sexta-feira, 18 de setembro de 2015

OS DOIS IRMÃOS - CONTOS DE GRIMM

Era uma vez dois irmãos, um rico e outro pobre. O rico, ourives, era homem de coração de pedra. O pobre, que ganhava a vida fazendo vassouras, era bom e honesto. Tinha dois filhos, gêmeos, que se  pareciam como uma gota de água se parece com outra . Os dois meninos iam, de quando em quando, à casa do rico e ali alguma vezes lhe davam as sobras da mesa.
     Um dia o pobre foi à floresta juntar galhos secos e encontrou um pássaro todo de ouro, tão lindo com jamais vira outro igual. Abaixou-se, apanhou uma pedrinha e, jogando-a na ave, teve a sorte de acertar; no entanto, só viu uma de suas penas e o pássaro fastou-se voando. O homem pegou a pena e a levou ao irmão.
     - É ouro puro! -disse o ourives.- E por ela lhe deu dinheiro.
     No dia seguinte, o pobre, voltando ao mato, subiu num carvalho, afim de cortar alguns galhos. de repente, o mesmo pássaro levantou vôo da árvore. Quando o homem examinava a árvore de onde o pássaro fugira, achou um ninho e nele um ovo todo de ouro. Recolheu o ovo e o levou ao irmão, que lhe disse, novamente:
    -É ouro puro! - E lhe deu o que valia; em seguida acrescentou:
    - Gostaria de ter este pássaro.
     Pela terceira vez o pobre foi ao mato e tornou a ver o pássaro pousado na árvore. Derrubou-o com uma pedrada e o levou ao irmão que, em troca, lhe deu grande quantidade de ouro. " Agora poderei dar um jeito na vida" - pensou , satisfeito, e voltou para casa.
     O ourives era inteligente e esperto e bem sabia de que pássaro se tratava. chamou a mulher e lhe disse:
    - Vai assar esta ave para mim e toma cuidado para que nada se perca. Desejo comê-lo sozinho.
     O pássaro, que não era uma ave comum, possuía um dom mágico. Assim , aquele que lhe comesse o coração e o fígado, encontraria todas as manhãs uma moeda de ouro debaixo do travesseiro.
    A mulher preparou a ave, meteu-a num espeto e começou a assá-la. Mas, tendo de atender a outros afazeres, afastou-se por algum tempo da cozinha. Nisto, entraram os filhos do pobre vassoureiro, os quais, vendo o assado, puseram-se a vira-lo alguma vezes. Dois pedacinhos do pássaro caíram do espeto e um dos meninos disse:
    - Vamos comer esses dois bocados. Estou louco de fome e com certeza ninguém vai notar a falta deles.
      Na quele momento, entrou a  mulher e, vendo que estavam mastigando, perguntou:
    - O que estão comendo?
     - Uns pedacinhos de carne que caíram de dentro do pássaro - respondeu eles.
     - Céus! Era o coração e o fígado! - exclamou a mulher , assustada. E, para que o marido não fosse descobrir tudo e ficar zangado, matou depressa um franguinho, tirou-lhe o coração e o  fígado e meteu-os dentro do pássaro de ouro. Pronto o assado, ela o serviu ao ourives, que comeu tudo sozinho sem deixar que sobrasse um só bocado. Na manhã seguinte, porém, quando meteu a mão embaixo do travesseiro pensando que iria agarrar uma moeda de ouro, nada encontrou.
    Os dois meninos, em compensação, ignoravam a sorte que lhes coubera. Ao se levantarem, pela manhã, escutaram o tilintar de algo que caía ao chão e, abaixando-se, viram duas moedas de ouro. Levaram-nas ao pai, o qual se admirou muito e indagou:
     -  De que jeito aconteceu isso?
    Como no outro dia encontrassem de novo duas moedas e assim nos dias seguintes, o pobre foi ao irmão e contou-lhe a estranha história . O ourives compreendeu, imediatamente, que os meninos tinham comido o coração e o fígado do pássaro de ouro. Querendo vingar-se, pois era invejoso e de má índole, disse ao irmão:
     - Teus filhos tem parte como o diabo. Não pegues nesse ouro nem permitas que continuem em tua casa, pois o demônio tem poder sobre eles e acabará te arrastando à desgraça.
     O homem temia muito o diabo e, assim, embora pesaroso, levou os gêmeos para a floresta e ali os abandonou, com o coração cheio de tristeza.
     As crianças, perdidas na mata, andaram à procura do caminho de casa, mas, em vez de achá-lo, se embrenharam cada vez mais na floresta. Finalmente, encontraram um caçador,Que lhes perguntou:
     - Quem são vocês?
     - Somos os filhos do vassoureiro- responderam eles, e contaram que o pai não os queria mais em casa porque todas as manhãs aparecia uma moeda de ouro embaixo de seus travesseiros.
     - Bem -disse o caçador. - Nada vejo de mal nisso, contanto que vocês se mantenham honestos e não se tornem uns preguiçosos.
      O bom homem agradou-se das crianças e, como não tinha filhos, levou-as para sua casa, dizendo-lhes:
     - Serei um pai para vocês.
     Com ele aprenderam a arte de caçar; e a moeda de ouro que cada um encontrava ao levantar-se, o caçador ia guardando para o caso de um dia necessitarem de dinheiro.
    Quando já estavam crescidos, seu pai adotivo os levou à floresta e lhes disse:
    - Vocês vão fazer hoje uma prova de tiro para que eu possa emancipá-los e lhes dar o título de caçadores.
     Juntos, puseram-se à espera de caça, mas durante muito tempo nenhum animal apareceu. Nisto o caçador olhou para o céu e viu um bando que voava em linha dupla. O caçador olhou para o céu e viu um bando de patos selvagens voando em formação triangular. Disse, então, a um dos rapazes:
    - Derruba um de cada canto.
