar o ouro de que preciso para o resto de minha vida, ou seguir adiante?
   Afinal resolveu-se; encheu os bolsos e, despedindo-se do irmão, voltou para casa.
    O terceiro ficou a pensar: "O ouro e a prata não me dizem grande coisa e continuarei procurando a sorte; talvez ela me reserve coisa melhor."
    Continuou caminhando e, três dias depois, chegou a uma floresta maior ainda que as outras; esta agora não terminava nunca e, como não achava nada para comer nem beber, esteve a ponto de morrer de fome. Trepou, então, numa árvore bem alta para ver se descobria o limite daquela floresta mas não conseguiu enxergar outra coisa senão as copas das árvores que se estendiam infindáveis. Dispôs-se a descer e disse a si mesmo: "Se pudesse, ao menos, encher o estômago mais uma vez."E eis que, ao tocar o chão, viu, com assombro, debaixo da árvore, uma mesa magnificamente posta, coberta de abundantes pratos de  que se desprendia um aroma apetitoso.
    "Desta vez- pensou - meus desejos se cumpriram no momento oportuno"e, sem pensar em quem poderia ter trazido aquele banquete, acercou-se da mesa e comeu até fartar-se. Quando terminou, teve uma idéia. "Seria uma pena que esta linda toalhinha se estragasse aqui no bosque", e, dobrando-a com cuidado, guardou-a. Depois prosseguiu sua jornada e, ã noite, quando tornou a sentir fome, quis por a toalha à prova. Estendeu-a e disse:
   - Quisera que voltasse a cobrir-te de boa comida!
    Mal expressou esse desejo, a toalha se cobriu de pratos, cheios de saborosíssimas iguarias.
    - Sei agora- disse ele- onde cozinham para mim. Isso é melhor do que a montanha de ouro e a de prata.
     Mas não satisfez com a toalhinha mágica; achou que ela não bastava para retirar-se e viver tranquilamente em sua casa e continuou a jornada em busca da sorte.
    Certa noite encontrou, num bosque solitário, um cavoeiro coberto de fuligem. Estava fazendo carvão e tinha ao fogo umas batatas que lhe  deviam servir de janta.
    - Boa noite, melro negro! - disse, saudando-o.- Como vives nesta solidão?
   - Todos os dias, para mim, são iguais - respondeu o carvoeiro. - De noite, sempre há batatas para  a janta. Se te apetece, te convido.
   - Muito obrigado - disse o viajante.- Não quero privar-te de tua refeição, pois não esperavas convidados. Mas, se contentas com o que tenho, sou eu que convido.
    - E quem iá trazer-te a comida? Vejo que nada carregas contigo e, em duas horas de caminho, não há quem possa dar-te alguma coisa.
    - Mesmo assim teremos uma ceia - respondeu o outro- tão boa como jamais tiveste igual.
    E, tirando a toalhinha da mochila, estendeu-a no chão e disse:
   - Toalhinha, cobre-te!
   No mesmo instante apareceram cozidos e assados, tudo quente como recém-saído da cozinha. O cavoeiro arregalou os olhos, mas não se fez de rogado. Serviu-se, metendo bocados cada vez maiores na boca tisnada. Depois de jantarem, o cavoeiro falou, satisfeito.
    - Escuta aqui, gostei da tua toalhinha; seria de grande utilidade para mim aqui na floresta, onde ninguém cozinha algo apetitoso. Proponho-te uma troca! Ali, naquele canto, está pendurada uma mochila de soldado. É, na verdade, velha e de feia aparência, mas possui qualidades prodigiosas. Como não mais preciso dela, poderia trocá-la pela tua toalhinha.
    - Primeiro quero saber que qualidades prodigiosas são essas de que falas - retrucou o rapaz.
     - Vou  dizer-te- explicou o carvoeiro. - Sempre que bateres nela com a mão, verás surgir à tua frente um cabo e seis soldados, armados até os dentes, que farão tudo o que ordenares.
    - Está bem! Já que não tens outra coisa, aceito a troca! - disse o outro.
    Deu a toalha ao carvoeiro e, pondo a mochila ao ombro, despediu-se.
     Depois de haver andado um pouco, resolveu experimentar as qualidades mágicas da sua mochila e deu-lhe uma batida. No mesmo instante apareceram os sete guerreiros. O cabo perguntou-lhe:
    - Que ordena meu amo e senhor?
     - Marchem, a toda pressa, de volta ao carvoeiro e exijam que lhes entregue minha toalhinha mágica.
     Os soldados deram meia volta e pouco depois estavam de regresso com a toalha que haviam tirado do carvoeiro. O rapaz, então, mandou que se retirassem e prosseguiu caminho, confiando em que a sorte ainda se mostraria mais propícia.
     Ao pôr-do-sol, encontrou outro carvoeiro que estava também, preparando sua refeição.
   - Quer jantar comigo? - convidou o homem tisnado. - Batatas com sal, mas sem gordura. Se aceitas, seta-te a meu lado!
    - Não - retrucou o rapaz.- Quero que sejas tu o meu convidado.
   E tirou a toalha que, depois de estendida, ficou logo cheia com os mais deliciosos manjares. Alegres da vida, comeram e beberam juntos. Quando terminaram a refeição, o carvoeiro disse:
    - Sobre aquele banco, ali, está um chapeuzinho velho e sovado, mas que possui propriedades espantosas. Quando alguém o põe e lhe dá uma volta na cabeça, aparecem doze canhões, em fileira, que começam a disparar derrubando o que há por diante, sem ninguém possa resistir a seus efeitos. A mim, de nada serve e bem o trocaria pela tua toalha.
   - Não é mau - respondeu o rapaz e, apanhando o chapéu, colocando-o na cabeça, entregando, ao mesmo tempo, a toalhinha.
    Mal, porém, andara um trecho do caminho, bateu na mochila e ordenou aos soldados que lhe trouxessem, novamente , a toalhinha. "Uma coisa traz outra- pensou - e parece que minha boa sorte ainda continua."
    Seus pensamentos não haviam engando. Ao fim de uma hora, encontrou mais outro carvoeiro que, como os anteriores, o convidou a comer suas batatas sem gordura. Ele lhe ofereceu, também, uma janta extraordinária à custa da toalha mágica, e o carvoeiro ficou tão entusiasmado que propôs trocá-la por uma cornetinha dotada de qualidades ainda superiores às do chapeuzinho: quando a tocavam, todas as muralhas e baluartes caíam por terra, reduzindo cidades a montes de escombros. O jovem aceitou a troca mas, pouco depois, ordenou a seus soldados trazerem de volta a toalha, com o que ficou de posse da mochila, do chapeuzinho e da cornetinha.
 "Agora -disse para si mesmo- sou um homem feito e é tempo de voltar para casa a ver como estão passando meus irmãos."
  Ao chegar à cidade onde moravam, viu que seus irmãos haviam construído uma bela casa e se entregavam à boa vida com o ouro e a prata que tinham encontrado. Apresentou-se a eles, mas , de vestes rasgadas, chapeuzinho roto e a velha mochila, os outros dois se negaram a reconhecê-lo como irmão. Riram-se dele, dizendo:
    - Pretendes te fazer passar pelo nosso irmão que desprezou o ouro e a prata porque desejava coisa melhor? Não há dúvida que voltará com grande magnificência; numa carruagem, como verdadeiro rei, e não feito um mendigo!
   E assim correram com ele de casa. Indignado, o rapaz pôs-se a bater na mochila até que cento e cinquenta homens se apresentaram, perfilados, diante dele. Ordenou que cercassem a casa de seus irmãos e deu ordens a dois soldados para apanharem varas de marmelo e com elas surrarem os dois insolentes até que estes reconhecessem quem ele era. Tudo aquilo provocou uma enorme balburdia. Os habitantes do povoado correram a prestar socorro aos dois agredidos , mas nada puderam fazer  contra os soldados do jovem. O caso  chegou, finalmente, aos ouvidos do rei, ao qual zangado, enviou um capitão à frente de sua companhia, com ordem de expulsar da cidade aquele desordeiro. Mas o homem da mochila reuniu, num instante, uma tropa mais numerosa ainda, e rechaçou o capitão com todos os seus homens, obrigando-os a retirar-se com os narizes ensanguentados. Mesmo assim, disse o rei:
    - Ainda poderemos liquidar com esse aventureiro.
      E, no dia seguinte, enviou contra ele um grupo maior, mas sem obter melhor resultado do que na véspera. O adversário lhe opôs mais gente e, para terminar mais depressa, deu umas voltas no seu chapeuzinho. Imediatamente a artilharia entrou em ação, derrotando os homens do rei  pondo-os em fuga.
    - Agora não darei a paz- pensou o jovem - até que o rei me dê sua filha em casamento e eu fique governando o país em seu nome.
    Mandou comunicar sua decisão ao rei e este disse à sua filha:
   - A necessidade obriga. Que remédio me resta senão ceder ao que ele exige? Se quero obter a paz e conservar a coroa em minha cabeça, devo entrega-te.
    Celebrou-se, pois o casamento, mas a princesa sentia-se aborrecida pelo fato de ser o marido um homem vulgar que andava sempre com um chapéu roto à cabeça e uma velha mochila aos ombros. Com muito gosto terse-ia desfeito dele. Dia e noite ficava a cismar como satisfaria seu desejo. Pensava ela: "Estarão na mochila suas forças mágicas?"E começou a tratá-lo com fingido carinho. Quando o coração do marido se abrandou, ela lhe disse:
    - Se ao menos tirasses essa velha mochila... Ela não te fica bem e faz com que me envergonhes de ti.
      - Minha querida- respondeu-lhe o marido- esta mochila é meu maior tesouro; enquanto eu a possuir, não temo nenhum poder do mundo!
    E revelou à mulher os poderes mágicos da mochila.
    Ela, então, enlaçou o marido como para beijá-lo, mas, com rápido movimento, tirou-lhe a mochila dos ombros e escapou-se. Depois, sozinha,pôs-se a bater-lhe e ordenou aos soldados que detivessem o seu antigo senhor e o expulsassem do palácio. Os homens obedeceram e a ingrata esposa enviou, ainda, outros mais, com ordem de fazê-lo sair do país. O rapaz estaria perdido se  não tivesse o chapeuzinho. Assim que pode libertar as mãos, deu-lhe um par de voltas e, no mesmo instante, a artilharia começou a entrar em ação, destruindo tudo. A princesa não teve outro remédio senão apresentar-se, pedindo misericórdia.
   E como pediu com tanto carinho prometendo corrigir-se, o marido concedeu-lhe a paz. E ela fingiu tão bem que ele se convenceu de que era profundamente amado. E um dia acabou confessando à mulher que, alguém se apoderasse de sua mochila, nada poderia contra ele enquanto não lhe tirasse, também, o chapeuzinho. E aí então, de posse de seu segredo, ela aguardou que o marido adormecesse e arrebatou-lhe o chapeuzinho. E por mais uma vez, ordenou que o expulsassem.  
    Mas ao pobre rapaz ainda restava a cornetinha, num acesso de cólera, se pôs a tocá-la com toda as suas forças. Imediatamente começaram a ruir por terra, muralhas, fortificações, cidades e vilas, acabando com o rei e sua filha. E caso não houvesse parado depois de tocar um pouquinho, tudo se transformaria num montão de ruínas, sem ficar pedra sobre pedra. Ninguém mais se atreveu a lhe oferecer resistência, tornando-se ele o soberano de todo o país
FIM






















quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O REI 'BICO DE TORDO" -CONTOS DE GRIMM

Um rei tinha  uma filha lindíssima, mas tão orgulhosa que não encontrava nenhum pretendente a seu gosto. Rejeitava todos e ainda por cima se divertia à custa deles.
   Certo dia, o rei deu uma festa muito grande e convidou todos os rapazes casadouros, de longe e da redondeza. Pediu que se colocassem em fila, por ordem de categoria: primeiro os reis, depois os duques, os príncipes, os condes e barões e, finalmente os cavaleiros. A princesa passou-os em revista, encontrando, em cada em, algo a criticar: O primeiro era gordo demais. "Parece um barril!" - exclamou. O segundo, pelo contrário, alto e magro demais. "Muito desengonçado!" O terceiro, muito baixinho: "Um fracasso! " O quarto, excessivamente pálido. " Até parece a morte!" O quinto, corado demais. " É que nem uma crista de galo! " O sexto não lhe parecia bastante aprumado. "Lenha verde, secada atrás da estufa!" E assim descobriu em todos um defeito. Porém, de quem mais ela riu foi um bondoso rei, cujo queixo era um pouco saliente.
    - Ah! - exclamou a princesa às gargalhadas. - Esse tem um queixo que parece o bico de um tordo!
     E, por isso, daí por diante dera-lhe o apelido de "Bico de Tordo".
     O velho rei, porém, vendo que sua filha não fazia outra coisa senão ridicularizar e humilhar a todos os pretendentes, irritou-se de tal maneira que jurou casar a princesa com o primeiro mendigo que chegasse à sua porta.
    Decorridos alguns dias, apareceu um músico ambulante, que se pôs a cantar debaixo das janelas do palácio, para conseguir uma esmola. O rei, quando soube disso, ordenou:
   - Tragam-me esse homem!
    O músico apresentou-se, sujo e esfarrapado, e foi cantar perante o rei e a princesa. Quando terminou sua canção,pediu uma recompensa. Disse-lhe o rei:
   - Gostei tanto de tua canção que vou dar-te minha filha por esposa.
    A princesa assustou-se, mas o rei insistiu:
    - Jurei casar-te com o primeiro mendigo que se apresentasse e vou cumprir meu juramento.
    Não adiantaram súplicas. O padre foi chamado e a moça, quisesse ou não, teve de casar com o músico. Terminada a cerimônia, disse o rei:
   - Não é justo que, sendo a mulher de um mendigo, continues vivendo em meu palácio. Vai-te com o teu marido.
    O mendigo tomou-a pela mão e os dois saíram andando. Quando passaram por um belo bosque, ela perguntou ao marido:
    - A quem pertence este bosque tão maravilhoso?
    - Ao Rei Bico de Tordo que quis ser teu esposo.
       Se o tivesse aceito, agora seria teu!
    - Ai, pobre de mim, por que não me casei com tão rico e poderoso rei?
   Logo depois passaram por um  vasto prado e ela tornou a perguntar:
   - A quem pertence este grande e belo prado?
    - Ao Rei Bico de Tordo, que por ti foi desprezado!
        Se o tivesse aceito, agora seria teu!
    - Ai, pobre de mim, por que não me casei
       com tão rico e poderoso rei?
  E ao chegarem a uma cidade  muito grande, perguntou ela de novo:
   - A quem pertence esta cidade tão bela e populosa?
   - Ao Rei Bico de Tordo que quis por esposa.
      Se o tivesse aceito, agora seria tua.
  - Ai, pobre de mim, por que não me casei
     com tão rico e poderoso rei?
   - Não me agrada - resmungou o mendigo - que estejas sempre desejando a outro homem para esposo. Não basto eu?
   Por fim chegaram a uma casa, bem pequenina, e ela perguntou:
    - Santo Deus, que casinha estranha!
     A quem pertence esta cabana?
    - É a minha casa e a tua, onde viveremos.
    A princesinha foi obrigada a curvar-se para entrar na porta, tão pequena era.
   - Onde estão os criados? - perguntou.
    - Criados ? - replicou o mendigo. - Tu mesma terás de fazer os serviços de que precisares. Acende o fogo, põe água a ferver e prepara a comida, que eu estou cansado.
    Mas  a filha do rei nada entendia de cozinha, nem sabia como acender o fogo. E o mendigo não teve outro remédio senão ajudar para que as coisas saíssem mais ou menos. Depois da parca refeição foram dormir e de manhã ele a obrigou a levantar-se muito cedo,pois devia atender aos afazeres da casa. Assim viveram por alguns dias , consumindo todas as suas provisões e, então, disse o homem:
    - Mulher, não podemos continuar deste jeito, gastando sem ganhar coisa alguma. Terás de trançar cestas.
    E saiu a cortar vimes, que trouxe para casa. A jovem começou a trança-las . Mas os vimes eram duros e acabaram lhe pisando as delicadas mãos.
   - Bem vejo que não dás para isso! - disse o marido. - Se tu puseres a fiar, mas o fio duro não tardou a ferir-lhe os dedos, fazendo brotar o sangue.
   - Estás vendo?! - disse-lhe o homem. - Não serves para trabalho algum. Mau negócio fiz eu contigo. Tentamos negociar com panelas e potes de barro . Irás sentar-te no mercado e oferecer a mercadoria.
   "Meu Deus ! - pensou ela. - Se por acaso passarem pelo mercado pessoas do reino de meu pai e me virem ali sentada, vendendo potes, como irão rir de mim!"
   Mas houve remédio. Teve de conformar-se, para não morrer de fome. Da primeira vez a coisa foi bem, pois a beleza da jovem atraía pessoas que lhe pagavam o preço exigido, sendo que alguns até lhe davam o dinheiro sem levar a mercadoria. O casal viveu algum tempo desses ganhos e, ao terminar o dinheiro, o homem comprou outra partida de potes e panelas. A princesa foi sentar-se numa esquina do mercado, com os objetos em seu redor. De repente, aproximou-se um oficial, a cavalo, e que parecia embriagado. Passou a galope por entre os potes e, num instante, os reduziu a cacos. A jovem começou a chorar amargamente e, de tão angustiada, não sabia o que fazer.
   - Que será de mim? - exclamou .- Que dirá meu marido?
     Correu para casa e lhe contou a desgraça.
      - Também, que idéia é essa de ir sentar-se numa esquina do mercado, com potes de barro para vender? - zangou-se o marido.- Bem, deixar-te de lágrimas, pois vejo que não serves para realizar um trabalho decente. Hoje estive no palácio de nosso rei, indagando se precisavam de uma criada de cozinha e me prometeram dar-te o emprego. Assim terás comida de graça.
     E a princesa, então, passou a ser uma criada de cozinha, ajudando o cozinheiro e fazendo os trabalhos mais rudes. Meteu umas vasilhas nos bolsos e nelas ia guardando o que lhe davam das sobras. Levava aquilo  para casa e os dois viviam disso.
   Aconteceu que um dia celebraram o casamento do filho mais velho de rei, e a pobre mulher, desejosa de presenciar a festa, colocou-se a porta do salão.
Depois de acesas as luzes, começaram a entrar os convidados em ricos trajes, cada qual mais belo que o outro. Ela, ao ver tanta pomba e magnificência, lembrou-se, com amargura, do seu destino e maldisse seu orgulho e petulância, que a tinha levado a  humilhacão e a miséria. Dos pratos, tão apetitosos que eram trazidos e levados pelos camareiros, e cujo aroma chegava até ela, os criados lhe atirava, de vez em quando, alguns bocados. Ela, então, os guardava em suas vasilhas, afim de levá-los para casa.
   Entrou o príncipe, vestido de veludo e seda, com correntes de ouro ao redor do peito. Ao ver a linda mulher de pé junto a porta, tomo-a pela mão para dançar com ela. A princesa, porém resistiu assustada, pois reconheceu no jovem o Rei "Bico de Tordo", que fora seu pretendente e a quem recusara e ofendera com suas ironias. De nada lhe adiantou a resistência, pois ele a obrigou a entrar no salao. Nisto o cinto da moca, onde estavam presas as vasilhas, rompeu-se e estas caíram no chão, despejando o seu conteúdo pela sala. Todos os presentes romperam em gargalhadas e dichotes, deixando-a  profundamente envergonhada. A pobre princesa desejou que a terra se abrisse para tragá-la. Correu para a porta tentando fugir, nas a escada um homem a alcançou, obrigando-a a retroceder. Quando ela o olhou, viu que era o rei "Bico de Tordo", que lhe disse afetuosamente:
   - Nada temas: Eu e o músico com quem estás vivendo na cabana somos o mesmo homem. Foi por amor a ti que me disfarcei assim. O cavaleiro que te partiu os potes também fui eu. Tudo isso fiz para quebrar o teu orgulho e castigar tua altivez, que te fizeram rir de mim.
   A princesa, chorando amargamente, disse:
    - Fui muito injusta e não mereço ser tua esposa.
    Mas ele retrucou:
    - Tranquiliza-te; teus dias maus passaram e agora celebraremos devidamente o nosso casamento.
   E entraram as camareiras e lhe vestiram um lindo traje; seu pai compareceu com toda a corte e felicito-a por seu casamento, foi tudo satisfaçao e alegria. É uma pena que nós dois não estivéssemos na festa.
FIM





















