quinta-feira, 22 de outubro de 2015

A COTOVIA- CONTOS DE GRIMM

Era uma vez um homem que ia fazer uma viagem muito grande. Ao despedir-se de suas três filhas, perguntou o que desejavam que lhes trouxesse. A mais velha pediu pérolas; a segunda diamantes; a terceira disse:
    - Pai querido, desejo que me tragas uma cotovia que saiba cantar e saltar.
     - Se eu a encontrar , será tua! - E, beijando as três filhas, partiu.
      Quando  chegou a época de regressar, tinha já comprado os diamantes e as pérolas para as duas filhas mais velhas, mas quanto à cotovia que lhe pedira a mais moça, não havia podido encontrá-la em lugar algum e isso lhe fazia pesar a consciência, pois aquela filha era a sua preferida.
      Aconteceu que seu caminho passava por uma floresta, no meio da qual havia um palácio maravilhoso. Perto dele se erguia uma árvore. E eis que no alto dessa árvore o homem descobriu uma cotovia que lá estava cantando e saltitando.
      - Vens muito  a propósito! - exclamou alegremente. Chamou o criado e mandou que subisse à copa da árvore para apanhar o passarinho. No entanto, ao acercar-se, um leão que estava deitado à sua sombra, saltou, feroz, sacudindo a juba e rugindo de tal maneira que a folhagem das árvores em redor chegou a tremer.
   - Devorarei quem tentar roubar minha cotovia.
     O homem, então, desculpo-se, dizendo:
    - Ignorava que o pássaro fosse teu; repararei minha falta e te pagarei bom preço em dinheiro. Peço, apenas, que me poupes a vida.
    Respondeu-lhe o leão:
   - Nada poderá salvar-te, exceto a promessa de me entregares o que primeiro venha a teu encontro quando chegares à tua casa. se te serve esta condição, eu te pouparei a vida e ainda te darei o pássaro para tua filha.
    Mas o homem negou-se, argumentado:
    - Poderia ser minha filha mais moça, que é a que mais estimo. Ela sai sempre ao meu encontro quando volto para casa.
     O criado, louco de medo, interferiu:
    - Não há de ser, precisamente, sua filha que irá ao seu encontro; talvez seja um gato ou um cachorro.
  O   homem acabou se convencendo e, apanhando a cotovia, prometeu dar ao leão que primeiro lhe viesse ao encontro quando chegasse em casa.
    De regresso ao seu país e chegando à sua moradia, quem primeiro saiu a recebê-lo? Precisamente a sua filha querida! Correu, logo, a beijá-lo e, vendo a cotovia, não cabia em si de contente. O pai, no entanto, em vez de alegrar-se, começou a chorar, dizendo:
    - Filhinha querida, pagarei bem caro por esta pequena ave, pois devo entregar-te a um leão feroz que irá te estraçalhar e comer. Depois contou o que sucedera, pedindo-lhe que não fosse, acontecesse o que acontecesse. A jovem, porém, consolou-o.
    - Paizinho querido, deves cumprir tua palavra. Irei e estou certa de que vou conseguir amansar o leão e regressar sã e salva.
    Na manhã seguinte, pediu que lhe indicassem o caminho e , depois de despedir-se de todos, entrou, confiante, na floresta. Acontecia, porém, que o leão era  um príncipe encantado, o qual durante o dia  tinha a forma daquele animal , bem como os seus criados, mas à noite todos eles recobravam suas figuras humanas. Quando a moça chegou, foi acolhida amavelmente e conduzida ao palácio, e, ao anoitecer, viu à sua frente um belíssimo jovem, com quem se casou em meio de grande pompa. Viviam, assim, muito felizes, acordados durante a noite e dormindo de dia. Certa ocasião, quando voltava ao palácio, lhe disse o príncipe:
     - Amanhã tua irmã mais velha casa-se e haverá festa no teu lar; se quiseres tomar parte , meus leões te acompanharão.
     Ela respondeu que sim, que muito lhe agradaria tornar a ver seu pai, e logo seguiu caminho, escoltada pelos leões. Em sua casa todos a receberam com imensa alegria, pois acreditavam que o leão a houvesse  estraçalhado e, portanto, que ela estava morta há muito tempo. Mas a moça lhes contou que belo marido tinha e como viviam felizes. ficou com os  seus até o fim da festa e depois retornou ao bosque. Quando a segunda filha ia, também casar-se, naturalmente a princesa foi convidada e disse ao leão:
    - Não quero ir só. Desta vez deves acompanhar-me.
    Mas o marido lhe explicou que seria extremamente perigoso. pois logo que o tocasse um raio de luz procedente de um fogo qualquer, ele se transformaria em pomba sendo, então, obrigado a voar durante sete anos como aves.
    - Nada temas! - exclamou a moça.- Vem comigo que eu te resguardarei de qualquer raio de luz.
     Partiram os dois, levando seu filhinho. A princesa, ao chegar em casa, ordenou logo que construíssem um muro ao redor de uma das salas, tão forte e espesso que nenhum raio de luz fosse capaz de atravessá-lo. seu esposo permaneceria ali enquanto estivessem acesas as luzes da festa. Mas aconteceu que a porta, que era de madeira verde, rachou, abrindo-se uma  pequeníssima fresta da qual ninguém se deu conta. A cerimônia foi realizada com grande esplendor e quando a comitiva, de regresso, passava diante da sala com suas tochas e velas acesas, um raio luminoso, fino como um cabelo, atingiu o príncipe. No mesmo instante o jovem transformou-se e sua esposa, ao entrar na sala, não viu senão uma pomba branca, que lhe falou:
   - Durante sete anos terei de voar, errante pelo mundo . Entretanto, de quando em quando, deixarei cair uma gota vermelha de sangue e uma pena branca que te mostrarão o caminho. Se seguires essa pista , poderás libertar-me.
    A pomba saiu voando pela porta e a princesa a seguiu. A cada sete passos que ela dava, caíam uma gotinha de sangue vermelho e uma peninha branca, indicando-lhe o caminho. A moça continuou a andar pelo vasto mundo, sem olhar para trás nem cansar-se nunca. Assim o tempo foi passando e quando já quase haviam passado os sete anos, a princesa pensou, alegremente, que em breve estariam libertados do encanto. A pobrezinha nem supunha como ainda estava longe de alcançar o seu propósito. Certa vez, já pronta para prosseguir sua caminhada, notou, de repente, que as gotinhas de sangue não caíam mais, nem as peninhas brancas. E, quando ergueu os olhos, não viu nem sinal da pomba. A princesa, chegando à conclusão de que os humanos não poderiam ajudar, subiu ao encontro do Sol e lhe disse:
    - Tu, que iluminas todas as  frinchas e todos os recantos, não terás visto uma pomba branca?
     - Não - respondeu-lhe o Sol- não vi nenhuma, mas faço-te presente de um cofre que deverás abrir quando te achares em grande dificuldades.
     A princesa agradeceu ao Sol e seguiu caminhando até cair da noite. Quando saiu a Lua, dirigiu-se a ela, preguntando:
    - Tu, que brilhas toda noite e iluminas campos e florestas, não terás visto uma pomba branca?
     - Não - retrucou a lua- não vi; mas faço-te presente de um ovo. Quebra-o quando te encontrares em grandes dificuldade.
    A jovem agradeceu à lua e continuou sua jornada até que a brisa noturna começou a soprar. Dirigiu-se, também, a ela, indagando:
   -  Tu, que sopras sobre todas a s árvores e sobre todas as folhas, não viste uma pomba branca?
    - Não- respondeu-lhe a brisa- não vi nenhuma, mas perguntarei aos outros três ventos; talvez eles a tenham visto.
    Veio o vento leste e o vento oeste, mas nenhum deles tinha viso nada; depois surgiu o vento sul, que disse:
    - Vi a pomba branca; voou até o Mar Vermelho e la´voltou a transformar-se em leão, pôs os sete anos já passaram . ali ele está em combate feroz com um dragão, porém, é uma princesa encantada.
     A brisa noturna, então, falou:
   - Vou dar-te o meu conselho. Vai até o Mar Vermelho. Em sua margem direita há umas varas muito grandes. Conta-as e corta a décima-primeira; com ela golpeia o dragão. em seguida o leão o vencerá e ambos retomarão a forma humana. Logo depois, olha ao redor e verás a ave chamada grifo, que habita as paragens do Mar Vermelho. Tu e teu amado deverão montar nela e o animal os levará de volta para casa, voando por cima do mar. Aqui dou-te uma noz. Quando te encontrares sobre o mar, solta-a; brotará logo e da água surgira uma nogueira grande, onde a ave poderá descansar. Se não puder fazê-lo, não terá força suficiente para transportá-los até a margem oposta. Caso te esqueças de soltar a noz, o grifo os lançará no mar.
