terça-feira, 29 de setembro de 2015

A RAPOSA E O GATO - CONTOS DE GRIMM

   Aconteceu que um dia o gato encontrou no bosque  dona raposa e pensou: "ela é esperta, cheia de experiência e respeitada por todo mundo." Diante disso, dirigiu-lhe a palavra com toda a amabilidade e deferência:
   - Bom dia, dona raposa. Como vão as coisas? Como tem passado nesses tempos difíceis?
    A raposa, cheia de si , olhou o gato dos pés à cabeça e, durante muito tempo, ficou pensando se valia a pena responder-lhe. Finalmente disse:
      - Oh, seu miserável bigodudo! Seu idiota malhado! Papa-rato louco de fome! Que estas pensando? Como te atreves a perguntar se passo bem ou mal? Que foi que tu aprendeste? Quantas artes conheces?
    - Só conheço uma única-respondeu o gato modestamente.
     - E que arte é? -indagou a raposa.
      - Quando os cães me perseguem , consigo trepar numa árvore e me salvar.
      - Só isso? -disse a raposa. - Pois eu conheço centenas de artes e, fora isso, possui um saco cheio de manhas. Tenho pena de ti. Vem, que te ensinarei como escapar dos cães.
     Nisto, veio vindo um caçador com quatro cachorros. O gato saltou depressa numa árvore, indo sentar-se na copa, onde os galhos e folhas o ocultavam.
     - Abra o saco, dona raposa! - Abra o saco! - gritou ele. Mas os cães já a tinham apanhado.
    - Ah, dona raposa! - exclamou o gato. - Com toda as suas artes  e manhas , a senhora não conseguiu escapar. Se tivesse apenas aprendido a subir numa árvore, como eu, teria salvo a vida.
FIM

O RAPOSO E A SENHORA COMADRE - CONTOS DE GRIMM

A loba teve um filho e convidou o raposo para seu padrinho.
    - Ele é um parente chegado - dizia ela- e, ainda por cima, inteligente, muito esperto e pode ensinar meu filho , com seus conselhos e exemplo.
    O raposo aceitou o convite e disse:
     - Respeitável senhora comadre, agradeço-lhe a honra e me portarei sempre de modo a ficar satisfeita comigo.
     Durante a festa ele regalou-se, comendo e bebendo à beça e, depois que ficou bem alegre , disse à loba:
    - Prezada comadre, é nosso dever cuidar do pequeno. A senhora precisa alimentar-se bem, para ir adquirindo forças. Sei de um curral de ovelhas onde facilmente apanharemos uma bem gorda.
    A loba gostou da proposta e foram juntos até a granja. O raposo, de longe, mostrou o curral à comadre e disse:
    - Ali poderá entrar sem ser vista , e eu, nesse meio tempo, vou por outro lado para ver se encontro uma galinhazinha.
    Entretanto não fez nada disso ; ao contrário, foi até a entrada do mato e lá espichou-se para dormir.
    A loba penetrou no curral , mas um cachorro que ali estava deu alarma; os camponeses vieram correndo, descobriram a senhora comadre e lhe derramaram água fervendo no lombo. Finalmente ela conseguiu escapar e foi ao encontro do raposo. O compadre, ao vê-la, arranjou um ar de vítima e começou a lamentar-se:
     - Ah, senhora comadre , nem imagina o que me aconteceu! Os camponeses me assaltaram e surraram tanto que fiquei com todos os ossos partidos. Se não quiser me ver estirado aqui a morrer de fome, terá de levar-me às costas.
     A loba , por sua vez , mal podia consigo mesma. Mas, cheia de cuidados com o raposo, colocou-o nas costas e, devagarinho, foi carregando o compadre. Este , que estava perfeitamente são de lombo, disse-lhe , na hora da despedida:
     - Adeus , minha prezada comadre! Faça bom proveito do assado!
     E, dando uma boa risada, saiu correndo.
 FIM

A FILHA DO MOLEIRO - CONTOS DE GRIMM


  1. Era uma vez um moleiro, muito pobre, que tinha uma filha lindíssima. Um dia teve ocasião de falar com o rei e, para dar-se importância , disse-lhe:
  2.     - Tenho uma filha  que sabe fiar palha, convertendo-a em ouro.
  3.      - É uma arte que me agrada, e muito, - comentou o rei. - Se tua filha é tão habilidosa como dizes, traze-a amanhã ao palácio, que eu  quero fazer uma experiência com ela.
  4.     Quando lhe trouxeram a moça, ele a levou a uma sala cheia palha e, dando-lhe uma roca e uma dobadeira, disse-lhe:
  5.    - Começa logo o trabalho e, se até amanhã de manhã não tiveres transformado toda esta palha em ouro, morrerás.
  6.      Depois ele mesmo chaveou a porta , deixando a moça sozinha.
  7.     A infeliz ficou ali encerrada, sem saber o que fazer para salvar sua vida. Não tinha a menor idéia de como transformar palha em ouro e sua angústia aumentava de momento a momento. Acabou chorando amargamente. De súbito a porta abriu-se e entrou um anãozinho. Disse ele, cumprimentando-a:
  8.     - Boa noite, jovem moleira! Por que choras assim?
  9.      - Ah! - exclamou a moça. - Devo fiar esta palha convertendo-a em ouro e nada entendo disso.
  10.     - Que me darás se  eu o fizer por ti? - indagou o homenzinho
  11.    - Meu colar - disse a jovem.
  12.     O anão tomou o colar e, sentando-se à roca , num zás, em três rodadas encheu a bobina. Em seguida colocou outra e, com mais três pedaladas, a segunda também ficou cheia.
  13. Continuou assim ininterruptamente, até amanhecer, quando então toda a palha estava fiada e todos as bobina cheias de ouro.
  14.     Logo que apontou o sol, o rei apresentou-se e, ao ver o ouro, ficou surpreso e radiante de alegria. Sua cobiça, no entanto, lhe pedia mais. mandou que levasse a filha do moleiro a outra sala ainda maior , cheia de palha, e exigiu-lhe que fiasse tudo durante a noite , se é que prezava a sua vida. A moça, ao ver-se de novo perdida recomeçou a chorar. Novamente a porta se abriu e apareceu o anãozinho, perguntando:
  15. -Que me darás se te converto a palha em ouro?
  16.    - O meu anel, - retrucou a moleirinha.
  17.     O anão aceitou o anel; pôs-se à roca e, ao ao chegar a madrugada, toda a palha estava transformada em ouro fulgurante.
  18. Ao ver aquilo, o rei alegrou-se, mas , ainda não satisfeito, mandou que levassem a moça para outra sala, muito maior e igualmente cheia de palha.
  19. - Esta noite-disse ele- fiarás tudo isto. - Se conseguires , eu me casarei contigo.
  20. O rei pensava : " Embora ela seja , apenas, filha de um moleiro, onde acharei mulher mais rica?"
  21. Voltando a estar só, apresentou-se o anãozinho pela terceira vez e lhe disse:
  22. - Que me darás se ainda esta noite me ponho a fiar a palha para ti?
  23. - Já não me resta coisa alguma que possa dar-te, - respondeu a moça.
  24.   - Então promete-me o teu primeiro filho quando fores rainha.
  25.    "Sabe lá o que ainda está por acontecer". pensou a filha do moleiro. E, como estava num aperto tão grande, prometeu o que lhe pedia o anão.
  26.    Quando, pela manhã, o rei entrou na sala, encontrou tudo conforme seus desejos. Cumprindo sua promessa, casou-se com a bela moleira, que assim se tornou rainha. 
  27.    Transcorrido um ano, nasceu uma linda criança. A rainha até havia esquecido o anãozinho, senão quando este se apresentou , de súbito , em seu quarto.
  28.    - Dá-me, agora, o que me prometeste.
  29.     Ela, desesperada,ofereceu ao homenzinho todas as riquezas do reino se lhe deixasse o filho. Mas o anãozinho respondeu-lhe:
  30.    - Não; uma criatura vale mais para mim do que tesouros do mundo.
  31.   A rainha, então, chorou e lamentou-se tanto que, afinal o anãozinho teve pena dela.
  32.     - Eu te darei três dias de prazo- disse.- Se nesse meio tempo adivinhares o meu nome, poderás ficar com teu filho.
  33.     Durante a noite inteira  a rainha procurou recordar todos os nomes que conhecia e enviou um mensageiro a toda parte para informar-se de outros mais.
  34.     Quando, no dia seguinte, o homenzinho se apresentou, ela lhe foi recitando todos os nomes que sabia: Melchior, Gaspar, Baltasar...mas a cada um o anãozinho respondia:
  35.    Não me chamo assim!
  36.   No decorrer do segundo dia mandou investigar os nomes de todos os vizinhos e passou a enumerá-los para o anão. Citou os mais difíceis e estranhos.
  37.     - Não te chamarás, por acaso Saltibanco?
  38.     Mas o anãozinho respondia invariavelmente:
  39.    - Não, não me chamo assim.
  40.      No terceiro dia o emissário voltou, dizendo:
  41.     - Não descobri um só nome desconhecido mas, quando saía do bosque e cheguei a uma montanha muito alta, onde a raposa e a lebre se dão as boas noites, vi uma casinha , diante da qual ardia uma fogueira. Ao redor desse fogo um anãozinho saltava num pé só. E cantava assim:
  42.     Hoje faço pão e amanhã cerveja
  43.      Depois de amanhã busco o filho da rainha,
  44.      Ai que bom que ninguém sabe 
  45.      Que meu nome é Coroínha!
  46.    Imaginem o contentamento da rainha ao ouvir aquele nome. Quando , pouco depois, o homenzinho entrou no aposento e perguntou:
  47.    - Então, senhora rainha , como me chamo?
  48.        Ela respondeu-lhe, fazendo-se de sonsa:
  49.       - É Conrado?
  50.       - Não.
  51.      - Henrique?
  52.      - Não.
  53.      - Será , por acaso, Coroínha?
  54.     Foi o diabo que te disse! Foi o diabo que te disse!
  55. - gritou o anãozinho furioso, batendo com o pé direito com tanta foça no chão que se enterrou até a coxa. Depois pegou o pé esquerdo com as duas mãos, mas com tanta raiva que ele mesmo se rasgou em dois pedaços.
  56. FIM



domingo, 27 de setembro de 2015

O LOBO E A RAPOSA

O lobo vivia em companhia da raposa e esta fazia tudo o que ele mandava porque  era  a mais fraca; bem que ela desejaria livrar-se do seu amo. Certo dia, quando ambos passavam pelo mato, disse o lobo:
     - Pelo-vermelho, arranja-me algo para comer; senão, és tu que vais para o meu papo.
      Respondeu-lhe a raposa:
     - Sei de uma granja onde há muitos cordeirinhos. Se quiseres , vamos lá pegar um deles.
     O lobo concordou e rumaram para a granja. A raposa roubou o cordeirinho, levou-o a seu amo e saiu correndo. O lobo comeu o cordeiro, mas, não se dando por satisfeito, quis outro e apressou-se em ir apanhá-lo. Mas, como não tinha a habilidade da raposa, ele foi descoberto pela ovelha mãe, que pôs a balir tão alto que os camponeses acudiram logo. Encontraram o lobo e lhe aplicaram uma surra tal que a fera ficou manca, mas conseguiu fugir, uivando , para junto da raposa.
   - Conseguiste lograr-me! - disse ele.- Quando eu fui pegar outro cordeiro, os camponeses me apanharam e me deram uma surra tremenda!
     - A raposa respondeu-lhe:
     - E por que és esganado?
     No dia seguinte foram à campina e o comilão do lobo disse , novamente:
    - Pelo- vermelho, arranja-me algo para comer; senão, és tu que vais para o meu papo!
    E respondeu a raposa:
     - Conheço uma casa de camponeses onde a mulher está fazendo panquecas. Apanharemos algumas.
     Dirigiram-se para lá e a raposa deslizou rente ao chão, espiando e farejando até descobrir onde estava o prato; apanhou seis panquecas e as levou ao lobo.
    - Aí tens o que comer! - disse, e continuou seu caminho.
    O lobo, após devorá-las de uma só vez, falou consigo mesmo:
    - São gostosas e fazem apetecer mais.
     Entrou na despensa e lançou-se, avidamente. sobre o prato, que caiu no chão, em cacos. Com o barulho, a mulher veio verificar o que acontecia. Vendo o lobo, começou a gritar pelo pessoal. Todos acudiram correndo e surraram tanto a fera que ela saiu coxa de duas pernas. Uivando alto, chegou onde estava a raposa.
   - Lograste de modo miserável!- gritou.- Os camponeses me pegaram e curtira a minha pele.
    - Respondeu-lhe a raposa:
   - E por que és tão esganado?
    No terceiro dia, ao saíram juntos, o lobo, que andava com dificuldade, tornou a dizer:
    - Pelo-vermelho, arranja-me algo para comer ou és tu que vais para o meu papo!
    Falou a raposa:
      - Sei de um homem que carneou uma rês e pôs a carne salgada dento de um barril no porão da casa a; vamos buscá-la.
    - Irei contigo- disse o lobo- para me ajudares se eu não puder fugir.
     - Para  mim não há inconveniente - retrucou a raposa, e foi suficiente para terminar. " A raposa comia bastante mas olhando sempre para todos os lados e, seguidamente , corria até o buraco por onde haviam entrado para ver se ainda conseguia passar por ele. Disse o lobo:
    - Amiga raposa , por que corres tanto,  a saltar de dentro para fora e de fora para dentro?
   -É preciso ver se não vem alguém - retrucou a astucioso animal. - Não comas demasiado!"
    Continuou o lobo:
    - Não saio daqui sem ter esvaziado o barril.
    Nisso apareceu o camponês que ouvira os pulos da raposa. Esta, ao vê-lo, em um salto abandonou o porão. O lobo quis segui-la, mas, tendo comido demais, sua barriga cresceu tanto que não pode mais passar pelo buraco a ali ficou preso. O camponês armou-se de um cacete e o matou a pauladas. A raposa ,e então, correu para o bosque , feliz por se livre do velho comilão.
FIM

