segunda-feira, 11 de julho de 2016

O PORQUINHO-DA-ÍNDIA - CONTOS DE GRIMM

           Era uma vez uma princesa que tinha, no último andar do seu palácio, um salão com doze janelas que davam para todos os pontos do horizonte e de onde podia enxergar todo o seu reino. Da primeira janela via tudo melhor que qualquer outra pessoa; da segunda, com mais nitidez ainda e, assim por diante, em crescente perfeição, até à duodécima, de onde não lhe escapava nada de quanto havia em seus domínios, na superfície ou embaixo da terra. Como fosse muito orgulhosa e não quisesse submeter-se a ninguém, desejava conservar para si todo o poder. Mandou apregoar que só casaria com o homem capaz de ocultar-se de tal maneira que ela não o pudesse descobrir. Aquele, porém, que se arriscasse à prova e perdesse, seria decapitado e sua cabeça cravada num poste. O resultado disso é que à frente do palácio já havia noventa e sete postes com outras tantas cabeças neles espetadas. Passou-se, então, muito tempo, sem que aparecessem mais pretendentes. A princesa sentia-se satisfeita e pensava: " Agora estarei livre toda a minha vida."
          Acontece, no entanto, que surgiram três irmãos dispostos a fazer a experiência. O mais velho acreditava estar seguro metendo-se num poço de cal, mas a princesa o descobriu, já da primeira janela, e ordenou que o tirassem do esconderijo e o degolassem. O segundo escondeu-se no porão do palácio, mas também foi descoberto através da mesma janela e sua cabeça for parar no poste número noventa e nove. Apresentou-se, então, o mais moço ante a princesa e pediu que lhe concedesse um dia para pensar e mais a graça de repetir a prova por três vezes. Caso fracassasse na terceira, renunciaria à vida. Como era um jovem muito bonito e soube pedir de modo amável, disse-lhe a princesa:
      - Bem; concedo o que me pedes, mas previno-te de que não terás sorte.
        No dia seguinte o rapaz pôs-se a pensar num lugar onde esconder-se, mas foi inútil. Sem chegar a uma conclusão, apanhou a espingarda e saiu à caça. Ao ver um corvo, apontou-lhe a arma. No momento, porém, em que ia atirar, a ave gritou:
       - Não atires! Eu saberei recompensar-te.
       O jovem baixou a espingarda e continuou a andar. Chegou à margem de um lago, onde surpreendeu um peixe grande que subira do fundo à superfície da água. Apontava-lhe a arma quando o peixe exclamou:
       - Não dispares! Eu saberei recompensar-te.
    O rapaz permitiu que o peixe mergulhasse de novo e continuou seu caminho até que encontrou uma raposa , a qual caminhava rengueando. Disparou a  arma contra ela, mas errou o tiro. O animal, então, lhe disse:
      - É melhor que tires o espinho que tenho no pé.
       O rapaz atendeu-a, mas depois quis matá-la para tirar-lhe a pele. A raposinha, porém, implorou:
        - Solta-me e eu te recompensarei!
        Compadecido, o jovem devolveu-lhe a liberdade , como já anoitecia, regressou à sua casa.
   No dia seguinte deveria esconder-se, mas por muito que se esforçasse para descobrir um bom lugar, nada encontrou. Foi, então, ao bosque à procura do corvo e lhe disse:
        -  Poupei-te a vida; dize-me, agora, onde devo esconder-me para a princesa não me descubra.
            O corvo baixou a cabeça e ficou pensativo, por algum tempo. Depois grasnou:

          - Já sei

          Trouxe um ovo do seu ninho, partiu-o em duas metades e meteu o rapaz dentro. Em seguida voltou a unir as partes e sentou-se em cima.
        Quando a princesa chegou à primeira janela, não pode descobri-lo, e tampouco nas seguintes. Já estava começando a preocupar-se quando, afinal, o avistou da undécima janela. Mandou matar o corvo com um tiro, trazer o ovo e quebrá-lo. O rapaz teve, então, de sair do seu esconderijo.
        - Desta vez perdoo-o, mas se amanhã não fizeres melhor, estarás perdido.
           No dia seguinte o jovem foi até a margem do lago chamando o peixe, lhe disse:
        - Poupei a tua vida; agora, dizer-me onde devo me ocultar para que a princesa não me descubra.
         O peixe pensou um pouco e falou:
    
                  - Já sei!

         Disto isto, engoliu o jovem e depois baixou ao fundo do lago.
       A princesa olhou pelas janelas sem poder descobri-lo e, mesmo na undécima não o avistou. Já estava desanimada quando, ao olhar pela última janela, conseguiu localizá-lo. Mandou pegar o peixe e matá-lo. Quando o abriram, o jovem saiu de seu ventre. Não é difícil imaginar como ele se sentiu naquele momento. Disse-lhe a princesa:
         - Pela segunda vez te pouparei a vida, mas não resta dúvida que a tua cabeça irá parar no poste número cem.
       No último dia o rapaz saiu para o campo, com o coração cheio de tristeza e ali encontrou a raposa.
        - Tu que conheces todos os esconderijos, - disse-lhe ele, - indica-me, já que te poupei a vida, onde devo ocultar-me para  que a princesa não me encontre.
          - É difícil, - respondeu a raposa com ar pensativo. Depois exclamou:

                           - Já sei!