    O jovem assim fez e com isso passou pela prova. Pouco depois apareceu novo bando que voava em linha dupla. O caçador ordenou ao outro que também derrubasse um de cada canto e o jovem acertou igualmente. Disse, então, o pai adotivo:
     - Declaro-os emancipados e mestre na arte de caçar.
     Em seguida, os dois irmãos continuaram andando pela floresta e, depois de terem conferenciado longamente, tomara uma resolução. À noite, quando todos estavam à mesa para jantar, disseram a seu protetor:
    - Não tocaremos na comida até que nos satisfaça um pedido.
    -  De que se trata? - indagou o caçador.
     - Terminamos o nosso período de aprendizagem e gostaríamos de conhecer o mundo. Dê-nos permissão para fazer uma viagem.
    - Assim falam os bons caçadores,- respondeu-lhe o velho, cheio de alegria. - O que me pedem vem ao encontro do meu próprio desejo. saiam a viajar. Tenho certeza de que tirarão proveito disso.
    E comeram e beberam alegremente.
    Chegando o dia de partida , o pai adotivo deu presente a cada um deles uma espingarda e um cão e deixou que levassem tantas moedas de ouro, das que havia guardado, quantas quisessem. Acompanhou-os um trecho do caminho e, ao despedir-se, deu-lhes, ainda uma faca, dizendo:
     - Se algum dia tiverem de separa-se, cravem esta faca numa árvore, no local da separação. Aquele que mais tarde voltar poderá saber se ainda vive o seu irmão ausente, pois, caso tenha morrido, o lado da faca correspondente à direção que seguiu, estará enferrujado; enquanto, porém, viver, a lâmina permanecerá limpa e brilhante.
    Os dois irmãos saíram andando e chegaram a uma floresta, tão grande que não era possível atravessá-la em apenas um dia. passaram ali a noite e comeram as provisões que haviam levado nas mochilas. No dia seguinte, também não conseguiram sair da mata. Como nada mais tivessem para comer, disse um deles:
    - Temos de caçar algo; do contrário passaremos fome.
     Carregou sua arma e procurou em redor. Vendo um coelho, já velho, que vinha correndo em sua direção, apontou-lhe a arma, mas o bichinho implorou:
     " Bom caçador, deixa-me viver
       Que dois coelhinhos te darei!"
      Saltou para dentro de uma moita e trouxe dois filhotes. Mas os animaizinhos brincavam saltitando tão alegremente que os caçadores não tiveram coragem de matá-los. ficara , pois, com eles e os coelhinhos foram acompanhando seus passos. pouco depois apareceu uma raposa. Já iam atirar, quando ela gritou:
     " Bom caçador, deixa-me viver
      Que duas raposinhas te darei!"
    E trouxe , também dois filhotes, mas os caçadores, penalizados, não quiseram matá-los. Puseram-nos em companhia dos coelhos e os bichinhos os acompanharam. Não demorou muito, apareceu um lobo dentre o arvoredo e os caçadores fizeram pontaria. A fera, porém, pediu:
     " Bom caçador, deixa-me viver
      Que dois lobinhos te darei!"
    Os rapazes soltaram os dois pequenos lobos entre os demais bichos e o grupo todo os seguiu. depois surgiu um urso, que não querendo, também, morrer, gritou:
     " Bom caçador, deixa-me viver
     Que dois ursinhos te darei!
     Os dois filhotes do urso foram incorporados aos outros animais e o grupo todo já contava, então, oito bichos. E quem apareceu por fim? Pois nada menos que um leão, sacudindo sua juba. Os caçadores, porém, não se assustaram e fizeram pontaria, mas o leão lhes falou:
     " Bom caçador, deixa-me viver
       Que dois leõezinhos te darei!"
      Trouxe, igualmente, seus filhotes e os rapazes passaram a ter: dois leões, dois ursos, dois lobos, duas raposa e dois coelhos que os seguiam e prestavam seus serviços. Mas, como continuassem com fome, disseram às raposas:
    _ Ouçam! Vocês que são espertas, vejam se nos conseguem algo para comer.
     E elas responderam:
    - Perto daqui há uma aldeia onde mais de uma vez apanhamos galinhas. Nós lhes mostraremos o caminho.
     Os dois irmãos se dirigiam à  aldeia e de lá compraram comida para eles e os animais. Depois seguiram caminho. As raposas conheciam muito bem a zona e, como soubessem onde se encontravam os aviários, prestavam informações aos caçadores.
    Por algum tempo os irmãos andaram de um lado para outro, sem, contudo, conseguirem um trabalho onde pudessem ficar juntos. Diante disso, resolveram:
    - Não há outra solução; temos de nos separar.
     Dividiram os  animais e cada qual ficou com um leão, um urso, um lobo, uma raposa e um coelho. Depois se despediram, prometendo amar-se fraternalmente até à hora da morte, e cravaram numa árvore a faca que seu pai adotivo lhes havia dado. Feito isso, um deles encaminhou-se para leste e o outro para oeste.
     O mais jovem chegou com seus animais a uma cidade toda coberta de crepe. Alojou-se numa hospedaria e perguntou ao dono se acolheria também aos seus animais. O hospedeiro indicou-lhe uma estrebaria, onde havia um buraco na parede. Por ali passou o coelho e trouxe um pé de couve; a raposa foi apanhar uma galinha e, depois de a ter devorado, liquidou também o galo. O lobo, o urso e o leão, porém, eram de maior porte e não puderam passar. O hospedeiro, então, mandou levá-los a um campo onde havia uma vaca e todos eles comeram à farta. depois de cuidar dos seus animais, o caçador perguntou ao patrão por que motivo a cidade toda estava de luto. respondeu-lhe o homem:
     - Porque amanhã vai morrer a filha única do rei.
     - Está muito doente? - perguntou o caçador.