terça-feira, 22 de setembro de 2015

O LOBO E HOMEM - CONTOS DE GRIMM

Certo dia, a raposa, conversando com o lobo, falou-lhe a respeito da força do homem: nenhum animal lhe resistia e era preciso usar de astúcia para defender-se dele. O lobo, que ainda não tinha visto um homem, disse, então, à sua amiga:
    - Se ao menos eu tivesse ocasião de encontrar um homem, imediatamente o atacaria.
    - Posso  ajudar-te nisso - falou a raposa .- Procura-me amanhã bem cedo, que te mostrarei um.
    O lobo apresentou-se na hora combinada e a raposa  o levou até um caminho por onde passava diariamente o caçador. Primeiro passou um soldado velho , reformado.
   - É este um homem? - indagou o lobo.
    - Não- respondeu a raposa.- Este já foi um.
    Logo depois um menino ia passando para  a escola.
    - É este um homem?  
    - Não; este, um dia , será um.
     Afinal apareceu o caçador com sua espingarda de cano duplo às costas e a faca de mato à cintura.
    Disse a raposa ao lobo:
     - Olha, ali vem vindo um homem. Aquele é que tu deves atacar. Quanto a mim, vou esconder-me na minha toca.
     E o lobo precipitou-se contra o homem. O caçador, ao vê-lo, pensou:
    - Pena que não tenha balas na espingarda!
    Apontou e disparou uma carga de chumbo na cara do lobo. Este fez uma porção de caretas mas não se deixou amedrontar e prosseguiu avançando. O caçador, então, disparou a segunda carga. O lobo, reprimindo a dor, arremessou-se sobre o homem. Aí o caçador, desembainhando sua faca reluzente, lhe aplicou tais golpes  à direita e esquerda que o deixou sangrando por todos os lados. Uivando de dor, a fera voltou correndo para junto da raposa.
    E daí, irmão lobo- disse a raposa- que tal te foste com o homem?
   - Oh! - exclamou o outro -  eu nem imaginava a força do homem. Primeiro tirou um pau de cima do ombro, assoprou nele e algo me voou na cara, fazendo cócega horrível; depois soprou de novo no tal pau, e foi como se eu recebesse uma descarga de raios e granizos no focinho e, quando cheguei bem perto dele, tirou uma costela brilhante do corpo e começou a dar em mim com tanta força que por pouco não fiquei morto ao chão.
    - Vês -disse a raposa- como és pretensioso? Atiras a pedra tão longe que depois não és capaz de ir buscá-la.
 FIM

JORINDA E JORINDO- CONTOS DE GRIMM

Era uma vez um velho castelo situado bem ao centro de uma vasta e cerrada floresta. 
Ali morava sozinha, uma velha que era maestra em feitiços. Durante o dia tomava a forma de um gato ou de uma coruja e, ao chegar a noite, recuperava o seu aspecto humano. Sabia atrair toda espécie de caça e aves, que depois ela matava , cozia e assava. 
Cada pessoa que se aproximava a cem passos do castelo ficava imobilizada, sem poder mover-se do lugar até que a bruxa aparecesse para libertá-la e, sempre que uma bela moça caía no círculo mágico, a velha a transformava num pássaro que metia numa gaiola e guardava em um sala do castelo. Tinha perto de sete mil gaiolas com essas aves raras.
    Vivia, naquela época, uma jovem chamada Jorinda, muito linda , mais linda do que qualquer outra. Era noiva de um belo rapaz que tinha o nome de Jorindo. E, naturalmente, o que mais lhe agradava era estarem sempre juntos. Certa vez, para poderem conversar a sós, foram dar um passeio pela floresta.
    - Cuidado! - disse Jorindo. - Não te aproximes muito do castelo.
    Era um  belo entardecer. O sol brilhava por entre os ramos das árvores, banhando com sua luz o verde escuro da floresta e uma pombinha-rola cantava seus lamentos no alto de uma faia.
    De repente, Jorinda começou a chorar e Jorindo a lamentar-se. Os dois se sentiram tomados de uma estranha angústia, como se estivessem pressentindo a morte. Olharam em redor, desconcertados. Não sabiam mais como voltar para casa. O sol se ocultava e só a metade do seu disco aparecia por trás de uma montanha, quando Jorindo, olhando o matagal, avistou o velho muro do castelo  a bem pouca distância. Aterrado, sentiu aumentar sua angústia, enquanto Jorinda  se punha a cantar:
      Meu pássaro do anel vermelho
     Canta o teu lamento...teu lamento...
  Jorindo olhou para Jorinda. A moça se havia transformado num rouxinol e cantava agora como um pássaro. Uma coruja, de olhos de fogo, passou três vezes em vôo sobre sua cabeça, gritando cada vez: Chuh! Hu! Hu! Jorindo naõ mais conseguiu mover-se; estava petrificado, sem poder falar, nem mexer com as mãos ou os pés.
    Naquele momento o sol desapareceu por completo. A coruja voou até um arbusto e, logo depois, saiu dali de perto uma velha encurvada, magra e macilenta. Tinha os olhos grandes, vermelhos , o nariz, curvo, tocava o queixo pontiagudo. Engrolou qualquer coisa, apanhou o rouxinol e levou-o pousado na sua mão. Jorindo não pode pronunciar uma palavra nem mover-se do lugar. O rouxinol desaparecera. Finalmente, a bruxa voltou e, com voz rouca, disse estas misteriosas palavras:
    - Salve, Zaquiel! Quando a lua brilhar, desamarra-o, Zaquiel!
      E Jorindo ficou livre do encantamento .Prostrando-se aos pés da velha, suplicou que lhe devolvesse a sua Jorinda. Mas a bruxa respondeu-lhe que ele jamais tornaria a vê-la, afastou-se. O jovem começou a chorar e a lamentar-se, mas tudo em vão. "Que será de mim?"soluçava ele. Finalmente , acabou indo embora daquele lugar. Um dia, chegou a uma aldeia desconhecida, onde ficou por muito tempo trabalhando como pastor de ovelhas. Seguidamente caminhava pelos arredores do castelo, mas sem aventurar-se a chegar perto dele.
    Certa noite sonhou que havia encontrado uma flor vermelha como o sangue e que tinha no centro uma linda pérola de grande tamanho. Arrancou a flor e com ela se dirigiu ao castelo. Tudo o que tocava era, no mesmo instante, libertado do feitiço. Sonhou, também, que dessa maneira havia recuperado sua Jorinda.
   Quando se levantou pela manhã , saiu a procurar por montes e vales, uma flor como a do seu sonho. Já estava procurando há nove dias quando, finalmente, de madrugada, deu com a flor vermelha como sangue, que tinha, bem ao centro, uma gota de orvalho do tamanho da mais linda pérola. Jorindo cortou-a e com ela se dirigiu para o castelo. Quando chegou a cem passos dele, não ficou imobilizado e pode continuar andando até o portão. Contentíssimo, tocou-o com a flor e ele se abriu repentinamente. atravessou o pátio, prestando ouvido para localizar onde  estavam as aves. Por fim, depois de algum tempo, ouviu o seu canto. Entrou na sala e viu a bruxa alimentando os pássaros encerrados nas sete mil gaiolas. Quando a velha avistou Jorindo, ficou furiosa a pôs-se a insultá-lo. Cuspia veneno, mas não conseguiu aproximar-se dele mais que dois passos. O jovem , sem fazer caso da bruxa, foi às gaiolas que continham os pássaros. Entretanto, diante de centenas de rouxinóis, como reconhecer sua Jorinda? Enquanto continuava a procurar, notou  que a velha retirava, furtivamente, uma das gaiolas e se encaminhava para a porta. Precipitou-se sobre a bruxa e tocou com a flor a velha e a gaiola. Nesse instante, findou todo o seu poder de bruxaria e Jorinda reapareceu diante dele, tão formosa como antes e atirou-se em seus braços. A seguir. o jovem libertou todas as outras moças transformadas em aves. Isto feito, regressou para casa com sua Jorinda e, durante muitos e muitos anos, viveram na mais completa felicidade.
  FIM


AS TRÊS PENAS- CONTOS DE GRIMM

      Era uma vez um rei que Tinha três filhos. Dois deles eram inteligentes e espertos, mas o terceiro falava pouco, era simplório e tinha o apelido de "Boboca". Estando o rei velho e fraco, e lembrando-se que não tardaria a morrer, não sabia a qual de seus filhos legaria o império. Reuniu os três e assim lhes falou:
    - Saiam pelo mundo e aquele que me trouxer o tapete mais fino, será rei após minha morte.
     E para que não houvesse discussões, ele os conduziu à frente do palácio, soprou três penas para o ar e disse:
    - Tomem a direção em que voam estas penas.
     Uma delas voou para leste; a outra para oeste e a terceira caiu no chão, a pouca distância. E, assim, um dos irmãos partiu para direita, o outro para esquerda e ambos riram-se do Boboca que, seguindo a terceira pena, foi obrigado a ficar ali mesmo, no lugar em que ela havia caído.
    Cheio de tristeza, o rapaz sentou-se no chão. De repente notou que havia um alçapão, ao lado da pena. Abrindo a tampa, encontrou uma escada e por ela desceu. Viu-se, então, diante de outra porta; bateu e, pouco depois, uma voz gritava lá dentro:

       Verde moça pequenina,
       Perninha aqui, perninha lá,
        Vai ver para mim agora
       Quem é que lá fora está!

    Abriu-se a porta e o jovem deparou com um sapo grande e gordo, cercado de umas quantas rãzinhas. O sapo grande perguntou o que desejava e o príncipe respondeu:
   - Estou à procura do tapete mais belo e precioso que existe no mundo.
      O sapo grande, então, dirigindo-se a uma das rãzinhas, assim falou:

      Verde moça pequenina,
      Perninha aqui, perninha lá,
      Minha arca e seu tesouro
      Vai buscar onde está!

    Dito e feito, a rãzinha trouxe a arca, o sapo grande a abriu e retirou dela um tapete, tão belo e fino como jamais poderia ser tecido um outro igual, na superfície da terra. Entregou-o ao príncipe, que, depois de agradecer, subiu a escada.
    Os outro irmãos consideravam o mais moço tão idiota que estavam certos de que ele jamais encontraria um tapete de valor.
    - Não é preciso dar-nos ao trabalho de procurar muito,- disseram os dois.
    A primeira pastora que encontraram no caminho, eles tiraram dela o pano grosseiro que trazia aos ombros, e o levaram para casa, entregando-o ao rei. Nessa mesma ocasião, também o Boboca vinha regressando com o seu belo tapete. O rei, ao vê-lo, admirou-se e falou:
    - Pelo direto, o reino agora pertence ao mais jovem de vocês.
     Mas os dois outros não o deixaram em paz, repetindo que era impossível o Boboca tornar-se rei, com uma inteligencia tão curta. Pediram, insistentemente, que lhes impusesse outra prova. Disse-lhes, então, o rei:
    - Aquele que me trouxer o anel mais belo herdará o reino.
    E, conduzindo-os para fora do castelo, soprou  três penas para o ar, destinadas a lhes indicarem o caminho. Novamente os dois mais velhos partiram: um para leste e outro para oeste; e, outra vez a pena do Boboca foi cair junto à tampa do alçapão. Tornou a descer a escada subterrânea e, apresentando-se ao sapo grande, contou-lhe que precisava do mais belo anel do mundo. O sapo logo mandou que lhe trouxessem a arca, de onde retirou um anel crivado de pedras preciosas tão belo que nenhum ourives da terra faria um outro igual. Entregou a joia ao príncipe.
       Os dois irmãos mais velhos tinham rido a valer do Boboca, que pretendia encontrar um anel de ouro. E nem se empenharam em procurar o objeto pedido. Tiraram os pregos de um aro velho de carro e o levaram ao rei.
    Mas quando o Boboca apresentou seu anel de ouro, o pai repetiu:
   - O reino pertence a ele!
     Os dois mais velhos, porém, tanto importunaram o pai que este exigiu mais uma prova, determinando que o trono seria daquele que trouxesse a jovem mais formosa. Soprou  de novo, as três penas para o ar e elas tomaram as mesmas direções de antes.
   Sem maiores rodeiros, o Boboca foi ao sapo grande e lhe falou:
   - Tenho de levar ao palácio a jovem mais formosa do mundo.
    - Ora! - respondeu-lhe o sapo. - Não é fácil arranjar a mais bela jovem do mundo. Mesmo assim a terás.
     E deu-lhe uma cenoura oca, à qual estavam atrelados seis ratinhos.
    - Que farei com isso? - disse, tristemente, o Boboca.
    E o sapo lhe respondeu:
      - Senta uma dessas minhas rãzinhas dentro da cenoura.
    O jovem pegou uma das que estavam no círculo e a fez sentar na cenoura oca. No mesmo instante, porém, o animalzinho transformou-se numa belíssima jovem, a cenoura numa carruagem e os seis ratinhos em cavalos. Boboca beijo-a, pôs o carro em andamento e, numa corrida, levou a moça ao rei.
    Seus irmãos também se apresentaram, mas não haviam dado ao trabalho de procurar uma bela jovem. Tinham trazido as primeiras camponesas encontradas no caminho.
     O rei, ao contemplá-las, exclamou:
    - O reino pertencerá ao mais moço, depois da minha morte!
    Novamente, porém, os dois mais velhos atordoaram ao rei com seus protestos:
   - Não podemos admitir que o Boboca se torne rei!
    E exigiram que tivesse a preferência aquele cuja companheira fosse capaz de saltar por um anel de ferro, preso ao centro do salão. Pensavam eles: Às camponesas farão isso com facilidade, pois são bastante fortes; mas a delicada jovem vai cair e morrer do tombo."
    E mais esta vez o velho rei cedeu a seus pedidos. As duas camponeses, então, saltaram pelo anel, mas tão desajeitadamente que caíram, quebrando as pernas. Depois delas, a bela jovem que  Boboca havia trazido saltou pelo arco, tão ágil como uma corça e, diante disso os dois irmãos mais velhos tiveram de reconhecer a sua derrota. Boboca  herdou a coroa e reinou pelo espaço de muitos anos com toda a sabedoria.
FIM
 Conto lido e revisado


























domingo, 20 de setembro de 2015

OS DOZE CAÇADORES- CONTOS DE GRIMM

Era uma vez um príncipe  que tinha uma noiva a quem amava muito. Certo dia, quando a tinha a seu lado, feliz e contente, ele recebeu a notícia de que o rei, seu pai, adoecera gravemente e desejava vê-lo, antes de morrer. O jovem disse então à sua amada:
    - Devo ir e deixar-te. Aqui tens um anel como recordação. Quando eu for o rei, voltarei para te levar.
   Partiu a cavalo e, quando chegou, o pai estava às portas da morte. Falou-lhe o rei da seguinte maneira:
     - Filho querido , quis ver-te antes de morrer. Promete-me que te casarás de acordo com a minha vontade. 
   E deu-lhe o nome de certa princesa que ele havia escolhido para esposa do filho. Aflito, o jovem prometeu sem refletir.
     - Sim, meu pai. Farei sua vontade.
     O rei, então, fechou os olhos e morreu.

