quinta-feira, 26 de maio de 2016

O CAÇADOR PROFISSIONAL - CONTOS DE GRIMM

  Era uma vez um rapazinho que tinha aprendido o ofício de serralheiro. Certo dia falou ao pai que desejava correr mundo para tentar a sorte.
   - Está bem, - concordou o velho, e deu-lhe um pouco de dinheiro para a viagem. O rapaz partiu em busca de trabalho mas, passando algum tempo, cansou-se da profissão e teve vontade de variar. Numa de suas andanças encontrou um caçador com seu traje verde, que lhe perguntou de onde vinha e para onde ia. O rapaz contou-lhe que era serralheiro, mas que isso já não lhe agradava como no princípio; gostaria de ser caçador e pediu que  o tomasse como aprendiz.
     - Se quiseres acompanhar-me, com muito prazer, - disse o homem.
     O rapaz trabalhou muitos anos a seu lado, aprendendo a arte de caçar. O mestre deu-lhe em pagamento apenas uma espingarda. parece pouco? Mas acontece que aquela arma tinha a qualidade de nunca errar um tiro. Assim, o jovem partiu sozinho, até que chegou a uma floresta muito grande que não podia ser atravessada num dia só. Ao anoitecer, trepou numa árvore alta, para que as feras não pudessem atacá-lo. perto da meia-noite, pareceu-lhe ver brilhar, ao longe, uma luzinha através das ramagens. Para orientar-se, prestou bem atenção. Resolveu descer. Mas antes, tirou o chapéu e seguiu avançando em linha reta. À medida que andava, a luz ia se tornando mais forte, quando chegou perto, viu que se tratava de uma fogueira, junto à qual três gigantes estavam sentados, assando um boi no espeto. Dizia um deles:
     - Vou provar a carne para ver se já está boa,- e arrancou um naco, que se dispôs a levar à boca.
     Nisto, o caçador, com um tiro, fez saltar a carne de sua mão.
    - Ora essa! - exclamou o gigante. - O vento levou meu pedaço de carne! - E serviu-se de novo. Mas, no momento em que levava outro naco à boca, o caçador o arrancou com um tiro certeiro. Irritado, o gigante deu uma bofetada no que estava a seu lado, dizendo-lhe:
     - Por que me tiraste meu pedaço de carne?
     - Não tirei coisa alguma, - replicou o outro. - Com certeza foi algum bom atirador.
     O gigante apanhou um terceiro pedaço, mas não conseguiu ficar com ele; o caçador o arrebatou de suas mãos com um tiro. Disseram, então, os gigantes:
     - Puxa! Dever ser um atirador extraordinário, capaz até de arrancar, a tiros, a comida da boca dos outros. Um sujeito assim é que nos servia. - E gritaram: - Aproxima-te, caçador, senta-te junto ao fogo e regala-te que não te faremos mal. Mas, se não vieres e nós te apanharmos, tu estarás perdido.
     O rapaz, então, aproximou-se, dizendo-lhes que era caçador profissional e que sua arma acertava sempre o alvo. Os gigantes logo o convidaram para que os acompanhasse. Disseram-lhe que seria bem tratado e contaram-lhe que, à saída do bosque, havia um rio muito grande e que na outra margem se erguia uma torre, onde morava uma bela princesa que eles, os três gigantes, tencionavam raptar.
    - De pleno acordo, - respondeu o caçador. - Isso é muito fácil.
     Mas os gigantes não achavam tão fácil assim.
     - Há uma coisa que deve ser levada em conta,- disseram eles. - Existe ali um cachorro que se põe a ladrar e desperta toda a corte quando alguém se aproxima. Por essa razão, ainda não conseguimos entrar lá. serás capaz de matar o diabo desse animal?
     - Claro! - respondeu  o caçador. - É brinquedo de criança.