    - Não retrucou o hospedeiro.- Sua saúde é perfeita; mesmo assim, vai morrer.
    - Como pode ser isso? - quis saber o rapaz.
    - Fora da cidade há uma montanha muito alta onde vive um dragão- respondeu o outro, e continuou; - O monstro reclama todos os anos uma donzela. Se não for atendido, destruíra o reino inteiro. Todas a jovens do país já lhe foram sacrificadas, com exceção da princesa. Infelizmente não há escapatória; terá de lhe ser entregue e isso se dará amanhã.
   - E por que não matam o dragão? - perguntou o caçador.
     - Ah! - respondeu o hospedeiro- muitos nobres cavaleiros já tentaram e todos eles perderam a vida. O rei até prometeu dar sua filha em casamento e entregar o reino, após sua morte, àquele que vencer o dragão.
     O rapaz nada mais disse; porém, na manhã seguinte, reuniu os animais e subiu o monte do dragão. No topo encontrou uma igrejinha em cujo altar havia três cálices  cheios e a seguinte inscrição; "Quem beber destes cálices se tornará o homem  mais forte do mundo e poderá manejar a espada que está no chão, em frente ao umbral da porta."
    O caçador não tomou a bebida mas foi em busca da espada. Quando a encontrou, não conseguiu movê-la do lugar. Voltou, então, e bebeu o conteúdo dos cálices e no mesmo instante sentiu-se forte e capaz de erguer e manejar a espada com toda facilidade. Chegada a hora em que a moça deverias ser entregue ao dragão, o rei, o marechal e os nobres da corte a  acompanharam. De longe, a princesa avistou o caçador, parado no alto da montanha e, pensando que fosse o dragão que a esperava, relutou em seguir.  Por fim conformou-se e iniciou a subida, já que a cidade inteira seria arrasada se ela não se sacrificasse . O rei e os nobres regressaram profundamente tristes, ao palácio e só o marchechal ficou para assistir de longe , ao que ocorria.
    Quando a princesa chegou ao alto da montanha, em vez de encontrar ali o dragão, viu o jovem caçador, que a consolou, dizendo-lhe que pretendia salvá-la. pediu que entrasse na igreja, onde a encerrou. Pouco depois apareceu, com grande estrépito, o dragão de sete cabeças. Ao avistar o caçador, disse-lhe surpreso:
    - Que procuras  nesta montanha?
    - Vim  para lutar contigo- respondeu o rapaz.
     - Muito nobre cavaleiro já perdeu aqui a vida.- disse o dragão. - Darei conta de ti também. - E pôs-se a soltar fogo pelas suas sete gargantas.
    O monstro tencionava incendiar o capim seco para o caçador morresse sufocado pelo calor e pela fumaça, mas os seus animais vieram correndo e apagaram o incêndio. Em seguida o dragão atacou o caçador, mas este, brandindo sua espada de tal modo que o ar sibilava, de um golpe decepou três cabeças do monstro. Isso aumentou a fúria do dragão, que se ergueu nos ares e, cuspindo labaredas de fogo, quis lançar-se sobre ele. Sem perda de tempo, o caçador, de novo, brandiu a espada e lhe cortou mais três cabeças. O monstro, quase esgotado, caiu ao chão; mesmo assim, ainda quis investir contra o rapaz que, num último esforço, lhe decepou a cauda, e como não pudesse mais lutar, chamou seus animais que acabaram de destroça-lo. Findo a luta, o caçador abriu a igreja, onde encontrou a princesa no chão sem sentidos, com o susto que levara durante a batalha. Carregou-a para fora e, quando a moça voltou a si e abriu os olhos, ele mostrou-lhe o monstro aniquilado e lhe disse que ela estava livre. A princesa, radiante de alegria, exclamou:
    - Serás meu esposo amado, pois meu pai me prometeu àquele que matasse o dragão.
     Tirou do pescoço seu colar de coral e o repartiu entre os animais, para recompensá-los, sendo que o leão recebeu o fechozinho de ouro O lenço em que estava bordado seu nome deu de presente ao caçador. este, depois de cortar as sete línguas do dragão, as enrolou no lenço e guardou cuidadosamente.
    Sentindo-se cansado da luta, o jovem disse à moça:
     - Estamos muito cansados; é bom dormir um pouco.
     A princesa concordou e, depois que se estenderam na relva, o caçador disse ao leão:
    Ficarás de guarda par que ninguém nos assalte durante o sono. - E logo os dois adormeceram.
    O leão deitou-se ao lado deles para vigiar, mas , como também estivesse cansado da luta, chamou o urso e lhe disse:
    - Deita-te a meu lado, que vou dormir um pouco; se vier alguém . acorda-me.
     O urso acomodou-se perto dele, mas, como por sua vez também estivesse cansado, chamou o lobo,  e lhe disse:
    - Deita-te a meu lado, que vou dormir um pouco; se viera alguém, acorda-me.
     O lobo deitou-se mas, como também estava cansado, chamou a raposa para lhe dizer:
    - Deita-te a meu lado, que vou dormir um pouco, se vier alguém, acordar-me.
     Deitou-se a raposa , mas, como também estava cansada também, chamou o coelho e lhe disse:
    - Deita-te a meu lado, que vou dormir um pouco; se vier alguém, acorda-me.
     O coelho, então sentou-se ao lado dela. O pobrezinho, no entanto, também estava cansado e, como não tinha ninguém para incumbir da guarda, adormeceu. E assim todos : a princesa, o caçador, o leão, o urso, o lobo, a raposa e o coelho dormiam um sono profundo.