d

domingo, 23 de agosto de 2015

A BELA ADORMECIDA DO BOSQUE- CONTOS DE GRIMM

Viviam, há muitos anos, um rei e uma rainha que todos os dias se lamentavam:
  - Ah! se tivéssemos um filho!
  Mas nunca eram atendidos. certo dia em que  a rainha estava tomando banho no rio, um sapo saltou das águas e lhe disse:
   - Teu desejo será satisfeito; antes de uma no darás à luz uma filha.
   E aconteceu o que o sapo anunciara; a rainha teve uma menina tão linda que o rei não cabia em si de alegria e organizou uma grande festa. Convidou, não só seus parentes, amigos e conhecidos, mas também as fadas, para que elas abençoassem a criança. Havia no seu reino treze fadas e como o monarca só tinha doze pratos de ouro para serví-las no banquete, não teve outro remédio senão deixar uma delas sem convite.
   A festa celebrou-se com todo o esplendor e, quando terminou, cada uma das fadas concedeu à menina um dos seus dons maravilhosos. Uma lhe presentou a virtude; a segunda, a beleza; a terceira, a fortuna, e assim sucessivamente, adotaram-na de tudo quanto se possa desejar neste mundo.Quando onze fadas haviam pronunciado suas graças apresentou-se , de repente, a décima-terceira que, desejando vingar-se por não haver sido convidada para a festa, exclamou, sem cumprimentar nem olhar para ninguém:
  - Quando a princesa completar quinze anos, ela se ferirá num fuso e caíra morta.
   E, sem pronunciar mais uma palavra, deu as costas e saiu da sala.
   Todos os presentes ficaram apavorados. Restava,porém,   a décima-segunda fada, que ainda não havia expressado o seu desejo. Embora não tivesse poderes para anular a sentença fatal, pode atenuá-la. Adiantado-se, pois, disse:
    - A princesa não ficará morta; mas vai cair num sono que durará cem anos!
    O rei, ansioso de preservar sua querida filha da desgraça que a ameaçava, mandou queimar todos os fusos que havia no reino. Enquanto isso, os dons concedidos pelas boas fadas foram se manifestando na menina. Ela tornou-se linda, modesta, amável e ajuizada, fazendo com que todos a estimassem.
   No dia em que completou quinze anos aconteceu que o rei e a rainha se ausentaram do palácio e a jovem ficou sozinha. Aproveitando a ocasião para andar por toda parte e examinar, como bem quisesse,todos os recantos do castelo. Chegou, por fim, a uma velha torre. Subiu a escada, estreita, de caracol, que conduzia ao alto e viu-se diante de uma portinhola. Deu volta na chave enferrujada que havia na fechadura e, quando a porta se abriu, avistou uma velha sentada numa salinha que, manejando um fuso , fiava linho.
   - Bom dia, avózinha - saudou-a a princesa.- Que é que estás fazendo?
   - Estou fiando- respondeu a velha, sacudindo a cabeça.
   - Que é isso que roda tão alegremente? - indagou a moça. E, pegando no fuso, quis também fiar. Mal, porém, tocou o instrumento, realizou-se a maldição. Espetou o dedo nele,e, no mesmo instante, caiu sem sentidos sobre a cama que havia na sala, adormecendo profundamente. Seu sono se propagou pelo palácio inteiro. O rei e a rainha, que acabavam de regressar e haviam entrado no salão, adormeceram, e, com ele, a corte inteira. Os cavalos na estrebaria dormiram; os cães no pátio; as pombas no telhado; as moscas na parede  e até o fogo, que chamejava no fogão, imobilizou-se. O assado deixou de cozinhar e o cozinheiro, que se dispunha a puxar a orelha do seu ajudante, por ter feito uma travessura, soltou-o e adormeceu. O vento parou e nas árvores em frente ao palácio já não se movia uma só folha.
  Ao redor do castelo começou a crescer uma cerca de espinhos que, de ano para ano, se tornava cada vez mais alta. Acabou ocultando de tal forma o palácio que nada se via dele, nem sequer a bandeira na ponta da torre. E pelo país inteiro correu a lenda da bela adormecida do bosque, pois era assim que chamavam a princesa.
     Essa lenda atraia, de quando em quando, os jovens príncipes dispostos a atravessar a cerca de espinhos e entrar no palácio. Contudo, jamais o conseguiram porque o roseiral, como se tivesse mãos, os aprisionava e os infelizes ficavam sem poder soltar-se e acabavam tendo uma morte terrível.
   Decorridos muitos anos e muitos anos, chegou ao país o filho do rei, e ele ouviu quando um velho contava a história da cerca de espinhos e como dentro dela havia um palácio habitado por uma lindíssima princesa chamada a Bela Adormecida, que estava mergulhada em profundo sono, junto com o rei, a rainha e toda a corte. Sabia, também, por seu avô, que muitos príncipes haviam tentado atravessar a cerca de espinhos, mas que todos haviam morrido tragicamente.
    Disse o jovem ao velho:
    - Pois eu não temo nada.Irei ver a Bela  Adormecida.
    Fi inútil querer dissuadí-lo. O Príncipe não atendeu aos conselhos do velho.
   Nisto acabavam de transcorrer os cem anos e chegara o dia em que a princesa deveria acordar. Quando o filho do rei se aproximou da cerca de espinhos, encontrou grandes e lindas flores. E o roseiral, abrindo-se por si, permitia que avançasse sem dano algum. Após a sua passagem, a cerca tornou-se  a fechar-se.
  No pátio do palácio viu os cavalos e os cães de caça todos eles dormindo e, no telhado, as pombas, imóveis, tinham a cabecinha debaixo da asa.
   Quando o príncipe entrou no palácio, as moscas estavam dormindo na parede; o cozinheiro tinha , ainda , a mão estendida como para pegar o rapaz e a criada continuava sentada diante da galinha preta que ia depenar. Continuou andando e, quando chegou ao salão, viu toda a corte adormecida, inclusive o rei e a rainha, que estava sentados no trono. Seguiu adiante. Em toda parte reinava um silêncio tão profundo que ele ouvia a sua própria respiração.
    Por fim chegou à torre e abriu a porta da sala onde estava a Bela Adormecida. Viu a jovem deitada na cama e, notando a sua formosura, não podia mais afastar os olhos dela. Inclinou-se e beijou-a. No momento em que seus lábios a tocaram, a princesa abriu os olhos e, despertando, contemplou-o com ternura. Desceram juntos e, ao entrarem no salão, o rei e a rainha e todos os cortesãos despertaram, olhando-se com assombro. E os cavalos no estábulo se levantaram e se sacudiram; os cães de caça puseram-se a brincar e a abanar o rabo; as pombas, no telhado, tiraram as cabecinhas de baixo da asa e, olhando em redor, saíram voando para o campo; as moscas prosseguiram seu caminho pela parede; o fogo avivou-se no fogão e cozinhou a comida; o assado continuou dourando; o cozinheiro deu um tabefe tão forte no seu ajudante que o fez gritar  e a criada terminou de depenar a galinha.
   Pouco depois celebrou-se, com todo o esplendor, o casamento do príncipe com a Bela Adormecida do Bosque e viveram felizes para o resto da vida.
  FIM