    Partiu a jovem princesa e tudo se sucedeu tal como dissera a brisa noturna. contou as varas da beira do mar, cortou a décima-primeira e com ela golpeou o dragão. Em seguida o leão venceu o combate e, no mesmo instante, ambos recuperaram suas respectivas figuras humana. Mas, logo que a outra princesa- a que estivera encantada em forma de dragão- ficou livre do feitiço, tomou o jovem pelo braço, montou com ele no grifo e levantou vôo, abandonando a desventurada esposa, que ficou a chorar, amargamente. por fim, criando coragem, pensou:- "Enquanto o vento soprar e o galo cantar, continuarei andando, até encontrá-los."
     Percorreu longo, longos caminhos, e chegou , finalmente, ao palácio onde os dois moravam . Ali ficou sabendo que iria ser celebrada a festa de seu casamento. Disse ela:" Deus me ajudará" e, abrindo o cofre que lhe dera o Sol, viu que havia dentro um vestido brilhante como o próprio astro-rei. Vestiu-o e entrou no palácio, onde todos os presentes, inclusive a própria noiva, ficaram olhando para ela, assombrados. O vestido agradou tanto à noiva que pensou em comprá-lo para seu casamento. Assim, perguntou  à forasteira se não o queria vender.    - Por dinheiro não- respondeu ela- mas troco-o por carne e sangue.
      A  noiva perguntou o que queria dizer com aquelas palavras e ela lhe respondeu:
     - Deixa-me dormir uma noite no mesmo quarto em que dorme o noivo.
      De início a princesa negou-se. No entanto, como desejava muito o vestido, acabou concordando. Mas mandou a camareira dar secretamente ao príncipe alguma coisa que o fizesse adormecer. Chegada a noite, quando ele já dormia profundamente, introduziram a jovem no aposento. esta sentou à beira do leito e falou:
    - Eu te segui durante sete anos; fui ao Sol, à Lua e aos quatro ventos perguntar por ti e ainda te ajudei contra o dragão. E, agora, vais esquecer-me?
    Mas o príncipe, em sono profundo, só percebeu um ligeiro rumor como o do vento passando entre os pinheiros.
    Pela manhã, a  jovem foi despedida e entregou o vestido. Ao ver que tudo aquilo de nada servira, dirigiu-se para o campo, onde , triste e amargurada, sentou-se a chorar. Nisto se lembrou do ovo que a Lua lhe havia dado. Quebrou-o e pareceram uma galinha e doze pintinhos, todos de ouro, que corriam, ligeiros, piando e voltavam a refugiar-se embaixo das asas da mãe. Era um espetáculo sem igual no mundo. Levantou-se e deixou-os correr pelo campo, até que a noiva os viu de sua janela e, agradando-se dos pintinho, desceu para  perguntar se ela queria vendê-los.
      - Por dinheiro não- respondeu a jovem . - Só os darei em troca de carne e sangue. Permite que eu passe outra noite no quarto do noivo?
       A princesa consentiu, pensando em enganá-lo como da vez passada. Mas  o príncipe, ao ir deitar-se, perguntou a seu camareiro que rumores eram aqueles  que haviam agitado seu sono na outra noite. O criado, então, contou tudo o que acontecer: que lhe haviam mandado dar-lhe uma bebida para dormir porque uma moça queria passar a noite em seu quarto e que agora estava incumbido de administrar-lhe nova dose. Disse-lhes o príncipe:
    - Derrama o narcótico ao lado da cama.
     E, novamente, sua esposa foi introduzida no aposento. Quando começou a contar sua triste sorte, ele  a reconheceu pela voz e, erguendo-se de um salto, exclamou:
    - Agora estou livre de todo o feitiço. Tudo isso foi um como um sonho para mim, pois a princesa estranha me encantou e  obrigou a esquecer-te. Deus, porém, veio libertar-me, em tempo, da perda de minha memória.
      E os dois esposos partiram, em segredo, do palácio, auxiliados pela escuridão da noite, pois temiam o pai da princesa, que era bruxo. Montaram no grifo, que os levou através do Mar Vermelho e , quando chegaram na metade, a princesa soltou a noz. Em seguida surgiu das águas uma nogueira muito grande onde a  ave pode descansar, levando-os depois à sua casa. Lá encontraram seu filinho, já crescido e lindo, e viveram felizes até o fim de seus dias.
FIM


 

 



 

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