     O marechal, que ficara encarregado de observar de longe o que ocorria, não vendo o dragão afastar-se com a moça e percebendo que tudo estava calmo na montanha, encheu-se de coragem e iniciou a subida. chegando em cima, viu o monstro despedaçado no chão e, a bem pouca distancia, a princesa e um caçador com seus animais, todos eles imersos em sono profundo. Como o homem era mau desnaturado, puxou da espada e cortou a cabeça do caçador. Ergueu a princesa nos braços  e com ela desceu a montanha. Quando a jovem despertou, ouviu apavorada, o que ele lhe dizia:
    - Estás em meu poder e deverás confirmar que fui eu quem matou o dragão.
    - Não farei isso- respondeu ela. - Foram um caçador e seus animais que o venceram.
    Desembainhando a espada, ele ameaçou matá-la se não lhe obedecesse  e assim lhe arrancou a promessa sob juramento. depois levou-a ao rei, que não coube em si de alegria ao ver viva a sua filha querida, pois já a julgava devorada pelo monstro,
     Matei o dragão- disse-lhe o marechal. - Libertei a  princesa e todo o reino e por isso a exijo para minha esposa tal como prometestes.
    O rei perguntou à filha:
   - É verdade o que ele disse?
   - Oh, sim! - exclamou ela- deve ter sido assim.
 Mas peço que o casamento só se realize daqui um ano. Esperava que, durante esse tempo, haveria de ter notícias do seu querido caçador.
     Enquanto isso, na montanha do dragão , os animais ainda dormiam junto ao seu amo assassinado. Nisto, chegou, voando, uma abelha e pousou no focinho do coelho. O coelho espantou-a com a patinha e continuou dormindo. A abelha veio uma segunda vez, mas o coelho a espantou de novo, e prosseguiu no sono; na terceira, porém, a abelha o picou nas ventas e desta vez o, coelho   acordou . Despertou logo a raposa. e a raposa despertou o lobo. E o lobo despertou o urso. E o urso despertou o leão. quando o leão acordou e viu que a moça havia desaparecido e seu amo estava morto, começou a rugir terrivelmente;
    - Quem fez isso? - Urso, por que não me acordaste?
     O urso perguntou ao lobo?
     - Lobo, por que não me acordaste?
     E o lobo perguntou à raposa:
     - Por que não me acordaste?
     E a raposa ao coelho:
     - Por que não me acordaste?
     O pobre coelho foi o único que não pode responder e a culpa recaiu toda nele. Todos quiseram atacá-lo, mas o animalzinho disse, desculpando-se:
     - Não me matem que restituirei a vida ao nosso amo. Sei de uma montanha onde cresce uma raiz que tem a capacidade de curar todas as doenças e feridas daquele que a puser na boca. Só que o que tem é que essa montanha fica a duzentas horas daqui.
    Disse o leão, implacável:
     - Tens o prazo de 24 horas para voltares com a raiz.
      O coelho afastou-se, em disparada, e no prazo estipulado estava de volta com a planta milagrosa. O leão ajustou a cabeça ao tronco do caçador e o coelho, lhe meteu a raiz na boca.  Em seguida tudo ficou unido, o coração começou a bater e a vida lhe voltou. O rapaz acordou e, como não via a moça, pensou, compungindo: "Na certa ela se foi enquanto eu dormia, para se ver livre de mim."
       O leão, com pressa, tinha encaixado a cabeça do seu amo ao contrário, mas este nem sequer se deu conta, de tão triste que estava ao pensar na princesa. Só quando chegou o meio-dia, na hora de comer, notou que seu rosto estava virado para as costas. Não podendo compreender aquilo, perguntou aos animais o que lhe havia acontecido durante o sono. O leão contou-lhe que todos haviam adormecido e, ao acordarem, o tinham encontrado morto, degolado; que o coelho fora em busca da raiz da vida e que ele, o leão, com pressa, lhe havia colocado a cabeça ao contrário. Entretanto, trataria de reparar o seu erro. Arrancou, pois de novo, a cabeça do caçador e a encaixou devidamente e o coelho lhe fez voltar a vida por meio da raiz prodigiosa.
     Mas o príncipe sentia-se muito triste e saiu a correr mundo, fazendo os seus animais dançarem diante das pessoas. Aconteceu que, passado um ano, ele chegou, novamente , à mesma cidade em   que libertara a princesa do dragão. Dessa vez viu tudo engalanado com fitas e sedas de cor escarlate.
    Dirigindo-se ao hospedeiro, indagou:
   - Que significa isso? Há um ano a cidade estava de luto e hoje vejo tudo em cores tão vivas.
      O homem respondeu-lhe:
     - Há um ano a nossa princesa deveria ter sido entregue ao dragão, mas o marechal lutou com ele e o matou: por isso amanhã será celebrado o seu casamento. E a cidade que, naquela ocasião, estava coberta de luto, hoje se adorna com cores alegres em sinal de regozijo.
     No dia seguinte, quando se realizaria as bodas, o caçador dirigiu-se ao hospedeiro:
     - Acreditará, senhor hospedeiro, se eu lhe disser que hoje comerei pão da mesa do rei, aqui em sua casa?
     - O que?!- exclamou o outro. - Aposto cem moedas de ouro como isso é absolutamente impossível.
    O caçador aceitou a aposta e pegou uma bolsa com igual quantidade de moedas. Depois chamou o coelho lhe disse:
    - Meu bom saltador, vai buscar-me o pão da mesa do rei.
    O coelhinho, que era o menor de todos os animais, não podendo passar o trabalho a outro, teve ele mesmo de desincumbir-se da tarefa. " Céus!" - pensou ele- "quando eu estiver correndo sozinho, pelas ruas, os cães dos carniceiros me darão caça." Dito e feito. Os cães saíram em sua perseguição para trincarem-lhe os dentes. O coelhinho,  porém, zás-trás, refugiou-se na guarita da sentinela sem que o soldado visse. os cães chegaram e puseram-se a ladrar para fazê-lo sair dali, mas o guarda não estava para brincadeiras e começou a bater neles com a coronha de sua arma; isso os fez sair correndo aos ganidos. Quando o coelho viu que o campo estava livre, entrou, de um salto, no palácio. Foi diretamente à princesa e, sentando-se junto à sua cadeira, com a patinha lhe roçou o pé.