sábado, 22 de agosto de 2015

AVEZINHO - CONTOs DE GRIMM

Era uma vez um guarda-florestal que saiu à caça e, encontrando-se no bosque, ouviu, de repente, uns soluços como os de uma criancinha. Dirigindo-se ao ponto de onde vinha o choro, chegou a uma árvore alta, em cuja copa se achava uma criança bem pequenina. A mãe dela havia adormecido sentada no chão com o pequeno nos braços, quando uma ave de rapina, vendo o bebe no seu colo, baixara voando e, depois de apanhar a criança com o bico, a depositara na copa daquela árvore.
    O guarda-florestal trepou na árvore e, agarrando a criança, viu que era um menino e pensou: "Eu o levarei para minha casa e o criarei junto com a minha Heleninha. "
    Assim fez ele e as crianças cresceram juntas. Ao menino que fora encontrado na árvore puseram o nome de Avezinho. Ele e Heleninha se queria, tanto, tanto, que, quando um não via o outro, ficava triste.
   O guarda-florestal tinha uma cozinheira velha que, certa tarde, apanhou dois balões e foi ao poço buscar água. Tantas vezes encheu os baldes que Heleninha, intrigada, perguntou-lhe:
   - Para que vai buscar tanta água. velinha?
   - Se não contares a ninguém, eu te digo, - respondeu a cozinheira.
    Heleninha assegurou-lhe que nada diria e a velha, então, lhe revelou o que ia fazer:
   - Amanhã bem cedo, depois que o patrão tiver saído à caça, ferverei esta água e, quando a caldeira estiver chiando, jogarei Avezinho dentro para cozinhá-lo.
   No dia seguinte, de madrugada, o guarda-florestal levantou-se para ir caçar, enquanto os meninos continuavam na cama. Heleninha, então disse a Avezinho:
   - Se não me abandonares, também eu não te abandonarei.
    Respondeu-lhe o menino:
    - Nem agora, nem nunca.
    Continuou Heleninha:
    - Bem, vou te contar uma coisa: ontem de noite vi a velha criada trazia muitos  baldes de água do poço e lhe perguntei por que fazia aquilo. Respondeu que me diria se eu não contasse a ninguém. Prometi-lhe e ela, então, contou que esta manhã, quando meu pai estivesse caçando, ferveria a água na caldeira e te jogaria nela para   te cozinhar. Vamos saltar da cama para nos vestirmos e fugir daqui.
   Os dois se levantaram, aprontaram-se rapidamente e depois fugiram mais que depressa. Quando a água ferveu na caldeira, a velha foi ao quarto em busca de Avezinho, com intenção de pô-lo à cozinhar, mas, ao aproximar-se da cama, viu que os dois pequenos haviam desaparecido. Diante disso, assustou-se e pensou: "Que direi quando o guarda-florestal voltar e as crianças não estiverem mais aqui? Devo trazê-las de volta."
   Ordenou a três criados que saíssem atrás dos dois meninos e os trouxessem para casa.
   Enquanto isso, os pequenos se haviam sentado na margem da floresta e, ao verem de longe os três criados que se dirigiam a eles, disse Heleninha a Avezinho:
   - Se não me abandonares, também eu não te abandonarei.
   - Nem agora, nem nunca- respondeu Avezinho.
   E Heleninha tornou a  falar:
   - Transforma-te em roseira e eu serei a rosa.
  Quando os três criados chegaram ao bosque, não viram mais que uma roseira com uma só rosa. Dos dois meninos, nem rasto.
   - Aqui não há ninguém! - disseram eles.
   Deram volta e foram dizer à cozinheira que só tinham visto uma roseira com uma única rosa. Aí a velha gritou indignada:
   - Idiotas! Deviam ter cortado a roseira, apanhando a rosa e trazido para casa. Saiam correndo e façam o que lhes disse.
   E os três tiveram de voltar ao bosque. As crianças porém, os avistaram de longe e Heleninha falou:
   - Avezinho, se não me abandonares, também  eu não  te abandonarei.
   E o menino respondeu:
 - Nem agora, nem nunca.
  - Então transforma-te numa igreja. Eu serei uma  coroa, dentro dela.
   Quando chegaram os criados só viram a igreja e a coroa em seu interior. Puseram-se, então, a comentar:
 - Mas que é que havemos de fazer aqui? O melhor é voltar para casa.
  Lá a velha perguntou-lhe se haviam encontrado os meninos. Eles responderam que não e que apenas tinham visto uma igreja com uma coroa dentro.
   - Idiotas! - gritou a velha. Por que não derrubaram a igreja e não me trouxeram a cora?
   Pôs-se, então, ela mesma, a caminho, acompanhada dos três criados, em busca dos pequenos. Mas estes viram aproximar-se os três homens e a velha, que vinha rengueando atrás. E Heleninha disse:
   - Avezinho, se não me abandonares, também eu não te abandonarei.
    E o menino respondeu:
   - Nem agora, nem nunca.
   - Pois transforma-te num lago e eu num pato nadando em tuas águas.
    Chegou a cozinheira e, ao ver o lago, abaixou-se para sorvê-lo. Mas o pato veio nadando,  a toda pressa e, apanhando-a com o bico, pelos cabelos, puxou-a para dentro da água e a velha bruxa afogou-se. Os meninos regressaram à casa, alegres e contentes, e, caso não tenham morrido, com certeza ainda estarão vivos.
FIM


quinta-feira, 20 de agosto de 2015

OS SEIS CISNES - CONTOS DE GRIMM

Certa vez um rei andava caçando numa floresta imensa e com tal entusiamo perseguia a caça que nenhum dos seus acompanhantes podia segui-lo. Ao anoitecer, deteve o cavalo e olhou  em redor. Viu, então, que se perdera e tratou logo de procurar uma saída, mas sem resultado. Nisto, avistou uma velha que se aproximou dele. Era uma  feiticeira.
    - Boa mulher- disse-lhe o rei. - Não poderias indicar-me um caminho para que eu saia daqui?
    - Oh sim, Senhor Rei.- respondeu a velha. - Posso, mas só com uma condição? - perguntou o rei.
   - Tenho uma filha - declarou a velha- formosa como não poderias encontrar igual no mundo inteiro digna de ser tua esposa. Se prometes fazê-la rainha, eu te mostrarei um caminho para saíres da floresta.
    O rei amedrontado, concordou e a velha o levou a uma cabana, onde sua filha estava sentada junto ao fogão. Recebeu o rei como já o estivesse esperando e ele verificou que era, realmente linda. Apesar disso, não se agradou da moça e não podia olhá-la sem sentir uma espécie de temor secreto. Depois que ele acomodou a jovem sobre o seu cavalo , a velha indicou o caminho ao rei, que pode, então, voltar ao  palácio, onde, passado algum tempo, se realizou o casamento.
    O rei era viúvo e sua primeira esposa lhe dera sete filhos; seis meninos e uma menina, a quem amava mais que tudo no mundo. Receando que a madrasta os tratasse mal, levou-os a um castelo solitário que se encontrava no meio de uma floresta. Era tão escondido o local e tão difícil encontrar-se o caminho que a ele conduzia, que nem o próprio rei teria sido capaz de achá-lo, se uma boa fada não o tivesse presenteado com um novelo mágico. Se o atirava à sua frente, desenrolava-se por si mesmo e a linha lhe mostrava o caminho. Mas o rei saía com tanta frequência para visitar seus filhos que, afinal a rainha começou a notar sua ausência e sentiu curiosidade de saber o que andava ele fazendo. Subornou seus criados e estes lhe revelaram o segredo, contando-lhe também a respeito do novelo encantado, capaz de indicar o caminho. Daquele momento em diante ela não sossegou até descobrir onde o marido guardava a linha mágica. Cortou e costurou, então , umas camisinha e se dirigiu à floresta, com o novelo mágico a lhe mostrar o caminho. Os meninos viram, de longe, que alguém se aproximava e, convencidos de que era o pai, correram alegremente a recebê-lo. A rainha, então, atirou sobre cada um deles uma das camisinhas. E todo se transformaram em cisnes que saíram voando por cima das árvores. Satisfeita, regressou para o palácio, acreditando ter-se livrado dos enteados. Aconteceu, porém, que a menina não havia saído com seus irmãos e a rainha continuou ignorando a sua existência. No dia seguinte, o rei foi visitar os filhos e só encontrou a menina.
   - Onde estão teus irmãos? - perguntou-lhe.
    - Oh, meu pai querido!- respondeu a pequena.- Foram-se e me deixaram aquei sozinha.Contou-lhe então o que tinha avistado da janela; como os irmãos, transformados em cisnes, saíram a voar e mostrou-lhe as penas que haviam deixado cair e que ela recolhera. O rei ficou muito triste, mas não lhe passou pela cabeça que tinha sido a rainha a autora  daquela maldade. Receoso de que também lhe fosse roubada a menina, quis levá-la consigo, mas a pequena temia a sua madrasta e pediu ao pai que lhe permitisse passar ainda aquela noite no castelo da floresta.
    A pobre criança pensava: "Já não posso ficar aqui; devo partir em busca de meus irmãos." E, ao chegar a noite, saiu andando pelo bosque. Caminhou a noite toda e todo o dia seguinte sem parar, até que o cansaço a venceu. Viu, de repente, uma cabana solitária e, quando entrou nela, achou um quarto com seis pequenas camas, mas não se atreveu a deitar-se em nenhuma; meteu-se embaixo de uma delas, disposta a passar a noite no chão duro. Mas, ao pôr-do-sol, ouviu um ruflo de asas no ar e logo depois seis cisnes entraram pela janela. Assim que pousaram no soalho, começaram a soprar as suas penas até que todas elas caíram. Isto feito, tiraram a pele de cisne como se tira uma camisa. A menina reconheceu neles seus irmãos e, contentíssima, saiu debaixo da cama. Não era menor a alegria dos meninos ao verem a irmãzinha, mas sua felicidade foi de pouca duração.
   -Não poderás ficar aqui - disserem-lhe, - pois é um albergue de ladrões. Se aqui chegarem e te encontrarem, é certo que te matarão.
   - E vocês não poderão proteger-me? - perguntou a menina.
    - Não- responderam ele- porque só nos é permitido despojar-se cada noite de nossa plumagem durante um quarto de hora. Nesse tempo recuperamos nossa forma humana, mas logo depois somos, novamente, transformados em cisnes.
   - E não poderão ser libertados do feitiço? - perguntou, chorando , a irmãzinha.
    - Não - disseram eles- as condições são muito difíceis. Terias de permanecer calada durante seis anos, sem nunca rir e nesse tempo fazer-nos seis camisas de margaridas. Uma só palavra que saísse  de tua boca, poria tudo a perder.
    Quando os irmãos terminaram de dizer isso, o quarto de hora havia transcorrido e eles, transformados de novo em cisnes, saíram voando pela janela.
   A menina, entretanto, tomou a firme resolução de libertar seus irmãos, ainda que isso lhe custasse a vida. Saiu da  cabana para o meio do mato e trepando numa árvore, ali passou a noite. Na manhã seguinte, pô-se a colher margaridas principiou a fazer as camisas . Não podia falar com ninguém e, quanto a rir, nem tinha motivos . Ficava sentadinha, ocupando-se apenas com seu trabalho.
   Tendo decorrido assim muito tempo, aconteceu que um dia, o rei daquele país, andando à caça pelo bosque, passou com seus homens pela árvore que servia de morada à menina. Alguns dele a viram e perguntaram:
   - Quem és? - mas ela não deu resposta.
    - Desce - insistiram os homens. - Não te faremos nenhum mal.
    A moça, porém, se limitou a sacudir a cabeça. Os caçadores continuaram fazendo perguntas
a elas, então , lhes atirou a corrente de ouro que levava ao pescoço, pensando que assim se dariam por satisfeitos. Mas como os homens continuassem insistindo, atirou-lhes, também, o cinto e depois as ligas e, pouco a pouco, tudo de que pode desprender-se, ficando, por fim, somente com a camisa no corpo. Mas os caçadores não  se  conformaram; treparam na árvore, desceram a mocinha e a conduziram ante o rei, que lhe perguntou:
    - Quem és? Que fazias naquela árvore? - mas a coitada não respondeu.
   O rei insistiu, repetindo as mesmas perguntas em todas as línguas que conhecia. Tudo em vão, ela permaneceu completamente muda. Mas, apesar de tudo, vendo-a tão formosa, o rei se sentiu enternecido e em sua alma nasceu um grande amor pela jovenzinha. Cobriu-a com seu manto e, acomodando-a em seu cavalo, a levou ao palácio. Uma vez ali, mandou que lhe dessem ricas vestes, o que a fez parecer mais bela do que a luz do dia. Mas não houve meio de arrancar-lhe uma só palavra. O rei sentou-a a seu lado na mesa e a sua modéstia e recato lhe agradaram tanto , que disse:
   _ É a esta moça que desejo para minha esposa e não hei de querer a nenhuma outra no mundo.
    Ao fim de alguns dias casou-se com ela.
     A mãe do rei, porém, era uma mulher malvada a quem não agradou o casamento e não cessava de falar mal da jovem rainha.
   - Quem sabe onde terá saído essa criatura que não fala? - dizia. - è indigna de um rei.
    Passado pouco mais de um ano e já havendo a rainha tido o primeiro filho, a velha roubou-lhe a criança e manchou de sangue a boca da mãe. Depois foi ao rei e a acusou de haver devorado o menino. Ele  negou-se  a acreditar numa história tão horrível e contra a natureza e não permitiu que causassem dano à esposa. Mais adiante, a rainha teve outro filho e sogra repetiu o rapto, sem que tampouco o rei prestasse ouvidos a suas palavras. Disse-lhe:
    - É demasiado piedosa e boa, para ser capaz de ato semelhante. Se não fosse muda e pudesse defender-se, provaria a sua inôcencia.
   Mas, quando pela terceira vez a velha roubou um menino recém-nascido e voltou a acusar a mãe sem que esta pronunciasse uma palavra em sua defesa, o rei não teve outro remédio senão entregá-la a um tribunal, que condenou a infeliz rainha morrer numa fogueira.
   O dia marcado para execução da sentença era exatamente aquele em que terminava os seis anos durante os quais lhe havia sido proibido falar e rir. Assim libertaria a seus queridos irmãos do feitiço que pesava sobre eles. Acabara as seis camisas, só que na última delas faltava a manga esquerda. Ao ser conduzida à fogueira, a rainha pôs as camisas no braço e quando, já parada sobre o monte de lenha, olhou em redor, viu seis cisnes, que se aproximavam rapidamente. Compreendeu que era chegado o momento de sua libertação e sentiu grande alegria. Os cisnes foram pousar diante dela, de modo a lhe ser possível jogar sobre eles as seis camisas. E quando estas lhes tocaram os corpos, caiu-lhes  a plumagem e seus irmãos surgiram em sua forma humana, sãos e formosos. Só o mais moço faltava o braço esquerdo e em seu lugar havia uma asa de cisne. Abraçaram-se e beijaram-se e a rainha , dirigindo-se ao rei, que assistia , consternado, à cena, falou-lhe:
   - Meu querido, agora que já posso falar, declaro que fui acusada falsamente.
     Passou, depois, a contar-lhe que havia sido vitima da maldade da sogra, a qual lhe roubava os três meninos ocultando-os. Estes foram, então, trazidos à presença do rei. E dali por diante, ele, a rainha, os filhos e seus seis irmãos, viveram em paz.
FIM





