Proclamado rei, o jovem príncipe, findo o período de luto, teve de cumprir a promessa feita a seu pai. Apresentou-se como pretendente à mão da princesa e logo foi  aceito. Quando sua antiga noiva soube de sua infidelidade, tão magoada ficou que esteve a ponto de morrer. Observando aquilo, disse-lhe o pai:
    - Filha querida, por que estás tão triste? Tudo o que desejares, terás.
      A jovem pensou um momento e respondeu:
    - Meu querido pai, desejo ter onze donzelas que sejam idênticas a mim em rosto, corpo e altura.
   - Se for possível- retrucou o pai- teu desejo será satisfeito.
    E  ordenou que procurassem por todo o reino, até encontrarem, onze jovens idênticas à sua filha, em rosto, corpo e estatura.
    Levadas à princesa, esta mandou fazer doze trajes de caçador, todos iguais , e ela e as onze jovens os vestiram.
   A seguir, despediu-se do pai e o grupo todo se dirigiu, à cavalo, rumo à corte do antigo noivo a quem ela tanto amava.
   Ao chegarem lá, a jovem princesa perguntou-lhe se necessitava de caçadores e se não  queria tomar os doze a seus serviços. Como formassem um belo grupo, aceitou o oferecimento e as onze moças passaram a ser os doze caçadores do rei. mas acontece que este possuía um leão que era uma animal-prodígio e sabia todas as coisas ocultas. Certa noite, ele disse ao rei:
    - Acreditas ter doze  caçadores a teu serviço, não é?
    - Sim- respondeu o rei.- São, realmente, doze caçadores.
     Prosseguiu o leão.
    - Estás enganado; são doze moças.
    - Não é verdade . Podes provar o que dizes?
    - Ora! - exclamou o animal.- É só espalhar ervilhas na tua ante-sala. Os homens andam a passos firmes sobre os grãos e verás como nenhum sairá do caminho. As mulheres , ao contrário, com seus passos leves, poem-se a dar pulinhos e acabam espalhando as ervilhas.
    O conselho pareceu bom ao rei, que mandou espalhar ervilhas pelo chão. Havia, no entanto um criado do rei que era muito amigo dos caçadores; quando ouviu que iriam se submetidos a essa prova, foi a eles e contou tudo:
    - O leão quer mostrar ao rei que vocês são moças.
     A princesa agradeceu-lhe  e depois falou à suas companheiras:
   - Façam força e pisem firme sobre as ervilhas.
    Quando na manhã seguinte, o rei mandou chamar os doze caçadores, fazendo-os atravessar a ante-sala onde haviam espalhados as ervilhas, eles marcharam com passo firme que nem uma só rolou pelo chão, nem se moveu do lugar. Depois de se haverem retirado , o rei disse ao leão:
    - Mentiste; caminham como homens.
    E o leão respondeu:
   - Souberam da prova e fizeram força para não se traírem. Manda trazer à ante-sala doze rocas de fiar. verás como logo se aproximarão, alegres, das rocas, coisa que um homem não faria.
    O rei gostou do conselho e mandou por doze rocas no vestíbulo. O criado amigo dos caçadores, porém, apressou-se a comunicar-lhes o plano e a princesa disse às suas onze companheiras.
   - Façam força e não se virem para olhar as rocas.
    Quando pela manhã, o rei mandou chamar seus doze caçadores, todos eles passaram pela ante-sala sem ligar a mínima importância às rocas.
    Novamente  o rei falou ao leão:
   - Mentiste; são homens, pois nem ao menos olharam para as rocas.
    Ao que respondeu o leão:
    - Souberam que ias fazer uma prova com elas tomaram cuidado.
  Daí por  diante o rei não deu mais crédito ao leão. Os doze caçadores acompanhavam sempre o rei em suas caçadas e ele cada da mais se afeiçoava ao grupo. Aconteceu que, num dia de caça, chegou a notícia que estava por chegar a noiva do rei. Ao ouvi-la, a antiga noiva sentiu tão grande mágoa que caiu no chão, sem sentidos. O rei, pensando que acontecera um acidente a seu caçador preferido, correu em seu auxílio e lhe tirou uma das luvas. Viu , então, a aliança que um dia dera à sua primeira noiva e, olhando bem o seu rosto, a reconheceu. Beijou-a, emocionado, e, quando ela abriu os olhos disse-lhe:
    - Pertences a mim e eu a ti e ninguém no mundo poderá nos separar.
    Enviou imediatamente um emissário à outra princesa com o encargo de pedir-lhe que voltasse a seu pai, pois já tinha uma esposa.
   Celebram-se as bodas e o leão entrou de novo nas graças do rei e senhor, pois, afinal de contas, tinha dito a verdade.
 FIM

sábado, 19 de setembro de 2015

O GANSO DE OURO - CONTOS DE GRIMM

Uma vez havia um homem que tinha três filhos. Ao mais moço chamavam "Boboca"e todos o desprezavam e se divertiam à sua custa. Um dia o filho mais velho foi ao mato cortar lenha. Antes de partir, a mãe deu-lhe gostoso bolo de ovos e uma garrafa de vinho, para que não passasse fome nem sede. No interior do bosque encontrou um homenzinho de cabelos brancos, muito velho, que lhe deu bom dia e disse:
    - Dá-me um pedaço de bolo  e um gole  de vinho que levas aí contigo; estou com muita fome e sede.
     O rapaz, que não era bobo, responde:
    Se eu der o meu bolo e o meu vinho, nada  me sobrará. Vai, segue teu caminho!
    E, deixando o velho parado, foi adiante. Logo depois começou a derrubar uma árvore, mas, sem demora, deu um golpe em falso e o machado lhe atingiu um braço. Teve, então, de regressar à casa para que lhe pusessem uma atadura e pagou assim o seu procedimento com o velhinho.
    A seguir, o segundo filho partiu para o mato e a  mãe deu-lhe, também, bolo de ovos e uma garrafa de vinho. Encontrou, igualmente, o velho, que lhe pediu um pedaço de bolo e um gole de vinho. A exemplo de irmão, também ele respondeu:
     - Aquilo que  eu te desse, iria faltar a mim; segue teu caminho!
    Deixou o velho parado e afastou-se. Mas o castigo não tardou: mal dera uns golpes de machado na árvore, atingiu uma das pernas e teve de ser levado para casa.
    Manifestou-se, então, o Boboca:
    - Pai, permite que eu vá ao mato cortar lenha.
    - Teus irmãos se feriram- retrucou o pai.- Não queiras tu agora meter-se em coisas que não entendes.
    O Boboca, no entanto,pediu com tanta insistência que , afinal, seu pai lhe falou:////////
     - Vai, então; aprenderás à tua própria custa.
        A mãe deu-lhe um bolo feito com água e cozido na cinza e uma garrafa de vinho azedo. Quando chegou ao mato, encontrou , igualmente, o velhinho, que o saudou, dizendo:
   - Dá-me um pedaço do teu bolo e um gole do da tua garrafa. Estou com muita fome e sede.
     Respondeu-lhe o Boboca:
   - Tenho , apenas, um bolo cozido nas cinzas e vinho azedo, mas, se te agrada, podemos sentar e comer.
     E sentaram-se. Quando, porém, o rapaz tirou seu bolo da sacola , eis que se havia transformado em fina torta de ovos e o vinho azedo num bom vinho. Comeram e beberam à vontade e depois disse o homenzinho:
   Como tens bom coração e gostas de repartir o que é teu, vou dar-te uma boa sorte. Estás vendo aquela árvore velha ali? Corta-a e encontrarás algo nas suas raízes.
   Logo depois o velhinho se despediu.
    O  Boboca foi até a árvore e cortou-a; feito isso, viu entre as raízes um ganso cujas penas eram de ouro puro. O rapaz pegou a ave e com ela se dirigiu para uma estalagem onde pretendia passar a noite. O dono tinha três filhas, que, ao verem o ganso, sentiram enorme curiosidade e o desejo de possuir algumas penas daquela ave rara. A mais velha pensou: "há de surgir uma oportunidade em que possa arrancar-lhe uma pena"e, quando o Boboca  saiu do quarto, ela pegou o ganso pelas asas. Mas suas mãos ficaram presas na ave. Pouco depois veio a segunda, sem outro pensamento que não o de apoderar-se de uma pena de ouro. Mal tocara a irmã, ficou presa a ela. Por fim surgiu a terceira com as mesmíssimas intenções. Aí as outras lhe gritaram, avisando:
    - Afasta-te, pelo amor de Deus, afasta-te!
     A moça porém, não compreendeu por que motivo  deveria afastar-se e pensou: "se elas estão ali, também eu poderei estar!
   Correu, assim , para junto delas e, mal tocou numa, já não pode mais soltar-se. Assim tiveram as três de passar a noite presas ao ganso.
   Na manhã seguinte , O Boboca, colocando a ave em baixo do braço, saiu da estalagem sem ligar para as moças, que se viram obrigadas a caminhar atrás dele. No meio do campo, encontraram o padre; este, ao ver a procissão, exclamou:
     - Suas descaradas, não se envergonham de correr  dessa maneira atrás de um jovem? É decente uma coisa dessas?
   E pegou a mão livre da mais moça, para impedi-la de continuar seguindo o rapaz. Entretanto, mal a tocou não conseguiu mais soltar-se e teve , ele próprio, de participar da comitiva. Pouco depois o sacristão, que passava, viu o senhor padre a seguir, de perto, as três moças. Espantado, gritou-lhe:
    - Ei, senhor cura, aonde vai tão depressa? não se esqueça que hoje ainda temos um batizado!
   Correu atrás dele, segurou-o pela manga e... ficou igualmente preso. Quando os cinco iam assim caminhando em fila, passaram dois camponeses que vinham da lavoura de enxada ao ombro. O padre, ao vê-los, pediu que soltassem a ele e ao sacristão. Mal, porém, tocaram no último, ficaram colados e passaram a se, então, sete os que corriam atrás do Boboca e seu ganso.
    Em seguida chegaram a uma cidade cujo rei tinha uma filha tão séria que ninguém conseguia fazer com que ela risse. Por isso o rei prometeu que a daria em casamento aquele que fosse capaz de provocar-lhe o riso. O Boboca, quando soube do caso, apresentou-se com todo o seu séquito diante da princesa que, ao ver aquelas sete pessoas correndo, sem para, uma atrás da outra, riu tanto que não podia mais conter-se. O rapaz, então, reclamou-a para sua esposa. Mas o rei, que não se agradara dele para genro, fez uma série de objçoes, dizendo que antes deveria trazer-lhe um homem capaz de beber todo vinho da adega do palácio. . O jovem lembrou-se do homenzinho de cabelos brancos que, na certa, poderia auxilia-lo, e dirigiu-se ao bosque. No lugar em que derrubara a árvore viu um homem sentado, com a fisionomia muito triste. O Boboca, perguntou o motivo do seu pesar e o outro lhe respondeu:
    - Tenho sede que não consigo saciar. Água fria não me faz bem e já tomei um barril de vinho. O que é, porém, uma gota sobre a pedra ardente?
     - Posso te ajudar-te -disse o Boboca. - Vem comigo e terás bebida a não querer mais.
    Conduziu-o à adega do rei e o homem bebeu, bebeu até lhe doerem as cadeiras e, antes de findar o dia, tinha esvaziado todos os tonéis.
   O jovem reclamou, novamente , a sua noiva. Mas o rei, aborrecido antes o pensar que um rapaz a quem todo mundo chamava de Boboca iria desposar sua filha, impôs novas condições. Antes  devia encontrar um homem capaz de comer uma montanha de pão. O Boboca apresentou-se, logo, a ir ao bosque.Lá encontrou, no mesmo lugar, um homem que apertava a barriga com um cinto e lhe disse , com uma cara muito aborrecida.
     - Acabo de comer uma fornada de pão. Mas que vale isso quando se tem uma fome como a minha? Meu estômago continua vazio e preciso apertar o cinto para não morrer de fome.
    Contente ao ouvir aquilo, o Boboca disse-lhe:
    - Vem comigo e irás até te fartar!
     Levou-o à corte  Este mandara recolher toda a farinha do reino e fazer dela uma gigantesca montanha de pão. O homem do mato pôs-se à sua frente, começou a comer e, dentro de um dia, a montanha inteira havia desaparecido. O Boboca, então, reclamou, pela terceira vez   a sua noiva, mas o rei, procurando outro pretexto, exigiu um barco capaz de andar por terra e por água.
   - Assim que chegares navegando nele- disse-lhe - minha filha será tua esposa
    Foi-se o Boboca diretamente para o bosque  e ali encontrou o velhinho com o qual compartilhara seu bolo.
   - Fui eu que comi e bebi por tua causa e te darei, também o barco- disse ele.- Faço tudo isso porque foste generoso comigo.
    E deu-lhe  o barco exigido.  Quando o rei avistou, já não pode mais negar-se e lhe entregou sua filha . O casamento foi celebrado e, após a morte do rei, o Boboca herdou o reino e durante muitos anos viveu feliz  com sua esposa. FIM

