   Foi com ele a uma fonte, onde ela se banhou e, quando saiu das águas, tinha a figura de um mercador. Depois o rapaz teve de banhar-se, também e reapareceu transformado em porquinho-da-índia. O comerciante foi à cidade onde exibiu o gracioso animalzinho e muita gente reuni-se para vê-lo. Até a princesa apareceu e, encantada com ele, comprou-o do comerciante por bom dinheiro. Antes de entregá-lo, o homem disse ao porquinho:
   - Quando a princesa for à janela, esconde-te embaixo de suas tranças.
    Ao chegar a hora de procurá-lo, a jovem foi a todas as janelas, uma após outra, sem poder descobri-lo e, desta vez, nem na duodécima conseguiu avistá-lo. Ficou, então, amedrontada e furiosa ao mesmo tempo. Bateu de tal forma com a janela que os vidros de todas elas se partiram em mil pedaços. Em seguida saiu da sala e, notando de repente a presença do porquinho-da-índia embaixo de suas tranças, arremessou-o ao chão, gritando:
         - Sai das minhas vistas!
         O animalzinho saiu correndo a procurar o mercador e, juntos , voltaram à fonte. Banharam-se de novo nas águas e recuperaram sua antiga aparência. O jovem agradeceu à raposa, dizendo:
       - O corvo e o peixe, coitados, foram uns bobos comparados contigo. Não resta dúvida que és a mais esperta.
         O jovem, então, apresentou-se no palácio, onde a princesa o aguardava, já resignada com a sua sorte. Celebrou-se o casamento e ele passou a ser o rei e senhor de todo o reino. Nunca, porém, revelou à esposa onde se havia escondido na terceira vez, nem quem o ajudara. E assim ela viveu sempre na crença de que tudo fora resultado da inteligência do marido. Isso contribuiu para que lhe tivesse muito respeito e pensasse: " De fato, ele é mais esperto do que eu." FIM