quinta-feira, 13 de agosto de 2015

OS MÚSICOS DE BREMEN - CONTOS DE GRIMM


         Um homem tinha um burro que, durante anos e anos, havia transportado os sacos para o moinho, sem se cansar nunca. Mas, por fim, as forças do animal foram diminuindo e ele cada dia se tornava mais inútil para o trabalho. O dono, então, pensou em desfazer-se dele, mas o burro, notando que o vento não lhe era favorável, fugiu e tomou o caminho da cidade de Bremem.                  Imaginava que lá talvez pudesse tornar-se músico da banda municipal. Depois de ter andado por algum tempo , encontrou um cão de caça estendido na estrada, todo ofegante, como alguém cansado de correr muito.
       - Por que está sem folego, amigo? - Indagou o burro.
       - Ah! - suspirou o cão. - Porque estou velho e cada dia mais fraco; como não sirvo mais para caçar, meu dono quis matar-me e tratei de me largar no mundo. Mas agora não sei como ganhar a vida.
        - Sabes de uma coisa? - falou o burro.- Vou até Bremem para tornar-me músico da cidade. Vem comigo e entra também na banda. Tocarei o alaúde e tu os timbales.
        A proposta agradou ao cachorro e os dois foram seguindo estrada afora. Não demorou muito, encontraram um gato sentado à beira da estrada, com uma cara de quem comeu e não gostou.
      - Que mal te aconteceu, bigodudo? - perguntou o burro.
       - Quem terá vontade de rir com a corda no pescoço? - respondeu o bichano.- Estou envelhecendo; meus dentes já não são tão agudos e prefiro ficar atrás do fogão em vez de caçar  ratos. Por isso minha dona quis afogar-me. Escapei em tempo, mas que será de mim, agora ? Para onde irei?
        - Vem conosco para Bremen, pois entendes de serenatas e lá poderás ser músico da cidade.
       O gato achou esplêndida ideia e acompanhou os dois. Mais tarde os três fugitivos chegaram a um pátio, onde havia um galo encarapitado no alto do portal, cantando com toda a força que tinha.
        - Por que gritas tanto? - perguntou o burro. - Que pretendes com isso?
      - Anunciar bom tempo, - respondeu o galo. - Hoje Nossa Senhora lavou as camisinhas do Menino Jesus e pretende secá-las. Mas como amanhã é domingo e haverá convidados, a dona da casa, que não tem entranhas, disse à cozinheira que me queria ver na sopa e que hoje à noite me torcesse o pescoço. por isso estou aproveitando para cantar bastante, enquanto posso.
      - Deixa de bobagens, crista vermelha! - disse o burro. - Farás melhor vindo conosco a Bremem. Em qualquer parte hás de encontrar alguma coisa melhor que a morte. Tens boa voz e, se fizermos um conjunto musical, vai ser uma maravilha.
        O galo se agradou do plano e os quatro seguiram adiante. Como não era possível alcançar naquele dia a cidade de Bremem, os novos amigos, só chegarem a um mato, resolveram pernoitar ali mesmo. O burro e o cão deitaram-se embaixo de uma árvore bem grande; o gato e o galo subiram para os galhos, mas o galo foi além, até alcançar o ramo mais alto. Antes  de pegar no sono, o galo deu uma olhadela em redor; pareceu-lhe ver, a certa distância, uma luzinha. Gritou para os companheiros que, não muito longe, parecia haver uma casa, pois avistara uma luz. Disse, então, o burro:
       - Será melhor irmos até lá, pois aqui o nosso albergue não é lá muito confortável.
       O cão manifestou-se, dizendo que uns ossos e um pouco de carne não lhe fariam mal e, assim, todos se puseram a caminho em direção da luz. À medida que se aproximava, a claridade ia aumentando. Chegaram finalmente, a um albergue de ladrões, profusamente iluminado. O burro, que era o maior , acercou-se da janela e espiou para dentro.
   - O que estás vendo? - indagou o galo.
   - O que vejo? - respondeu o burro. - Uma mesa cheia de boa comida e bebida e um bando de ladrões que estão se fartando.
    - Isso seria esplêndido para nós - disse o galo.
    - Sim, sim, que bom se pudéssemos estar ali! - exclamou o burro.
    Os animais então, começaram a pensar num modo de afugentar os bandidos e, por fim, descobriram: o burro pôs as patas dianteiras no peitoril da janela; o cão saltou-lhe às costas, o gato trepou no cão e, finalmente, o galo, num vôo, foi colocar-se sobre a cabeça do gato. Feito isso, a um sinal convencionado, romperam todos na sua música: o burro zurrando, o cão ladrando, o gato miando e o galo cantando; e, num zás, lançaram-se pela janela para o interior da sala, espatifando os vidros. Ao ouvirem aquele barulho infernal, os bandidos erguera-se de um salto e, certos de que um bando de fantasmas entrara pela janela, deitam a correr espavoridos pelo mato a dentro. Os quatro companheiros, então, sentaram-se à mesa e serviram-se à vontade daquilo que sobrara. Comeram como se fossem jejuar durante as próximas quatro semanas.
          Terminada refeição, os quatro músicos apagaram a luz e foram procurar um leito, cada qual de acordo com sua natureza e comodidade. O burro deitou-se sobre sobre um monte de estrume, o cão atrás da porta, o gato nas cinzas quentes  do fogão e o galo empoleirou-se numa viga, E como estivessem casados, logo adormeceram.
          Passada a meia-noite, os bandidos viram, de longe, que não havia mais luz a casa e, como tudo parecesse tranquilo, disse o capitão;
        - Não deveríamos assustar-nos tão facilmente! - E ordenou que um dos da quadrilha fosse até a casa para examiná-la. O homem encontrando tudo em paz, foi à cozinha para acender  a luz. Ali, tomando os olhos brilhantes e fogosos do gato por brasas acesas, encostou neles um fósforo para prender a chama. O bichano, porém, não estava para brincadeiras. Saltou-lhe ao rosto, bufou e arranho-o todo. O bandido levou um susto tremendo e quis disparar pela porta dos fundo. Lá porém, estava o cão, que saltou e o mordeu na perna. Ao passar, correndo, pelo monte de estrume, o burro ainda aplicou-lhe um coice violento. O galo, que acordara com o barulho e já estava bem desperto, gritou do alto da sua viga: " Cocorocò!"O bandido, então, deitou a correr  o mais que pode até onde estava o seu capitão e disse-lhe:
   - Céus! Na casa há uma bruxa, medonha, que me assoprou e arranhou a cara com suas unhas compridas; atrás da porta está um homem que cravou uma faca na minha perna; no pátio, encontrei um monstro que me assaltou e me bateu com um porrete, enquanto, no alto do telhado, o juiz gritava: " Tragam-me esse bocò! " Tratei de escapar o mais depressa possível.
       Desse dia em diante os bandidos não se atreveram  mais a entrar na casa e os músicos de Bremen se sentiram tão bem ali que nem quiseram mais abandoná-la. E quem não quiser acreditar, que vá até lá certificar-se, pessoalmente.

