sexta-feira, 13 de março de 2020

NÃO É UM CONTO É REALIDADE, CORONAVÍRUS ESTÁ NO BRASIL!






Covid-19: palestra aborda prevenção, diagnóstico, transmissão e tratamento dos sintomas.

Assessoria de Comunicação da Universidade de Caxias do Sul - 10/03/2020 | Editado em 11/03/2020
Em evento aberto à comunidade, a médica infectologista integrante da Sociedade Brasileira de Infectologia e professora do curso de Medicina da UCS, Lessandra Michelin,  compartilhou dados e informações sobre o Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, dando ênfase às formas de prevenção.
Palestra na Universidade de Caxias do Sul na noite desta segunda-feira, 9 de março, no UCS Teatro, esclareceu aspectos referentes ao novo coronavírus, informando sobre formas de prevenção e etiqueta respiratória. Ministrada pela médica infectologista Lessandra Michelin, professora de Medicina da UCS e integrante da diretoria da Sociedade Brasileira de Infectologia, a abordagem contemplou número de casos confirmados no mundo, prevenção, diagnóstico, quadro clínico, transmissão e tratamento dos sintomas.
Mestre e doutora em Biotecnologia-Microbiologia, a pesquisadora do Instituto de Pesquisas em Saúde da UCS e assessora da Vigilância Epidemiológica do Rio Grande do Sul e do Programa Nacional de Imunizações explicou que os coronavírus são conhecidos desde os anos 1960, causadores de doença respiratória leve em vários locais do mundo. Já haviam sido detectadas, em 2003 (SARS) e 2012 (MERS), linhagens de alta virulência e transmissibilidade, que preocuparam mas foram controláveis em suas regiões de origem. Causador da doença covid-19, o novo coronavírus (SARS-CoV-2), identificado no final de 2019, na China, ocasiona a atual epidemia e exige o alerta das equipes de vigilância para casos de sintomatologia respiratória em pessoas com histórico de viagens para áreas de transmissão dentro de 14 dias, ou que tiveram contato com casos suspeitos.
Também embasada na experiência em avaliação de riscos junto à Organização Mundial da Saúde, a profissional contou sobre a evolução do vírus, a resposta dos órgãos de saúde e a história da epidemia que, conforme acredita, logo será declarada pandemia – quando há a transmissão dentro de vários países. “Embora não se saiba por quanto tempo permanecerá, a doença deve passar esse inverno conosco”, projeta.
“Os médicos dispõem de tratamento para vírus respiratório, os laboratórios têm insumos suficientes, e as pessoas devem ter bom senso”.
Preparação
A professora destacou a importância do debate considerando, principalmente, a temporada de frio no Hemisfério Sul, que potencializa a suscetibilidade à doença. “Temos que nos preparar para o inverno, orientar a população, que não pode ter pânico. Já trabalhamos com endemia, vivenciamos isso em 2009, com a influenza. Os médicos dispõem de tratamento para vírus respiratório, os laboratórios têm insumos suficientes, e as pessoas devem ter bom senso”.
“É um tema extremamente importante para nós que vivemos em comunidade, estamos aqui na Universidade, viajamos, fazemos toda a difusão de conhecimento, e teremos que saber sobre o coronavírus”, reforçou o diretor da área do conhecimento de Ciências da Vida, Asdrubal Falavigna, na abertura do encontro, ressaltando o trabalho conjunto, com medidas individuais, sociais, comportamentais e governamentais para o controle da doença.
Sintomas
Sobre o quadro clínico, semelhante ao ocasionado pelo vírus da gripe, a médica infectologista explica que sinais e sintomas referidos são principalmente respiratórios, como febre, tosse e dificuldade para respirar. A infecção por coronavírus pode provocar doença leve (com sintomas respiratórios inespecíficos) – “80% das pessoas apresenta sintomas leves”, pneumonia viral leve a grave, Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), sepse e choque séptico.
Transmissão
O número básico de reprodução dos vírus (Ro) é a métrica utilizada para estimar quão contagiosa é uma doença. Lessandra compara que, enquanto o Ebola tem Ro de 15, a taxa do novo coronavírus, que tem suscetibilidade universal e se espalha como a gripe, a partir de gotículas respiratórias ou contato com superfícies contaminadas, é de 3. Há risco de exposição à infecção em caso de contato próximo (cerca de um metro) com alguém que apresente os sintomas respiratórios. O tempo médio de transmissão pode ser de sete dias, mas há estudos que sugerem que, mesmo sem sintomas, é possível transmitir a doença.
Uma pessoa pode infectar em média outras duas (para comparação, no caso do sarampo, um contaminado tem o potencial de infectar até 18 indivíduos). E a mortalidade média do coronavírus ainda é considerada baixa, avaliada em 2 a 3,4%.
Tratamento
A docente explicou que, no município, sistemas de saúde particular e público estão preparados para receber pessoas com sintomas e avaliar os casos. Embora ainda não exista tratamento específico, os pacientes recebem medicamentos para aliviar os sintomas e, enquanto se aguarda o desenvolvimento de vacina para evitar o coronavírus, e os testes em medicamentos antivirais, a infectologista indica a Vacina Influenza. “É segura e eficaz, e protegerá de infecção por outro vírus que causa pneumonia grave”.
Precauções
Lavagem das mãos com frequência, com água ou álcool 70%; não compartilhamento de utensílios; evitar tocar no rosto; ao tossir ou espirrar, utilizar um lenço ou papel para proteção e logo descartá-lo, ou cobrir a boca com o braço; ter prudência no caso de viagens para locais com transmissão na comunidade, a serem evitadas, principalmente, por pessoas que tenham comorbidades; e indicação do uso de máscaras somente a quem apresente os sintomas, para evitar a transmissão.
{Os números de casos suspeitos e confirmados, no Brasil e no mundo, podem ser acompanhados nas plataformas do Ministério da Saúde e da Johns Hopkins University.}
Imagens: Claudia Velho