A PASTÔRA DE GANSOS NA FONTE - CONTOS DE GRIMM

    Era uma vez uma avózinha, muito velha, mais velha do que Matusalém. Vivia ela com seu bando de gansos num lugar perdido entre montanhas, onde tinha uma pequena casa. E era tudo rodeado por uma floresta enorme. Todas as manhãs para lá se dirigia a velha, apoiada em sua muleta. Começava então a trabalhar, muito  mais do que a gente poderia esperar na sua idade. Colhia ervas para os gansos, apanhava as frutas silvestres até onde as alcançava com as mãos e depois regressava, carregando tudo aquilo nas costas. Era de se pensar que não aguentaria a pesada carga; no entanto sempre chegava bem em casa. Se encontrava alguém pelo caminho, saudava amavelmente:
   - Bom dia, vizinho. Tempo agradável, de hoje, não? O senhor se espanta de me ver tão carregada de ervas? Pois cada qual tem de carregar seu fardo!
    Mas as pessoas preferiam fazer uma volta para não se encontrar com ela; e se, casualmente, algum pai com seu filho passava pela velha, dizia em voz baixa:
   - Toma cuidado! É uma bruxa muito esperta...
     Certa manhã um belo jovem andava pela floresta. O sol brilhava, os pássaros cantavam e uma brisa fresca soprava entre a folhagem. Tudo contribuía para que o rapaz se sentisse alegre e bem disposto. Não havia encontrado ninguém ainda, quando, de repente, avistou a velha que, ajoelhada no chão, cortava ervas com uma foice. Tinha já, um monte grande sobre o pano estendido, ao lado do qual se viam dois cestos cheios de pêras e maçãs.
    - Mas, avózinha, - disse o rapaz, - como irá carregar tudo isso?
    - Não tenho outro remédio, meu senhor, - respondeu ela. - Filho de gente rica não precisa fazer isso, mas nós camponeses sim, e costumamos dizer:
         Não olhes para trás
         Que tua corcunda não verás!
   - Queres ajudar-me? - indagou do jovem. - Ainda tens as costas retas e as pernas fortes. Será um fardo leve. Além disso, minha casa não fica longe . É logo ali, atrás daquela montanha. Em um instante chegarás até lá.
         O jovem sentiu pena da velha.
       - É verdade que meu pai não é um camponês, respondeu, - e sim um conde abastado. No entanto, para mostrar que não só os camponeses sabem pegar no pesado, eu levarei a sua carga.
    - Se quiseres experimentar, - disse ela, - eu ficarei muito grata. Terás uma hora de caminho, é verdade, mas... que é isso para um jovem? Deverás carregar, também, as peras e as maçãs.
      Ao ouvir falar em "uma hora de caminho", o jovem conde hesitou um pouco. A velha, porém, não o largou mais; colocou-lhe o feixe de ervas nas costas e lhe pendurou um cesto em cada braço.
    - Estás vendo? É muito simples, - disse ela.
    - Não, não é nada simples...- replicou o conde, franzindo a testa. - Este feixe pesa como se estivesse cheio de pedras e as peras e maçãs parecem chumbo; mal posso respirar.
     Teve ímpetos de soltar tudo, mas a velha não permitiu.
    - Vejam só! - exclamou, rindo. - O jovem fidalgo não pode carregar o que eu, uma velha, carrego facilmente. O que sabem é empregar belas frase mas, quando a coisa se torna séria, tratam logo de escapar. Bem, que fazes aí parado? Mexe essas pernas. Ninguém te tirará o fardo das costas.
    Enquanto andava em terreno plano,o jovem aguentou, mas, quando subiram a encosta da montanha  e atrás de seus pés as pedrinhas começaram a rolar ladeira abaixo, como se estivessem vivas, quase não resistiu. Grossas gotas de suor lhe cobriam a testa e lhe corriam pelas costas, encharcando-as.
   - Avózinha, - disse o conde, - não posso continuar; quero descansar um pouco.
    - Nada disso!- replicou a velha. - Quando chegarmos descansarás, mas agora tens de seguir adiante. Quem sabe se isso não te fará um grande bem!
    - Velha, está ficando insolente! - exclamou o conde, e quis soltar o feixe.
    Mas, por mais que fizesse, foi tudo em vão. O feixe estava preso às suas costas como se tivesse nascido ali e, embora o pobre moço se sacudisse todo, não houve meio de livrar-se dele. A velha começou a rir e, de puro contentamento, dava pulinhos à sua volta, apoiada na muleta.
   - Não te zangues, meu caro senhor, - dizia-lhe. - Estás ficando vermelho como crista de galo. Leva o teu fardo com paciência que, ao chegarmos, eu te darei uma boa gorjeta.
    Que lhe restava fazer? Teve de conformar-se com a sorte e continuou se arrastando, pacientemente, atrás da velha. Tinha a impressão de que andava cada vez mais depressa à medida que seu fardo se ia tornando mais pesado. De repente a velha deu um salto para cima do feixe e ali se instalou comodamente. Embora fosse muito magra, pesava mais que uma gorda camponesa. Os joelhos do rapaz tremiam, mas, se ele fazia uma parada, a maldita velha lhe açoitava as pernas com uma vara, ou os joelhos com urtigas. Chegou arquejando ao cume da montanha e, finalmente, quando não podia mais e estava prestes a cair, alcançou a casa da bruxa.
    Os gansos, ao verem-na, correram ao seu encontro com as asas abertas e de pescoço estirado, gritando: quá! quá! Atrás dos bichos vinha uma velhota alta e robusta, mas feia como o pecado que trazia uma vara na mão.
    - Mãe! - disse ela. - Aconteceu alguma coisa? A senhora demorou tanto!
    - Tranquiliza-te, filhinha, - respondeu  a outra. - Nada de mal me aconteceu; ao contrário, este amável senhor trouxe o meu fardo e, imagina...quando me senti cansada, ainda me carregou aos ombros. o caminho nem se tornou longo. Estivemos muito alegres e nos divertimos o tempo todo.
    Finalmente a velha tirou o feixe das costas do rapaz, tomando-lhe também os cestos. Depois olhou-o com amabilidade e disse:
    - Agora senta-te neste banco em frente à porta e descansa. Mereces uma boa recompensa. - E, dirigindo-se à pastora dos gansos: - Entra, filhinha, não convém ficar a sós com um moço; não se deita azeite no fogo. Ele poderia apaixonar-te por ti.
