quarta-feira, 7 de outubro de 2015

IRMÃO ALEGRE- CONTOS DE GRIMM

Houve, certa vez, uma grande guerra, que durou muito e, quando terminou, teve como consequência a despedida de muitos soldados. Entre eles estava  Irmão Alegre, o qual , ao ser dispensado, só recebeu um pão e quatro moedas. Com isso pôs-se a caminho. Mas São Pedro, disfarçado em mendigo, se havia postado na estrada e, quando Irmão Alegre ia passando, pediu-lhe uma esmola.
      - Meu bom esmoleiro-disse-lhe o soldado- que posso dar-te? Despediram-me e só tenho um pão de soldado e quatro moedas em dinheiro.  Quando isso terminar, terei de pedir esmola, como tu. mas, de qualquer maneira, vou dar-te alguma coisa.
    Partiu o pão em quatro pedaços e deu ao apóstolo uma parte  e uma moeda. São Pedro agradeceu, afastou-se e, tomando forma de outro mendigo, foi postar-se mais adiante. Quando o soldado passou, pediu-lhe, de novo, uma esmola. Irmão Alegre repetiu o que dissera  antes e deu-lhe outra quarta parte do pão e apenas uma moeda. Com isso entrou numa hospedaria, comeu o pão e gastou a última moeda em cerveja. Depois prosseguiu sua marcha. Não demorou muito, São Pedro veio a seu encontro, desta vez na figura de um veterano, e, assim lhe falou:
   - Bom dia, companheiro. Não poderias dar-me um pedaço de pão e uma moeda para tomar um trago?
    - De onde queres que eu tire tudo isso? - respondeu Irmão Alegre.- Dispensaram-me e recebi apenas  um pão e quatro moedas em dinheiro. No caminho encontrei três esmoleiros e a cada um deles dei a quarta parte do meu pão e uma moeda. A última quarta parte comi numa hospedaria e com a última moeda bebi cerveja. Agora estou a zero e, se também não tens nada, poderíamos esmolar juntos.
   - Não- respondeu-lhe São Pedro- isso não é preciso. Entendo um pouco de medicina e espero ganhar o suficiente para viver.
   - Então terei de esmolar sozinho - respondeu Irmão Alegre - porque não entendo dessa arte.
     - Vem comigo -disse-lhe São Pedro - e repartiremos o que eu ganhar.
   - De acordo! - exclamou Irmão Alegre, e seguira, juntos os dois.
    Depois de andar algum tempo , aproximaram-se de uma casa de camponeses. Lá dentro partiam gritos e lamentações. Entraram e viram que o homem estava quase morrendo e a mulher chorava e gritava , desesperada.
    - Chega de choro e gritos - disse São Pedro - eu vou curar teu marido.
     Tirou do bolso um pote de pomada e, num momento, aplicou-a no camponês, que se levantou completamente são. O casal, cheio de alegria, perguntou ao apóstolo:
    - Como poderemos pagar-te? Que poderemos oferecer-te?
    Mas São Pedro nada quis e, quanto mais eles insistiam, mais ele se opunha a aceitar qualquer paga. Irmão Alegre, no entanto, tocando o braço de São Pedro, lhe disse, baixinho:
    - Aceita logo, que bem estamos precisando.
     Por fim a camponesa trouxe um cordeiro e disse a São Pedro que devia aceitá-lo. O apóstolo, entretanto, o rejeitou. Aí o Irmão Alegre deu-lhe uma cutucada e, por sua vez , disse:
   - Aceita logo, boboca, bem sabes que precisamos.
   Ao que São Pedro respondeu:
    - Bem, aceito o cordeiro , mas não o carregarei; carrega-o tu, se quiseres.
    -Se depende só disso -exclamou o outro- claro que o levarei!
    E pôs o animal às costas.