Lima Barreto - O homem que sabia Javanês




Em uma confeitaria, certa vez, ao meu amigo Castro, contava eu as partidas que havia pregado às convicções e às respeitabilidades, para poder viver.

  Houve mesmo uma dada ocasião, quando estive em Manaus, em que fui obrigado a esconder a minha qualidade de bacharel, para mais confiança obter dos clientes que afluíam ao meu escritório de feiticeiro e adivinho. Contava eu isso.
   O meu amigo ouviu-me calado, embevecido, gostando daquele meu Gil Blas vivido, até que, em uma pausa de conversa, ao esgotarmos os copos, observou a esmo:
    - Tens levado uma vida bem engraçada, Castelo!
   - Só assim se pode viver...Isto de uma ocupação única: sair de casa  a certas horas, voltar a outras, aborrece, não achas? Não sei como me tenho aguentado lá no consulado!
   Cansas-se; mas, não, é disso que me admiro. O que me admira é que tenhas corrido tantas aventuras aqui, neste Brasil imbecil e burocrático.
    - Qual! Aqui mesmo, meu caro Castro, se podem arranjar belas páginas de vida. Imagina tu que eu já fui professor de javanês!
    - Quando? Aqui, depois que voltaste do consulado?
   - Não; antes. E, por sinal, fui nomeado cônsul por isso.
   - Conta lá como foi. Bebes cerveja?
   - Bebo.
   Mandamos buscar mais outra garrfa, enchemos os copos, e continuei:
   Eu tinha chegado havia pouco ao Rio e estava literalmente na miséria! Vivia fugido de casa de pensão. sem saber onde e como ganhar dinheiro, quando ia no Jornal do Comércio o anúncio seguinte:
   " Precisa-se de um professor de língua javanesa.  Cartas, ete."
   Ora, disse cá comigo, está aí uma colocação que não terá muitos concorrentes; se eu capiscasse quatro palavras, ia apresentar- me. Saí do café e andei pelas ruas, sempre a imaginar-me professor de javanês, ganhando dinheiro, andando de bonde e sem encontros desagradáveis com os cadáveres. Insensívelmente dirigi-me à Biblioteca Nacional. Não sabia bem que livro iria pedir; mas, entrei, entreguei o chapéu ao porteiro, recebi a senha e subi. Na escada, acudi-me pedir a "Grande Enciclopédia", letra J, a fim de consultar o artigo relativo a Java e à lingua javanesa. Dito e feito. Fiquei sabendo, ao fim de alguns minutos, que Java era uma grande ilha do arquipélago de Sonda, colônia holandesa, e o javanês língua  aglutinante do grupo maléu-polinésio, possuia uma literatura digna de nota e escrita em caracteres derivados do velho alfabeto hindu.
   A Enciclopédia dava-me indicação de trabalhos sobre a tal língua malaia e não tive dúvidas em consultar um deles. Copiei o alfabeto, a sua  pronunciação figurada e saí. Andei pelas ruas, perambulando e mastigando letras.
   Na minha cabeça dançavam hieróglifos;  de quando em quando consultava as minhas notas; entrava nos jardins e escrevia este calungas na areia para guardá-los bem na memória e habituar a mão e escrevê-los.
   À noite, quando pude entrar em casa sem ser visto, apra evitar indiscretas perguntas doe ncarregado, ainda continuei no quarto e engolir o meu a-bê-cê malaio, e com tnato afinco levei o propósito, que, de manhã, o sabia perfeitamente.
   Conveci-me de que aquela era língua mais fácil do mundo e saí: mas não tão cedo que não me encontrasse com o encarregado do aluguéis dos cômodos: "Sr. Castelo, quando salda a sua conta?" Respondi-lhe então eu, com a mais encantadora esperança: " Breve...Espere um pouco...Tenha paciência...Vou se nomeado professor de javanês, e..." Por aí o homem interrompeu-me: " Que diabo vem a ser isso, Sr. Castelo?" Gostei da diversão e ataquei o patriotismo do homem: " È uma língua que se fala lá pelas bandas do Timor. Sabe onde é ?"
    Oh, alma ingênua! O homem esqueceuse da minha da minha dívida e disse-me com aquele falar forte dos portuguêses: "Eu cá por mim, não sei bem; mas ouvi dizer que são umas terras que temos para os lados de Macau. E o senhor sabe isso,  Sr. Castelo?"
    Animado com esta saída feliz que me deu o javanês, voltei a procurar o anúncio. Lá estava ele. Resolvi animosamente propor-me ao professorado do idioma oceânico. Redigi a resposta, passei pelo jornal e lá deixei a carta. Em seguida, voltei à biblioteca e continuei os meus estudos de javanês. Não fiz grandes progressos nesse dia, não sei se por julgar o alfabeto javanês o único saber necessário a um professor de língua malaia ou se por ter-me empenhado mais na bibliografia e história literária do idioma que ia ensinar.