sexta-feira, 18 de setembro de 2015

OS DOIS IRMÃOS - CONTOS DE GRIMM

Era uma vez dois irmãos, um rico e outro pobre. O rico, ourives, era homem de coração de pedra. O pobre, que ganhava a vida fazendo vassouras, era bom e honesto. Tinha dois filhos, gêmeos, que se  pareciam como uma gota de água se parece com outra . Os dois meninos iam, de quando em quando, à casa do rico e ali alguma vezes lhe davam as sobras da mesa.
     Um dia o pobre foi à floresta juntar galhos secos e encontrou um pássaro todo de ouro, tão lindo com jamais vira outro igual. Abaixou-se, apanhou uma pedrinha e, jogando-a na ave, teve a sorte de acertar; no entanto, só viu uma de suas penas e o pássaro fastou-se voando. O homem pegou a pena e a levou ao irmão.
     - É ouro puro! -disse o ourives.- E por ela lhe deu dinheiro.
     No dia seguinte, o pobre, voltando ao mato, subiu num carvalho, afim de cortar alguns galhos. de repente, o mesmo pássaro levantou vôo da árvore. Quando o homem examinava a árvore de onde o pássaro fugira, achou um ninho e nele um ovo todo de ouro. Recolheu o ovo e o levou ao irmão, que lhe disse, novamente:
    -É ouro puro! - E lhe deu o que valia; em seguida acrescentou:
    - Gostaria de ter este pássaro.
     Pela terceira vez o pobre foi ao mato e tornou a ver o pássaro pousado na árvore. Derrubou-o com uma pedrada e o levou ao irmão que, em troca, lhe deu grande quantidade de ouro. " Agora poderei dar um jeito na vida" - pensou , satisfeito, e voltou para casa.
     O ourives era inteligente e esperto e bem sabia de que pássaro se tratava. chamou a mulher e lhe disse:
    - Vai assar esta ave para mim e toma cuidado para que nada se perca. Desejo comê-lo sozinho.
     O pássaro, que não era uma ave comum, possuía um dom mágico. Assim , aquele que lhe comesse o coração e o fígado, encontraria todas as manhãs uma moeda de ouro debaixo do travesseiro.
    A mulher preparou a ave, meteu-a num espeto e começou a assá-la. Mas, tendo de atender a outros afazeres, afastou-se por algum tempo da cozinha. Nisto, entraram os filhos do pobre vassoureiro, os quais, vendo o assado, puseram-se a vira-lo alguma vezes. Dois pedacinhos do pássaro caíram do espeto e um dos meninos disse:
    - Vamos comer esses dois bocados. Estou louco de fome e com certeza ninguém vai notar a falta deles.
      Na quele momento, entrou a  mulher e, vendo que estavam mastigando, perguntou:
    - O que estão comendo?
     - Uns pedacinhos de carne que caíram de dentro do pássaro - respondeu eles.
     - Céus! Era o coração e o fígado! - exclamou a mulher , assustada. E, para que o marido não fosse descobrir tudo e ficar zangado, matou depressa um franguinho, tirou-lhe o coração e o  fígado e meteu-os dentro do pássaro de ouro. Pronto o assado, ela o serviu ao ourives, que comeu tudo sozinho sem deixar que sobrasse um só bocado. Na manhã seguinte, porém, quando meteu a mão embaixo do travesseiro pensando que iria agarrar uma moeda de ouro, nada encontrou.
    Os dois meninos, em compensação, ignoravam a sorte que lhes coubera. Ao se levantarem, pela manhã, escutaram o tilintar de algo que caía ao chão e, abaixando-se, viram duas moedas de ouro. Levaram-nas ao pai, o qual se admirou muito e indagou:
     -  De que jeito aconteceu isso?
    Como no outro dia encontrassem de novo duas moedas e assim nos dias seguintes, o pobre foi ao irmão e contou-lhe a estranha história . O ourives compreendeu, imediatamente, que os meninos tinham comido o coração e o fígado do pássaro de ouro. Querendo vingar-se, pois era invejoso e de má índole, disse ao irmão:
     - Teus filhos tem parte como o diabo. Não pegues nesse ouro nem permitas que continuem em tua casa, pois o demônio tem poder sobre eles e acabará te arrastando à desgraça.
     O homem temia muito o diabo e, assim, embora pesaroso, levou os gêmeos para a floresta e ali os abandonou, com o coração cheio de tristeza.
     As crianças, perdidas na mata, andaram à procura do caminho de casa, mas, em vez de achá-lo, se embrenharam cada vez mais na floresta. Finalmente, encontraram um caçador,Que lhes perguntou:
     - Quem são vocês?
     - Somos os filhos do vassoureiro- responderam eles, e contaram que o pai não os queria mais em casa porque todas as manhãs aparecia uma moeda de ouro embaixo de seus travesseiros.
     - Bem -disse o caçador. - Nada vejo de mal nisso, contanto que vocês se mantenham honestos e não se tornem uns preguiçosos.
      O bom homem agradou-se das crianças e, como não tinha filhos, levou-as para sua casa, dizendo-lhes:
     - Serei um pai para vocês.
     Com ele aprenderam a arte de caçar; e a moeda de ouro que cada um encontrava ao levantar-se, o caçador ia guardando para o caso de um dia necessitarem de dinheiro.
    Quando já estavam crescidos, seu pai adotivo os levou à floresta e lhes disse:
    - Vocês vão fazer hoje uma prova de tiro para que eu possa emancipá-los e lhes dar o título de caçadores.
     Juntos, puseram-se à espera de caça, mas durante muito tempo nenhum animal apareceu. Nisto o caçador olhou para o céu e viu um bando que voava em linha dupla. O caçador olhou para o céu e viu um bando de patos selvagens voando em formação triangular. Disse, então, a um dos rapazes:
    - Derruba um de cada canto.
    O jovem assim fez e com isso passou pela prova. Pouco depois apareceu novo bando que voava em linha dupla. O caçador ordenou ao outro que também derrubasse um de cada canto e o jovem acertou igualmente. Disse, então, o pai adotivo:
     - Declaro-os emancipados e mestre na arte de caçar.
     Em seguida, os dois irmãos continuaram andando pela floresta e, depois de terem conferenciado longamente, tomara uma resolução. À noite, quando todos estavam à mesa para jantar, disseram a seu protetor:
    - Não tocaremos na comida até que nos satisfaça um pedido.
    -  De que se trata? - indagou o caçador.
     - Terminamos o nosso período de aprendizagem e gostaríamos de conhecer o mundo. Dê-nos permissão para fazer uma viagem.
    - Assim falam os bons caçadores,- respondeu-lhe o velho, cheio de alegria. - O que me pedem vem ao encontro do meu próprio desejo. saiam a viajar. Tenho certeza de que tirarão proveito disso.
    E comeram e beberam alegremente.
    Chegando o dia de partida , o pai adotivo deu presente a cada um deles uma espingarda e um cão e deixou que levassem tantas moedas de ouro, das que havia guardado, quantas quisessem. Acompanhou-os um trecho do caminho e, ao despedir-se, deu-lhes, ainda uma faca, dizendo:
     - Se algum dia tiverem de separa-se, cravem esta faca numa árvore, no local da separação. Aquele que mais tarde voltar poderá saber se ainda vive o seu irmão ausente, pois, caso tenha morrido, o lado da faca correspondente à direção que seguiu, estará enferrujado; enquanto, porém, viver, a lâmina permanecerá limpa e brilhante.
    Os dois irmãos saíram andando e chegaram a uma floresta, tão grande que não era possível atravessá-la em apenas um dia. passaram ali a noite e comeram as provisões que haviam levado nas mochilas. No dia seguinte, também não conseguiram sair da mata. Como nada mais tivessem para comer, disse um deles:
    - Temos de caçar algo; do contrário passaremos fome.
     Carregou sua arma e procurou em redor. Vendo um coelho, já velho, que vinha correndo em sua direção, apontou-lhe a arma, mas o bichinho implorou:
     " Bom caçador, deixa-me viver
       Que dois coelhinhos te darei!"
      Saltou para dentro de uma moita e trouxe dois filhotes. Mas os animaizinhos brincavam saltitando tão alegremente que os caçadores não tiveram coragem de matá-los. ficara , pois, com eles e os coelhinhos foram acompanhando seus passos. pouco depois apareceu uma raposa. Já iam atirar, quando ela gritou:
     " Bom caçador, deixa-me viver
      Que duas raposinhas te darei!"
    E trouxe , também dois filhotes, mas os caçadores, penalizados, não quiseram matá-los. Puseram-nos em companhia dos coelhos e os bichinhos os acompanharam. Não demorou muito, apareceu um lobo dentre o arvoredo e os caçadores fizeram pontaria. A fera, porém, pediu:
     " Bom caçador, deixa-me viver
      Que dois lobinhos te darei!"
    Os rapazes soltaram os dois pequenos lobos entre os demais bichos e o grupo todo os seguiu. depois surgiu um urso, que não querendo, também, morrer, gritou:
     " Bom caçador, deixa-me viver
     Que dois ursinhos te darei!
     Os dois filhotes do urso foram incorporados aos outros animais e o grupo todo já contava, então, oito bichos. E quem apareceu por fim? Pois nada menos que um leão, sacudindo sua juba. Os caçadores, porém, não se assustaram e fizeram pontaria, mas o leão lhes falou:
     " Bom caçador, deixa-me viver
       Que dois leõezinhos te darei!"
      Trouxe, igualmente, seus filhotes e os rapazes passaram a ter: dois leões, dois ursos, dois lobos, duas raposa e dois coelhos que os seguiam e prestavam seus serviços. Mas, como continuassem com fome, disseram às raposas:
    _ Ouçam! Vocês que são espertas, vejam se nos conseguem algo para comer.
     E elas responderam:
    - Perto daqui há uma aldeia onde mais de uma vez apanhamos galinhas. Nós lhes mostraremos o caminho.
     Os dois irmãos se dirigiam à  aldeia e de lá compraram comida para eles e os animais. Depois seguiram caminho. As raposas conheciam muito bem a zona e, como soubessem onde se encontravam os aviários, prestavam informações aos caçadores.
    Por algum tempo os irmãos andaram de um lado para outro, sem, contudo, conseguirem um trabalho onde pudessem ficar juntos. Diante disso, resolveram:
    - Não há outra solução; temos de nos separar.
     Dividiram os  animais e cada qual ficou com um leão, um urso, um lobo, uma raposa e um coelho. Depois se despediram, prometendo amar-se fraternalmente até à hora da morte, e cravaram numa árvore a faca que seu pai adotivo lhes havia dado. Feito isso, um deles encaminhou-se para leste e o outro para oeste.
     O mais jovem chegou com seus animais a uma cidade toda coberta de crepe. Alojou-se numa hospedaria e perguntou ao dono se acolheria também aos seus animais. O hospedeiro indicou-lhe uma estrebaria, onde havia um buraco na parede. Por ali passou o coelho e trouxe um pé de couve; a raposa foi apanhar uma galinha e, depois de a ter devorado, liquidou também o galo. O lobo, o urso e o leão, porém, eram de maior porte e não puderam passar. O hospedeiro, então, mandou levá-los a um campo onde havia uma vaca e todos eles comeram à farta. depois de cuidar dos seus animais, o caçador perguntou ao patrão por que motivo a cidade toda estava de luto. respondeu-lhe o homem:
     - Porque amanhã vai morrer a filha única do rei.
     - Está muito doente? - perguntou o caçador.
    - Não retrucou o hospedeiro.- Sua saúde é perfeita; mesmo assim, vai morrer.
    - Como pode ser isso? - quis saber o rapaz.
    - Fora da cidade há uma montanha muito alta onde vive um dragão- respondeu o outro, e continuou; - O monstro reclama todos os anos uma donzela. Se não for atendido, destruíra o reino inteiro. Todas a jovens do país já lhe foram sacrificadas, com exceção da princesa. Infelizmente não há escapatória; terá de lhe ser entregue e isso se dará amanhã.
   - E por que não matam o dragão? - perguntou o caçador.
     - Ah! - respondeu o hospedeiro- muitos nobres cavaleiros já tentaram e todos eles perderam a vida. O rei até prometeu dar sua filha em casamento e entregar o reino, após sua morte, àquele que vencer o dragão.
     O rapaz nada mais disse; porém, na manhã seguinte, reuniu os animais e subiu o monte do dragão. No topo encontrou uma igrejinha em cujo altar havia três cálices  cheios e a seguinte inscrição; "Quem beber destes cálices se tornará o homem  mais forte do mundo e poderá manejar a espada que está no chão, em frente ao umbral da porta."