     Seguiram caminhando até chegar a uma floresta. O cordeiro pesava nos ombros de Irmão Alegre que, além disso, sentia fome. Dirigiu-se, pois, a São Pedro:
   - Olha, este é um bom lugar. Poderíamos matar o cordeiro, assá-lo e comê-lo.
    - De pleno acordo, - respondeu seu companheiro, - mas eu nada entendo de cozinha. Se quiseres preparar cordeiro, aí tens uma panela; enquanto isso, darei umas voltas pelo mato até que esteja pronto. Mas não comas antes de eu chegar, voltarei em tempo.
    - Podes ir  descansado- respondeu o outro. - Sei cozinhar e hei de arranjar-me.
   São Pedro fastou-se e Irmão Alegre matou o cordeiro acendeu o fogo e pôs a carne na panela. Quando já estava no ponto , São Pedro ainda não tinha voltado. Irmão Alegre tirou a panela do fogo, começou a cortar a carne em pedaços e nisso encontrou o coração. "Dizem  que é o melhor de tudo!" - exclamou , falando sozinho. Provou um bocado e acabou comendo-o inteirinho. Afinal chegou São Pedro.
     - Podes comer o cordeiro todo- disse ele, - só quero o coração.
     Irmão Alegre pegou a faca e o garfo e começou a fingir que procurava o coração entre a carne. E como não o achasse, disse afinal:
    - Aí não está!
     -Onde  estará então? - retrucou o apóstolo.
    - Não sei - respondeu Irmão Alegre. - Mas, espera... como somos tolos! Procuramos o coração do cordeiro e a nenhum de nós ocorreu que os cordeiros nem tem coração.
     - Qual o que! - exclamou São Pedro. - Isso agora é novidade. Todos os animais tem coração.
Por que não haveria esse cordeiro de tê-lo?
    - Não, irmão, podes crer... os cordeiros não tem coração. Reflete um pouco e verás que, em verdade, não podem ter.
    - Está bem -disse São Pedro.- Se não tem   coração, não quero nada. Podes comer tudo sozinho.
    - O que sobrar guardarei- disse Irmão Alegre. E, depois de comer a metade, meteu o resto na mochila.
      Seguiram andando e  São Pedro fez com que um rio, muito grande, cruzasse o caminho deles, de modo que não havia outro remédio senão atravessá-lo. Disse  São Pedro:
   - Passa tu primeiro.
    - Não - respondeu Irmão Alegre- primeiro tu.- E pensou: "Se o rio for fundo, eu fico para trás."
    São Pedro atravessou as águas , que só lhe chegaram até os joelhos. Vendo isso , Irmão Alegre entrou, também , no rio. Mas o rio foi crescendo e a água lhe atingiu o pescoço. O nosso homem, então, começou a gritar:
    - Irmão, ajuda-me!
    - Confessas que comeste o coração do cordeiro?- perguntou o apóstolo.
    - Não- respondeu o outro- não o comi.
     As águas continuaram subindo e lhe chegaram à boca.
    - Ajuda-me , irmão! - gritou o soldado , de novo.
    - Confessas que comeste o coração do cordeiro? - perguntou, mais uma vez , o santo.
     - Não - repetiu Irmão Alegre  -não comi.
      O apóstolo, que não tinha a intenção de afogá-lo, fez baixar as águas e o ajudou a alcançar a margem.
     Continuaram sua jornada e chegaram a um reino onde lhes disseram que a filha do rei estava à morte.
    Oba, irmão! - exclamou o soldado. - Isso é uma oportunidade para nós. Se curares , não teremos mais preocupações. Vamos!
    São Pedro, porém, não se deu pressa.
   - Ora, movimenta as pernas , irmão de minha alma!- continuou o soldado. - Temos de chegar a tempo.
    Mas o apóstolo andava cada vez mais devagar, apesar da insistência e puxões de Irmão Alegre. E assim lhes chegou a notícia de que a princesa havia morrido.
   - Aí está! - resmungou o soldado. -Tudo por causa da tua moleza.