   O conde não sabia se devia  rir ou chorar. " Belo tesouro!" - pensou ele. - " Ainda que ela tivesse trinta anos menos, não seria capaz de tocar meu coração." Neste meio tempo a velha acariciava os gansos como se fossem seus filhinhos e depois entrou com a filha em casa. O jovem estendeu-se no banco à sombra de uma macieira. O ar era suave; ao redor estendia-se um campo verde, coberto de margaridas e milhares de outras flores. Perto dali corria uma arroio, límpido, que brilhava à luz do sol, junto ao qual gansos brancos iam de um lado para outro ou nadavam em suas águas. "É lindo este lugar, - pensou o rapaz, - mas sinto-me tão cansado que mal posso ficar de olhos abertos. Espero que não se levante um vento e me leve as pernas: estão frouxas como se fossem de algodão!"
     Após dormir um pouco, veio a velha e o despertou, sacudindo-o:
    - Levanta-te! Aqui não podes ficar. Atormentei-te um pouco, é verdade, mas isso não te custou a vida. Agora vou te dar a recompensa. De dinheiro não precisas. Terás algo diferente.- E lhe pôs na mão um estojo feito de uma só esmeralda. - Guarda-bem, - acrescentou.- que te dará sorte.
     O conde ergue-se como uma mola; não se sentia mais cansado e lhe voltara a antiga força. Agradeceu o presente e pôs-se a caminho, sem olhar uma só vez para a "bela" filhinha da velha. Embora já houvesse percorrido um bom trecho, continuava ouvindo os gritos alegre dos gansos.
    Andou três dias perdido pela floresta, até que encontrou a saída. Chegou, então, a uma grande cidade e, como ninguém o conhecesse, conduziram-no à presença do rei e da rainha. que estavam sentados em seus tronos. O conde dobrou um joelho e, tirando do bolso o estojo de esmeralda, depositou-o aos pés da rainha. Esta mandou que se erguesse e lhe alcançasse o pequeno cofre. Mas, logo que o abriu e viu o que ele continha, caiu no chão como morta. Os criados do rei agarraram o conde e já se dispunham a levá-lo para o cárcere, quando a rainha abriu os olhos e deu ordem para que o soltassem e se retirassem todos, pois desejava falar com ele a sós.
    Então a rainha começou a chorar e disse-lhe:
    - De que me servem  o esplendor e as honras que me cercam se cada manhã desperto angustiada e cheia de preocupações? Tive três filhas, a mais moça tão formosa que todo mundo a tinha por uma verdadeira maravilha. Era branca como a neve, rosada como uma flor da macieira, e seu cabelo brilhava como os rais do sol. Quando chorava, não eram lágrimas que corriam dos seus olhos, mas pérolas e pedras preciosas. Quando ela completou quinze anos, o rei mandou comparecer as três irmãs ante seu trono. Só vendo olhar de todos quando ela entrou! Era como se sol tivesse nascido. Disse o rei:
    - Minhas filhas! Não sei qual será o meu último dia. Por isso quero decidir hoje a herança que cabe a cada uma de vocês. Todas me querem bem e a que mais quiser terá a melhor parte.
    Cada uma delas afirmou ser a que mais  o amava.
    - Não poderiam expressar-me seu amor com alguma comparação! - indagou o rei. - Assim ficarei conhecendo bem os seus sentimentos.
    Respondeu, então, a mais velha:
   - Quero a meu pai tanto como ao açúcar mais doce.
    A segunda:
    - Eu quero tanto como o vestido mais bonito que possuo.
   A mais moça, porém, ficou calada. Perguntou-lhe, então, o pai:
    - E tu, minha filha, como me queres?
   - Não sei, - respondeu ela. - Não encontro nada com que possa comparar o meu carinho.
   Mas o  pai insistiu em que o expressasse de qualquer maneira e ela disse por fim:
   - A melhor comida me parece insípida sem sal: portanto, quero ao meu pai como ao sal.
    Quando o rei ouviu aquilo, encolerizou-se e exclamou:
    - Se me queres como o sal, com sal te recompensarei!
    Repartiu o reino entre as duas mais velhas e mandou que atassem um saco de sal às costas da mais moça. Dois criados foram obrigados a conduzi-la para  floresta. Nós todos pedimos e suplicamos por ela mas não houve meio de acalmar a fúria do rei. Como ela chorou ao separa-se de nós! O caminho ficou semeando com as pérolas que caíam dos seus olhos. Pouco depois o rei se arrependeu do seu gesto e mandou que procurassem a pobre menina por toda a floresta, mas ninguém a pode encontrar. Quando penso que as feras a devoraram, não sei o que fazer de desespero. Mas às vezes me consola a  esperança de  talvez viva oculta em alguma caverna ou que tenha encontrado proteção entre pessoas compassivas. Imagine, agora que, ao abrir seu estojo de esmeralda, vi que continha uma daquelas pérolas que corriam dos olhos de minha filha. Compreende, assim, como me senti naquele    momento ? Peço-lhe que me diga onde conseguiu esta pérola.
     O conde lhe contou que a tinha recebido da velha do bosque e que suspeitava fosse ela uma bruxa; quanto à princesa, não tinha ouvido nem visto nada.
     O rei e a rainha resolveram sair à procura da velha. Pensavam eles que onde havia estado a pérola encontrariam a filha.
    Enquanto isso, a velha achava-se longe, em seu lugar solitário, sentada ante a roca, fiando. Já escurecera e um pedaço de lenha, que ardia no fogão, espalhava uma luz mortiça. de repente o silêncio foi interrompido por uma  grande barulheira, lá fora. Eram os gansos que voltavam gritando, do campo, conduzidos pela filha. Ela entrou na cabana, mas a velha pouca atenção lhe deu, limitando-se a abanar levemente a cabeça. A filha sentou-se a seu lado e, apanhando a roca, pôs-se a fiar com a rapidez de uma jovem. Assim transcorreram duas horas, sem que nenhuma delas dissesse uma só palavra. Por fim ouviu-se um rumor na janela e apareceram dois olhos de fogo; era uma velha coruja que gritou seu:"unh!" por três vezes. A velha levantou um pouco os olhos e disse:
    - Vai, filhinha, que chegou hora.
    A filha levantou-se e saiu. Aonde foi?...Atravessou os campo e desceu ao vale até chegar a uma fonte junto à qual havia três velhos carvalhos. Nesse meio tempo a lua, grande, redonda, surgira por trás da montanha e a noite estava tão clara que se podia encontrar um alfinete no chão. A mulher tirou então a pele do próprio roso, inclinou-se sobre a água  e começou a lavar-se. Depois mergulhou também a pele na fonte, estendendo-a a seguir na relva, para que o luar a alvejasse e secasse. Mas que transformação! Vocês nunca viram coisa assim. Quando tirou a peruca grisalha, apareceram uns cabelos dourados como os raios do sol, que se espalharam como um manto sobre todo o seu corpo. Seus olhos cintilavam como estrelas do céu e as faces tinham o suave rosado da flor da maça.
