quinta-feira, 19 de maio de 2016

O ALFAIATE INTELIGENTE - CONTOS DE GRIMM

    Era uma vez uma princesa muito orgulhosa. Quando lhe aparecia algum pretendente, dava-lhe um enigma para adivinhar e, se o coitado não acertasse, mandava-o embora, enquanto ela ria, divertida. Fizera apregoar que se casaria com aquele que descobrisse a primeira adivinha que ela apresentasse, fosse ele quem fosse.
     Um dia, três alfaiates se reuniram para ir ao palácio. Os dois mais velhos diziam que, tendo já acertado na sua profissão, tantos pontos difíceis, haveriam, também de acertar o problema. O terceiro, entretanto, era um cabeça de vento que não servia para nada; nem ao menos entendia de sua profissão. Confiava, porém, na sorte. Pois em que outra coisa poderia, mesmo, confiar?
     - Será melhor que fiques em casa, - disseram-lhe os outros dois. - Não arranjarás nada com a tua patetice.
    Mas o alfaiatezinho não se deixou perturbar e respondeu que metera na cabeça tentar a sorte e que , de qualquer modo, se arranjaria. partiu com ele, somo se o mundo inteiro lhe pertencesse.
  Os três se apresentaram à princesa e pediram que  lhe desse seu enigma. Disseram-lhe ser os homens indicados, de fina inteligência, tão fina que era capaz até de passar pelo buraco de uma agulha.
      A princesa, então, lhes disse:
     - Esta linda coifa sempre me cobre todo o penteado. Mas, para ajudar a vocês, adianto que tenho, na cabeça, cabelo de duas cores. Quais são elas?
      - Se é isso, - respondeu o primeiro, - digo que é preto e branco como o pano a que chamam sal e pimenta.
       - Não acertaste, - retrucou a princesa. - Que adivinhe o segundo.
       - Se não é preto e branco, - disse o outro, - deve ser castanho e vermelho como o traje de festas de meu pai.
     - Muito menos! -  exclamou a princesa. - Que responda o terceiro. Este, sim, tem jeito de quem sabe..
       Adiantando-se corajosamente, disse-lhe o alfaiatezinho:
      - A princesa tem o cabelo de prata e de ouro; e estas são as duas cores.
      Quando a princesa ouviu estas palavras, empalideceu e quase desmaiou, pois seus cabelos  eram de um loiro prateado, coisa tão linda mas tão rara que era difícil de adivinhar.
     Refazendo-se do choque, ela disse:
    - Ainda não venceste, pois terás de fazer outra coisa. Embaixo, no estábulo, há um urso. passarás a noite com ele e se amanhã, quando eu me levantar, ainda estiveres vivo, eu me casarei contigo.
     Desse modo pensava livrar-se do alfaiate, pois ainda ninguém dos que tinham caído nas garras do urso havia saído delas com vida. O nosso homenzinho, porém, não se amedrontou e disse alegremente:
     - Quem não arrisca, não petisca!
     Ao anoitecer, o alfaiatezinho foi conduzido ao estábulo do urso. O animal, imediatamente, quis atacá-lo, para dar-lhe as boas-vindas com as suas garras.
     - Devagar, devagar! - exclamou o alfaiate. - Logo te acalmarei!
     E muito tranquilamente, como se nada o preocupasse, tirou do bolso umas nozes, que partiu com os dentes e começou a comer. Vendo isso, o urso também ficou com vontade de comer nozes e o alfaiatezinho enfiou a mão no bolso e lhe ofereceu um punhado; só que não eram nozes e sim pedrinhas. O urso as meteu na boca e, por mais que mastigasse, não pode quebrá-las. "Ora essa!" - pensou - "Que tipo mais desajeitado sou eu que nem ao menos consigo quebrar umas nozes!" e, dirigindo-se ao alfaiate, disse:
     - Quebra essas nozes para mim.
     - Por aí podes ver como és formidável! - respondeu o alfaiatezinho. - Tens uma boca tão grande e nem ao menos és capaz de partir uma noz.
     Apanhou as pedras e, trocando-as com agilidade, meteu uma noz na boca e: " craque! " estava partida.
     - Vou tentar de novo, - disse o urso. - Se tu és capaz de quebrá-la, é claro que eu também sou.-----
     Mas o alfaiatezinho tornou a dar-lhe as pedras e o urso se pôs a trincá-las com toda a força que tinha. Vocês podem acreditar: não se saiu nada bem!
      Deixaram daquilo e então o alfaiatezinho tirou um violino debaixo do casaco e começou a tocar uma bonita melodia. O urso, ao ouvir a música, não resistiu, pôs-se a dançar e achou a coisa tão divertida que perguntou:
     - Escuta! É muito difícil tocar violino?
     - Facílimo! Olha bem. Ponho aqui os dedos da mão esquerda e, com a direita, passo o arco pelas cordas. Repara como é divertido: tralalá...tralalá...
     - Pois gostaria de tocar assim violino para dançar quando tivesse vontade...- disse o urso. - Que dizes a isso? Queres ensinar-,me?
      - Com todo prazer. - retrucou o alfaiatezinho - se mostrares jeito para a coisa. Mas deixa-me ver essas garras. Hum! São muito compridas. Vou ter de cortar-te as unhas.
       Arranjaram um torno de carpinteiro e o urso pôs nele as garras. O alfaiatezinho as atarraxou bem depois disse:
     - Agora espera que eu vou buscar a tesoura.
      Deixou que o urso grunhisse à vontade e foi deitar-se num canto, sobre um monte de palha, onde adormeceu.
      A princesa, ouvindo, durante a noite, os grunhidos do urso, acreditou que ele havia feito picadinho do alfaiate e estava gritando de alegria. Na manhã seguinte levantou-se tranquila e contente, mas, ao ir dar uma olhada no estábulo, encontrou nosso homenzinho alegre e saudável como peixe na água. Já não pode, e então, continuar negando-se, pois havia feito  a promessa publicamente e o rei mandou vir uma carruagem em que o alfaiate foi conduzido com ela à igreja para se casarem. Enquanto isso, os dois outros alfaiates, que tinham um coração mau e invejavam a sorte de seu companheiro, desceram ao estábulo e puseram  urso em liberdade. Este, enfurecido, lançou-se em perseguição da carruagem . A princesa, ao ouvi-lo grunhir e resfolegar, teve medo e exclamou:
        - Ai! O urso nos persegue e vem te pegar!
       Mas o alfaiatezinho, com muita agilidade, pôs as pernas fora da janelinha e gritou:
       - Estás vendo este torno? Se não te retirares logo, serás novamente atarraxado a ele.
        O urso, ouvindo aquilo, deu volta e deitou a correr. Nosso homenzinho entrou, calmamente, na igreja, onde o casaram com a princesa e junto a ela viveu alegre e feliz como os pássaros. E quem quiser acreditar, paga prenda.
     FIM

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