    - Acalma-te - retrucou São Pedro. - Sei fazer algo mais que curar enfermos, posso também ressuscitar os mortos.
   - Bem, se é assim- disse Irmão Alegre- estou conforme. Mas, em troca, tu pedirás, no mínimo, metade do reino.
    Apresentaram-se ao palácio, onde reinava grande tristeza e São Pedro disse ao rei que ressuscitaria a sua filha. Conduziram-no à  presença da morta e ali ele pediu:
    - Tragam-me um caldeirão com água.
    Depois, fez sair a todos , menos o Irmão Alegre, que pode ali permanecer. Em seguida cortou os membros do cadáver e os deitou na água; acendeu o fogo em baixo da caldeira e os pôs a cozinhar. Depois que a carne se desprendeu, tirou o esqueleto limpo e colocou-o sobre uma mesa, dispondo os ossos em sua ordem natural. Feito isso, adiantou-se e disse três vezes:
    - Em nome da Santíssima Trindade , levanta-te!
   E, na terceira vez, a princesa levantou-se com vida, cheia de saúde e bela como antes.
   O rei, felicíssimo, disse a São Pedro:
  - Pede-me o que quiseres e se for a metade do meu reino, eu te darei.
    Mas São pedro respondeu lhe:
    - Não quero coisa algum.
   " Mas que idiota!" - pensou Irmão Alegre e, dando uma forte cutucada em seu companheiro, lhe disse:
    - Não sejas tão tolo. Se não queres nada, eu, pelo menos, necessito algo.
     Mas São Pedro continuou sem aceitar nada. O rei, porém, notou que o outro estava aborrecido e mandou que seu tesoureiro lhe enchesse a mochila de ouro.
     Tendo continuado sua jornada, chegaram a bosque onde São pedro disse a Irmão Alegre.
     - Agora repartiremos o ouro.
    -  Sim- concordou o outro- é o que vamos fazer.
  São Pedro começou  a dividir o ouro e o repartiu em três partes. Isso fez com que Irmão Alegre pensasse:
" Esse aí tem um parafuso a menos. Está  dividindo o ouro em três partes quando somos apenas dois. " Mas o santo falou:
   - Separei três partes exatamente iguais: uma para mim, uma para ti e outra para aquele que comeu , o coração do cordeiro.
    - Oh, fui eu que o comi! - exclamou Irmão Alegre, apossando-se , logo, do ouro. Podes acreditar.
   - Como assim? - perguntou São Pedro. - Se os cordeiros não tem coração!
    - Ora , bobagens, irmão! Os cordeiros tem um coração como todos os animais. Por que não haveriam de tê-lo?
    - Está bem- disse São Pedro. - Guarda o ouro, mas não quero mais a tua companhia; seguirei adiante, sozinho.
    - Como queiras, caro irmão-respondeu o soldado. - Adeus!
    O apóstolo tomou, então, outro caminho,enquanto Irmão Alegre ia pensando: "Melhor que se vá, pois , para falar a verdade, é um sujeito bem esquisito!"
    Tinha, agora, dinheiro em abundância. Mas não sabia lidar com ele e, dentro em pouco , gastou tudo e tornou a ficar sem nada. Assim, chegou a um país onde lhe disseram que a filha do rei acabara de morrer.
    Oba!- pensou ele.- "Isso veio a calhar! Vou ressuscitá-la e terão de me pagar que vai ser um gosto!"
    Apresentou-se ao rei e ofereceu-se para devolver a vida à princesa.