   A bela jovem, porém, estava triste. Sentou-se e começou a chorar, amargamente. Uma lágrima após outra corriam dos seus olhos; rolavam pelos cabelos compridos e iam cair no chão. Assim ficou sentada muito tempo e ainda teria se demorado mais se, de repente, não tivesse ouvido um farfalhar entre as folhas de uma árvore próxima. Levantou-se de um salto, como gazela que ouve o disparo do caçador. A lua acabara de ocultar-se atrás de uma nuvem negra. Num instante a jovem, recobrindo-se com sua velha pele, desapareceu como uma chama que o vento apaga.
      Tremendo como uma folha ao vento, voltou ligeiro para casa. A velha estava em frente à porta e a moça quis explicar-lhe o que acabara de suceder, mas a mãe lhe disse, rindo amavelmente:
   - Sei de tudo!
    Levou-a para dentro e acendeu outra acha de lenha. Depois disso, não voltou a sentar-se à roca; pegou uma vassoura e um pano e começou a varrer e a limpar a casa.
     - Tudo tem de ficar limpo e polido, - disse para a filha.
    - Por que se põe a trabalhar numa hora tão avançada? Que pretende com isso?
   - Sabes que horas são? - indagou a velha.
    - Não é, ainda, meia-noite, mas já passa das onze. - respondeu a jovem.
   - Não te lembras que, hoje, faz três anos que chegaste aqui? - prosseguiu a velha. - Teu prazo terminou. Não podemos continuar juntas.
     A jovem respondeu  assustada:
    - Ai, mãezinha, vai deixar-me? Para onde irei? Não tenho amigos nem pátria. Fiz tudo o que a senhora mandou e sempre esteve satisfeita comigo. Não me abandone agora!
    A velha não quis dizer à jovem o que a esperava.
    - Não posso continuar aqui,- respondeu, - mas, quando eu partir, a casa toda deve estar limpa e arrumada. Portanto, não me interrompas no meu trabalho. Quanto a ti, fica sossegada; encontrarás onde possas morar. E hás de ficar satisfeita com a recompensa que te darei.
    - Mas diga-me o que irá acontecer, - insistiu a jovem.
    - Repito que não me estorves em meu trabalho. nem  mais uma palavra. Vai ao teu quarto; tira a pele do rosto; põe o vestido de seda que usavas quando chegaste e espera que eu te chame.
   Mas voltemos ao rei e à rainha, que tinham partido, em companhia do conde  à procura da velha. Na floresta, durante a noite, o jovem se separara deles, tendo de continuar sozinho. No dia seguinte, pareceu-lhe que havia encontrado o caminho certo. Seguiu por ele até que escureceu. Trepou então a uma árvore para passar a noite. Quando a lua iluminou as cercanias, ele avistou uma pessoa que descia a montanha. Embora ela não levasse nenhuma vara na mão, percebeu logo que era a pastora de gansos que tinha conhecido em casa da velha.
    - Ah! Aí vem ela! - exclamou.- Uma vez encontrada uma das bruxas, a outra não me escapará!
     Qual não foi a sua surpresa quando a viu chegar à fonte, tirar a pele e lavar-se; quando soltou os cabelos dourados, pareceu-lhe a criatura mais linda que ele já tinha visto no mundo. Mal se atrevia  a respirar, mas espichou o pescoço  o quanto pode, entre a folhagem, olhando-a extasiado. Talvez se tivesse inclinado demais, ou quem sabe por qualquer motivo, o galho partiu-se de repente e no mesmo instante a jovem tornou a pôr a sua pele e fugiu como uma gazela.
      Logo que ela despareceu, o conde apressou-se em segui-la. Ainda não havia andado muito quando viu dois vultos que vinham pelo campo; eram o rei e a rainha. Tinham avistado de longe a luz do casebre da velha e para lá se dirigiam. Contou-lhe-lhes o conde a respeito da visão maravilhosa que tivera junto à fonte e eles não duvidaram de que se tratava de sua filha perdida. Radiantes de alegria, prosseguiram caminho e pouco depois chegaram à cabana. Os gansos dormiam em redor, com a cabeça embaixo das asa. Quando o grupo olhou pela janela, viu  a velha sentada, fiando em silêncio, balançando a cabeça sem se voltar. A sala chegava a brilhar de limpeza; parecia que viviam ali esses geniozinhos tão leves que não carregam um só grãozinho de poeira nos pés. A filha, eles não viram. Ficaram, por algum tempo, olhando para o interior da sala e, por fim, enchendo-se de coragem, bateram suavemente à janela.
   A velha parecia que já os esperava. levantou-se e disse muito amável:
   - Entrem, entrem. Eu já os conheço. - E depois de haverem entrado, prosseguiu: - Podiam ter poupado a longa caminhada, se, há três anos, não  tivessem expulsado, injustamente, a sua filha, tão boa e tão meiga. Ela não perdeu com isso; durante três anos cuidou dos gansos e nada de mal aprendeu, conservando puro o seu coração. Vocês, em troca, foram devidamente castigados com o desespero em que viveram. - Dito isto, aproximou-se do quarto da moça e gritou: - Vem, minha filhinha!
     A porta abriu-se e apareceu a princesa com seu vestido de seda. parecia um anjo baixado do Céu com seus cabelos dourados e olhos que brilhavam como estrelas.
    Correu ao encontro dos pais e abraçou-se a eles, enchendo-os de beijos. Ninguém pode conter as lágrimas. O jovem conde estava parado a seu lado e, quando ela o viu, tornou-se vermelha como uma rosa; ela mesma não sabia por quê. Disse o rei:
    Minha querida filha: Já dei o meu reino todo; que me resta para dar-te agora?
    - Dito isto, a velha desapareceu de suas vistas. As paredes começaram a tremer levemente e, num
 abrir e fechar de olhos, a choupana transformou-se em magnífico palácio, com uma mesa ricamente posta e muitos criados a atarefar-se de um lado para outro.
    A história ainda continua. Mas a minha avó, que a contou para mim, já estava com a memória muito fraca e não se lembrava do final. Eu acredito que a formosa princesa deve ter-se casado com o conde. Que ambos passaram a viver no palácio e que foram felizes durante o tempo que Deus quis. Se os gansos brancos eram todos umas lindas moças - ninguém precisa se ofender com isso - e que a velha havia transformado, permitindo-lhes depois voltar à sua forma humana, é coisa que eu não posso afirmar, mas suspeito que assim fosso. O certo é que a velha não era uma bruxa como supunham as pessoas, mas uma fada que só fazia o bem. Provavelmente fora ela quem, ao nascer a filha do rei., lhe conferiu o dom de chorar pérolas em vez de lágrimas. Hoje em dia isso não acontece mais, pois, se acontecesse, os pobre logo ficariam ricos. FIM