    - Fora daqui! - gritou ela, pensando que era o seu cão. O coelho voltou a roçar-lhe o pé e ela repetiu: - Vamos, sai logo daí! - convencida de que era o cachorro,. Mas o coelho insistiu, roçando-lhe o pé pela terceira vez. A princesa, então, olhou para baixo e reconheceu o animal pelo seu colar. Erguendo-o ao colo, perguntou:
    - Meu querido coelhinho, que queres tu?
     - Respondeu-lhe  o coelho:
    - Meu amo, que matou o dragão, está aqui e me enviou a pedir pão da mesa do rei.
    Fora de si de alegria, a princesa mandou chamar o padeiro e lhe ordenou trazer um pão dos que eram servidos na mesa real
    - Mas o padeiro terá de ir comigo- disse o coelho-para que os cães não me persigam.
    E assim o padeiro levou o pão até a porta da hospedaria, onde o coelho, erguendo-se sobre as patas traseiras, o apanhou coma s dianteiras e o levou ao seu amo.
 Disse, então, o caçador:
     - Está vendo, senhor hospedeiro? As cem moedas são minhas, O bom homem admirou-se e o outro prosseguiu: - Sim, senhor hospedeiro, já tenho o pão, mas agora quero comer, também , do assado da mesa real.//////////////////////////////////////
   Ao que lhe retrucou o dono da estalagem:
    - Isso eu gostaria de ver - sem atrever-se, no entanto, a renovar a aposta. O caçador, chamando a raposa, lhe disse:
    - Raposinha querida, vai buscar-me um assado tal como o rei o come
    A raposa, bem esperta e conhecedora de todos os cantos e recantos foi-se esgueirando até o palácio sem que nenhum cachorro a visse. Lá dentro, sentou-se sob a cadeira da princesa e ali começou a roçar o pé da moça. Olhando para baixo, ela reconheceu a raposa pelo calor e, levando-a para seu quarto, disse:

   - Querida raposa, que queres tu?
                                   
     A raposa respondeu:
   - Meu amo, que matou o dragão, está aqui e me mandou pedir um pedaço do assado real.
    A princesa mandou chamar o cozinheiro, e este teve de preparar um assado igual ao do rei e levá-lo até a porta da hospedaria, acompanhando a raposa. Ali o animal apanhou o prato e, afugentando com a cauda as moscas que haviam pousado na carne, levou-a para seu amo.
    - Veja, senhor hospedeiro-disse o caçador-pão e carne estão aqui;  agora , quero comer, também os legumes que servem ao rei.
    Chamou o lobo e lhe disse:
   - Querido lobo, vai buscar-me legumes de tal como são preparados para o rei.
    O lobo foi, diretamente, ao palácio, pois não temia a ninguém e, quando entrou no quarto da princesa , puxou-a  pelo vestido, de modo que ela foi obrigada a voltar-se. Conhecendo-o pelo colar, perguntou:
   - Querido lobo, que queres tu?
    E o lobo respondeu:
    - Meu amo, que matou o dragão, está aqui e me enviou a pedir legumes tal como os come o rei.
    A princesa mandou chamar o cozinheiro, o qual teve de preparar os legumes à maneira que o rei os comia e levar o prato até a porta da estalagem. Ali o lobo apanhou a travessa e a levou a seu amo.
      - Veja, senhor hospedeiro-disse o caçador- agora tenho pão, carne e legumes  mas ainda quero sobremesa da que come o rei.
    Chamou o urso, sei que gostas de doce; vai buscar-me sobremesa da que come o rei.
    O urso saiu trotando para o palácio e todos o deixavam passar. Mas, quando chegou em frente à guarda real, os soldados quiseram impedir-lhe a passagem, apontando-lhe os fuzis. O urso, entretanto, levantou a pata e, aplicando golpes à direita e à esquerda, derrubou todos os soldados. Feito isso, encaminhou-se, diretamente, aos aposentos da princesa; colocou-se atrás e, reconhecendo o urso, o fez entrar para o seu quarto e perguntou:
    - Querido urso, que queres tu?
    - Meu amo, que matou o dragão, está aqui e me  mandou  pedir sobremesa da que come o rei.
     A princesa ordenou ao confeiteiro que preparasse um doce como o rei o comia e acompanhasse o urso até a porta da hospedaria.
    O urso, depois de comer alguns confeitos que haviam caído, aprumou-se nas patas de trás, apanhou o prato e o entregou a seu amo.
    - Veja, senhor hospedeiro-disse o caçador- agora tenho pão,carne, legumes e doces, mas quero, também, tomar o vinho que o rei bebe.
     O leão saiu à rua e as pessoas pusseram-se a correr assustadas. Quando a guarda do palácio lhe quis impedir a passagem, bastou soltar uns rugidos para que os soldados fugissem. A fera encaminhou-se aos aposentos reais e bateu à porta com sua cauda. A princesa veio abrir e quase caiu de susto; logo, porém, reconheceu o leão pelo fecho de ouro do seu colar e, fazendo-o passar ao quarto, lhe disse:
      - Querido leão, que queres tu?
      Ao que ele respondeu:
    - Meu amo, que matou o dragão, está aqui e me manda pedir vinho de que bebe o rei.
      A princesa mandou chamar o copeiro e lhe deu ordem para entregar ao leão um pouco de vinho do rei.
     - Vou com ele-falou o leão- para me certificar de que me dará o verdadeiro.
     Desceu com o homem à adega e ali o copeiro tentou servir-lhe vinho comum, do qual
bebiam os criados.
   Mas o  leão disse:
    - Espera; quero prová-lo antes. - E  encheu meia medida, que engoliu de uma só vez.