    Como chegara aos ouvidos do rei que um militar licenciado andava pelo mundo ressuscitando mortos, pensou que talvez se tratasse de Irmão Alegre; entretanto não confiou muito nele e consultou primeiro seus conselheiros , os quais opinaram que tentasse a experiência, pois a princesa , de qualquer maneira, estava morta. Irmão Alegre mandou então que lhe trouxessem uma caldeira com água e pediu que todos se retirassem. Depois cortou os membros do cadáver, deitou-os na água e acendeu fogo, tal como vira São pedro fazer. Depois de ter a água fervido  bastante  e a carne se desprendido dos ossos, retirou-os da caldeira e os pôs sobre a mesa. Mas, como não sabia em que ordem colocá-los, juntou-os de qualquer jeito. feito isso, adiantou-se e exclamou por três  vezes:
   - Em nome da Santíssima Trindade levanta-te!
    Mas os ossos não se moveram. Repetiu a invocação, mas foi inútil.
    - Levanta logo, diabo de mulher! - gritou , então, furioso. - Levanta-te ou verás o que te acontece!
  Mal disse essas palavras, apresentou-se, entrando pela janela, São Pedro, em sua anterior forma de soldado, e lhe disse:
    - Que estás fazendo , ímpia criatura? Como queres que a morta ressuscite se misturaste os ossos de qualquer jeito?
     Companheiro, fiz o melhor que pude! - respondeu Irmão Alegre.
     - Desta vez vou tirar-te do apuro, mas se te meteres, novamente, numa coisa dessas, irás pagar caro. E, também, não peças nem aceites a mínima recompensa do rei.
    Dito isso, São Pedro colocou os ossos em sua devida ordem e pronunciou por três vezes a fórmula:
   - Em nome da Santíssima Trindade , levanta-te!
    E a princesa levantou-se, linda e sadia como antes.
   Em seguida São Pedro afastou-se, saindo pela janela. Irmão Alegre, satisfeito por se ter saído bem da aventura, estava , contudo, aborrecido por não poder cobrar o serviço. " Gostaria de saber- pensou- que espécie de loucura tem esse camarada. Aquilo que dá com uma das mãos, ele tira com a outra. Não é nada razoável!"
    O rei ofereceu a Irmão Alegre o que ele desejasse. Este, embora  nada pudesse aceitar, conseguiu,à força de indiretas, que o rei mandasse lhe encher de ouro a mochila e , assim, partiu satisfeito. Ao sair, São Pedro o estava esperando diante da porta e lhe disse:
    - Ora só que espécie de homem tu és! Não te proibi de aceitares qualquer coisa? E agora levas a mochila cheia de ouro.
    - Que culpa me cabe, se me deram à força? - retrucou Irmão Alegre.
   - Pois presta atenção no que te vou dizer; não tentes mais uma vez uma coisa dessas, que te saíras muito mal.
   - Ora, irmãozinho, não te preocupes! Agora que tenho dinheiro, não preciso andar lavando ossos!
     - Sim- respondeu São Pedro. - Há de durar muito esse teu ouro! Mas para que não voltes a caminhos proibidos, darei à tua mochila o dom de se encher com aquilo que desejares. E, agora, adeus! Não tornarás a ver-me.
    - Adeus! - respondeu o outro, pensando: " Alegro-me de te perder de vista, sujeito gozado! Não há perigo de que eu te siga." E nem um só momento, lembrou-se do dom maravilhoso concedido à sua mochila.
     Irmão Alegre andava com seu ouro de um lado para outro, gastando-o em farras, como da vez anterior. Quando já não lhe sobravam mais do que quatro moedas, passou em frente a uma hospedaria e pensou: "Tenho de gastar o que me resta. " Entrou e pediu bastante vinho e um quarto de pão. Enquanto comia e bebia, um cheiro apetitoso de pato assado, chegou às suas narinas. Irmão Alegre espiou por todos os lados e viu que o taberneiro tinha um par de patos no forno do fogão. Aí recordou, de repente, o que lhe dissera seu companheiro a respeito da mochila e que tudo o que ele desejasse ver dentro dela era dito e feito. "Pois vamos fazer uma experiência com esses patos", pensou. Saiu porta fora e disse:
     - Que aqueles dois patos assados passem do forno para a minha mochila.