   
 

sábado, 9 de julho de 2016

Sobre os Irmãos Grimm


Sobre os  Irmãos Grimm

Jacob Ludwig Carl Grimm, nascido em 4 de janeiro de 1785, era 13 meses mais velho que seu irmão Wilhelm Carl Grimm, que nasceu em 24 de fevereiro de 1786. Ambos nasceram na então cidadezinha de Hanau, no Grão-ducado de Hesse, atual estado de Hesse, Alemanha, filhos de Philipp Grimm, um jurista, e Dorothea Zimmer Grimm (sendo Zimmer seu nome de solteira), filha de um vereador de Kassel.[2] Jacob e Wilhelm, eram, respectivamente, o segundo e o terceiro dos nove filhos do casal (sete meninos e duas meninas), dos quais três (três meninos) não sobreviveram ao primeiro ano de vida[3] [4] [5] . A família se mudou para o vilarejo deSteinau an der Straße, também no Grão-Ducado de Hesse (atual Steinauestado de Hesse, Alemanha) em 1791, onde Philipp foi contratado como um magistrado do distrito. Residindo em uma grande casa, a família era membro proeminente da comunidade local. O biógrafo Jack Zipes escreve que os irmãos estavam felizes e "claramente gostavam da vida no campo".[2] As crianças foram alfabetizadas primeiro em casa por professores particulares e receberam instruções rigorosas como cristãos reformados (calvinistas) que incutiu em ambos uma fé religiosa ao longo da vida. Mais tarde frequentaram as escolas locais.[2]
A morte inesperada de Philipp em 1796, vítima de pneumonia, trouxe graves dificuldades financeiras para a família. Forçada a dispensar os empregados que possuía em sua casa, Dorothea, a partir de então viúva, dependia de apoio financeiro de seu pai e irmã. Como seu filho mais velho vivo era Jacob, então com 11 anos de idade (o primogênito, Frederick Herman George, primeiro filho de Dorothea e Philipp, morreu poucos meses depois de nascer, em 1784), Dorothea rapidamente incutiu nele as responsabilidades de adulto (compartilhada com Wilhelm, então com 10 anos). Nos dois anos seguintes, até 1798, o espírito de conselho de seu avô materno, continuamente os exortou a serem trabalhadores de bom grado[2] .
No mesmo ano de 1798, os irmãos deixaram a vila de Steinau e sua família, e se mudaram para Kassel, no então Reino da Prússia, atual Alemanha, onde foram matriculados na prestigiada instituição de ensino Friedrichsgymnasium Kassel, graças a generosidade de sua tia materna, que comprometeu-se em arcar com as mensalidades de ambos os sobrinhos. Na falta de um provedor do sexo masculino (o avô materno deles havia morrido naquele ano), eles se confiavam um ao outro mutuamente. Embora os dois irmãos diferissem em temperamento - Jacob era introspectivo e Wilhelm mais extrovertido (embora muitas vezes sofria de problemas de saúde), eles compartilhavam uma forte ética de trabalho e se destacaram em seus estudos. Em Kassel tornaram-se extremamente conscientes de sua condição social inferior em relação aos alunos mais "bem-nascidos" que recebiam mais atenção. Cada irmão se formou: Jacob em 1803 e e Wilhelm em 1804 (porque perdeu um ano de escola devido a escarlatina).[2] [6]
Outra fonte:
Os escritores mais famosos dos contos de fadas infantis são os Irmãos Grimm.  Jacob e Wilhelm Grimm, são dois irmãos que fizeram e fazem muito sucesso até hoje com suas histórias e seus contos que fazem a felicidade das crianças e permeiam a imaginação dos adultos.
Nascidos na Alemanha, os Irmãos Grimmdedicaram a sua vida ao registro das fabulas infantis e assim ganharam fama e notoriedade com as crianças. Além das belas historias e as contribuições para o imaginário dos pequenos, os Irmãos Grimm também contribuíram para a língua alemã com um dicionário e assim desenvolveram um estudo mais aprofundado da língua e do folclore popular local.
Monumento aos irmãos Grimm em Hanau
Monumento aos irmãos Grimm em Hanau
Os Irmãos Grimm começaram a sua carreira de escritores estudando justamente a língua alemã, mais precisamente o folclore e a linguagem popular. Depois de vários contos publicados em separado, finalmente em 1812 os Irmãos Grimmpublicaram o seu primeiro livro em conjunto; depois desse primeiro livro veio o “Contos da Criança e do Lar”. Depois disso, eles publicaram vários contos com traduções e adaptações locais.
O segundo volume de “Contos da Criança e do Lar” saiu em 1815, e com o passar dos anos novas edições foram lançadas e o livro começava a ganhar novos e atualizados contos, fazendo deste o primeiro grande sucesso dos Irmãos Grimm.
As maiores e melhores obras dos Irmãos Grimm são resumidas em contos para crianças, lendas e um dicionário alemão. Os contos para as crianças na verdade eram contos destinados aos adultos, o que aconteceu durante os anos é que eles foram adaptados para os pequenos. Os Irmãos Grimm na verdade tornaram a fantasia acessível para as crianças.
Um exemplo, no conto original da Chapeuzinho Vermelho,  a avó da menina  acabava sendo devorada pelo lobo, mas os Irmãos Grimm transformaram essa versão trágica em uma mais bela e agradável para as crianças. Entre os contos mais famosos dos Irmãos Grimm estão vários conhecidos do mundo todo como a Cinderela, A Branca de neve,  João e Maria, O Ganso de ouro e as Aventuras do Irmão Folgazão entre outros. Muito da sua infância e da infância das crianças foram permeadas e ilustradas pelos contos dos Irmãos Grimm, e pessoalmente espero que que o mundo da fantasia continue a existir, desde que seja ensinado às crianças as diferenças entre o mundo real e o mundo das histórias infantis.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

O CAMPONÊS E O DIABO - CONTOS DE GRIMM

    A Era uma vez um camponês esperto. As artimanhas que tinha feito davam para escrever um divertido livro de histórias. Mas a melhor das suas foi quando ele conseguiu lograr o diabo.

    Um dia o camponês havia terminado o trabalho na lavoura e dispunha-se a regressar para casa ao entardecer. Nisto, avistou, bem no meio do campo, um monte de brasas. Ao aproximar-se, curioso, percebeu que havia um diabo negro sentado em cima.