     - Não -disse ele- não é deste.
     O copeiro olhou-o atravessado, mas foi a outro barril que era destinado ao marechal do rei e se dispôs a servir daquele.
    - Espera, quero prová-lo antes- insistiu o leão- e, enchendo outra medida, a bebeu de um trago. - Este já é melhor, mas ainda não é o que eu quero.
    Zangado, o copeiro resmungou:
    - O que poderá entender de vinhos um animal idiota como esse?
    Aí o leão aplicou-lhe um golpe atrás das orelhas que  o fez rolar por terra.Quando se levantou, o homem conduziu a fera, silenciosamente, a um pequeno recinto onde estava o vinho do rei, e do qual ninguém mais bebia. O leão encheu primeiro meia medida, experimentou e depois disse:
    - Este sim é do bom- e mandou que o copeiro lhe enchesse seis garrafas.
    Voltaram ao andar superior, mas o leão , ao atingir  o ar livre, começou a andar um tanto vacilante, pois o vinho lhe havia subido à cabeça. Por isso o  copeiro teve de levar-lhe as garrafas até a porta da hospedaria.Ali o leão apanhou a cesta com a boca e a levou a seu amo.
    - Está vendo, senhor hospedeiro? Aqui tenho pão, carne, verduras, doce, vinho da mesa real; agora vou banquetear-me com meus animais.
    Sentou-se, comeu, dando de tudo ao coelho, à raposa, ao lobo, ao urso e ao leão. Sentia-se feliz de verdade, pois via que a princesa ainda o amava. Terminada a refeição, disse:
   - Senhor hospedeiro, comi, bebi como o próprio rei; agora vou ao palácio e me casarei com a princesa.
    Perguntou-lhe o dono da estalagem:
    - Como é possível isso, se ela já  está noiva e hoje mesmo irá celebrar o seu casamento?
    Tirando o lenço que lhe dera a donzela na montanha do dragão e onde havia guardado as sete línguas do monstro, o caçador lhe respondeu:
     - Isso que tenho nas mãos me ajudará a realizar meu desejo.
     Olhando para o lenço, o hospedeiro disse:
    - Acredito tudo menos nisso; aposto minha casa e o meu campo.
    O caçador pôs em cima da mesa uma bolsa que continha mil moedas de ouro.
    - A minha parte vale isso-respondeu.
     Durante o banquete, o rei perguntou ã filha:
   - Que queriam esses animais selvagens que te procuraram hoje no meu palácio?
    - Não posso dizer- respondeu ela- mas manda chamar o amo deles e não te arrependerás.
     O rei mandou um criado à estalagem convidar o forasteiro. O homem chegou no momento exato em que o caçador fazia sua aposta com o dono da casa.
      - Veja, senhor hospedeiro- disse o rapaz- o rei me manda um convite pelo seu criado e mesmo assim eu ainda não irei.
        E, voltando-se para o lacaio, disse-lhe:
       Peça ao rei que me envie roupas de príncipe, uma carruagem com seis cavalos e uma escolta.
      Ao ouvir aquele pedido, o rei disse à  filha:
     - Que devo fazer?
     - Faze o que ele pede e não te arrependerás.
      Então o rei mandou roupagens magníficas, uma carruagem com seis cavalos e uma escolta. Quando vinham chegando,o  caçador disse:, ./////////////////////
      Vestiu as roupas reais, apanhou o lenço com as línguas do dragão e deixou-se conduzir ao rei. Este, vendo-o, chegar, perguntou à sua filha.
      - Como devo recebê-lo?
     - Vai ao seu encontro- respondeu ela- e  não te arrependerás.
    O rei foi recebê-lo e o conduziu pela escadaria do palácio e todos os animais  o acompanharam. O monarca indicou-lhe  um lugar perto de si e de sua filha.  O marechal, que era o noivo , estava sentado à sua frente, mas não o reconheceu.
    Foram trazidas as sete cabeças do dragão para exibi-las aos convidados. E o rei assim falou:
    - Estas sete cabeças foram cortadas ao dragão, pelo marechal; por isso lhe dou hoje a mão de minha filha.
    Neste instante o caçador levantou-se, abriu as sete bocas do dragão e perguntou:
     - Onde estão as sete línguas do monstro?
     O marechal perturbou-se, ficou pálido e não soube o que responder. Por fim disse, tomado de pânico:
    - Os dragões não tem línguas.
    - Os mentirosos é que não as deviam ter-disse o caçador. - Mas as línguas  dos dragões são o trofeu do vencedor.
    E abriu o lenço onde guardava as sete línguas  e as meteu, uma por uma, nas bocas a que pertenciam e todas encaixaram perfeitamente. Depois pegou o lenço com o nome bordado da princesa e, mostrando-o à moça, perguntou a quem  ela o havia dado.Respondeu-lhe a jovem:
    - Aquele que matou o dragão!
     Em seguida chamou os seus animais e tirou a todos o colar e ao leão o pequeno fecho de ouro. Mostrou à moça e perguntou a quem pertenciam:
    - O colar com o fecho era meu e eu o reparti entre os animais que ajudaram a vencer o dragão.
    O caçador prosseguiu:
    - Enquanto eu dormia, fatigado do combate, veio o marechal e me cortou a cabeça. Depois levou a princesa e inventou ter sido ele quem matou o dragão. Que isso é mentira, eu provo por meio das línguas, do lenço e do colar.
     A seguir contou como os animais lhe haviam devolvido a vida por meio da raiz milagrosa e que, durante um ano, andara vagando pelo mundo até chegar, por fim, novamente, àquela cidade, onde ficara sabendo da falsidade do marechal, pelas palavras do hospedeiro. O rei, então, perguntou à sua filha:
   - É verdade que foi este cavaleiro que matou o dragão?