   Ao cabo de dois dias, recebia eu uma carta para ir falar ao Dr. Manuel Feliciano Soares Albernaz, Barão de Jacuecangra, à rua Conde de Bomfim, não me recordo bem que número. É preciso não te esqueceres que entrementes continuei estudando o meu  malaio, isto é, o tal javanês. Além do alfabeto, fiquei sabendo o nome de alguns autores, também perguntar e responder - como está o senhor? - e duas ou três regras de gramática, lastrado todo esse saber com vinte palavras do léxico.
   Não imaginas as grandes dificuldades com que lutei para arranjar os quatrocentos réis da viagem! É mais fácil! - podes ficar certo -aprender javanês.... Fui a pé. Cheguei suadíssimo; e, com maternal carinho, as anosas mangueiras, que se perfilavam em alamêda diante da casa do titular, me receberam, me acolheram e me reconfortaram. Em toda a minha vida, foi o único momento em que cheguei a sentir a simpatia da natureza.
  Era uma casa enorme que parecia estar deserta; estava maltratada, mas não sei por que me veio pensar que nesse mau tratamento havia mais desleixo e cansaço de viver que mesmo pobreza. Devia haver anos que não era pintada. As paredes descascavam e os beirais do telhado, daquelas telhas vidradas de outros tempo, estavam desguanecidos aqui e ali, como dentaduras decadentes ou mal cuidadas.
    Olhei um pouco o jardim e vi a pujança vingativa com que a tiririca e o carrapicho tinham expulsado os tinhorões e as begônias. Os crotons continuavam, porém, a viver com sua folhagem de cores mortiças. Bati. Custaram-me a abrir. Veio, por fim, um antigo preto africano, cujas barbas e cabelos de algodão davam à sua fisionomia uma impressão de velhice, doçura e sofrimento. Na sala, havia uma galeria de retratos: arrogantes senhores de barba em colar se perfilavam enquadrados em imensas molduras douradas, e doces perfis de senhoras, em bandós, com grandes leques, pareciam querer subir aos ares, enfunadas pelos redondos vestidos à balão; mas, daquelas velhas coisas, sobre as quais a poeira, punha mais antiguidade e respeito, a que gostei mais de ver foi um belo jarrão de porcelana da China ou da Índia, como se diz. Aquela pureza da louça, a sua fragilidade, a ingenuidade do desenho e aquele objeto tinha sido feito por mãos de criança e sonhar, para encanto dos olhos fatigados dos velhos deiludidos....
   Esperei um instante o dono da casa. Tardou um pouco. Um tanto trôpego, com um lenço de Alcobaça, na mão, tomando veneràvelmente o simonte de antanho, foi cheio de respeito que o vi chegar. Tive vontade de ir-me  embora. Mesmo se não fosse ele o discipilo, era sempre um crime mistificar aquele ancião, cuja velhice trazia à tona do meu pensamento alguma coisa de augusto, de sagrado. Hesitei, mas fiquei. - Eu sou - avancei- o professor de javanês que o senhor disse precisar.. - Sente-se - respondeu-me o velho. O senhor é daqui do Rio? - não, sou de Canavieiras - Como? - fez ele. - Fale um pouco mais alto, que sou surdo. - Sou de Canasvieira, na Bahia - isistiu eu. - Onde fez os sue estudos?- Em São Salvador. - E onde aprendeu o javanês? - Em  São Salvador. - E onde aprendeu javanês?
    Não contava com essa pergunta, mas imediatamente arquitetei uma mentira. Contei-lhe que meu pai era javanês. Tripulante de um navio mecante, viera ter à Bahia, estabelecera-se nas proximidades de Canavieiras como pescador, casara, prosperara, e fora com ele quem aprendera javanês.
       - E ele acreditou? E o físico? - perguntou meu amigo, que até então me ouvira calado.
    - Não sou- objetei - lá muito diferente de um javanês. Estes meus cabelos corridos, duros e grossos, e a minha pele basanée, podem dar-me muito bem o aspecto de um mestiço malaio...Tu sabes bem que, entre nós, há de tudo: índios, malaios, taitianos, malgaches, guaches, até gôdos. É uma comparsaria de raças e tipos de fazer inveja ao mundo inteiro.
   - Bem - fez meu amigo - continua.
   - O velho - emendei eu - ouviu-me atentamente, considerou demoradamente o meu físico, pareceu que me julgava de fato filho de malaio e perguntou-me com doçura: "Então está disposto a ensinar-me o javanês?" A resposta saiu-me sem querer: "Pois não." "O senhor há de ficar admirado - aduziu o Barão de Jacuecanga - que eu, nesta idade, ainda queira aprender qualquer coisa, mas..."
   - Não tenho que admirar.Têm-se vistos exemplos e exemplos muito fecundos.
