quinta-feira, 5 de maio de 2016

O IRMÃO SUJO DO DIABO - CONTOS DE GRIMM

Um soldado que dera baixa do serviço militar não tinha com que viver nem descobria como dar um jeito na vida. Até que, andando um dia pela floresta, encontrou um anão que não era outro senão o diabo, Disse-lhe o homenzinho:
     - Que há contigo, que estás  tão triste?
     E o soldado lhe respondeu:
    - Estou com fome e sem dinheiro.
    - Se quiseres me servir e ser meu criado - propôs o diabo, - jamais te faltará qualquer coisa. Sete anos durará teu serviço, depois estarás livre. Mas de uma coisa te previno: ficas proibido de lavar-te, pentear-te e de assoar o nariz; não cortarás as unhas nem o cabelo e, além disso, não limparás teus olhos.
     - Vá lá que seja, se não há outro remédio! - respondeu o soldado.
     E partiu com o anão, que o levou, diretamente, ao inferno. Lá chegados, deu-lhe instruções sobre seu trabalho: avivar o fogo debaixo das caldeiras em que eram fervidos os condenados; manter a casa limpa; deitar o lixo fora e conservar tudo bem arrumado. Recomendou-lhe que não se atrevesse a olhar, uma só vez, para dentro das caldeiras; se o fizesse, o azar  seria dele.
   - Está bem; cuidarei de tudo, - garantiu o soldado.
    O velho diabo partiu em viagem e o soldado começou seu trabalho. Atiçou o fogo, varreu e levou o lixo para fora da porta. Numa palavra, fez tudo o que o patrão lhe ordenara. De regresso, o diabo foi ver se as coisas tinham sido feitas direitinho. Declarou-se satisfeito e partiu pela segunda vez. O soldado lançou um olhar em redor. Ali estavam as caldeiras,cozinhando e borbulhando, dispostas em circulo, cada qual com um fogo enorme embaixo. Sentiu um desejo louco de ver o que havia  nelas. Ah, se não fosse a proibição do diabo! Por fim, não podendo mais resistir, levantou um pouquinho a tampa da primeira caldeira e deu uma espiada. dentro estava fervendo o seu antigo sargento.
     - Ah! Estás aí, hein? Antes eu é quem estava em tuas mãos, agora tu estás nas minhas!
     Soltou a tampa, rapidamente, atiçou bem o fogo e lhe deitou mais lenha. Passou depois à caldeira seguinte, Levantou a tampa e viu que continha o seu alferes.
    Ah! Estás aí, heim? Antes, eu estava em tuas mãos, agora és tu que estás nas minhas! - E, empunhando o fole, se  pôs a atiçar o fogo até que se elevasse em grandes labaredas.
    Deste modo cumpriu os sete anos de serviço no inferno, sem lavar-se nem pentear-se; sem cortar cabelos nem unhas e sem limpar os olhos; e aqueles sete anos lhe pareceram tão curtos como se houvesse transcorrido, apenas, a metade de um.
   Terminado o prazo, veio o diabo e lhe disse:
    - Bem,  João. Que fizeste?
     - Avivei o fogo debaixo das caldeiras, varri e levei o lixo para fora da porta.
    E eu sei que também espiaste o que havia nas caldeiras. Tua sorte foi teres posto mais lenha no fogo; do contrário estarias perdido. terminou teu tempo. Queres voltar  voltar para casa?
   - Sim. Gostaria de ver meu pai.
    - Como pagamento de teus serviços,enche a mochila com lixo e leva-o para casa. Mas tens de partir sem tomar banho nem te penteares, com cabelos e barba grandes, de unhas compridas e olhos remelentos. E quando te perguntarem de onde vens, responderás: " Do inferno"; e se quiserem saber quem és, dirás:" O irmão sujo do diabo, que é também o meu rei."
     O soldado escutou-o em silêncio e fez o que lhe disse, embora não estivesse nada satisfeito de receber apenas lixo como pagamento.
     Mal havia chegado à floresta, tirou a mochila do ombro para entornar seu conteúdo. Mas, ao abri-la, viu que o lixo se havia convertido em outro puro.
     - Não esperava isso! - exclamou - e, muito satisfeito da vida, encaminhou-se a passos largos para a cidade.
    À frente da hospedaria estava o dono que, ao vê-lo aproximar-se, levou um susto deste tamanho, pois o aspecto de João era mesmo horrível, muito pior que um espantalho.
     - De onde vens? - perguntou-lhe.
     - Do inferno.
     - Quem és?
     - O irmão sujo do diabo, que é também meu rei!
     O hospedeiro não quis recebê-lo, mas, ao ver o mundão de ouro que trazia, correu para abrir-lhe a porta, pessoalmente. João pediu o melhor quarto que havia e mandou que lhe servissem do bom e do melhor. Comeu e bebeu, mas não tomou banho nem nada, como lhe ordenara o diabo. Por fim deitou-se a dormir.
     Mas o hospedeiro não parava de pensar na mochila atulhada de ouro e não sossegou até que, no escuro da noite, entrou pé ante pé no quarto e a roubou.
     Na manhã seguinte, quando João se levantou e quis pagar a conta para seguir caminho, a mochila havia desaparecido. João não perdeu tempo em lamentações. "Não tenho culpa do que me aconteceu" - pensou e, dando volta, foi direitinho até o inferno. Ali, explicou seu infortúnio ao velho diabo e pediu que o ajudasse.
     - Senta-te aí - disse o diabo - que vou te lavar e assoar esse teu nariz; e também cortar teus cabelos e unhas e limpar teus olhos.
     Fez isso, o diabo voltou a encher-lhe outra mochila e falou:
    - Vai dizer ao hospedeiro que te devolva o o ouro, senão irei buscá-lo e ele terá de substituir-te no trabalho de atiçar o fogo do inferno.
     João saiu e voltou à hospedaria, onde disse ao dono:
    - Roubaste o meu ouro. Devolve-o ou irás para o inferno ocupar meu posto e ficar do jeito medonho que eu tinha.
     Cheio de medo, o hospedeiro devolveu-lhe o ouro e mais outro tanto, suplicando que não o denunciasse. João partiu e era, agora, um homem muito rico.
     A caminho da casa de seu pai, comprou para si uma roupa de pano ordinário, para disfarçar, e, enquanto ia andando, entretinha-se tocando música. Aprendera essa arte no inferno, com o diabo. E encantava a todos os que ouviam. Tanto assim que o rei do seu país, que era velho e vivia muito aborrecido, mandou chamá-lo para que tocasse para ele. E de tal modo lhe agradou a sua música que lhe ofereceu a mão de sua filha mais velha. Mas a princesa, quando viu que deveria casar-se com um indivíduo de classe tão baixa, exclamou: " Prefiro atirar-me no poço, mais fundo!"
    O rei deu-lhe, então, a filha mais moça, que o aceitou por amor a seu pai. E, deste modo, o irmão sujo do diabo casou-se com uma princesinha e, ao morrer o velho rei, herdou o trono. FIM




Alferes - é um posto ou graduação militar existente nas forças armadas de alguns países.patente de oficial abaixo de tenente (no Brasil, a designação foi substituída pela de segundo-tenente).

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