                                  FIM


























terça-feira, 11 de agosto de 2015

O VELHO SULTÃO - CONTOS DE GRIMM

Um camponês tinha um cão Sultão, que, de tão velho que era, já tinha perdido todos os dentes e não conseguia mais segurar a presa.
   Certa ocasião, o camponês, parado à porta da casa, disse à mulher:
   - Amanhã vou matar o velho Sultão. Já não presta para nada.
   A mulher, compadecida do fiel animal, respondeu-lhe:
   - Serviu-nos durante anos com lealdade que bem poderíamos, agora, lhe dar sustento de graça.
    - Qual! -disse o homem,- não estás bem certa, mulher! Ele não tem mais um só dente que seja e nenhum ladrão o respeita.
    O pobre cão, que estava por perto , deitado ao sol, ouviu tudo e ficou triste, pensando que o dia seguinte seria o último de sua vida. Tinha um bom amigo, o lobo, e ao cair da tarde, foi procurá-lo no mato e contou-lhe o que o esperava.
  - Escuta aqui, compadre - disse o lobo - não te desepere que te ajudarei. Tenho uma idéia. Amanhã, bem cedo, teu amo e sua mulher irão ao campo e levarão consigo o filhinho, porque não tem com quem deixá-lo.Enquanto trabalham, costumam por a criança na sombra, atrás do arbusto. Deita-te ali, como se quisesses vigiá-la. Em seguida eu saio do mato, roubo a criança e tu corres atrás de mim fingindo que me persegues. Eu, então, deixo cair o pequeno. E os pais, pensando que o salvaste, não irão mais causar-te dano. Pelo contrário, hão de tratar-te bem e nada te faltará.
   A proposta agradou ao cão e ele executou o plano tal como o haviam combinado. O pai gritou ao ver o lobo correndo com seu filhinho na boca e, quando o velho Sultão o trouxe de volta, ficou contente que o acariciou, dizendo:
   - Ninguém te tocará num só pelo e não te faltará alimento pelo resto da vida.
   Depois, dirigindo-se à sua mulher, ordenou-lhe:
   - Vai para casa e prepara um mingau gostoso para o Sultão e dá -lhe o meu travesseiro para que se deite em cima.
   Daí por diante, Sultão passou a levar uma boa vida. Pouco depois, o lobo veio visitá-lo e alegrou-se por ver que tudo havia saído tão bem.
   - Compadre - disse ele - espero que fecharás um olho se me surgir uma oportunidade de levar uma ovelha gorda de teu amo. Hoje em dia está difícil ganhar-se a vida.
   - Não contes comigo- respondeu o cão.- Sou fiel a meu amo e não posso concordar com isso.
    O lobo pensou que ele não estivesse falando sério e, ao chegar a noite, veio de mansinho para executar seu plano. Mas o camponês, alertado por Sultão, já o estava esperando e, com um malho, penteou-lhe o pelo a valer.
  Obrigado a safar-se, o lobo saiu correndo e, de passagem, gritou para o cão:
   - Espera, criatura ruim, hás de me pagar!
   Na manhã seguinte mandou que o javali fosse falar com o cão, encarregando-o de levar ao mato para ajustarem as contas. O velho Sultão não encontrou outro companheiro senão um gato com apenas três pernas. Enquanto se dirigiam ao bosque, o pobre bichano caminhava de rabo em pé, pois o esforço que fazia para andar lhe causava dores. O lobo e seu assistente já estavam esperando no lugar convencionado, mas, ao verem, de longe, o adversário, pensaram que vinha brandindo uma espada, pois assim lhes pareceu a cola erguida do gato. Quanto a este, que avançava aos saltos sobre três pernas, imaginaram que estava apanhando pedras para depois atirá-las neles. Os dois, então, ficaram tomados  de pânico. O javali escondeu-se no meio dos arbustos,  e o lobo saltou para cima de uma árvore. Quando o cão  e o gato chegaram ao local, admiraram-se de não ver ninguém. Como o javali estava escondido pelos arbustos, as suas orelhas ficaram aparecendo. Enquanto o gato olhava ao redor, o javali mexeu com as orelhas e o bichano, pensando que era um rato, deu um salto e aplicou nelas uma boa dentada. O javali, então , levantou-se aos berros e saiu gritando:
   - Lá de cima da árvore é que está o culpado!
   O cão e o gato ergueram s cabeças e avistaram o lobo que, com vergonha de se haver portado tão covardemente, fez as pazes com Sultão.
FIM

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

A COMADRE MORTE - CONTOS DE GRIMM

Um homem tinha doze filhos e era obrigado a trabalhar dia e noite para alimentá-los. Quando veio ao mundo o décimo-terceiro, o coitado, não sabendo mais o que fazer, saiu correndo pela estrada. Queria pedir ao primeiro que passasse que fosse o padrinho de seu filho.
   O primeiro que encontrou foi Deus Nosso Senhor, que, já sabendo o motivo de sua aflição, disse-lhe:
   - Pobre homem, tenho pena  de ti. Batizarei teu filho, cuidarei dele e hei de torná-lo feliz aqui na terra.
   - Quem és? -indagou o homem.
   - Sou Deus Nosso Senhor.
   -Pois não te quero para compadre, -retrucou o outro. - Dás aos ricos e deixas os pobres com fome.
    O homem assim falou porque não sabia como Deus distribui a riqueza e a pobreza. E, deixando o Senhor, seguiu seu caminho. Não demorou muito, encontrou o Diabo, que lhe disse:
   - Que procuras? Se me aceitares como padrinho de teu filho, eu lhe darei ouro em abundância e todos os prazeres do mundo.
   - Quem és? - perguntou o homem.
    - Sou o Diabo.
    - Então não te quero para compadre, - respondeu-lhe o homem. - Enganas e fazes cair em tentação.
    Prosseguiu seu caminho e encontrou, mais adiante, a Morte, que lhe dirigiu a palavra:   - Aceita-me para tua comadre.
   - Quem és? - indagou o homem.
    - Sou a morte. que torna a todos iguais.
    - Tu, sim, me convéns,- disse o pai.- Levas contigo tanto rico comop o pobre, sem distinçaõa. Quero que seja minha comadre.
   E a Morte respondeu-lhe:
    - Farei teu filho abastado e célebre, pois quem me tem por amigo, nada lhe faltará.
   Disse-lhe o homem:
   -  O Batismo é no próximo domingo. Sê pontual.
   Conforme havia prometido, a Morte apresentou-se e batizou a criança.
   Alguns anos depois, tendo o menino crescido, sua madrinha veio visitá-lo e ordenou que a acompanhasse. Ela conduziu a um bosque e, mostrando-lhe ali uma erva, disse-lhe:
    - Irás receber agora o meu presente de batismo. Farei com que sejas um médico famoso. Cada vez que fores chamado a atender um doente, sempre me verás ali. Se eu estiver à cabeceira do enfermo, podes afirmar, confiadamente, que irás curá-lo. Dá-lhe desta erva e a pessoa ficará curada. Se, ao contrário, eu estiver aos pés da cama, isso significa que o doente me pertence e dirás, então, que não há remédio para curá-lo e médico algum no mundo  o poderá salvar. Mas toma cuidado! Nunca uses a erva contra a minha vontade. Pagarias caro a desobediência.
   Ao cabo de algum tempo, o jovem tornou-se o médico mais famoso do mundo inteiro. " Só precisa olhar para o doente e logo sabe se ficará curado ou vai morrer"- diziam dele as pessoas. De perto e de longe, vinham à sua procura para levá-lo a seus doentes e davam-lhe tanto ouro que dentro em pouco ele estava rico.
    Aconteceu, então, que o rei do país adoeceu. Chamaram o médico e perguntaram se poderia salvá-lo. Mas, quando se aproximou do doente, viu a Morte aos pés da cama e percebeu que não havia erva que o salvasse. " Se eu pudesse, ao menos uma vez, enganar a Morte! - pensou o médico-. Naturalmente ficará zangada, mas como é minha madrinha, espero que fará vista grossa. Vou tentar. "
   E, erguendo o doente nos braços, colocou-o de novo na cama, de modo que a Morte ficasse à cabeceira do rei. Depois, deu-lhe a erva, e o soberano restabeleceu-se, recuperando a saúde.
   A Morte, porém, se apresentou ao médico com expressão severa no rosto e, ameaçando-o com o dedo, lhe disse:
   - Enganaste-me. Desta vez te perdôo, mas se fizeres isso mais uma vez, pagarás coma vida e é a ti que eu levarei.
   Pouco depois, a filha única do rei caiu gravemente enferma. O soberano chorava dia e noite até que seus olhos se tornaram cegos de tantas lágimas.
   Mandou apregoar que, quem salvasse a princesa, se casaria com ela e herdaria o trono. Quando o médico entrou no quarto da jovem, avistou a Morte aos pés da cama. Deveria ter-se lembrado da advertência de sua madrinha, mas a grande formosura da princesa e a felicidade de tornar-se seu esposo o entusiasmaram tanto que esqueceu a recomendação. Não viu que  a Morte lhe lançava olhares furiosos nem quando. erguendo a mão, o ameaçou  com o punho descarnado. Levantou a doente e colocou sua cabeça no lugar onde haviam estado os pés. Depois deu-lhe a erva para tomar e, sem demora, suas faces se tornaram coradas e a vida começou a palpitar dentro dela.
    A Morte, ao ver-se enganada pela segunda vez e privada do que lhe pertencia, dirigiu-se a grandes passos ao encontro do médico e lhe disse:
   - Está perdido! Chegou a tua hora.
   Pegou-o pelo pulso com sua mão gelada e com tamanha força que ele não lhe pode resistir. Assim o conduziu a uma caverna subterrânea. Ali o jovem médico viu milhares e milhares de velas acesas em fileiras infinitas. Umas ardiam bem altas; outras pela metade e ainda outras já bem pequeninas. A cada instante algumas delas se apagavam, ao passo que muitas renasciam formando um constante jogo de luzes.
   - Vês? - disse a Morte. - Estas chamas representam a vida dos homens. As grandes pertencem às crianças, as de tamanho médio aos casais de meia-idade e as pequenas aos velhos. Mas também crianças e jovens muitas vezes só tem uma vela pequenina.
   - Mostra-me a chama da minha vida, - pediu o médico, pensando que a dele ainda estaria bem grande.
   A Morte lhe apontou um toquinho de vela que ameaçava extinguir-se a cada momento e disse:
     - Olha, aí está!
   Assustado o médico pediu:
   - Querida madrinha, acende uma vela nova para mim, pois gostaria de gozar a minha vida, ser rei e tornar-me esposo da bela princesa.
    - Não posso, - respondeu-lhe a Morte. - Antes de acender uma vela nova,é preciso que a velha se apague.
  - Então coloca a velha em cima de outra nova, para que se acenda no momento em que a outra se extingue, - suplicou o médico.
  A morte fez como se quisesse satisfazer-lhe o desejo e trouxe uma vela nova e grande. Mas como queria vingar-se, descuidou-se, intencionalmente, ao trocá-la e a vela que já estava no fim caiu, apagando-se. No mesmo instante, o médico tombou no chão, sem vida.
   