    - Estás sentado nalgum tesouro? - indagou o camponês.
    - Sim senhor - respondeu o diabo. - Sobre um tesouro que se compõe de tanto ouro e prata como jamais viste em toda a tua vida.
     - O tesouro está no meu campo; portanto me pertence, - disse o camponês.
    - Será teu - replicou o diabo- se prometeres darme a metade do que produz tua lavoura, durante dois anos. Dinheiro tenho de sobra, mas o que me agrada são os produtos da terra.
     O camponês aceitou a proposta.
    - Para que não haja briga na hora de repartir, - disse ele, - ficarás com o que houver sobre a terra e eu, com o que estiver embaixo.
    O diabo achou razoável, pois ignorava que o astuto camponês havia semeado apenas nabos. Quando chegou a época da colheita, apresentou-se para levar sua parte. Só encontrou, porém, folhas murchas, amarelas, enquanto o camponês, muito satisfeito da vida, arrancava seus nabos.

   - Desta vez levaste a melhor, - confessou o diabo, mas da próxima vai ser diferente. Será teu o que cresce em cima do solo e meu o que houver embaixo.
    Mas, na hora de semear, ele não plantou nabos, como na vez anterior, e sim trigo. Quando o cereal amadureceu, o nosso homem foi à lavoura e cortou os talos, repletos de grãos, bem rente ao solo.

    Apresentou-se o diabo e encontrou, apenas, o restôlho. Aqui o deixou tão furioso que se lançou num despenhadeiro.

    - Assim é que a gente apanha as raposas, - disse o camponesinho, enquanto desenterrava o tesouro, que se compunha de tanto ouro e prata como ele jamais tinha visto em toda a sua vida. 

FIM


O FUSO, A LANÇADEIRA E A AGULHA CONTOS DE GRIMM

      Era uma vez uma jovem que havia perdido os pais quando muito criança. No fim da aldeia vivia sua madrinha, completamente só, e que ganhava a vida fiando, tecendo e cosendo. A boa velha tomou conta da criança abandonada, ensinando-a a trabalhar e a educou dentro dos princípios da religião. Quando a jovem contava quinze anos, a madrinha adoeceu. Chamando a afilhada para junto do seu leito. disse-lhe:
   - Filha querida, sinto que a morte se aproxima. Deixo-te esta casinha, onde estarás protegida do mau tempo, e também o fuso, a lançadeira e agulha e serás feliz!
    Depois fechou os olhos. Enquanto a conduziam à sepultura a menina seguiu o caixão, chorando amargamente e rendendo-lhe as últimas homenagens.
    Desde então a jovem passou a viver só, em sua pequena casa, fiando, tecendo e cosendo. Em tudo o que fazia pairava a bênção da velhinha. Dir-se-ia que o linho, depositado no quarto, se multiplicava e, quando tecia uma tela ou um tapete ou, então, costurava uma camisa, logo aparecia um comprador.
    Naquele tempos, o filho do rei andava à procura de uma noiva. Não desejavam que escolhesse uma moça pobre. E uma rica ele não queria.
    - Será minha esposa - dizia o príncipe - aquela que for a mais pobre e a mais rica ao mesmo tempo.
    Quando chegou à aldeia onde morava a nossa jovem, perguntou, como costumava fazer em toda parte, qual era a moça mais rica e qual a mais pobre do lugar. Primeiro lhe indicar a mais rica e depois lhe disseram que a mais pobre era a jovem da casinha situada bem no fim da aldeia. A rica estava sentada em frente à porta, toda enfeitada e, ao aproximar-se o princípio, levantou-se, saiu ao seu encontro e lhe fez uma reverência. Ele a olhou e, sem dizer palavra, prosseguiu seu caminho. Quando chegou à casa da pobre, esta não se encontrava na porta, mas em seu quartinho. O príncipe parou seu cavalo e, olhando pela janela iluminada pelos raios do sol, viu a jovem sentada à roca, fiando ativamente. Ela levantou os olhos e, ao perceber que o filho do rei a estava observando, tonou-se rubra e os abaixou, continuando o trabalho. Não sei dizer se o ponto, desta vez, saiu parelho, mas o certo é que ela continuou fiando sem parar, até que o príncipe se foi embora. Foi, então, à janela e, abrindo-a exclamou:
      - Faz tanto calor aqui dentro! - e o seguiu com o olhar até que as plumas brancas do seu chapéu desaparecessem na curva do caminho.
   Depois voltou a sentar-se à roca e recomeçou seu trabalho. De repente veio-lhe à memória um versinho que a velha costumava dizer enquanto fiava e pôs-se a cantarolar:
     - Fuso, fuso sai por aí
      E me traz o meu noivo aqui.
     E o que aconteceu? No mesmo instante o fuso lhe saltou da mão e saiu pela porta. E quando a moça, assombrada, levantou-se para ver o que havia sido dele, viu-o dançando, alegremente, pelo campo, deixando atrás de si um brilhante fio dourado. Pouco depois desapareceu de sua vista. Como não tivesse outro fuso, a jovem apanhou a lançadeira e se pôs a tecer.
    Enquanto isso, o fuso continuou saltando pela estrada, até que enfim alcançou o príncipe, justamente quando o fio terminava.
    - O que vejo?! - exclamou o jovem. - Sem dúvida este fuso quer levar-me a algum lugar.
   E, fazendo o cavalo dar meia volta, foi seguindo o fio de ouro.
     Nesse meio tempo, a jovem continuava seu trabalho, cantarolando:
                        Lançadeirinha, tece sem cessar
                        E traz aquele com quem vou casar.
   Em seguida, a  lançadeira, saltando-lhe da mão, saiu pela porta e, diante da soleira, começou a tecer um tapete tão lindo como ainda não vira igual. Em ambos os lados abriam-se rosas e lírios; ao centro se entrelaçavam ramos verdes onde saltavam lebres e coelhos; cervos lhos pousavam aves multicores, tão naturais que só lhes faltava cantar. A lançadeira saltava de um lado para outro e parecia que tudo ia crescendo por si mesmo.
    Já que a lançadeira lhe havia fugido, a jovem sentou-se para costurar. enquanto manejava a agulha, cantarolava:
     - Agulhinha, tão fininha, minha cara,
      A casa para o noivo me prepara.
      E a agulha, desprendendo-se de seus dedos, começou a voar pela casa tão rápida como o raio. Parecia que  espíritos invisíveis trabalhavam e, em poucos momentos a mesa e os bancos ficaram atapetados com fazenda verde; as cadeiras forrada  de veludo e nas janelas apareceram cortinas de seda. Mal a agulha havia dado o último ponto, a moça viu, pela janela, as plumas  brancas do chapéu do príncipe; o jovem voltava, seguindo o fio dourado do fuso. apeou, passou por cima do tapete e entrou na casa. No interior da saleta viu a moça que, embora em seu vestido pobre, tinha tanto viço como a rosa no roseiral.
     - Tu és a mais pobre e, ao mesmo tempo, a mais rica, - disse-lhe ele. - Vem comigo. És a minha escolhida.
      Ela lhe estendeu a mão sem dizer palavra. O príncipe beijou-a e depois a fez montar na garupa do seu cavalo, levando-a para o palácio real. Lá foi celebrado o casamento, para alegria de todos. o fuso, a lançadeira e a agulha foram guardados na câmara do tesouro  e ali conservados com grande horarias. FIM
 