     Em seguida tomou um barco e atravessou o rio. logo que chegou à terra, o cãozinho veio na sua direção, mas, antes que começasse a latir, ele o derrubou com um tiro. Vendo isso, os gigantes se alegraram, imaginando que já eram donos da princesa. Mas o rapaz quis ver primeiro como estavam as coisas e lhes disse que ficassem do lado de fora até que ele os chamasse. Entrou no palácio onde reinava profundo silêncio, pois todos dormiam. Abrindo a porta da primeira sala, viu um sabre pendurado na parede, todo de prata, com uma estrela gravada e o nome do rei. Ao lado, sobre uma mesa, havia uma carta lacrada. Abriu-a e leu  que quem dispusesse daquele sabre poderia tirar a vida a qualquer ente vivo, quando bem quisesse. Desprendeu a arma da parede e a colocou à cinta. Seguindo adiante, chegou a um quarto onde estava dormindo a princesa. A moça era lindíssima e ele ficou a contemplá-la, como que petrificado. Pensou consigo: "Como permitirei que essa moça inocente caia em poder de uns gigantes bárbaros, cheios de más intenções! " Olhando em redor, descobriu, embaixo da cama, um par de chinelinhos. O pé direito tinha bordado o nome do rei e uma estrela, e o pé esquerdo o da princesa, também, com uma estrela. A moça trazia no pescoço um lenço de seda, com os nomes, em letras bordadas a ouro, do rei e o seu, à direita e esquerda respectivamente. O caçador apanhou uma tesoura e cortou a ponta direita do lenço, que meteu na sua mochila: depois pegou o chinelo do pé direito com o nome do rei e o pôs ali também. a princesa continuava dormindo, tranquilamente. O rapaz cortou dali um pedacinho da fazenda, que juntou aos outros objetos, com todo cuidado, para não despertá-la e, ao chegar à porta, encontrou os gigantes, que o esperavam, certos de ele já vinha trazendo a princesa. Disse-lhes que entrassem, que ela já estava em seu poder, só não poderia abrir-lhes a porta; teriam de se introduzir por um subterrâneo que havia ali. Quando o primeiro apareceu na abertura, o caçador agarrou-o pelos cabelos e lhe cortou a cabeça num golpe só: depois puxou o corpo para dentro. Em seguida chamou o segundo e repetiu a façanha. Fez o mesmo com o terceiro e sentiu-se feliz por ter podido salvar a jovem de seus inimigos. Finalmente, cortou a língua dos três gigantes e as guardou na mochila. " Voltarei para casa e contarei a meu pai o que fiz," - pensou ele. - "Depois vou correr mundo e estou certo de encontrar a felicidade."
      Ao despertar o rei do palácio, viu os corpos dos três gigantes degolados. Dirigiu-se ao quarto de sua filha, acordou-a e lhe perguntou quem teria dado morte àqueles monstros.
    - Não sei, meu pai, - respondeu ela. - Dormi a noite inteira.
    Saltou da cama e, quando ia calçar os chinelos, notou que o pé direito desaparecera. Percebeu, também, que fora cortada uma ponta de seu lenço e que faltava um pedacinho de sua camisa. O rei mandou reunir toda a Corte, inclusive os soldados do palácio, e perguntou quem havia salvo sua filha, matando os gigantes.
     Entre os soldados, havia um capitão, que era homem muito feio e, além disso, caolho. Este adiantou-se e afirmou ser ele o autor da façanha. Declarou, então, o velho rei que, em pagamento do seu heroísmo, se casaria com a princesa. A moça, porém, disse, horrorizada:
    - Meu pai, em vez de casar com esse homem, prefiro sair a vagar pelo mundo até onde as pernas puderem aguentar.
   A  moça tirou seus vestidos luxuoso, foi à casa do oleiro e lhe pediu, a crédito, certa quantidade de objetos de barro, prometendo pagá-los naquela mesma noite, se conseguisse vender. O rei determinou que ela se instalasse em uma esquina e depois ordenou a alguns camponeses que passassem com suas carroças por cima de sua mercadoria e a reduzissem a cacos. E, assim, quando a  princesa estava expondo seus artigos na rua, chegaram as carroças e reduziram tudo a mil pedaços. A jovem rompeu em prantos, exclamando:
     - Meu Deus, como pagarei, agora , ao oleiro?