  - O que eu quero, meu caro senhor...? - Castelo, adiantei eu. - O que eu quero, meu caro Senhor Castelo, é cumprir um juramento de família. Não sei se o senhor sabe que seu neto do Conselheiro Albernaz, aquele que acompanhou Pedro I, quando abdicou. Voltando de Londres, trouxe para aqui um livro em língua esquisita, a que tinha grande estimação. Fora um hindu ou siamês, que lhe dera, em Londres, em agradecimento a não sei que serviço prestado por meu avô. Ao morrer meu avô, chamou meu pai e lhe disse: "Filho, tenho este livro aqui, escrito em javanês. Disse-me quem mo deu que ele evita desgraças e traz felicidades para quem o tem. Eu não sei nada ao certo. Em todo o caso, guarda-o; mas, se queres que o fado que me deitou o sábio oriental  se cumpra, faze com, que teu filho o entenda, para que sempre a nosssa raça seja feliz."  - Meu pai - continuou o velho barão - não acreditou muito na história; contudo, guardou o livro. Às portas da morte, ele mo deu e disse-me o que prometera ao pai. Em começo, pouco caso fiz da história do livro. Deitei-o a um canto e fabriquei minha vida. Cheguei até a esquecer-me dele; mas, de uns tempos a esta parte, tenho passado por não desgosto, tantas desgraças sobre minha velhice,que me lembrei do talismã da família. Tenho que o o ler, que o compreender, se não quero que os meus últimos dias anunciem o desastre da minha posteridade; e, para  entendê-lo, é claro que preciso entender o javanês. Eis aí.
   Calou-se e notei que os olhos do velho se tinham orvalhado. Enxugou discretamente os olhos e perguntou-me se queria ver o tal livro, Respondi-lhe que sim. Chamou o criado, deu-lhe as instruções e explicou-me que perdera todos os filhos, sobrinhos, só lhe restando uma filha casada, cuja, porém, estava reduzida a um  filho, débil de corpo e de saúde frágil e oscilante.
   Veio o livro. . Era um velho calhamaço, um in-quarto  antigo, encadernado em couro, impresso em grandes letras, em papel amarelo e grosso, Faltava a folha do rosto e por isso não se podia ler a data da impressão. Tinha ainda umas páginas de prefácio, escrita em inglês onde li que se tratava das histórias do príncipe Fulanga, escritor em javanês de muito mérito.
   Logo informei disso o velho barão que, não percebendo que eu tinha chegado aí pelo inglês, ficou tendo em alta consideração o meu saber malaio. estive ainda folheando o cartapácio, à laia de quem sabe magistralmente aquela es´[ecie de vasconço, até que qafinal contratamos as condições de preço e de haor, comprometendo-me a fazer com que ele lesse o tal alfarrábio antes de um ano.
    Dentro em pouco dava  minha primeira lição, mas o velho não foi tão diligente quanto eu. Não conseguia aprender a distinguir e a escrever nem sequer quatro letras, Enfim, com metade doa lfabeto levamos um mês e o Senhor Barão de Jacuenga não ficou lá muito senhor da matéria: aprendia e desaprendia.
   A filha e o genro( penso que até aí nada sabaim da história do livro) vieram a ter notícia do estudo de velho; não se incomodaram. Acharam graça a julgaram a coisa boa para distraí-lo.
   Mas com o que tu vais ficar assombrado, meu caro Castro, é com a admiração que o genro  ficou tendo pelo professor de javanês. Que coisa única! Ele não se cansava de repetir: " È um assombro! Tão moço! Se eu soubesse isso, ah! onde estava!"
    O marido de D. Maria da Glória( assim se chamava a filha do barão), era desembargador, homem relacionado e poderoso; mas não se pejava em mostrar diante de todo mundo a sua admiração pelo meu javanês. Por outro lado, o barão estava contentíssimo. Ao fim de dois meses, desistira da aprendizagem e pedira-me que lhe traduzisse, um dia sim outro não, um trecho do livro encantado. Bastava entendê-lo, disse-me ele; nada se opunha que outrem o traduzisse e ele ouvisse. Assim evitava a fadiga do estudo e cumpria o encargo.
   Sabes bem que até hoje nada sei de javanês, mas compus umas hsitórias, bem tolas e impingi-las ao velhote como sendo do choronicon. Como ele ouvia aquelas bobagens! ...Ficava extático, como se estuvesse a ouvir papavras de um anjo. e eu crecia aos seus olhos!
   Fêz-me morar em sua casa, enchia-me de presentes, aumentava-me o ordenado. passava, enfim, uma vida regalada.
   Contribuiu muita para isso o fato de vir ele a receber uma herança de ums parentes esquecido que viviam em Portugual. O bom velho atribuiu a causa ao meu javanês; e eu estive quase a crê-lo também.
   Fui perdendo os remorsos; mas em todo o caso sempre tive medo que me aparecesse pela frente alguém que soubesse o tal patuá malaio. E esse meu temor foi grande quando o doce barão me mandou com uma carta ao Visconde de Caruru, para que me fizesse entrar na diplomacia. Fiz-lhe todas as objeções:  a minha fealdade, a falta de elegância, o meu aspecto tagalo. - "Qual! - retrucava ele. - Vá, menini; você sabe javanês!" - Fui. Mandou-me o visconde para a Secretaria dos Estrangeiros com diversas recomendações. Fui um sucesso.