    Pronunciadas essas palavras, abriu a mochila, olhou para dentro e, de fato, ali estavam eles. "Então é verdade" - pensou. - "Agora estou feito!" Logo que chegou a um campo sossegado, tirou os patos da mochila e começou a comê-los. Nisto passaram dois operários e se pararam a olhar, loucos de fome, para um patos, ainda intato. Irmão Alegre pensou: "Um para mim chega" e , chamando os dois rapazes, lhes disse:
    - Tomem este pato e comam à minha saúde!
    Os rapazes lhe agradeceram e, recebendo o presente dirigiram-se à hospedaria. Ali pediram meia jarra de vinho e um pão e, pondo o pato sobre a mesa, começaram a comer. A hospedeira, vendo aquilo, disse ao marido:
   - Esse dois estão comendo um pato; vai ver se não é um dos que temos no forno.
   O dono da casa foi correndo ao fogão e viu o forno vazio.
    - Ah, seus gatunos! - exclamou. - Pensam que isso lhes vai sair assim tão barato? paguem agora mesmo, se não querem que lhes esfregue o lombo!   - Não somos gatunos, -responderam os dois rapazes. - este pato nos foi dado por um militar que estava comendo lá fora no campo.
    - A mim é que não me enganam! O soldado esteve aqui pela porta como uma pessoas direita; prestei bem atenção. Vocês é que são ladrões e vão me pagar!
    Mas, como os rapazes não tinham dinheiro, o dono da hospedaria pegou de uma tranca e os fez sair abaixo de pauladas.
    Quanto ao Irmão Alegre, seguiu seu caminho e chegou a um lugar onde havia um magnifico palácio, a pouca distância de uma hospedaria muito pobre. Entrou nela e pediu  cama para uma noite, mas o dono recusou-se aceitá-lo, dizendo:
    - Não há lugar; estou com a casa cheia de hóspedes fidalgos.
    - Surpreende-me que se hospedem em sua casa- retrucou Irmão Alegre.- Por que não se alojam na quele belo palácio?
    - Sim, qualquer um pode passar ali a noite, - respondeu o hospedeiro. - Mas ainda ninguém saiu vivo do castelo.
    - Se outros o tentaram , também eu o farei- disse Irmão Alegre.
    - Deixe disso- aconselhou o outro. - Vai arriscar a sua vida.
   - Nem tanto! - retrucou o soldado.- Dê-me a chave e algo de bom para comer e beber.
   O dono da hospedaria entregou-lhe a chave , comida e bebida à farta e, com tudo isso, Irmão Alegre dirigiu-se ao castelo. Ali banqueteou-se e quando , por fim , lhe deu sono, estendeu-se no chão, pois não havia camas. Pouco depois adormeceu. Alta noite, foi despertado por um grande barulho e viu, então, nove demônios, horrendos, que dançavam em círculos, a seu redor. irmão Alegre dirigiu-se a eles.
   - Dancem quanto quiserem, mas não se aproximem de mim.
    Mas os diabos foram se aproximando, até que quase pisotearam o rosto dele com suas patas de cabra.
   - Calma, seus endiabrados! - gritou Irmão Alegre.
    O grupo, porém, continuou a incomodá-lo cada vez mais, Por fim o soldado enfureceu-se e gritou:
   - Vão ver como os faço ficar quietos num momento!
    Empunhou uma cadeira e investiu contra todo o bando. Mas, nove diabos são muitos diabos para um só soldado, enquanto ele surrava os que tinha na sua frente, os outro vinham por trás e lhe puxavam os cabelos.
    - Corja de diabos! - exclamou por fim.- Isso já passa das medidas. Agora vocês vão ver. todos os nove na minha mochila!
    E zás-trás, já o bando estava ali dentro. Irmão Alegre fechou a mochila e a atirou a um canto. Instantâneamente tudo ficou em silêncio e ele, então, deitando-se de novo, pode dormir sossegado até de madrugada. No dia seguinte vieram o hospedeiro e o fidalgo a quem pertencia o palácio, para ver como se saíra ele. Vendo-o são e satisfeito, indagaram, surpresos:
     - Mas os diabos não te atacaram?