FIM





















domingo, 9 de agosto de 2015

Contos de Andersen

CONTOS DE ANDERSEN
  Embora tendo escrito numa língua pouquíssimo conhecida, HANS CHRISTIAN ANDERSEN tornou-se um dos escritores mais lidos e cultuados do mundo. Com muita justiça, é proclamado o mago da literatura infantil. Seus livros - contos fantásticos, histórias, fábulas - foram traduzidos para todas as línguas vivas e não há hoje nenhuma criança, em qualquer parte, que não saiba de cor a história do Soldadinho de Chumbo, do Patinho Feio e muitas outras devidas à milagrosa imaginação de Andersen.
   A Editora Globo, empenhada em oferecer aos jovens leitores do Brasil o melhor já escrito pelos mestres do gênero, inclui em sua linha os consagrados Contos de Andersen. São cinco volumes esplendidamente ilustrados, reunindo mais de uma centena de narrativas.

CONTOS DE GRIMM

Contos de Grimm
  Pelo cuidado extremo que foi realizada, esta edição dos melhores contos de Grimm agradará, sem dúvida, a todos os jovens leitores de língua portuguesa. Aqui está, sem qualquer adaptação ou alteração, um conjunto de obras- primas daqueles que foram e continuam sendo mestres da literatura infantil.
  Na efetivação deste projeto, propôs-se a Editora Globo cumprir três aspirações capitais: Executar uma triagem correta da copiosa produção dos autores, contar com uma tradição fiel dos textos escolhidos e enriquecer os dois volumes com ilustrações da maior categoria.
  O objetivo foi alcançado. Os contos aqui presentes magníficamente ilustrados em xilogravura, refletem toda a genialidade dos Irmãos Grimm e significam um tesouro indelével posto ao alcance do nosso mundo infanto-juvenil.
Publicação da EDITORA GLOBO

O PÁSSARO DO FEITICEIRO - CONTOS DE GRIMM

Era uma vez um feiticeiro que, tomando o aspecto de um mendigo,ia de porta em porta pedir esmola e aproveitava a ocasião para roubar as moças mais formosas. Ninguém sabia aonde as levava, pois elas desapareciam para sempre. Um dia apresentou-se ele na casa de um homem que tinha três lindas filhas. Como de hábito, estava transformado em mendigo, de cesto de esmola. Pediu de comer e a moça mais velha lhe deu um pedaço de pão. Ele, ao sair, tocou-a com um dedo e bastou isso para que  ela entrasse para dentro do cesto.
   Em seguida o feiticeiro afastou-se em grandes passadas, levando a moça para sua casa, que ficava em meio de uma floresta sombria. Dentro da casa,onde tudo era de grande magnificência, ele deu à jovem todas as coisas que ela quis.
    - Minha querida- disse-lhe- há de gostar daqui, pois terás tudo o que teu coração desejar.
    Ao fim de alguns dias, avisou-a:
   - Tenho de viajar e vou deixar-te sozinha por algum tempo. Aqui tens as chaves da casa;  podes percorrê-la e ver o que contém. Mas não entras na sala que se abre com esta pequenina chave. Proíbo-te, sob pena de morte! - Deu-lhe, também, um ovo  e recomendou: - Guarda bem este ovo e é melhor que o leves sempre contigo, pois se o perderes haverá uma grande desgraça.
    A jovem pegou as chaves e o ovo, prometendo obedecer em tudo. Quando o feiticeiro partiu, ela andou pela casa toda, de baixo a cima, examinado as salas que  rebrilhavam de ouro e prata, com um luxo como jamais  sonhara pudesse existir. Finalmente chegou diante da porta proibida; quis passar adiante, mas a curiosidade não a deixou em paz. Meteu a chave na fechadura e, quase sem esforço, abriu a porta. Mas, que viram seus olhos? Ao centro havia uma grande bacia ensanguentada, cheia de membros humanos e, junto a ela, um cepo de madeira com um machado reluzente em cima. Levou um susto tão grande que o ovo, que tinha nas mãos, caiu na bacia. Apressou-se em apanhá-lo e secar o sangue, mas tudo foi inútil; não houve meio de apagar a mancha, por mais que a lavasse e esfregasse.
    Pouco tempo depois o homem regressou da viagem e logo lhe pediu as chaves e o ovo. A jovem entregou-lhe tudo, mas as mãos lhe tremiam. O feiticeiro, vendo as manchas vermelhas, compreendeu que ela havia entrado na sala sangrenta.
    - Já que entraste no quarto contra as minha ordens, agora vais entrar nele contra a tua vontade!
    Dito isto, atirou-a ao solo, arrastou-a pelos cabelos e lhe cortou a cabeça, fazendo jorrar o sangue pelo chão. Depois jogou tudo dento da bacia.
   - Agora vou apanhar a outra!
    E, transformando-se novamente em mendigo, voltou à porta do mesmo homem, para pedir esmola. A segunda filha deu-lhe um pedaço de pão e o feiticeiro apoderou-se dela apenas tocando-a, como fizera com a primeira. A jovem não teve melhor sorte que sua irmã. Levada pela curiosidade, abriu a sala sangrenta e, no regresso do seu raptor, teve de pagar , também, com a vida. O feiticeiro roubou, então a terceira irmã, mas essa era inteligente e esperta. Depois que ele lhe deu as chaves e o ovo e saiu de casa, ela, em primeiro lugar, tratou de guardar bem o ovo; em seguida olhou todas as peças e por último abriu a sala proibida. Céus, que espetáculo! Suas duas irmãs jaziam mortas e despedaçadas na bacia. Mas a moça não perdeu tempo e pô-se, em seguida a recolher os membros e a ajustá-los no seu devido lugar: cabeça, tronco, braços e pernas. Depois de tudo posto em ordem,a moças recuperaram a vida, começaram a mover-se e abriram os olhos. Com grande alegria, beijaram-se e se abraçaram carinhosamente.
    Quando chegou, o feiticeiro logo pediu as chaves e o ovo. Não descobrindo, porém, nenhuma mancha de sangue, disse:
  - Passaste a prova e serás minha noiva.
   Mas, daquele momento em diante, perdeu todo poder sobre ela e era obrigado a fazer tudo o que ela exigia.
   - Pois bem- respondeu a moça, - primeiro levarás a meu pai e a minha mãe um cesto cheio de ouro, transportando-o nas tuas costas , enquanto preparo a festa do casamento.
   E mais que depressa foi ver suas irmãs, que se haviam escondido em outra sala, e disse-lhes:
   - Chegou o momento de salvá-las; o malvado vai levar vocês à nossa casa, mas, quando chegarem lá, enviem-me auxílio.
   Meteu as duas numa cesta bem grande; cobriu-as com ouro e , chamando o feiticeiro, disse-lhe:
  - Leva este cesto à minha casa, mas não te atrevas a parar para descanso, que te estarei vigiando pela janela.
     O feiticeiro colocou o cesto às costas e pôs-se a caminho. Pesava tanto que logo o suor começou a lhe escorrer pelo rosto. Sentou-se para descansar um pouco, mas imediatamente uma voz saiu de dentro  do cesto e disse:
   - Estou olhando pela janela e vejo que estás parado. Vamos, caminha!
    Acreditando que a voz era a de sua noiva, ele se pôs a caminhar novamente. Mais adiante quis descansar outra vez, mas em seguida a voz se fez ouvir:
   - Estou olhando pela janela e vejo que estás parado.Vamos caminha!
   E sempre que tentava deter-se, acontecia a mesma coisa. Finalmente, chegou à casa das jovens, gemendo e sem folego, e ali entregou o cesto que continha as duas irmãs e o tesouro.
   Nesse meio tempo, a noiva preparava a festa de casamento, tendo convidado todos os amigos do feiticeiro. Depois, trouxe uma caveira com dentes arreganhados, adornou-a com uma coroa de flores e, levantando-a para cima, colocou-a na janela do sótão  como  se estivesse olhando para fora. Feito isso, meteu-se num barril cheio de mel e, a seguir, abrindo um colchão de penas, resolveu-se nelas. As penas se colaram ao seu corpo, deixando-a com o aspecto de ave estranha. Assim como estava, ninguém seria capaz de reconhecê-la. Depois saiu de casa e, enquanto ia caminhando, encontrou alguns dos convidados, que lhe perguntaram:
   - De onde vens, ave encantada?
   - Da casa do feiticeiro me puseram pra fora.
  -  Que faz a noiva, jovem e amada?
   - Varreu a casa toda e agora pela janela do sótão olha a estrada.
  Finalmente, encontrou o noivo que voltava, lentamente, e que, como os demais, lhe perguntou:
    - De onde vens, ave encantada?
   - Da casa do feiticeiro me meandaram embora.
  - Que faz a noiva, jovem e amada?
    - Varreu a casa toda e agora pela janela do sótão olha a estrada.
   O  noivo levantou os olhos e, vendo  a caveira enfeitada, pensou que era sua noiva e lhe dirigiu um amável  cumprmento, acenando coma cabeça. Quando, porém, entrou em casa com seus seus convidados, apresentaram-se os irmãos e parentes da noiva, que tinham vindo socorrê-la. Fecharam todas as portas para que ninguém pudesse escapar e depois prenderam  fogo à casa, acabando assim com o feiticeiro e com todos do seu bando de assassinos.
  FIM