    O caçador não tomou a bebida mas foi em busca da espada. Quando a encontrou, não conseguiu movê-la do lugar. Voltou, então, e bebeu o conteúdo dos cálices e no mesmo instante sentiu-se forte e capaz de erguer e manejar a espada com toda facilidade. Chegada a hora em que a moça deverias ser entregue ao dragão, o rei, o marechal e os nobres da corte a  acompanharam. De longe, a princesa avistou o caçador, parado no alto da montanha e, pensando que fosse o dragão que a esperava, relutou em seguir.  Por fim conformou-se e iniciou a subida, já que a cidade inteira seria arrasada se ela não se sacrificasse . O rei e os nobres regressaram profundamente tristes, ao palácio e só o marchechal ficou para assistir de longe , ao que ocorria.
    Quando a princesa chegou ao alto da montanha, em vez de encontrar ali o dragão, viu o jovem caçador, que a consolou, dizendo-lhe que pretendia salvá-la. pediu que entrasse na igreja, onde a encerrou. Pouco depois apareceu, com grande estrépito, o dragão de sete cabeças. Ao avistar o caçador, disse-lhe surpreso:
    - Que procuras  nesta montanha?
    - Vim  para lutar contigo- respondeu o rapaz.
     - Muito nobre cavaleiro já perdeu aqui a vida.- disse o dragão. - Darei conta de ti também. - E pôs-se a soltar fogo pelas suas sete gargantas.
    O monstro tencionava incendiar o capim seco para o caçador morresse sufocado pelo calor e pela fumaça, mas os seus animais vieram correndo e apagaram o incêndio. Em seguida o dragão atacou o caçador, mas este, brandindo sua espada de tal modo que o ar sibilava, de um golpe decepou três cabeças do monstro. Isso aumentou a fúria do dragão, que se ergueu nos ares e, cuspindo labaredas de fogo, quis lançar-se sobre ele. Sem perda de tempo, o caçador, de novo, brandiu a espada e lhe cortou mais três cabeças. O monstro, quase esgotado, caiu ao chão; mesmo assim, ainda quis investir contra o rapaz que, num último esforço, lhe decepou a cauda, e como não pudesse mais lutar, chamou seus animais que acabaram de destroça-lo. Findo a luta, o caçador abriu a igreja, onde encontrou a princesa no chão sem sentidos, com o susto que levara durante a batalha. Carregou-a para fora e, quando a moça voltou a si e abriu os olhos, ele mostrou-lhe o monstro aniquilado e lhe disse que ela estava livre. A princesa, radiante de alegria, exclamou:
    - Serás meu esposo amado, pois meu pai me prometeu àquele que matasse o dragão.
     Tirou do pescoço seu colar de coral e o repartiu entre os animais, para recompensá-los, sendo que o leão recebeu o fechozinho de ouro O lenço em que estava bordado seu nome deu de presente ao caçador. este, depois de cortar as sete línguas do dragão, as enrolou no lenço e guardou cuidadosamente.
    Sentindo-se cansado da luta, o jovem disse à moça:
     - Estamos muito cansados; é bom dormir um pouco.
     A princesa concordou e, depois que se estenderam na relva, o caçador disse ao leão:
    Ficarás de guarda par que ninguém nos assalte durante o sono. - E logo os dois adormeceram.
    O leão deitou-se ao lado deles para vigiar, mas , como também estivesse cansado da luta, chamou o urso e lhe disse:
    - Deita-te a meu lado, que vou dormir um pouco; se vier alguém . acorda-me.
     O urso acomodou-se perto dele, mas, como por sua vez também estivesse cansado, chamou o lobo,  e lhe disse:
    - Deita-te a meu lado, que vou dormir um pouco; se viera alguém, acorda-me.
     O lobo deitou-se mas, como também estava cansado, chamou a raposa para lhe dizer:
    - Deita-te a meu lado, que vou dormir um pouco, se vier alguém, acordar-me.
     Deitou-se a raposa , mas, como também estava cansada também, chamou o coelho e lhe disse:
    - Deita-te a meu lado, que vou dormir um pouco; se vier alguém, acorda-me.
     O coelho, então sentou-se ao lado dela. O pobrezinho, no entanto, também estava cansado e, como não tinha ninguém para incumbir da guarda, adormeceu. E assim todos : a princesa, o caçador, o leão, o urso, o lobo, a raposa e o coelho dormiam um sono profundo.
     O marechal, que ficara encarregado de observar de longe o que ocorria, não vendo o dragão afastar-se com a moça e percebendo que tudo estava calmo na montanha, encheu-se de coragem e iniciou a subida. chegando em cima, viu o monstro despedaçado no chão e, a bem pouca distancia, a princesa e um caçador com seus animais, todos eles imersos em sono profundo. Como o homem era mau desnaturado, puxou da espada e cortou a cabeça do caçador. Ergueu a princesa nos braços  e com ela desceu a montanha. Quando a jovem despertou, ouviu apavorada, o que ele lhe dizia:
    - Estás em meu poder e deverás confirmar que fui eu quem matou o dragão.
    - Não farei isso- respondeu ela. - Foram um caçador e seus animais que o venceram.
    Desembainhando a espada, ele ameaçou matá-la se não lhe obedecesse  e assim lhe arrancou a promessa sob juramento. depois levou-a ao rei, que não coube em si de alegria ao ver viva a sua filha querida, pois já a julgava devorada pelo monstro,
     Matei o dragão- disse-lhe o marechal. - Libertei a  princesa e todo o reino e por isso a exijo para minha esposa tal como prometestes.
    O rei perguntou à filha:
   - É verdade o que ele disse?
   - Oh, sim! - exclamou ela- deve ter sido assim.
 Mas peço que o casamento só se realize daqui um ano. Esperava que, durante esse tempo, haveria de ter notícias do seu querido caçador.
     Enquanto isso, na montanha do dragão , os animais ainda dormiam junto ao seu amo assassinado. Nisto, chegou, voando, uma abelha e pousou no focinho do coelho. O coelho espantou-a com a patinha e continuou dormindo. A abelha veio uma segunda vez, mas o coelho a espantou de novo, e prosseguiu no sono; na terceira, porém, a abelha o picou nas ventas e desta vez o, coelho   acordou . Despertou logo a raposa. e a raposa despertou o lobo. E o lobo despertou o urso. E o urso despertou o leão. quando o leão acordou e viu que a moça havia desaparecido e seu amo estava morto, começou a rugir terrivelmente;
    - Quem fez isso? - Urso, por que não me acordaste?
     O urso perguntou ao lobo?
     - Lobo, por que não me acordaste?
     E o lobo perguntou à raposa:
     - Por que não me acordaste?
     E a raposa ao coelho:
     - Por que não me acordaste?
     O pobre coelho foi o único que não pode responder e a culpa recaiu toda nele. Todos quiseram atacá-lo, mas o animalzinho disse, desculpando-se:
     - Não me matem que restituirei a vida ao nosso amo. Sei de uma montanha onde cresce uma raiz que tem a capacidade de curar todas as doenças e feridas daquele que a puser na boca. Só que o que tem é que essa montanha fica a duzentas horas daqui.
    Disse o leão, implacável:
     - Tens o prazo de 24 horas para voltares com a raiz.
      O coelho afastou-se, em disparada, e no prazo estipulado estava de volta com a planta milagrosa. O leão ajustou a cabeça ao tronco do caçador e o coelho, lhe meteu a raiz na boca.  Em seguida tudo ficou unido, o coração começou a bater e a vida lhe voltou. O rapaz acordou e, como não via a moça, pensou, compungindo: "Na certa ela se foi enquanto eu dormia, para se ver livre de mim."
       O leão, com pressa, tinha encaixado a cabeça do seu amo ao contrário, mas este nem sequer se deu conta, de tão triste que estava ao pensar na princesa. Só quando chegou o meio-dia, na hora de comer, notou que seu rosto estava virado para as costas. Não podendo compreender aquilo, perguntou aos animais o que lhe havia acontecido durante o sono. O leão contou-lhe que todos haviam adormecido e, ao acordarem, o tinham encontrado morto, degolado; que o coelho fora em busca da raiz da vida e que ele, o leão, com pressa, lhe havia colocado a cabeça ao contrário. Entretanto, trataria de reparar o seu erro. Arrancou, pois de novo, a cabeça do caçador e a encaixou devidamente e o coelho lhe fez voltar a vida por meio da raiz prodigiosa.
     Mas o príncipe sentia-se muito triste e saiu a correr mundo, fazendo os seus animais dançarem diante das pessoas. Aconteceu que, passado um ano, ele chegou, novamente , à mesma cidade em   que libertara a princesa do dragão. Dessa vez viu tudo engalanado com fitas e sedas de cor escarlate.
    Dirigindo-se ao hospedeiro, indagou:
   - Que significa isso? Há um ano a cidade estava de luto e hoje vejo tudo em cores tão vivas.
      O homem respondeu-lhe:
     - Há um ano a nossa princesa deveria ter sido entregue ao dragão, mas o marechal lutou com ele e o matou: por isso amanhã será celebrado o seu casamento. E a cidade que, naquela ocasião, estava coberta de luto, hoje se adorna com cores alegres em sinal de regozijo.
     No dia seguinte, quando se realizaria as bodas, o caçador dirigiu-se ao hospedeiro:
     - Acreditará, senhor hospedeiro, se eu lhe disser que hoje comerei pão da mesa do rei, aqui em sua casa?
     - O que?!- exclamou o outro. - Aposto cem moedas de ouro como isso é absolutamente impossível.
    O caçador aceitou a aposta e pegou uma bolsa com igual quantidade de moedas. Depois chamou o coelho lhe disse:
    - Meu bom saltador, vai buscar-me o pão da mesa do rei.
    O coelhinho, que era o menor de todos os animais, não podendo passar o trabalho a outro, teve ele mesmo de desincumbir-se da tarefa. " Céus!" - pensou ele- "quando eu estiver correndo sozinho, pelas ruas, os cães dos carniceiros me darão caça." Dito e feito. Os cães saíram em sua perseguição para trincarem-lhe os dentes. O coelhinho,  porém, zás-trás, refugiou-se na guarita da sentinela sem que o soldado visse. os cães chegaram e puseram-se a ladrar para fazê-lo sair dali, mas o guarda não estava para brincadeiras e começou a bater neles com a coronha de sua arma; isso os fez sair correndo aos ganidos. Quando o coelho viu que o campo estava livre, entrou, de um salto, no palácio. Foi diretamente à princesa e, sentando-se junto à sua cadeira, com a patinha lhe roçou o pé.
    - Fora daqui! - gritou ela, pensando que era o seu cão. O coelho voltou a roçar-lhe o pé e ela repetiu: - Vamos, sai logo daí! - convencida de que era o cachorro,. Mas o coelho insistiu, roçando-lhe o pé pela terceira vez. A princesa, então, olhou para baixo e reconheceu o animal pelo seu colar. Erguendo-o ao colo, perguntou:
    - Meu querido coelhinho, que queres tu?
     - Respondeu-lhe  o coelho:
    - Meu amo, que matou o dragão, está aqui e me enviou a pedir pão da mesa do rei.
    Fora de si de alegria, a princesa mandou chamar o padeiro e lhe ordenou trazer um pão dos que eram servidos na mesa real
    - Mas o padeiro terá de ir comigo- disse o coelho-para que os cães não me persigam.
    E assim o padeiro levou o pão até a porta da hospedaria, onde o coelho, erguendo-se sobre as patas traseiras, o apanhou coma s dianteiras e o levou ao seu amo.
 Disse, então, o caçador:
     - Está vendo, senhor hospedeiro? As cem moedas são minhas, O bom homem admirou-se e o outro prosseguiu: - Sim, senhor hospedeiro, já tenho o pão, mas agora quero comer, também , do assado da mesa real.//////////////////////////////////////
   Ao que lhe retrucou o dono da estalagem:
    - Isso eu gostaria de ver - sem atrever-se, no entanto, a renovar a aposta. O caçador, chamando a raposa, lhe disse:
    - Raposinha querida, vai buscar-me um assado tal como o rei o come
    A raposa, bem esperta e conhecedora de todos os cantos e recantos foi-se esgueirando até o palácio sem que nenhum cachorro a visse. Lá dentro, sentou-se sob a cadeira da princesa e ali começou a roçar o pé da moça. Olhando para baixo, ela reconheceu a raposa pelo calor e, levando-a para seu quarto, disse:

   - Querida raposa, que queres tu?
                                   
     A raposa respondeu:
   - Meu amo, que matou o dragão, está aqui e me mandou pedir um pedaço do assado real.
    A princesa mandou chamar o cozinheiro, e este teve de preparar um assado igual ao do rei e levá-lo até a porta da hospedaria, acompanhando a raposa. Ali o animal apanhou o prato e, afugentando com a cauda as moscas que haviam pousado na carne, levou-a para seu amo.
    - Veja, senhor hospedeiro-disse o caçador-pão e carne estão aqui;  agora , quero comer, também os legumes que servem ao rei.
    Chamou o lobo e lhe disse:
   - Querido lobo, vai buscar-me legumes de tal como são preparados para o rei.
    O lobo foi, diretamente, ao palácio, pois não temia a ninguém e, quando entrou no quarto da princesa , puxou-a  pelo vestido, de modo que ela foi obrigada a voltar-se. Conhecendo-o pelo colar, perguntou:
   - Querido lobo, que queres tu?
    E o lobo respondeu:
    - Meu amo, que matou o dragão, está aqui e me enviou a pedir legumes tal como os come o rei.
    A princesa mandou chamar o cozinheiro, o qual teve de preparar os legumes à maneira que o rei os comia e levar o prato até a porta da estalagem. Ali o lobo apanhou a travessa e a levou a seu amo.
      - Veja, senhor hospedeiro-disse o caçador- agora tenho pão, carne e legumes  mas ainda quero sobremesa da que come o rei.
    Chamou o urso, sei que gostas de doce; vai buscar-me sobremesa da que come o rei.
    O urso saiu trotando para o palácio e todos o deixavam passar. Mas, quando chegou em frente à guarda real, os soldados quiseram impedir-lhe a passagem, apontando-lhe os fuzis. O urso, entretanto, levantou a pata e, aplicando golpes à direita e à esquerda, derrubou todos os soldados. Feito isso, encaminhou-se, diretamente, aos aposentos da princesa; colocou-se atrás e, reconhecendo o urso, o fez entrar para o seu quarto e perguntou:
    - Querido urso, que queres tu?
    - Meu amo, que matou o dragão, está aqui e me  mandou  pedir sobremesa da que come o rei.
     A princesa ordenou ao confeiteiro que preparasse um doce como o rei o comia e acompanhasse o urso até a porta da hospedaria.
    O urso, depois de comer alguns confeitos que haviam caído, aprumou-se nas patas de trás, apanhou o prato e o entregou a seu amo.
    - Veja, senhor hospedeiro-disse o caçador- agora tenho pão,carne, legumes e doces, mas quero, também, tomar o vinho que o rei bebe.
     O leão saiu à rua e as pessoas pusseram-se a correr assustadas. Quando a guarda do palácio lhe quis impedir a passagem, bastou soltar uns rugidos para que os soldados fugissem. A fera encaminhou-se aos aposentos reais e bateu à porta com sua cauda. A princesa veio abrir e quase caiu de susto; logo, porém, reconheceu o leão pelo fecho de ouro do seu colar e, fazendo-o passar ao quarto, lhe disse:
      - Querido leão, que queres tu?
      Ao que ele respondeu:
    - Meu amo, que matou o dragão, está aqui e me manda pedir vinho de que bebe o rei.
      A princesa mandou chamar o copeiro e lhe deu ordem para entregar ao leão um pouco de vinho do rei.
     - Vou com ele-falou o leão- para me certificar de que me dará o verdadeiro.
     Desceu com o homem à adega e ali o copeiro tentou servir-lhe vinho comum, do qual
bebiam os criados.
   Mas o  leão disse:
    - Espera; quero prová-lo antes. - E  encheu meia medida, que engoliu de uma só vez.
     - Não -disse ele- não é deste.
     O copeiro olhou-o atravessado, mas foi a outro barril que era destinado ao marechal do rei e se dispôs a servir daquele.
    - Espera, quero prová-lo antes- insistiu o leão- e, enchendo outra medida, a bebeu de um trago. - Este já é melhor, mas ainda não é o que eu quero.
    Zangado, o copeiro resmungou:
    - O que poderá entender de vinhos um animal idiota como esse?
    Aí o leão aplicou-lhe um golpe atrás das orelhas que  o fez rolar por terra.Quando se levantou, o homem conduziu a fera, silenciosamente, a um pequeno recinto onde estava o vinho do rei, e do qual ninguém mais bebia. O leão encheu primeiro meia medida, experimentou e depois disse:
    - Este sim é do bom- e mandou que o copeiro lhe enchesse seis garrafas.
    Voltaram ao andar superior, mas o leão , ao atingir  o ar livre, começou a andar um tanto vacilante, pois o vinho lhe havia subido à cabeça. Por isso o  copeiro teve de levar-lhe as garrafas até a porta da hospedaria.Ali o leão apanhou a cesta com a boca e a levou a seu amo.
    - Está vendo, senhor hospedeiro? Aqui tenho pão, carne, verduras, doce, vinho da mesa real; agora vou banquetear-me com meus animais.
    Sentou-se, comeu, dando de tudo ao coelho, à raposa, ao lobo, ao urso e ao leão. Sentia-se feliz de verdade, pois via que a princesa ainda o amava. Terminada a refeição, disse:
   - Senhor hospedeiro, comi, bebi como o próprio rei; agora vou ao palácio e me casarei com a princesa.
    Perguntou-lhe o dono da estalagem:
    - Como é possível isso, se ela já  está noiva e hoje mesmo irá celebrar o seu casamento?
    Tirando o lenço que lhe dera a donzela na montanha do dragão e onde havia guardado as sete línguas do monstro, o caçador lhe respondeu:
     - Isso que tenho nas mãos me ajudará a realizar meu desejo.
     Olhando para o lenço, o hospedeiro disse:
    - Acredito tudo menos nisso; aposto minha casa e o meu campo.
    O caçador pôs em cima da mesa uma bolsa que continha mil moedas de ouro.
    - A minha parte vale isso-respondeu.
     Durante o banquete, o rei perguntou ã filha:
   - Que queriam esses animais selvagens que te procuraram hoje no meu palácio?
    - Não posso dizer- respondeu ela- mas manda chamar o amo deles e não te arrependerás.
     O rei mandou um criado à estalagem convidar o forasteiro. O homem chegou no momento exato em que o caçador fazia sua aposta com o dono da casa.
      - Veja, senhor hospedeiro- disse o rapaz- o rei me manda um convite pelo seu criado e mesmo assim eu ainda não irei.
        E, voltando-se para o lacaio, disse-lhe:
       Peça ao rei que me envie roupas de príncipe, uma carruagem com seis cavalos e uma escolta.
      Ao ouvir aquele pedido, o rei disse à  filha:
     - Que devo fazer?
     - Faze o que ele pede e não te arrependerás.
      Então o rei mandou roupagens magníficas, uma carruagem com seis cavalos e uma escolta. Quando vinham chegando,o  caçador disse:, ./////////////////////
      Vestiu as roupas reais, apanhou o lenço com as línguas do dragão e deixou-se conduzir ao rei. Este, vendo-o, chegar, perguntou à sua filha.
      - Como devo recebê-lo?
     - Vai ao seu encontro- respondeu ela- e  não te arrependerás.
    O rei foi recebê-lo e o conduziu pela escadaria do palácio e todos os animais  o acompanharam. O monarca indicou-lhe  um lugar perto de si e de sua filha.  O marechal, que era o noivo , estava sentado à sua frente, mas não o reconheceu.
    Foram trazidas as sete cabeças do dragão para exibi-las aos convidados. E o rei assim falou:
    - Estas sete cabeças foram cortadas ao dragão, pelo marechal; por isso lhe dou hoje a mão de minha filha.
    Neste instante o caçador levantou-se, abriu as sete bocas do dragão e perguntou:
     - Onde estão as sete línguas do monstro?
     O marechal perturbou-se, ficou pálido e não soube o que responder. Por fim disse, tomado de pânico:
    - Os dragões não tem línguas.
    - Os mentirosos é que não as deviam ter-disse o caçador. - Mas as línguas  dos dragões são o trofeu do vencedor.
    E abriu o lenço onde guardava as sete línguas  e as meteu, uma por uma, nas bocas a que pertenciam e todas encaixaram perfeitamente. Depois pegou o lenço com o nome bordado da princesa e, mostrando-o à moça, perguntou a quem  ela o havia dado.Respondeu-lhe a jovem:
    - Aquele que matou o dragão!
     Em seguida chamou os seus animais e tirou a todos o colar e ao leão o pequeno fecho de ouro. Mostrou à moça e perguntou a quem pertenciam:
    - O colar com o fecho era meu e eu o reparti entre os animais que ajudaram a vencer o dragão.
    O caçador prosseguiu:
    - Enquanto eu dormia, fatigado do combate, veio o marechal e me cortou a cabeça. Depois levou a princesa e inventou ter sido ele quem matou o dragão. Que isso é mentira, eu provo por meio das línguas, do lenço e do colar.
     A seguir contou como os animais lhe haviam devolvido a vida por meio da raiz milagrosa e que, durante um ano, andara vagando pelo mundo até chegar, por fim, novamente, àquela cidade, onde ficara sabendo da falsidade do marechal, pelas palavras do hospedeiro. O rei, então, perguntou à sua filha:
   - É verdade que foi este cavaleiro que matou o dragão?
    - Sim é verdade- respondeu a princesa- e agora já posso revelar o crime do marechal, descoberto sem minha interferência, pois ele me havia obrigado a jurar que guardaria segredo. Por esta razão, pedi que o casamento fosse celebrado só após um ano.
      O rei mandou convocar doze de seus conselheiros para que julgassem o crime do marechal e estes o condenaram a ser esquartejado por quatro bois. Desse modo se fez justiça e o rei concedeu a mão de sua filha ao caçador, a quem nomeou governador do reino. As bodas foram celebradas com grande alegria e o jovem rei mandou trazer seu pai e também o pai adotivo e os cumulou de riquezas. Não esqueceu tampouco o hoteleiro, a quem mandou vir à sua presença e disse:
     - Veja, senhor hospedeiro! Casei-me com a princesa; a sua casa e campo agora me pertence.
      - Sim é justiça! - respondeu o homem.
      Mas o jovem o tranquilizou:
    - Não me valerei disso. Poderá ficar com sua casa e com seu campo e  ainda lhe faço presente das mil moedas de ouro.
    O jovem príncipe e sua esposa viviam, pois, contentes e felizes um com o outro. O marido saía muitas vezes à caça,  era um dos seus passatempos preferidos e sempre seus fiéis  animais  o acompanhavam. Havia naqueles arredores um bosque que diziam ser encantado e quem ali entrasse, dificilmente sairia. O jovem príncipe, um dia, sentiu desejo de caçar naquela floresta e não deixou em paz o velho rei até que este lhe deu permissão. Saiu, pois, em companhia de um grande grupo de cavaleiros e, lá chegando, avistou uma corça branca como a neve.
    - Esperem aqui até minha volta- disse a seus companheiros.- Vou dar caça a este belo animal - e entrou no bosque, seguido apenas de seus companheiros de quatro patas.
     O grupo de homens ficou aguardando até de noite, mas o príncipe não apareceu. Voltaram, então, ao palácio e disseram à jovem rainha:
    -  Vosso esposo entrou no bosque encantado para caçar uma corça e de lá não voltou.
    Essa notícia deixou a rainha em grande aflição.
    Quanto ao príncipe, havia seguido a bela caça sem poder alcançá-la.  No momento em que ia atirar, ela desaparecia imediatamente e surgia a grande distância, até que afinal desapareceu de todo. Notou, então, que se havia embrenhado no fundo da selva. Pegou sua trompa de caça  e começou a tocar, mas não obteve resposta alguma, pois ninguém podia ouví-lo. Como já anoitecera, compreendeu que era impossível voltar ao palácio  naquele dia . Apeou, então, acendeu um fogo ao pé de uma árvore, pretendendo passar ali a noite. Quando estava sentado junto à fogueira e seus animais se haviam deitado  em redor, pareceu-lhe ouvir uma voz humana. Olhou em volta, mas nada viu. Pouco depois percebeu, de novo, uma espécie de gemido que parecia vir do alto da árvore.Levantou os olhos e descobriu na copa uma velha que repetia, continuamente, a mesma queixa:
    - Uh, uh, uh! Como sinto frio!
    Disse-lhe ele:
  - Desce e vem aquecer-te, se estás com frio.
 Ela, porém, respondeu:
   - Não, teus animais me morderiam
 