    - Sim é verdade- respondeu a princesa- e agora já posso revelar o crime do marechal, descoberto sem minha interferência, pois ele me havia obrigado a jurar que guardaria segredo. Por esta razão, pedi que o casamento fosse celebrado só após um ano.
      O rei mandou convocar doze de seus conselheiros para que julgassem o crime do marechal e estes o condenaram a ser esquartejado por quatro bois. Desse modo se fez justiça e o rei concedeu a mão de sua filha ao caçador, a quem nomeou governador do reino. As bodas foram celebradas com grande alegria e o jovem rei mandou trazer seu pai e também o pai adotivo e os cumulou de riquezas. Não esqueceu tampouco o hoteleiro, a quem mandou vir à sua presença e disse:
     - Veja, senhor hospedeiro! Casei-me com a princesa; a sua casa e campo agora me pertence.
      - Sim é justiça! - respondeu o homem.
      Mas o jovem o tranquilizou:
    - Não me valerei disso. Poderá ficar com sua casa e com seu campo e  ainda lhe faço presente das mil moedas de ouro.
    O jovem príncipe e sua esposa viviam, pois, contentes e felizes um com o outro. O marido saía muitas vezes à caça,  era um dos seus passatempos preferidos e sempre seus fiéis  animais  o acompanhavam. Havia naqueles arredores um bosque que diziam ser encantado e quem ali entrasse, dificilmente sairia. O jovem príncipe, um dia, sentiu desejo de caçar naquela floresta e não deixou em paz o velho rei até que este lhe deu permissão. Saiu, pois, em companhia de um grande grupo de cavaleiros e, lá chegando, avistou uma corça branca como a neve.
    - Esperem aqui até minha volta- disse a seus companheiros.- Vou dar caça a este belo animal - e entrou no bosque, seguido apenas de seus companheiros de quatro patas.
     O grupo de homens ficou aguardando até de noite, mas o príncipe não apareceu. Voltaram, então, ao palácio e disseram à jovem rainha:
    -  Vosso esposo entrou no bosque encantado para caçar uma corça e de lá não voltou.
    Essa notícia deixou a rainha em grande aflição.
    Quanto ao príncipe, havia seguido a bela caça sem poder alcançá-la.  No momento em que ia atirar, ela desaparecia imediatamente e surgia a grande distância, até que afinal desapareceu de todo. Notou, então, que se havia embrenhado no fundo da selva. Pegou sua trompa de caça  e começou a tocar, mas não obteve resposta alguma, pois ninguém podia ouví-lo. Como já anoitecera, compreendeu que era impossível voltar ao palácio  naquele dia . Apeou, então, acendeu um fogo ao pé de uma árvore, pretendendo passar ali a noite. Quando estava sentado junto à fogueira e seus animais se haviam deitado  em redor, pareceu-lhe ouvir uma voz humana. Olhou em volta, mas nada viu. Pouco depois percebeu, de novo, uma espécie de gemido que parecia vir do alto da árvore.Levantou os olhos e descobriu na copa uma velha que repetia, continuamente, a mesma queixa:
    - Uh, uh, uh! Como sinto frio!
    Disse-lhe ele:
  - Desce e vem aquecer-te, se estás com frio.
 Ela, porém, respondeu:
   - Não, teus animais me morderiam
 
     - Não te farão mal algum, velhinha .Podes descer tranquilamente.
     Mas a mulher, que era uma bruxa, disse:///
    - Jogarei um ramo da árvore, para que batas no lombo desses bichos: assim não me farão nada.
     E lhe atirou um ramo; mas, quando o príncipe tocou os animais com a vara, eles se imobilizaram, transformados em pedra. Vendo-se a salvo dos animais, a bruxa saltou ao solo e, por sua vez, tocou no príncipe com uma vara, transformando-o , igualmente, em estátua de pedra. Feito isso, soltou gargalhadas pavorosas e arrastou o caçador  e os bichos para dentro de uma vala, onde já haviam muitas outras pedras semelhantes.
      Ao ver que o jovem príncipe não regressava, a inquietude e a preocupação da princesa começaram a aumentar dia a dia. Justamente nesse época , o outro irmão, que, ao separar-se, tomara o rumo leste, chegava ao reino. Andara procurando emprego , mas nada tinha encontrado, passando então a exibir seus animais de uma cidade a outra. Certo dia, lembrou-se de ir ver a faca que, no momento da despedida, haviam enterrado na árvore, para ter notícias de seu mano. Ao chegar lá, viu que o lado correspondente ao irmão estava metade enferrujado e metade brilhante. Vendo aquilo, assustou-se e pensou: "Uma grande desgraça deve ter acontecido a meu irmão, mas talvez eu ainda o possa salvar, pois metade da faca se conserva reluzente."
    Encaminhou-se, com seus animais, rumo a oeste e, quando ia entrar no portão da cidade, apresentou-se o chefe da guarda perguntando-lhe se queria que o anunciassem à sua esposa; a jovem princesa passara vários dias angustiada por sua ausência, temendo que houvesse sido morto no bosque encantado. Os soldados o tomavam  pelo príncipe, tão grande era a parecença entre eles e, além disso, vinha acompanhado dos mesmos animais. O caçador compreendeu que o confundiam com seu irmão e pensou: "Melhor será que os deixe no engano; desse modo me será mais fácil salvá-lo."E fez-se acompanhar pela guarda ao palácio, onde foi recebido com grande alegria. Também a jovem rainha o tomou por seu esposo e perguntou-lhe o motivo de sua demora. Respondeu-lhe o caçador:
    - Perdi-me no bosque e não conseguia sair dele.
     À noite o conduziram ao leito real, mas ele pôs sua espada entre os dois. E a rainha, embora não compreendesse por que motivo fazia aquilo, não se atreveu a perguntar-lhe.