  O diretor chamou o cchefe de sdeção: " Vejam só, um homem que sabe javanês - que portento!"
   Os chefes de seção levam-me aos oficiais e amanuenses e houve um destes que me olhou mais com ódio do que com inveja ou admiração. E todos diziam: "Então sabes javanês? É difícil! Não há quem o saiba aqui!"
   O tal amanuense, que me olhou com ódio, acudiu então: "É verdade, mas eu seu canaque. O sr. sabe?" Disse-lhe, que não e fui à presença do ministro.
   A alta autoridade levantou-se, pôs as mãos às cadeiras, concertou o pince-nez no nariz e perguntou:  " Então, sabes javanês?" Respondi-lhe que sim: e à sua pergunta onde o tinha aprendido, contei-lhe a história do pai javanês. " Bem, disse-me o mkinistro, o se. nãod eve ir para a diplomacia: o seu físico não presta...O bom seria um consulado na àsia ou Oceania. Por ora, não há vaga, mas vou fazer uam reforma e os enhor entrará. De hoje em diante, porém, fica adido ao meu ministério e quero que, para o ano para para Bale, onde via representar o Brasil no Congresso de Linguistica. Estude , leia o Hovelarque, o Max Muller, e outros!"
   Imagina tu que eu até aqui nada sabia de javanês, mas estava empregado e iria representar o Brasil em um congresso de sábios.
   O velho barão veio a morrer, passou o livro ao genro para que o fizesse chegar ao neto, quando tivesse a idade conveniente e fêz-se uma deixa no testamento.
    Pus-se com afã no estudo das línguas maléu-polinéssicas; mas não havia meio!
    Bem jantado, bem vestido, bem dormido, não tinha energia necessária para fazer entrar na cachola aquelas coisas esquisitas. Comprei livros, assinei revistas: .........., o diabo, mas nada! E a minha fama crescia. na rua os informados apontavam-me, dizendo aos outros: " Lá vai o sujeito que sabe javanês". Nas livrarias os gramáticos consultavam-me sobre a colocação de pronomes no tal jargão das ilhas de Sonda. recebia cartas dos eruditos do interior, os jornais citava o meu saber e recusei aceitar uma turma de alunos sequiosos de aprenderem o tal javanês. a convite de redação, Escrevi, no Jornal do Comércio um artigo de quatro colunas sobre a literatura javanesa, antiga e moderna...
   - Como se tu nada sabias ? - interrompeu-me o atento Castro.
   - Muito simplemente: primeiramente, descrevi a ilha de Java, com o auxílio de dicionários e uma poucas de geografia, e depois citei a mais  não poder.
   - E nunca duvidaram? - prtguntou-me ainda o meu amigo.
  - Nunca. Isto é, uma vez quase ficou perdido. A polícia prendeu um sujeito, um marujo um tipo bronzeado que só falava uma língua esquisita. Chamaram diversos intérpretes, ninguem o entendia. Fui também chamado, com todos os respeitosos que a minha sabedoria merecia, naturalmente. Demorei-me em ir, mas fui afinal. O homem já estava solto, graças à intervenção do cônsul holandês, a quem ele se fez comprender com meia dúzia de palavras holandesas. e o tal marujo era javanês -uf!
   Chegou, enfim, a época do Congresso e às sessões preparatórias. Assisti à inauguração e às sessões preparatórias. Inscreveram-me na secção do tupi-guarani e eu abalei para Paris. Antes, porém, fiz publicar no Mensageiro de Bále o meu retrato, notas bibliograficas e bibliografias. Quando voltei o presidente me pediu desculpas por ter-me dado aquela secção, Não vonhecia os meu trabalhos e julgara que, por ser eu americano-brasileiro, me estava naturalmente indicada a secção do tupi-guarani. Aceitei as explicações e até hoje ainda não pude escrever as minha obras sobre o javanês, para lhe mandar, confome prometi.
   Acabado o Congresso, fiz publicar extratos do artigo do Mensageiro de Bále,
em Berlim, em Turim e Paris, onde os leitores de minhas obras me ofereceram um banquete, presidido pelo Senador Gorot. Custou-me, toda essa brincadeira, inclusive o banquete que me foi oferecido, cerca de dez mil francos, quse toda  herança do crédulo e bom Barão de Jacuecanga.
   Não perdi tempo nem meu dinheiro. Passei a ser uma glória nacional e, ao saltar no cais. Pharoux, recebi uma ovação de todas as classe sociais e o presidente da República, dias depois, convidou-me para almoçar em sua companhia.
  Dentro de seis anos fui despachado cônsul em Havana,onde estive seis anos  e para onde voltarei, a fim de aperfeiçoar os meus estudo das linguas da Malaia Melanésia e Polinésia.
   - É fantástico - observou Castro, agarrando ao copo de cerveja.
   - Olha?:se não fosse estar contente, sabes que ia ser?
   - Que?
  - Bacterologista eninente. Vamos?
   - Vamos.

