quarta-feira, 21 de março de 2018

CONTOS DE ANDERSEN - UMA FOLHA DO CÉU

   Lá bem em cima, no céu, no ar mais puro, um anjo voou do jardim do paraíso com uma flor. Uma folha desprendeu-se da haste e veio sair na terra, no meio de um bosque. Logo criou raízes e começou a crescer.
   Não quiseram as outras reconhecer nela uma das suas iguais. E diziam:
   - Que broto mais esquisito!
 Quem mais a ridicularizava era o cardo e a urtiga; falavam com o maior desprezo:
   - De onde virá isso? É alguma semente de hortaliça, sem dúvida..Pois já se viu árvore alguma brotar tão depressa? E pensará ela que estamos aqui para amparar?
  Chegou o inverno; a terra cobriu-se de branco. A planta celeste comunicava à neve um brilho maravilhoso, como se um raio de sol a iluminasse interiormente. Na primavera apresentou uma flor tão linda, como nunca se vira igual.
   Fizeram uma comunicação ao professor de Botânica mais afamado do país. Deu-se ele pressa em aparecer, munido do diploma que atestava seu vasto saber. Examinou a planta, analisou-a, provou as folhas. Não se assemelhava a nenhuma planta conhecida por ele. Não encontra gênero, não achava família em que a classificar. E acabou por declarar:
   - É uma planta anômala, uma aberração da natureza: não se enquadra em nenhum sistema.
   - Isso não se enquadra em nenhum sistema! - repetiram cardos e urtigas.
   Vieram as árvores altas e corpulentas e ouviram contar o que se passava. Nada disseram, nem de bem nem de mal, que é a coisa  mais sensata que pode fazer quem ignora.
   Chegou àquele bosque uma pobre mocinha, que parecia a própria inocência: puro era o seu coração, e grande a inteligência, pela fé que a animava. A única coisa que possuía no mundo era uma Bíblia pela qual parecia que Deus lhe falava. Aprendera ali quão maus são os homens, mas sabia também que quando eles nos forçam a sofrer a injustiça, quando não nos compreendem e zombam de nós, devemos lembrar-nos do exemplo do melhor, do mais puro dos filhos de Deus, que eles pregaram à cruz e repetir as suas palavras:
   - Perdoa-lhes, Pai, que eles não sabem o que fazem! 
    A moça parou diante da planta miraculosa, cuja flor espalhava no ar um perfume agradável, e que brilhava ao Sol como um ramalhete de fogo de artifício. Quando o vento lhe agitava as folhas, ouvia-se o eco de harmonias celestes. A jovem ficou em êxtase diante daquela maravilha. Curvou-se sobre a planta, para admirá-la de mais perto, e para lhe aspirar o perfume. Sentiu o coração vivificado, o espírito esclarecido pela sabedoria divina. De boa vontade teria colhido a flor;  mas seria malfeito, e a flor murcharia. Apanhou apenas uma folhinha, que pôs entre as páginas da Bíblia; e a folha ali ficou, fresca e verde.
    Algumas semanas mais tarde a bíblia foi posta sob a cabeça da mocinha, que dormia no seu ataúde. A folha lá estava ainda. A jovem repousava no caixão tranquilamente, e no seu rosto, suave  e grave, notava-se um ar de felicidade.
     Enquanto isso a planta ia crescendo e florescia. As aves de arribação inclinava-se diante dela com respeito e os cardos e espinheiros resmungavam:
   - Olhem só esses estrangeiros! Nem sequer sabem por que prodigalizam assim suas homenagens! Não, nós cá não nos portamos tão estupidamente!
    E as feias lesmas são mato cuspiam diante da planta caída do céu.
  Um porqueiro, que andava juntando gravetos para acender o fogo, arrancou cardos, espinheiros e urtigas, e também a bela planta com toda as a s raízes, dizendo consigo:
   - Tudo isso só serve para cozinhar a minha sopa.
   Já fazia muito tempo que o rei daquele país sofria de uma melancolia atroz, que nada conseguia dissipar. Para se distrair, resolveu tomar conhecimentos dos problemas do seu povo, através da literatura. Ouviu a leitura de todas as obras nacionais, boas e más, profundos e leves, e não obteve resultado algum. Buscaram recurso na sabedoria do homem mais sábio do universo. Respondeu ele que havia um meio de curar o rei: era fazer com que sua majestade apanhasse uma folha de flor celeste que se achava em um bosque do seu reino. E dava a descrição da planta. Reconheceu então aquele espécime que despertara tanta curiosidade. - Com a breca! E eu que a arranquei! - disse consigo o porcariço. - Há tempo que há não resta dela senão um punhado de cinza...Ora vejam o que é a ignorância!
   Ficou muito confuso com o seu procedimento inconsiderado, mas guardou-se bem de ir contar o que acontecera, afinal...ainda fazia muito em se envergonhar; tinham os sábios revelado mais conhecimento do que ele?
    Sumira-se a planta. Não restara dela mais que uma única folha, no túmulo de uma mocinha. Mas ninguém o sabia.
   O rei foi em pessoa ao mato para verificar por seus próprios olhos a desaparição da planta.
   - Era então aqui que ela estava! - exclamou ele. - Será este doravante um lugar santo.
   Mandou cercar o sítio com uma grade de ouro e ali foram postadas sentinelas para o guardar.
  O famoso professor de Botânica escreveu uma longa dissertação, empanturrada de ciência, sobre as qualidades da planta divina; demostrou tudo o que se perdera, com o  eu desaparecimento. O rei cobriu de ouro cada página da obra  - e foi o asno do autor quem mais ganhou no caso.
   E as pobres sentinelas se aborreciam de morte lá no mato.
FIM

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