     Permaneceu no palácio alguns dias e indagou tudo a respeito do bosque encantado. Por fim disse:
      - Tenho de ir caçar de novo por lá
     O velho rei e a jovem rainha trataram de dissuadi-lo, mas ele insistiu e acabou partindo à frente de numeroso séquito.Chegados ao bosque, aconteceu o que havia sucedido ao seu irmão. Viu a bela corça branca e disse a seus homens:
   - Fiquem aqui até meu regresso; quero apanhar essa bela caça - e entrou no bosque, seguido de seus animais.
    Mas ele também não conseguiu alcançar a corça e penetrou tão fundo nas selvas que não teve outro remédio senào passar a noite ali. Quando acendeu a fogueira, ouviu que sobre a sua cabeça alguém gemia.
    Uh, uh,uh! Que frio estou sentindo! - E , olhando para o alto, descobriu na copa a mesma bruxa . Disse-lhe:
    - Se estás com frio, desce, minha velhinha, para que possas aquecer-te.
     - Não, teus animais me morderiam-respondeu ela.
      - Não te farão dano algum- garantiu o caçador.
     - Eu atirarei uma vara - respondeu a bruxa.- Bata neles com ela e não me farão nada.
    Ao ouvir o caçador essas palavras, desconfiou da velha e lhe disse:
    - Não bato em meus animais. Desce tu, ou subirei para buscar-te.
    -Que pretendes? - exclamou a bruxa.- Não podes comigo.
    - Se não desces, eu te derrubo com um tiro, - respondeu ele.
     - Dispara quantas quiseres. Não  temo tuas balas!
     O caçador apontou a arma e disparou-a, mas a bruxa tinha o corpo fechado para o chumbo e desandou  a rir às gargalhadas.
     Não consegues atingir-me! - repetia ela, engasgada de riso.
   Mas o caçador sabia como agir e arrancou três botões de prata de sua jaqueta e com elas carregou sua arma. Com isso cessaria o poder da bruxa; assim , ao primeiro disparo, ela caiu ao chão com um grito horrível.O jovem lhe pôs o pé em cima e disse:
     - Velha bruxa, se não me revelas, imediatamente, onde está meu irmão, eu te agarro e te lanço fogo.
     Assustou-se a velha e, pedindo misericórdia, falou:
    - Ele e seus animais estão na vala, convertidos em pedra.
    Forçando-a, então, a acompanhá-lo e ameaçando-a dizendo:
    - Velha feiticeira, ou devolves a vida a meu irmão e a todos os que aqui jazem, ou te jogo ao fogo.
    Imediatamente ela pegou uma vara e tocou as pedras. No mesmo instante seu irmão com seus animais tornaram a viver, e assim muitos mercadores, artesões e pastores. E todos eles agradeceram por sua libertação, partindo em seguida para casa.
      Os gêmeos, ao se reverem, abraçaram-se e beijaram-se com os coraçoes cheios de alegria. Depois, agarraram a bruxa, ataram-na e a jogaram ao fogo. E assim que as chamas a haviam consumido o bosque abriu-se  espontaneamente, tornando-se claro e luminoso, e o palácio apareceu a tres horas de distancia.
     Os dois irmãos iniciaram o caminho de volta e, enquanto andavam, iam contando suas aventuras. Quando o mais moço contou que era regente de um reino, o outro respondeu:
     - Já sabia, pois quando cheguei a cidade me confundiram contigo e me prestaram honras reais. Também a jovem rainha me tomou por seu esposo e me fez comer ao seu lado na mesa e dormir na sua cama.
     Ao ouvir aquelas palavras, o jovem rei, num impulso de cólera e de ciúme, desembainhou a espada e, de um golpe, decepou a cabeça  de seu irmão. Mas, ao vê-lo morto e banhado em sangue, sentiu grande arrependimento;
    - Meu irmão me salvou- exclamou, lamentando-se em voz alta. -  E eu, em troca, lhe tirei a vida!
     Apresentou-se, então, o coelhinho e ofereceu-se para ir buscar a raiz milagrosa; e, de fato, pode traze-la ainda em tempo. O morto voltou à vida, sem que ficasse sinais de ferimento.
    Seguiram, pois, seu caminho e disse o mais moço:
     - És completamente parecido comigo, vestes como eu, roupas reais e te seguem os mesmos animais que a mim. Entraremos por dois portoes opostos e nos apresentaremos ao mesmo tempo ao rei, vindo de duas direçoes contrárias,
     Combinado isso, separaram-se e pouco depois a guarda de um e outro portào comunicou ao rei que o jovem príncipe acabava de chegar da caça com seus animais.
O rei exclamou:
     - Isso não é  possível! Entre um portão e outro há uma hora de distancia!
    E foi então que, vindo de direções opostas, entraram no pátio do palácio os dois irmãos e apearam de seus cavalos. Disse o velho rei à sua filha:
    - Dize-me qual dos dois é teu esposo. São como duas gotas de água e não sou capaz de distingui-los.
    A princesa ficou um momento perplexa e angustiada, sem saber o que responder, até que, lembrando-se do colar que dera aos animais, viu o fecho de ouro no leao e exclamou com grande alegria:
    - Aquele a quem este ;leao seguir é meu verdadeiro esposo.
     O Jovem rei começou a rir, dizendo:
    - Sim , este é o verdadeiro! - E todos sentaram-se à mesa e comeram e beberam contentes. À noite, quando o príncipe foi para a cama, sua esposa perguntou-lhe:
    - Por que, nas outras noites, puseste no leito, entre nós dois, a tua espada de dois gumes? Pensei que quisesses matar-me.

  •     O jovem rei compreendeu, então, até que extremo chegara a lealdade de seu irmão.

FIM












   


   








sabia como agir e arrancou três
     












Nenhum comentário:

Postar um comentário