FIM



1Capiscasse

           
1. Perceber; compreender.

Calunga (kalunga) é o nome atribuído a descendentes de africanos escravizados fugidos e libertos das minas de ouro do Brasil central que formaram comunidades autossuficientes e que viveram mais de duzentos anos isolados em regiões remotas próximas à Chapada dos Veadeiros, no atual estado de Goiás, no Brasil.




Significado de anosas. O que é anosas: Flexão de anoso. Que existem há longos anos, são velhas, antigas.


Significado de Enfunado. adjetivo Cheio de vento. Inchado. [Figurado] Envaidecido, orgulhoso.




segunda-feira, 9 de março de 2020

JÚLIA lOPES DE ALMEIDA - A CAOLHA - CONTOS ANTIGOS

 A  caolha era uma mulher magra, alta, macilenta, peito fundo, busto arqueado, braços compridos, delgados, largos nos cotovelos, grossos nos pulsos; mãos grandes, ossudas, estragadas pelo reumatismo e pelo trabalho; unhas grossas, chatas e cinzentas, cabelo crespo, de uma cor indecisa entre o branco e sujo e o louro grisalho, desse cabelo cujo contacto parece dever ser áspero e espinhiento; boca descaída, numa expressão de desprezo, pescoço longo, engelhado, como o pescoço dos urubus; dentes falhos e cariados.
    O seu aspecto infundia terror às crianças e repulsão aos adultos; não tanto pela sua altura e extraordinária magreza, mas porque a desgraçada tinha um defeito horrível: haviam-lhe extraído o olho esquerdo; a pálpebra descera mirrada, deixando, contudo, junto ao lacrimal, uma fisura continuamente porejante.
   Morava numa casa pequena, paga pelo filho único, operário numa oficna de alfaiate; ela lavava a roupa para os hospitais e dava conta de todo o serviço da casa inclusive cozinha. O filho, enquanto era pequeno, comia os pobres jantares feitos por ela, às vezes até no mesmo prato; à proporção que ia crescendo, ia-se-lhe a pouco e pouco manifestando na fisionomia a repugnância por essa comida; até que um dia, tendo já um ordenadozinho, desclarou à mãe que, por conveniência do negócio, passava a comer fora...
  Ela finguiu não perceber a verdade, e resignou-se.
      Daquele filho vinha-lhe todo o bem e todo o mal.
     Que lhe importava o desprezo dos outros, se o seu adorado lhe apagasse com um beijo todas as amarguras da existência?
   Um beijo dele era melhor que um dia de sol era a suprema carícia para seu triste coração de mãe! Mas...os beijos foram escasseando também, com o crescimento do Antonico! Em criança ele apertava-a nos bracinhos e encha-lhe a cara de beijos; depois, passou a beijá-la só na face direita, aquela onde não havia vestígios de doença; agora, limitava-se a beijar-lhe a mão!
   Ela conpreendia tudo e calava-se.
   O filho nao sofria menos.
   Quando criança entrou para escola pública da freguesia começaram logo os colegas, que o vinha ir e vir com a mãe, chamá-lo - filho da caolha.
   Aquilo exasperava-o; respondia sempre:
   - Eu tenho nome!
  Os outros riam-se e chacoteavam-no; ele queixava-se aos mestres, os mestres ralhavam com os discípulos, chegavam mesmo a castigá-los - mas a alcunha pegou. Já não era só na escola que o chamavam assim.
   Na rua, muitas vezes, ele ouvia de uma ou de outra janela dizerem: o filho da caolha! Lá vai o filho da caolha! Lá vem o filho da caolha!
    Eram as irmãs dos colegas, meninas novas, inocentes e que, industriadas pelos irmãos, feriam o coração do pobre Antonico cada vez que o viam passar!
   As quitandeiras, onde iam comprar as goiabas ou as bananas para o lunch, aprenderam depressa a denominá-lo como os outros, e, muitas vezes, afastando os pequenos que se aglomeravam ao redor delas, diziam, estendendo uma mancheia de araçás, com piedade e simpatia:
   - Taí, isso é pra o filho da caolha!
    O Antonio preferia não receber o presente a ouvi-lo acompanhar de tais palavras; tanto mais que os outros, com inveja, rompiam a gritar, cantando em coro, num estribilho já combinado:
   - Filho da caolha, filho da caolha!
   O Antonio pediu à mãe que o não fosse buscar à escola; e, muito vermelho, contou-lhe a causa; sempre que o viam aparecer à porta do colégio os companheiros murmuravam injúrias, piscavam os olhos para o Antonico e faziam caretas de náuseas!
   A caolha suspirou e nunca mais foi buscar o filho.