     O rei mandara fazer aquilo tudo para obrigar sua filha a aceitar o capitão. Em vez disso, a princesa procurou, de novo, o dono da mercadoria e pediu que lhe fiasse outra partida. O homem negou-se, dizendo que pagasse, antes, a primeira. A moça recorreu, então, a seu pai, e, entre gritos e lágrimas, disse-lhe que queria sair pelo, mundo afora. Respondeu-lhe o rei:
    - Mandarei construir para ti uma casinha na floresta e nela passarás a tua vida cozinhando  para todos os viajante, mas sem aceitar dinheiro de ninguém.
    Pronta a casinha, penduraram à porta uma tabuleta, onde se lia: " Hoje grátis, amanhã pagando."
    Por muito tempo a princesa viveu ali e correu a notícia de que na floresta vivia uma linda moça que cozinhava de graça, segundo anunciava uma tabuleta pendurada à porta. A coisa chegou aos ouvidos do nosso caçador, que pensou: "  Isso me convém, pois sou pobre, não tenho dinheiro."
    Apanhou a espingarda e a mochila onde continuava guardando o que levara do palácio e encaminhou-se para o bosque. Não tardou em descobrir a casinha com letreiro: "Hoje grátis, amanhã pagando." Levava à cintura o sabre com que cortara a cabeça dos gigantes e assim entrou na casa e pediu a comida. Ficou encantando com o aspecto da moça, que era mesmo muito linda, e quando ela lhe perguntou de onde vinha e para onde ia, respondeu-lhe o caçador.
      - Ando viajando pelo mundo.
       A moça, depois, indagou de onde tirara aquele sabre que tinha gravado o nome de seu pai, e o caçador, por sua vez, quis saber se era a filha do rei.
     - Sim, - confirmou a princesa.
     - Pois com  este sabre - falou, então, o caçador- cortei a cabeça a três gigantes - e, como prova, tirou da mochila as três línguas; depois mostrou-lhe o chinelo, o canto do lenço e o pedaço da camisa. Diante disso, a princesinha, louca de alegria, disse-lhe que era ele o seu salvador. Juntos foram ao palácio do velho rei, onde ela contou ao pai que o caçador era o homem que a salvara dos gigantes. O rei quando viu as provas, não pode mais duvidar e, depois de saber como tudo havia acontecido, disse muito se alegrava e que concedia ao jovem a mão de sua filha. A princesa então, mandou que o vestissem como se fosse um nobre estrangeiro e o rei organizou um banquete, Na mesa dispuseram os lugares de modo que o capitão ficasse à esquerda da princesa e o caçador à sua direita. O homem estava convencido de que se tratava de algum forasteiro que viera em visita ao palácio.
    Depois de terem comido e bebido, o velho rei disse ao capitão que queria apresentar-lhe um caso para resolver, Se um indivíduo, que afirmava haver dado morte a três gigantes, tivesse de declarar onde estavam as línguas de suas vítimas, que diria ao verificar que não se encontravam nas respectivas bocas? Respondeu-lhe o capitão:
    - Pois, de certo, não tinham línguas.
    - Isso não é possível, - replicou o rei. - Até os animais tem língua.
     Depois, perguntou-lhe o que merecia aquele que o enganasse. E a isso o capitão retrucou:
    - Merece ser esquartejado!
Disse, então, o rei, que acabava de pronunciar, ele mesmo, a sua sentença e, assim, o homem foi detido e logo esquartejado, enquanto a princesa se casava com o caçador. Este mandou vir seus pais, que viveram felizes ao lado do filho. Após a morte do rei, o jovem herdou o reinado inteiro. FIM

     

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