sexta-feira, 30 de junho de 2017

O GALHO DA SORTE - CONTOS DE ANDERSEN

 Quero agora contar uma história da Sorte. Todos nós conhecemos a Sorte. Há quem a encontre todos os dias; mas há também aquele que somente a veem de anos em anos, e num único dia. E há até quem a tenha visto apenas uma única vez em toda a vida.
   Não há, entretanto, ninguém que não a tenha jamais encontrado; isso não!

   - Não julgo necessário contar - pois que todo o mundo sabe - que Deus manda as criancinhas para o colo das mães. Tanto no castelo dos ricos e na casa abastada, como nos campos desprotegidos, varridos pelos ventos frios. Mas nem todos sabem- e contudo, e indubitável! - nem todos sabem que Deus, quando manda as criancinhas, as dota com um brinde da Sorte. É certo que esse brinde não fica exposto e visível aos olhos curiosos de todo o mundo não!Fica instalado em algum lugar, no lugar onde menos esperaríamos encontrá-lo, e contudo, é sempre achado no momento oportuno, o que vem a ser muito agradável. Pode estar escondido em uma maça, por exemplo, como sucedeu com um sábio chamado Newton. A maça caiu, e ele encontrou nela a Sorte. Se  não sabes essa história, pede a alguém que te conte a história da maça*. Quanto a mim, vou contar outra - a história de uma pera.
   Era uma vez um homem pobre, que nascera na indigência, criara-se na miséria, e casara sem dela se aparta. Era torneiro de profissão, e torneava de preferencia cabos e argolas para guarda-chuva; mas isso mal dava para o sustento de cada dia. E ele costumava dizer:
   - Eu jamais tive sorte...Nunca a encontrei na vida eu podia dizer o nome do país e até do lugar onde morava aquele homem. Mas isso é coisa que não importa à história.
   A casa era toda rodeado de sorveiras( é uma árvore da família das Rosaceae), vermelhas e acres; eram o maior adorno do pomar, mas havia também ali uma pereira, que não dava pera alguma. E contudo, naquela árvore é que estava escondida a Sorte, oculta nas pera invisíveis.
  Uma noite sobreveio terrível tempestade. O jornal até contou que a diligência, tão pesada, fora erguida pelo vendaval e lançada para dentro da valeta, como um farrapo. Imagine-se pois com que facilidade não seriam partidos os galhos de uma pereira!
   Pois um galho partido foi ter à oficina, e, por mera brincadeira, o torneiro tirou-lhe um toro e torneou dele uma grande pera; depois torneou outra igual; depois outra menor, e afinal afeiçoou outras pequeninas.
   Deu as peras às crianças, para que lhes servissem de brinquedo, e acabou dizendo:
   - Ora, afinal aquela árvore tinha de produzir peras mesmo...
   Em uma terra de nevoeiros, o guarda-chuva faz parte das coisas indispensáveis, certamente. A família inteira possuía um só, para o uso comum. Quando o vento soprava com muita violência, o guarda-chuva chegava a se virar do avesso, e as vezes se partia em dois; mas logo o homem o consertava. O pior era o botão que servia para mantê-lo fechado, depois de enrolado: despregava-se com frequência, e a argola que o mantinha também se quebrava facilmente
   Ora, um dia desprendeu-se o botão. O torneiro procurava-o pelo chão quando deu com uma das perinhas menores, das que dera oas filhos para brinquedo.
   - Não acho o botão, mas isto serve.
  Furou então a pera, enfiou-lhe um cordãozinho, e a pera pequenina prendeu perfeitamente a argola partida- e foi aquele, na verdade, o melhor fecho que já tivera o guarda-chuva.
  No ano seguinte, quando o torneiro remeteu cabos de guarda-chuva para a capital, onde eram vendidos os seus trabalhos, enviou também algumas daquelas peras pequeninas, torneada na madeira, e enfiadas em meia argola; e pediu que as experimentassem, a ver se agradara,. Assim foram elas ter à America. Lá viram logo que a perinha fechava muito melhor do que qualquer outro botão, e daí resultou que pedissem ao fornecedor que dali em diante todas as remessas de guarda-chuva trouxessem uma perinha no fecho.
  É claro que aumentou muito o trabalho. Peras, peras aos milhares! peras de madeira em todos os guarda-chuvas!
   O torneiro tinha muito que fazer. Torneava sem cessar. Toda a pereira se desfez em perinhas. E entravam os xelins, entravam os ducados.
  - Pois a minha Sorte estava escondida na pereira- dizia o homem.
  Possuía agora uma grande oficina, tinha oficiais e aprendizes. Andava sempre muito contente, e costumava dizer:
   - A Sorte pode bem estar escondida em um galho!

  E eu, que contei a história, digo o mesmo.

   Lá diz o rifão: "Põe na boca um galinho branco e ficarás invisível." Mas há de ser o galinho apropriado, o que Deus nos destinou, como brinde da Sorte.
   Eu o achei; e, como aquele homem, posso extrair ouro, ouro fulgurante, o ouro mais puro que existe, aquele que resplandece nos olhos das crianças, e lhes canta na boca, e que também brilha nos olhos dos pais, quando lêem as histórias, e eu estou na sala, entre eles, mas invisível - porque trago na boca o galinho branco.
   E quando percebo que a história que contei lhes traz alegria...então também eu digo:
   - A Sorte pode esconder-se em um galho! Fim






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