     - Não te farão mal algum, velhinha .Podes descer tranquilamente.
     Mas a mulher, que era uma bruxa, disse:///
    - Jogarei um ramo da árvore, para que batas no lombo desses bichos: assim não me farão nada.
     E lhe atirou um ramo; mas, quando o príncipe tocou os animais com a vara, eles se imobilizaram, transformados em pedra. Vendo-se a salvo dos animais, a bruxa saltou ao solo e, por sua vez, tocou no príncipe com uma vara, transformando-o , igualmente, em estátua de pedra. Feito isso, soltou gargalhadas pavorosas e arrastou o caçador  e os bichos para dentro de uma vala, onde já haviam muitas outras pedras semelhantes.
      Ao ver que o jovem príncipe não regressava, a inquietude e a preocupação da princesa começaram a aumentar dia a dia. Justamente nesse época , o outro irmão, que, ao separar-se, tomara o rumo leste, chegava ao reino. Andara procurando emprego , mas nada tinha encontrado, passando então a exibir seus animais de uma cidade a outra. Certo dia, lembrou-se de ir ver a faca que, no momento da despedida, haviam enterrado na árvore, para ter notícias de seu mano. Ao chegar lá, viu que o lado correspondente ao irmão estava metade enferrujado e metade brilhante. Vendo aquilo, assustou-se e pensou: "Uma grande desgraça deve ter acontecido a meu irmão, mas talvez eu ainda o possa salvar, pois metade da faca se conserva reluzente."
    Encaminhou-se, com seus animais, rumo a oeste e, quando ia entrar no portão da cidade, apresentou-se o chefe da guarda perguntando-lhe se queria que o anunciassem à sua esposa; a jovem princesa passara vários dias angustiada por sua ausência, temendo que houvesse sido morto no bosque encantado. Os soldados o tomavam  pelo príncipe, tão grande era a parecença entre eles e, além disso, vinha acompanhado dos mesmos animais. O caçador compreendeu que o confundiam com seu irmão e pensou: "Melhor será que os deixe no engano; desse modo me será mais fácil salvá-lo."E fez-se acompanhar pela guarda ao palácio, onde foi recebido com grande alegria. Também a jovem rainha o tomou por seu esposo e perguntou-lhe o motivo de sua demora. Respondeu-lhe o caçador:
    - Perdi-me no bosque e não conseguia sair dele.
     À noite o conduziram ao leito real, mas ele pôs sua espada entre os dois. E a rainha, embora não compreendesse por que motivo fazia aquilo, não se atreveu a perguntar-lhe.
     Permaneceu no palácio alguns dias e indagou tudo a respeito do bosque encantado. Por fim disse:
      - Tenho de ir caçar de novo por lá
     O velho rei e a jovem rainha trataram de dissuadi-lo, mas ele insistiu e acabou partindo à frente de numeroso séquito.Chegados ao bosque, aconteceu o que havia sucedido ao seu irmão. Viu a bela corça branca e disse a seus homens:
   - Fiquem aqui até meu regresso; quero apanhar essa bela caça - e entrou no bosque, seguido de seus animais.
    Mas ele também não conseguiu alcançar a corça e penetrou tão fundo nas selvas que não teve outro remédio senào passar a noite ali. Quando acendeu a fogueira, ouviu que sobre a sua cabeça alguém gemia.
    Uh, uh,uh! Que frio estou sentindo! - E , olhando para o alto, descobriu na copa a mesma bruxa . Disse-lhe:
    - Se estás com frio, desce, minha velhinha, para que possas aquecer-te.
     - Não, teus animais me morderiam-respondeu ela.
      - Não te farão dano algum- garantiu o caçador.
     - Eu atirarei uma vara - respondeu a bruxa.- Bata neles com ela e não me farão nada.
    Ao ouvir o caçador essas palavras, desconfiou da velha e lhe disse:
    - Não bato em meus animais. Desce tu, ou subirei para buscar-te.
    -Que pretendes? - exclamou a bruxa.- Não podes comigo.
    - Se não desces, eu te derrubo com um tiro, - respondeu ele.
     - Dispara quantas quiseres. Não  temo tuas balas!
     O caçador apontou a arma e disparou-a, mas a bruxa tinha o corpo fechado para o chumbo e desandou  a rir às gargalhadas.
     Não consegues atingir-me! - repetia ela, engasgada de riso.
   Mas o caçador sabia como agir e arrancou três botões de prata de sua jaqueta e com elas carregou sua arma. Com isso cessaria o poder da bruxa; assim , ao primeiro disparo, ela caiu ao chão com um grito horrível.O jovem lhe pôs o pé em cima e disse:
     - Velha bruxa, se não me revelas, imediatamente, onde está meu irmão, eu te agarro e te lanço fogo.
     Assustou-se a velha e, pedindo misericórdia, falou:
    - Ele e seus animais estão na vala, convertidos em pedra.
    Forçando-a, então, a acompanhá-lo e ameaçando-a dizendo:
    - Velha feiticeira, ou devolves a vida a meu irmão e a todos os que aqui jazem, ou te jogo ao fogo.
    Imediatamente ela pegou uma vara e tocou as pedras. No mesmo instante seu irmão com seus animais tornaram a viver, e assim muitos mercadores, artesões e pastores. E todos eles agradeceram por sua libertação, partindo em seguida para casa.
      Os gêmeos, ao se reverem, abraçaram-se e beijaram-se com os coraçoes cheios de alegria. Depois, agarraram a bruxa, ataram-na e a jogaram ao fogo. E assim que as chamas a haviam consumido o bosque abriu-se  espontaneamente, tornando-se claro e luminoso, e o palácio apareceu a tres horas de distancia.
     Os dois irmãos iniciaram o caminho de volta e, enquanto andavam, iam contando suas aventuras. Quando o mais moço contou que era regente de um reino, o outro respondeu:
     - Já sabia, pois quando cheguei a cidade me confundiram contigo e me prestaram honras reais. Também a jovem rainha me tomou por seu esposo e me fez comer ao seu lado na mesa e dormir na sua cama.
     Ao ouvir aquelas palavras, o jovem rei, num impulso de cólera e de ciúme, desembainhou a espada e, de um golpe, decepou a cabeça  de seu irmão. Mas, ao vê-lo morto e banhado em sangue, sentiu grande arrependimento;
    - Meu irmão me salvou- exclamou, lamentando-se em voz alta. -  E eu, em troca, lhe tirei a vida!
     Apresentou-se, então, o coelhinho e ofereceu-se para ir buscar a raiz milagrosa; e, de fato, pode traze-la ainda em tempo. O morto voltou à vida, sem que ficasse sinais de ferimento.
    Seguiram, pois, seu caminho e disse o mais moço:
     - És completamente parecido comigo, vestes como eu, roupas reais e te seguem os mesmos animais que a mim. Entraremos por dois portoes opostos e nos apresentaremos ao mesmo tempo ao rei, vindo de duas direçoes contrárias,
     Combinado isso, separaram-se e pouco depois a guarda de um e outro portào comunicou ao rei que o jovem príncipe acabava de chegar da caça com seus animais.
O rei exclamou:
     - Isso não é  possível! Entre um portão e outro há uma hora de distancia!
    E foi então que, vindo de direções opostas, entraram no pátio do palácio os dois irmãos e apearam de seus cavalos. Disse o velho rei à sua filha:
    - Dize-me qual dos dois é teu esposo. São como duas gotas de água e não sou capaz de distingui-los.
    A princesa ficou um momento perplexa e angustiada, sem saber o que responder, até que, lembrando-se do colar que dera aos animais, viu o fecho de ouro no leao e exclamou com grande alegria:
    - Aquele a quem este ;leao seguir é meu verdadeiro esposo.
     O Jovem rei começou a rir, dizendo:
    - Sim , este é o verdadeiro! - E todos sentaram-se à mesa e comeram e beberam contentes. À noite, quando o príncipe foi para a cama, sua esposa perguntou-lhe:
    - Por que, nas outras noites, puseste no leito, entre nós dois, a tua espada de dois gumes? Pensei que quisesses matar-me.

  •     O jovem rei compreendeu, então, até que extremo chegara a lealdade de seu irmão.

FIM












   


   








sabia como agir e arrancou três
     












domingo, 6 de setembro de 2015

A RAINHA DAS ABELHAS - CONTOS DE GRIMM

Certa vez, dois príncipes partiram em busca de aventuras. Mas entregaram-se a uma vida tão leviana e desregrada que não tornaram a aparecer. O terceiro irmão, a quem chamavam "Bobo", pôs-se a caminho para procurá-los. Quando afinal os encontrou, começaram a rir-se dele por pretender, com sua ingenuidade, vencer na vida, quando eles dois, que eram muito mais inteligentes, nada tinham conseguido.
     Juntos, puseram-se os três a andar e chegaram a um ninho de formigas. Os mais velhos quiseram destruí-lo, para se divertirem com os bichinhos a correr, assustados, procurando salvar os ovos. O bôbo porém, disse-lhes:
    - Deixem os animaizinhos em paz; não permito que os perturbem!
      Seguiram adiante e foram ter a um lago, onde nadava grande quantidade de patos. Os dois irmãos quiseram caçar alguns deles para assá-los, mas o bôbo se opôs:
    - Deixem os animais em paz- disse- não admito que os matem.
    Por fim chegaram a uma colmeia, presa a uma árvore. estava tão cheia que o mel escorria pelo tronco abaixo. Os dois mais velhos quiseram logo acender fogo ao pé da árvore para sufocar as abelhas e tirar o mel. O bôbo, porém, os deteve, dizendo:
     -Deixem esses bichinhos em paz, não permito que lhe façam mal.
    Andaram mais um pouco e chegaram a um castelo onde havia uns quantos cavalos de pedra nas estrebarias, mas nenhuma pessoa ali ou em outra parte. Passaram por todas as salas e, de repente, viram-se diante de uma porta fechada com três cadeados. Nessa porta, encontrava-se uma pequena abertura, que permitia espiar para dentro. Os três viram um homenzinho de cabelos brancos, sentado a uma mesa. Chamaram-no uma, duas vezes, mas ele não ouvia. Quando gritaram pela terceira vez, o homenzinho ergueu-se, abriu os cadeados e saiu da sala sem pronunciar uma só palavra, levou-os a uma mesa fartamente servida e, depois de terem comido e bebido, conduziu cada um deles a um quarto. Na manhã seguinte, apresentou-se o homenzinho ao mais velho dos irmãos e o foi levado até diante de uma lousa onde estavam escritos os três trabalhos que poderiam desencantar o castelo.O primeiro era o seguinte: no interior da floresta, sob o musgo, se encontravam as mil pérolas da filha do rei. Era preciso recolhê-las, todas, antes do pôr-do-sol. Se faltasse uma só, aquele que as estava procurando se convertia em pedra.
    O mais velho saiu e pôs-se a procurar durante o dia inteiro; mas, quando chegou a noite, não havia encontrado mais que cem pérolas. E aconteceu o que estava escrito: o rapaz transformou-se em pedra.
     No dia seguinte, o segundo irmão tentou a aventura sem o menor resultado. Encontro, apenas, duzentas pérolas e, por sua vez, foi transformado em pedra.
    Finalmente, chegou a vez do Bôbo, que se pôs a procurar. Mas como era difícil encontrar as pérola! E como o trabalho se arrastava!Sentou-se sobre uma pedra e começou a chorar. Enquanto estava assim, sem esperança alguma, viu, de súbito,o rei das formigas, a quem um dia salvara a vida. Vinha seguido de cinco mil súditos e, num momento, os bichinhos reuniram as pérolas num monte.
     O segundo trabalho era retirar, do fundo do lago, a chave do quarto da princesa. Quando o bôbo chegou à margem, os patos que certa vez ele havia salvo, aproximaram-se nadando. Mergulharam e pouco depois reapareceram, trazendo a chave.
   O terceiro trabalho era o mais difícil. Das três filhas do rei, que estavam adormecidas, devia descobrir qual a mais jovem e mais adorável. Mas as três princesas eram iguaizinhas: não havia a mínima diferença entre elas. Sabia-se, apenas, que, antes de dormirem, haviam comido diferentes guloseimas. A mais velha, um torrão de açúcar; a segunda, um pouco de melado e a mais moca uma colherada de mel. Apresentou-se, então, a rainha das abelhas que o bôbo salvara do fogo e examinou a boca de cada uma das princesas. Por último pousou nos lábios da que havia comido mel e o príncipe pode assim reconhecer a procurada. O feitiço desapareceu no mesmo instante; todos despertaram e os que eram de pedra se tornaram criaturas vivas. O bôbo casou-se com a princesinha mais jovem e adorável, tornando-se rei após a morte do sogro. Seus dois irmãos receberam como esposas as outras duas princesas.
FIM
   
   

   