   - Como não? - respondeu-lhes Irmão Alegre. - Aí estão os nove dentro da minha mochila. Agora podeis instalar-vos tranquilamente no palácio. De hoje em diante, nenhum deles irá aparecer por aqui.
    O fidalgo agradeceu-lhe, recompensando regiamente e lhe propôs que ficasse a seu serviço, assegurando-lhe que nada lhe faltaria durante o resto da vida.
   - Não -disse o soldado- estou acostumado a viajar pelo mundo e pretendo seguir adiante.
   Em seguida despediu-se . Ao passar por uma ferraria, entrou e , pondo a mochila com os nove diabos sobre a bigorna, pediu ao ferreiro e a seus auxiliares que malhassem em cima dela. Os homens se armaram de martelos  grandes e puseram-se a martelar com todas a suas forças,enquanto os diabos começavam uma gritaria infernal. Quando, por fim, abriram a mochila, oito estavam mortos, mas um, que metera numa dobra do saco, ainda estava vivo. Este saltou para fora e correu a refugiar-se no  inferno.
   Irmão Alegre continuou vagando pelo mundo durante muito tempo e quem sabia de suas aventuras tinha muito a contar.  Mas, com o tempo, foi ficando velho e começou a pensar na morte. Procurou, então, um eremita conhecido como um santo homem ele lhe disse:
   - Estou cansado de errar pelo mundo e quero, agora, ir para o reino do céus.
     - Há um caminho largo e agradável que conduz ao inferno-disse o eremita- e outro, estreito e difícil, que vai dar no céu.
    " Eu não sou nenhum idiota" - pensou Irmão Alegre- " para ir por um caminho estreito e difícil."
   Enveredou, pois , pela estrada larga e agradável, que o levou ante uma porta grande, negra. Era  a porta do inferno. Bateu e o porteiro olhou pela vigia para ver quem chegava. Mas, quando viu que era Irmão Alegre, assustou-se, pois era, justamente, o nono daqueles diabos aprisionados na mochila do soldado, o único que escapara com vida. Cerrando mais que depressa o ferrôlho, o diabinho foi ao chefe dos demônios e lhe disse:
    - Aí fora está um homem com uma mochila, que quer entrar. Não o admita de maneira alguma, pois meteria o inferno inteiro na sua mochila. Uma vez estive lá dentro e por pouco não me matou a martelaços.
   Diante disso, os diabos não aceitaram Irmão Alegre no inferno. Disseram-lhe que desse volta, pois ali não entraria.
    "Já que não me querem aqui"- pensou- " vou ver se consigo alojar-me no céu. Num ou outro lugar tenho de ficar."
    Deu volta e continuou a andar até que chegou ao céu e bateu à porta. São Pedro estava na portaria e Irmão Alegre logo o reconheceu. Pensou: " Este é um velho amigo; aqui terás sorte." Mas São Pedro foi logo dizendo:
    - Parece até que pretendes entrar no céu.....
     - Sim, deixar-me entrar, companheiro. Tenho de me hospedar num lugar ou noutro. Se me houvessem admitido no inferno, eu não teria vindo aqui.
    - Não- respondeu-lhe São pedro, - aqui não entras!
    - Está bem, se não queres que eu entre, toma esta mochila; não quero saber de nada que venha de ti- disse Irmão Alegre.
   - Está bem , ficarei com ela.
   O soldado lhe alcançou a mochila através das grades e São Pedro a colocou  ao lado do seu assento. No mesmo instante Irmão Alegre exclamou:
  - Agora desejo estar dentro da mochila!
   E zás-trás, lá estava e, portanto , no céu. São pedro, assim, não teve outro remédio senão permitir que ficasse ali.
FIM

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