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

CHAPEUZINHO VERMELHO - IRMÃOS GRIMM

Era uma vez uma menina tão boa e carinhosa que todos, só de olhá-la, lhe ficavam querendo bem. Mas quem mais a estimava, mesmo, era a sua vovozinha, que já não sabia o que fazer para mimá-la. Certo dia deu-lhe, de presente, um chapeuzinho vermelho, de veludo. Assentava-lhe tão bem que a pequena não queria usar nenhum outro e por isso a chamavam de Chapeuzinho Vermelho. Disse-lhe um dia sua mãe:
   - Chapeuzinho Vermelho, aqui tens um bolo e uma garrafa de vinho; leva-os para tua avózinha. Ela está doente e fraca e isso lhe fará bem.Põe-te a caminho antes do calor muito forte e, quando estiveres lá fora, anda direitinho e não te afastes da estrada; poderás cair e quebrar a garrafa e estragar o bolo. E a pobre da avózinha ficará sem nada! Quando entrares no quarto, não te esqueças de dizer "bom dia" e não te ponhas, primeiro, a olhar, curiosa, pelos cantos.
   - Farei tudo como disseste- retrucou Chapeuzinho Vermelho.
   Acontece, porém, que a avózinha morava no bosque, cerca de meia hora da vila. Quando Chapeuzinho Vermelho entrou no bosque, encontrou-se com o lobo. A garotinha não se assustou ao vê-lo, pois nem sabia que ele era um bicho tão malvado.
    - Bom dia, Chapeuzinho Vermelho! - disse ele.
    - Bom dia, lobo!
    - Aonde vais tão cedo, Chapeuzinho Vermelho?
   - À casa da minha avózinha?
   - E o que levas no avental?
   - Bolo e vinho. Nós o fizemos ontem e eu vou levá-lo à minha avózinha, que está doente e fraca, para ajudá-la a refazer-se.
   - Chapeuzinho Vermelho, onde mora tua avózinha?
    - A um quarto de hora daqui, pelo bosque a dentro. A casa fica em baixo de três grandes carvalhos e acima das moitas de avelãs que com certeza conheces - explicou Chapeuzinho Vermelho.
     O lobo, porém, pensou: " Esta menina gordinha, macia, é , na certa, um bocado saborosa, muito melhor que a velha. Terei de usar de esperteza para apanhar as duas."
   Continuou andando por algum tempo ao lado da menina e depois disse:
    - Chapeuzinho Vermelho, repara nessas lindas flores! Por que não dás uma olhada? Acho que nem estás ouvindo o belo canto dos pássaros! Caminhas tão compenetrada como se fosses para a escola, quando há tanta diversão aqui no bosque.
    Chapeuzinho Vermelho levantou os olhos e, ao ver dançar os raios de sol por entre as árvores e tudo em torno cheio de lindas flores, pensou: " Se eu levo um ramo à avozinha, lhe dou uma alegria; é cedo ainda e chegarei a tempo. " E afastou-se do caminho para entrar no bosque à procura de flores. Quando colhia uma, parecia-lhe, um pouco adiante, havia outra ainda mais bonita e, assim, penetrou cada vez mais fundo do mato.-------------------------------------
   Nesse meio tempo, o lobo foi direto à casa da avózinha e bateu á porta.
    - Quem está aí?
    - Chapeuzinho Vermelho, traz bolo e vinho para ti. Abre!
   - É só torceres o trinco e a porta se abriu.- gritou  a avózinha - estou muito fraca e não posso levantar-me.
     O lobo torceu o trinco e a porta se abriu. Sem dizer uma palavra, encaminhou-se para o leito da velhinha e, de uma só vez, a devorou. Depois, enfiou os vestidos dela, colocou sua touca na cabeça e meteu-se na cama, descendo as cortinas. 
    Enquanto isso, Chapeuzinho Vermelho corria atrás das flores e, depois de ter colhido tantas que já nem podia carregá-las, lembrou da avózinha e retomou o caminho de sua casa. Admirou-se ao ver a porta aberta e, quando entrou, teve uma sensação estranha que a fez pensar: " Meu Deus, como estou assustada, eu que sempre me sinto tão bem em casa da avózinha!" - Em voz alta, disse:
   - Bom dia ! - mas não obteve resposta.
   Foi até a cama, abriu as cortinas e viu a avó, com a touca quase lhe tapando o rosto, apresentando um aspecto muito esquisito.
   - Avózinha- disse ela- como estão grandes as tuas orelhas!
    - É para te ouvir melhor!
    - Avózinha, como estão grandes os teus olhos!
    - É para te ver melhor.
    - E como estão grandes as tuas mãos!
   - É para pegar-te melhor.
    - Mas, avozinha, que boca mais horrível!
   - É para te comer melhor!
   Mal disse isso, o lobo saltou da cama e engoliu a pobre menina. Tendo, então,saciado a fome, meteu-se, novamente, na cama, adormeceu e começou a roncar. Pouco depois um caçador que passava por ali, pensou: " Como ronca a velha senhora! Vou dar uma olhada para ver se está se sentindo bem. " Entrou no quarto e, ao aproximar-se da cama, viu o lobo dormindo.
   - Ah! è aqui que te encontro, velho pecador! Há muito tempo que eu te procurava!
   Já ia dar-lhe um tiro quando se lembrou que talvez o lobo houvesse devorado a avózinha e , quem sabe, ainda poderia salvá-la. Largou a espingarda, foi apanhar uma tesoura e pô-se a abrir a barriga da fera adormecida. Aos primeiros cortes, viu aparecer o Chapeuzinho Vermelho e , pouco depois, a menina saltou para fora, exclamando:
   - Como me assustei! E que escuridão na barriga do lobo!
    A seguir, também a avózinha saiu, ainda viva, embora mal podendo respirar. Chapeuzinho Vermelho correu a trazer umas pedras grandes e com elas encheram a barriga do lobo e a levou consigo. A avózinha comeu o bolo e bebeu o vinho que Chapeuzinho Vermelho lhe trouxera e logo se sentiu fortalecida. A menina, por sua vez, pensou: 'Nunca mais me afastarei, sozinha da estrada quando minha mãe o tiver proibido."
    E contam também que, certa vez, Chapeuzinho  Vermelho ia levando, novamente, um bolo à sua avózinha e outro lobo tentou desviá-la do caminho. Mas a menina não lhe deu ouvidos, seguindo, direto, pela estrada e logo contou à avózinha que havia encontrado um lobo o qual lhe dera "bom dia" mas que a olhara com uns olhos muito maus.
   - Se eu estivesse , me afastado do caminho, ele me teria devorado.
   - Vem -disse a avózinha- fecharemos bem a porta, para que não possa entrar.    
   Pouco depois o lobo bateu e gritou:
   - Abre-me, avózinha. Sou Chapeuzinho Vermelho que  te traz  um bolo.  

   Mas as duas ficaram caladas sem abrir a porta. O lobo deu várias voltas ao redor da casa e, por fim, subiu, de um salto, ao telhado, disposto a esperar que a menina saísse, ao anoitecer,para voltar à casa; pretendia, então, sorrateiramente, ir atrás dela e devorá-la. A avózinha, porém, adivinhou-lhe os pensamentos.
    Havia, em frente à casa, uma gamela de pedra, muito grande, e a velhinha disse à menina:
   - Vai apanhar o balde, minha netinha; ontem fervi umas linguiças e quero que despejes dentro da gamela a água em que as cozinhei. 
   Chapeuzinho Vermelho carregou água até encher a gamela até as bordas. O cheiro da linguiça atingiu as ventas do lobo e este pô-se a farejar e a olhar para baixo. Por fim espichou tanto o pescoço que, perdendo o equilíbrio, resvalou do telhado e foi cair dentro da gamela onde morreu afogado. E Chapeuzinho Vermelho voltou para casa, muito contente da vida , sem sofrer dano algum. 
FIM