   As onze anos o Antonio pediu para sair da escola: levava a brigar como os condiscípulos, que o intrigavam e maoqueriam. pediu para entrar para uma oficina de marceneiro. Mas na oficina de marceneiro aprederam depressa a chamá-lo - o filho da caolha, a humilhá-lo, como no colégio.
   Além de tudo, o serviço era pesado ele começou a ter vertigens e desmaios. Arrajou então um lugar de caxiero de venda;  embora, tanto que a rapaziada ia-lhe dando cabo do feijão e do arroz expostos à porta nos sacos abertos! Era uma continua saraivada de cereias sobre o pobre Antonico!
   Depois disso passou um tempo em casa, ocioso, magro, amarelo, deitado pelos cantos, dormindo às moscas, sempre zangado e sempre bocejante! Evitava sair de dia e nunca, mas nunca, acompanhava a mãe; esta poupoava-o: tinha medo de que o rapaz, num dos desmaios, lhe morresse nos braços, e por isso nem se quer o repreendia! Aos dezesseis anos, vendo-o mais forte, pediu e obteve-lhe, a caolha, um lugar numa oficina de alfaiate. A infeliz mulher contou ao mestre toda a história do filho que suplicou-lhe que não deixasse os aprendizes humilhá-lo que os fizesse terem caridade!
   Antonico encontrou na oficina uma certa reserva e silêncio da parte dos companheiros; quando o mestre dizia: Sr. Antonio, ele percebia um sorriso mal oculto nos lábios dos oficais; mas a pouco e pouco essa suspeita, ou esse sorriso. se foi desvanecendo, até que principiou a sentir-se bem ali.
   Decorreram alguns anos e chegou a vez de Antonio se apaixonar. Até aí, numa ou outra pretensão de namoro que ele tivera, encontrara sempre uma resistência que o desanimava, e que o fazia retroceder sem grandes mágoas. Agora, porém, a coisa era diversa: ele amava! amava como um louco a linda moreninha da esquina fronteira, uma rapariginha adorável, de olhos negros como veludo e boca fresca como um botão de rosa. O Antonio voltou a ser assíduo em casa e expandia-se mais carinhosamente com a mãe; um dia em que os olhos da morena fixarem o seus, entrou como um louco no quarto da caolha e brijo-a mesmo na face esquerda num transbordamento de esquecida terenura!
   Aquele beijo foi para a infeliz uma inundação de júbilo! tornara a encontrar o seu querido filho! pôs-se a cantar toda a tarde, e nessa noite, ao adormecer, dizia consigo:
      - Sou muito feliz....o meu filho é um anjo?
   Entretanto, o Antonilo escrevia, num papael fino, a sua declaração de amor à vizinha. No dia seguinte mandou-lhe a carta. A reposta fês-se esperar. Durante muitos dias Antonico perdia-se em amarguradas conjeturas.
   Ao princípio pensava:
   - "É o pudor". Depois começou a desconfiar de outra causa; por fim recebeu uma carta em que a bela moreninha confessava consentir em ser sua mulher, se ele se separasse comletamente da mãe! Vinham explicações confusas, mal alinhavadas: lembrava a mudança de bairro; ele ali era muito conhecido por filho da caolha, e bem compreendia que ela não se poderia sujeitar a ser alcunhada em breve de - nora da caolha, ou coissa semelhante!
   O Antonio chorou!" Não podia crer que a sua casta e gentil moreninha tivesse pensamentos tão práticos!
   Depois o seu rancor voltou-se a mãe.
   Ela era a causadora de toda a sua desgraça! Aquela mulher pertubara a sua infância, quebrara-lhe todas as carreiras, e agora o seu mais brilhante sonho de futuro sumia-se diante dela! Lamentava-se por ter nascido  mulher tão feia, e resolveu procurar meio de separar-se dela; considera-se-ia humilhado continuando sob o mesmo teto; havia de protegê-la de longe, vindo de vez em quando vê-la à noite, furtivamente....
   Salvara assim a respondsabilidade do protetor e, ao mesmo tempo, consagraria à sua amada a felicidade que lhe devia em troca do seu consentimento e amor;....
    Passou um dia terrível; à noite, voltando para casa levava o seu projeto e a decisão de o expor à mãe.
   A  velha, agachada  à porta do quintal, lavava umas panelas com um trapo engordurado. O Antonio pensou:"A dizer a verdade eu havia de sujeitar minha mulher a viver em companhia de ....uma tal criatura?" Estas úlitmas palavra foram arrastadas pelo seu espírito com verdadeira dor. A caolha levantou para ele o rosto, e o Antonico, vendo-lhe o pus na face,  disse:
   - Limpa a cara, mãe...
  Ela sumiu a cabeça no avental; ele continuou:
    - Afinal, nunca me explicou bem a que é devido esse defeito!
    - Foi um doença, - respondeu sufocadamente a mãe - é melhor não lembrar isso!
   - E é sempre  a sua resposta: é melhor não lembrar isso! Por quê?
   - Porque não vale a pena; nada se remedeia....
   - Bem! agora escute: trago-lhe uma novidade: o patrão exige que eu vá dormir na vizinhança da loja... já aluguei um quarto: a senhora fica aqui e eu virei todos os dias saber da sua saúde ou se tem necessidade alguma coisa... É por força maior; não temos remédio senão sujeitar-nos!
   Ele. magrinho curvado pelo hábito de costurar sobre os joelhos, delgado e amarelo como todos os rapazes criados à sombra das oficinas, onde o trabalho começa cedo e o serão acaba tarde, tinha lançado naquelas palavras toda a sua energia, e espreitava agora a mãe com um olho desconfiado e medroso.
   A caolha levantou-se,e, fixando o filho com uma expressão terrível, respondeu com doloroso desdém:
   - Embusteiro! o que você tem é vergonha de ser meu filho! Saia! que eu tembém já sinto vergonha de ser mãe de semelhante ingrato!
  O rapaz saiu cabisbaixo, humilde, surpreso da atitude que assumira a mãe, até então sempre paciente e cordata; ia com medo, maquinalmente, obedecendo à ordem que tão feroz e imperativamente lhe dera a caolha.
   Ela acompanhou-o, fechou com estrondo a porta, e vendo-se só, encostou-se cambaleante à parede do corredor e dasabou em soluços.
   O Antonica o passou uma tarde e uma noite de angústia.
   Na manhã seguinte o seu primeiro desejo foi voltar à casa; mas não teve coragem; via o rosto colérico da mãe, faces contraídas, lábios adelgaçados pelo ódio, narinas dilatadas, o olho direito saliente, a penetrar-lhe até o fundo do coração, o olho esquerdo arrepanhado, murcho - sujo de pus; via a sua titude altiva, o seu dedo ossudo, de falanges salientes, apontado-lhe com energia a porta da rua; sentia-lhe ainda o som cavernoso da voz, e o seu grande fôlego que ela tomara para dizer as verdadeiras e amargas palavras que lhe atirara no rosto; via toda a cena da véspera e não se animava a arrostar com o perigo de outra semelhante.
   Providencialmente, lembrou-se  da madrinha, única amiga da caolha, mas que, entretanto, raramente a procurava.
   Foi pedir-lhe que intervisse, e contou-lhe sinceramente tudo que houvera.
   A madrinha escutou-o comovida; depois disse:
   - Eu previa isso mesmo, quando aconselhava tua mãe a que te dissesse a verdade inteira; ela não quis, aí está!
   - Que verdade, madrinha?
   - Hei de dizer-ta perto dela; anda, vamos lá!
   Encontraram a caolha a tirar umas nódoas do fraque do filho - queria mandar-lhe a roupa limpinha. A infeliz arrependera-se das palavras que dissera e tinha passado toda a noite à janela, esperando que o Antonico voltasse ou passasse apenas...Via o porvir negro e vazio e já se queixava de si! Quando a amiga e o filho entraram, ela ficou imóvel: a surpresa e a alegria amarram-lhe toda a ação.
   A madrinha do Antonico começou logo:
   - O teu rapaz foi suplicar-me que te viesse pedir perdão pelo que houve aqui ontem e eu aproveito a ocasião para, à tua vista, contar-lhe o que já deverias ter-lhe dito!"
   - Cala-te! - murmuraou com voz apagada a caolha.
   - Não me calo! Essa pieguice é que te tem prejudicado! olha! rapaz, quem cegou tua mãe foste tuu!
   O afilhado tornou-se lÍvido; e ele concluio:
   - Ah, não tiveste culpa! era muito pequeno quando um dia, ao almoço, levantaste na mãozinha um garfo; ela estava distraída, e antes que eu pudesse evitar a catástrofe, tu enterraste-lho pelo olho esquerdo! Ainda tenho no ouvido o grito de dor que ela deu!
   O Antonico caía pesadamente de bruços, com um desmaio: a mãe acercou-se rapidemente dele, murmurando trêmula:
   - Pobre filho! vês? era por isto que eu não lhe queria dizer nada!

   (ÂNSIA ETERNA)




adjetivo de dois gêneros e dois números
  1. 1.
    em que há pieguice, sentimentalismo extremo.
    "filme p."
  2. 2.
    adjetivo e substantivo de dois gêneros e dois números
    que ou quem é ridiculamente sentimental.