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

BRANCA DE NEVE- CONTOS DE GRIMM

Era um dia de inverno rigoroso, flocos de neve caíam do céu como plumas brancas. Uma rainha achava-se cosendo junto ao rebôrdo de ébano da janela. Enquanto cosia, olhando para os flocos, aconteceu espetar a agulha em um dos dedos e três gotas de sangue pingaram sobre a neve. E, como o vermelho do sangue se destacava, vivamente, sobre o fundo branco, ela pensou: "Ah, se eu tivesse uma filha, branca como a neve, corada como o sangue e de cabelos negros como ébano desta janela....."
     Pouco tempo depois, nasceu uma menina que era branca como a neve, de faces coradas como o sangue e cabelo negro como a madeira de  ébano. Por isso lhe puseram o nome de Branca de Neve. Mas, ao nascer a filha, a rainha morreu.
   Um ano depois o rei tornou-se a casar-se. A nova rainha era muito linda, mas orgulhosa e petulante e não suportava que alguém a superasse em beleza. Tinha um espelho mágico e, cada vez que se olhava nele, perguntava :
    - Espelhinho, dize-me uma coisa:
      Quem, neste país, é a mais formosa?
    E o espelho respondia:
    - Senhora rainha, vos sois a mais formosa em todo o país.
     A rainha ficava satisfeita, pois sabia que o espelho falava sempre a verdade.
     Branca de Neve foi crescendo e se tornando cada vez mais linda. Quando completou sete anos, era tão bela como a luz do sol, e muito mais que a própria rainha.
Esta, certo dia, perguntou ao espelho:
     - Espelhinho, dize-me uma coisa:
      Quem , neste país , é a mais formosa?
      Respondeu-lhe o espelho:
      - Senhora rainha, vos sois como uma estrela,
       Mas  Branca de Neve é mil vezes mais bela!
      A rainha empalideceu de inveja e, desde aquele dia, cada vez que via Branca de Neve, sentia o coração apertado dentro do peito, tanto era ódio que sentia contra a menina. E a inveja e o orgulho, como ervas daninhas, cresceram cada vez mais em sua alma, não lhe dando sossego dia e noite.
    Certa ocasião, chamou um caçador e lhe disse:
     - Leva esta menina à floresta, que eu não posso mais vê-la. Deverás matá-la e, como prova de teres cumprido minha ordem, traze-me o seu coração e o seu fígado.
    O caçador, obedecendo, encaminhou-se para o bosque com a menina. Mas, quando já ia cravar a faca no coração inocente da criança, esta começou a suplicar chorando:
     - Tem dó de mim, bom caçador, deixa-me viver....
Ficarei no bosque e nunca mais voltarei ao palácio.
     E, como era tão formosa, o caçador comoveu-se e disse-lhe:
     - Vai-te, pobrezinha! - E pensou: - "As feras não tardarão a devorar-te!"
     Sentiu-se, no entanto, aliviado por não matá-la.
    Naquele momento, passava ali um veadinho, e o caçador, então, matou-o. Tirando-lhe o coração e o fígado e os levou à rainha como prova de haver cumprido sua ordem. A perversa mulher entregou-os ao cozinheiro para que os preparasse e depois os devorou, pensando que eram o coração e o fígado de Branca de Neve.
    Nesse meio tempo, a pobre menina estava sozinha na floresta imensa. Sentia tanto medo que se sobressaltava ao menor movimento das folhas nas árvores, sem saber o que fazer. Saiu correndo por entre os espinhos  e pedras pontiagudas. Os animais selvagens passavam, saltando, a seu lado, mas não lhe faziam mal nenhum. Continuou correndo enquanto seus pés podiam carregá-la, até que o sol se escondeu. Viu, então , uma casinha e nela entrou para descansar.
     Tudo ali era diminuto, mas tão caprichado  e limpinho que não há palavras que possa, descrever aquele primor.
    Havia uma mesinha coberta com uma toalha branquíssima, com sete minúsculos pratinhos, cada qual com uma colherinha; e também havia sete faquinhas e garfinhos e sete copinhos. Junto à parede estavam alinhadas sete pequeninas camas, com lençóis de imaculada alvura.
    Branca de Neve, que estava com fome e sede, comeu um pouquinho dos legumes e um bocadinho de pão de cada prato e bebeu uma gota de vinho de cada copo, pois não queria tudo de um só. Depois, sentindo-se muito cansada, pensou em deitar-se, mas as camas que experimentou eram largas demais ou, então, muito curtas. A sétima, finalmente, serviu-lhe bem. Deitou-se nela e, encomendando-se a Deus, adormeceu.
    Já era noite fechada quando os donos da casa chegaram. Eram sete anões que se dedicavam a escavar minerais no morro. Acenderam suas sete lanterninhas e, quando a sala iluminou-se, viram que alguém ali havia entrado  pois as coisas não estavam em ordem como tinham deixado ao sair.
     Disse o primeiro dos anõezinhos:
     - Quem se sentou em minha cadeirinha,
     E o segundo:
     - Quem comeu do meu pratinho?
      E o terceiro:
     - Quem cortou um pedaço do meu pão?
     E o quarto:
     - Quem comeu de minha verdura?
    E o quinto:
    - Quem usou meu garfinho?
   E o sexto:
     - Quem cortou com minha faquinha?
    E o sétimo:
     - Quem bebeu do meu copinho?
     Depois, o primeiro deu volta pela sala e viu que o lençol de sua cama estava um pouco amarfanhado. Exclamou, surpreso:
     - Quem subiu na minha caminha?
     Os demais  vieram correndo e todos gritaram:
     - Alguém esteve deitado na minha!
    O sétimo, porém, ao examinar a sua, descobriu nela Branca De Neve adormecida. Chamou os outros, que acorreram logo e não puderam conter suas exclamações. Trouxeram as lanternas e iluminaram a menina.
     - Oh, meu Deus! -diziam eles. - Que bela criaturinha!
      E foi tal sua alegria que decidiram não acordá-la, mas deixar que continuasse dormindo na cama. O sétimo anão se acomodou com seus companheiros, uma hora na cama de cada um, e assim transcorreu a noite.
        Quando raiou o dia, Branca de Neve despertou e, ao ver os sete anões, assustou-se. Eles, porém, a saudaram amavelmente e perguntaram:
       - Como te chamas?
       - Branca de Neve- respondeu ela.
      E como chegaste à nossa casa? - continuaram a indagar os homenzinhos. Ela, então, contou-lhes que sua madrasta havia dado ordem de matá-la, mas que o caçador lhe poupara a vida; que correra durante todo o dia até que, ao anoitecer, encontrara  a casinha.
     Falaram os anões:
    - Queres cuidar de nossa casa? Cozinhar, fazer as camas, lavar e remendar a roupa e manter tudo em ordem e bem limpo? Se concordares, poderás ficar conosco e nada te faltará.
    - Sim -respondeu Branca de Neve.- Com muito prazer. E ficou em companhia dos anõezinhos. Desse dia em diante passou a cuidar da casa com todo o cuidado. De manhã, eles saíram para a montanha em busca de ouro e outro minerais. Quando, à tarde, regressavam , a comida já estava preparada. Durante o dia a menina ficava sozinha e os bons anõezinhos a aconselhavam:
    - Cuidado com a tua madrasta, que não tardará a descobrir que estás aqui. Não deixes ninguém entrar.
    Mas a rainha, certa de que tinha comido o coração e o fígado de Branca de neve, pensou que era de novo a primeira em beleza. Certo dia, porém, colocou-se frente ao espelho e lhe perguntou:
    - Espelhinho, dize-me uma coisa:
      Quem, neste país, é a mais formosa?
     E o espelho respondeu:
     _ Senhora rainha vós sois como uma estrela
       Mas Branca de Neve, que mora nas montanhas
     Com os sete anõezinhos, é mil vezes mais bela!
    A rainha levou um choque, porque sabia que o espelho falava a verdade. Ficou sabendo que o caçador a enganara e que Branca de Neve não estava morta. Pensou, pois, noutra maneira de desfazer-se dela. Enquanto houvesse no reino alguém que a ultrapassasse em beleza, a inveja não a deixaria em paz. Por fim teve uma ideia. Tisnou o rosto e se vestiu de velha vendedora. Desse jeito, tornou-se irreconhecível e, assim disfarçada, dirigiu-se às sete montanhas onde morava os sete anõezinhos. Quando chegou à casinha,batei à porta e gritou:
      - Vendo  coisas boas e bonitas!
     Branca de Neve olhou pela janela e cumprimentou-a:
    - Bom dia, minha boa mulher. Que traz para vender?
    - Coisas boas, coisas lindas! - respondeu ela. - Cordões para espartilhos, em todas as cores. - E mostrou-lhe uma fita de seda multicor.
     " Não custa nada deixar entrar essa pobre mulher"- pensou Branca de Neve e, abrindo-lhe a porta, comprou o belo cordão.
     - Que vestido mal-arranjado esse teu! - exclamou a velha. - Vem, que eu mesma te porei o novo atacador.
     Branca de neve, sem suspeitar de nada, colocou-se à sua frente para que ela lhe fechasse o espartilho. A bruxa porém, fechou-o tão bruscamente e tanto o apertou que a menina ficou sem respiração e caiu como morta.
     - Agora já não és a mais formosa - disse a madrasta e saiu às pressas.
     Pouco depois, pela hora do jantar, regressaram os sete anões. Que susto levaram quando viram sua querida Branca de Neve estendida no chão, sem mover-se, como morta! Correram a levantá-la e, vendo que o espartilho, apertado demais, lhe cortava a respiração, se apressaram a desafogá-lo. A menina começou a respirar levemente e pouco a pouco foi voltando a si. Quando os anões souberam de tudo, foram logo dizendo:
     - A velha vendedora só podia ser a rainha malvada. Toma cuidado e não deixes entrar ninguém, enquanto estivermos fora.
    Quanto à bruxa, ao entrar no palácio, correu para o espelho  e perguntou:
    - Espelhinho, dize-me uma  coisa:
     - Quem neste país é a mais formosa?
     E o espelho respondeu como antes:
     - Senhora rainha, vós sois como uma estrela,
     Mas a Branca de Neve, que mora nas montanhas
     Com os sete anõezinhos, é mil vezes mais bela!
     Ao ouvir essas palavras o sangue quase parou nas suas veias, tão grande foi a surpresa que teve, pois viu que a Branca de Neve continuava com vida.
     - Agora- disse ela- inventarei algo de que não escaparás.
     Valendo-se das artes da magia, em que era mestra, fabricou um pente envenenado. Depois tornou a disfarçar-se de velha. Atravessou as sete montanhas onde moravam os sete anõezinhos e bateu à sua porta:
    - Boas coisas para vender! - gritou.
    Branca de Neve abriu a janela e disse-lhe:
    - Siga adiante, que não devo abrir a porta a ninguém.
   - Poderás, ao menos, olhar o que tenho aqui-disse a velha, mostrando-lhe o pente.
    A menina gostou tanto daquele belo objeto que esqueceu todas as recomendações e abriu a porta.
    Depois de terem fechado o negócio, a velha disse:
     - Vem cá, que agora te farei um penteado bem bonito.
     A pobrezinha, não pensando em nada de mal, deixou que a velha a penteasse; mal, porém, lhe passou o pente nos cabelos, o veneno começou a agir e a menina caiu inanimada.
     - Agora deixaste a beleza! - gritou a bruxa.- Agora, sim tudo acabou!
     Em seguida afastou-se. Por sorte faltava pouco para anoitecer e os anõezinhos não tardaram a chegar. Quando encontraram Branca de Neve sem sentidos, no chão, logo suspeitaram da madrasta. Procurando, descobriram o pente envenenado e, no momento em que o retiraram  de seus cabelos , a menina voltou a si e explicou o que havia acontecido. De novo eles lhe recomendaram que ficasse alerta e não abrisse a porta a ninguém.
      A rainha, de volta ao palácio, foi diretamente ao seu espelho e indagou:
     - Espelhinho, dize-me  uma coisa:
      Quem neste país é a mais formosa?
     E, como das outras vezes, o espelho respondeu:
    - Senhora rainha, vós sois como uma estrela,
     Mas Branca de Neve, que mora nas montanhas
     Com os sete anõezinhos, é mil vezes mais bela!
    Ouvindo o espelho falar assim, a bruxa tremeu de ódio.
    -  Branca de Neve  morrerá! - gritou.- Ainda que isso me custe a própria vida!
     E, descendo a uma sala secreta onde ninguém tinha entrada a não ser ela , preparou uma maça com um veneno fortíssimo. Por fora era linda branca e rosada, capaz de juntar água na boca da gente. Um só bocado, no entanto, era morte certa! Preparada a maça, novamente se maquilou, vestiu-se de camponesa e atravessou as sete montanhas, indo bater à porta dos sete anões. Branca de Neve olhou pela janela e lhe disse:
    - Não devo abrir para ninguém; os sete anõezinhos me proibiram.
     - Como queiras- respondeu a camponesa.- De qualquer maneira hei de vender as minhas maças. Olha aqui está uma delas; toma-a de presente!
         - Não - respondeu menina. - Não posso aceitar coisa alguma.
          - Como?! Tens medo que essas ´pobres maças te envenenem?- perguntou a velha. - Vê bem, vou cortar a maça em duas partes; come tu o lado vermelho e eu o branco. A fruta estava preparada de modo que somente o lado vermelho tinha veneno. Branca de Neve olhou a fruta com olhos cobiçosos e, quando viu  que a camponesa a comia, não pode resistir à tentação. Estendeu a mão e pegou a metade envenenada. Mal havia metido na boca o primeiro pedacinho, caiu morta. A rainha lanço-lhe um olhar terrível e, soltando uma gargalhada, exclamou:
   -  Branca como a neve, vermelha como o sangue e negra como o ébano! Desta vez os anões não te ressuscitam.
     E, quando chegou ao palácio, perguntou ao espelho:
    - Espelhinho, dize-me uma coisa:
    Quem, neste país,é a mais formosa?
    Respondeu-lhe o espelho, por fim:
   - Senhor rainha,vós sois a mais formosa em todo país.
    Só aí o seu coração ficou em paz, se é que um coração invejoso pode ficar tranquilo.
    Os anõezinhos,a voltaram para casa naquela noite, encontraram Branca de Neve estendida no chão, sem que  de seus lábios saísse o mais leve sopro. Estava morta. Levantaram-na, examinaram-na, desafogaram-lhe as vestes, alisaram-lhe os cabelos, borrifavam-na com água  e vinho, mas tudo foi inútil. A pobrezinha estava morta e bem morta. Colocaram-na, então, num esquife e os sete , sentando-se em redor, ali ficaram chorando durante três dias. Depois pensaram em enterrá-la. Mas, vendo que ela ainda conservava a aparência de uma pessoa viva e que suas faces continuavam rosadas, disseram, comovidos:
    - Não podemos enterrá-la neste chão negro e duro.
     Mandaram fabricar um caixão de vidro que permitia vê-la de todos os lados. Ali a deitaram e gravaram seu nome em letras. de ouro:"Princesa Branca de Neve." Feito isso, transportaram o esquife até o cume da montanha e cada um deles, por turno, ficava ali de vigia. Até os animais foram chorar a morte de Branca de Neve; primeiro uma coruja, depois um corvo e, finalmente, uma pombinha.
   Branca de Neve esteve assim, por muito tempo, repousando em seu esquife,sem se decompor. Pelo contrário, parecia adormecida, pois continuava sendo branca como a neve, vermelha como o sangue e com o cabelo negro como ébano.
     Sucedeu, então, que um príncipe,que se  havia embrenhado na floresta, encaminhou-se para a casa dos anõezinhos, onde passou a noite. Depois,viu na montanha o esquife que continha a formosa Branca de \neve e leu a inscrição gravada em letras de ouro. Disse, então, aos anõezinhos:
    - Dêem-me o esquife e eu pagarei por ele o que me pedirem.
    Mas eles lhe responderam:
    - Não o vendemos por ouro nenhum deste mundo!
    - Neste caso, me dêem de presente- pediu o príncipe- porque não posso mais viver sem Branca de Neve. Hei de adorá-la sempre.
    Diante disso, os homenzinhos se compadeceram do príncipe e presentearam-lhe o esquife. O jovem ordenou a seus criados que o transportassem nos ombros. aconteceu, então ,que, durante o caminho, os homens tropeçaram numa raiz de árvore e, com a sacudida, o pedaço de maça envenenada saltou da garganta de Branca de Neve. Pouco depois a princesa abriu os olhos e recuperou a vida. Levantou a tampa do caixão de vidro, ergueu-se e exclamou:
    - Meu Deus! Onde estou?
     E o príncipe respondeu-lhe louco de alegria:
    - Estás comigo! - E, depois de explicar o que acontecera, disse-lhe; - Quero-te mais que tudo neste mundo. Vem ao castelo do meu pai e serás minha esposa.
     Branca de Neve consentiu e foi com ele ao palácio, onde, em seguida, celebraram o casamento com grande pompa e esplendor.
     A malvada madrasta de Branca de Neve também foi convidada. Depois de ter se ataviado com seu vestido mais luxuoso, foi ao espelho e perguntou:
     - Espelhinho, dize-me uma coisa:
     Quem neste país é a maia formosa?
     E o espelho respondeu:
     - Senhora rainha, vós sois como uma estrela.
      Mas a rainha jovem é mil vezes mais bela!
     A bruxa soltou uma terrível maldição e ficou como uma fúria. Primeiro pensou em não ir ao casamento, mas a curiosidade foi mais forte e ela não pode resistir ao desejo de ver a jovem rainha. Ao entrara no salão, reconheceu Branca de Neve e foi tal seu espanto que ficou parada, sem poder mover-se. Mas já tinha posto ao fogo uns sapatos de ferro, que estavam agora em brasa. Ela teve de enfiá-los e foi obrigada a dançar com eles até que caiu morta.
FIM