O COELHO E O OURIÇO - CONTOS DE GRIMM

    Esta história, meninos, pode parecer mentira. Mas é a pura verdade, pois meu avô, quando a contava para mim, sempre dizia:
    - Tem que ser verdadeira, meu filho; do contrário não a contariam.
    Eis a história.
    Era uma manhã de domingo, na época da colheita. O sol brilhava nas alturas; a brisa da manhã soprava sobre as searas; as cotovias cantavam no ar; as abelhas zumbiam entre o trigo, e as pessoas, em seus trajes domingueiros, se dirigiam à igreja. Todas as criaturas se sentiam contentes e o ouriço também. Parado em frente à porta de sua casa, de braços cruzados, tomava a fresca, cantarolando uma das suas cançõezinhas, nem melhor nem pior do que pode fazê-lo um ouriço, numa esplêndida manhã de domingo. E, estando assim a cantar, ocorreu-lhe que, enquanto sua mulher limpava e vestia os pequenos, bem que ele poderia dar uma voltinha pela lavoura para ver que tal cresciam seus nabos. Consideravam-os como se fossem mesmo seus, porque a plantação ficava próxima à sua casa e ele e sua família iam ali comê-los. O ouriço fechou a porta e pôs-se  a caminho da lavoura. Não estava, ainda, longe de sua moradia - pois contornava o pé da ameixeira junto à plantação de nabos - quando se encontrou com o coelho, que havia saído com um propósito mais ou menos semelhante; pretendia dar uma olhada na sua horta de couves. O ouriço, ao avistar o coelho, deu-lhe, amavelmente, o seu bom dia , mas o outro, que se julgava personagem importante e era muito orgulhoso, nem se dignou responder-lhe à saudação. Disse-lhe, apenas, com ironia:
    - Que aconteceu para andares tão cedo pelas lavouras?
    - Estou passeando,- respondeu o ouriço.
     - Passeando? - preguntou o coelho e pôs-se a rir. - Acredito que poderias fazer melhor uso das tuas pernas.
   Tal resposta aborreceu, profundamente, o ouriço. tudo ele tolerava, menos que se falasse de suas pernas, tortas por natureza.
    - Estás convencido- indagou o ouriço- de que te arranjas muito mais com as tuas?
   - É claro! - retrucou o coelho.
    - Isto só com uma prova! - contestou o ouriço.- Aposto que te ganho uma carreira.
   - Boa piada! Tu,com as tuas pernas tortas? - disse o coelho. - Mas, por mim, aceito, já que estás com tanta vontade. Que apostamos?
   - Uma moeda de ouro e uma garrafa de aguardante, - propôs o ouriço.
    - Aceito, - respondeu o coelho. - Aqui está minha mão; choca estes ossos e já podemos começar!
  -  Calma! Não tenho tanta pressa, - retrucou o ouriço. - Ainda estou em jejum e antes vou em casa tomar um café. Dentro de meia hora estarei de volta, aqui neste lugar.
    E afastou-se, pois o coelho se declarara de acordo.
    Durante o caminho, o ouriço ia pensando: " O coelho se fia em suas pernas longas, mas eu ganharei. Não resta dúvida de que é um senhor importante; mesmo assim, não passa de um burro e há de me pagar!" Quando chegou em casa, disse à sua mulher:
    - Vamos, veste-te rapidamente. Tens de ir à lavoura comigo.
   - Que há? - indagou ela.
    - Apostei uma moeda de ouro e uma garrafa de aguardente com o coelho. Vamos jogar uma carreira e quero que estejas presente.
    - Santo Deus!- exclamou a mulher. - Não estás regulando bem! - Perdeste o juizo? Como podes querer ganhar uma carreira do coelho?
    - Cala boca, mulher! - replicou o ouriço! Não teve remédio senão segui-lo, com ou sem vontade.
    No caminho disse-lhe o ouriço:
    - Agora presta atenção para o que vou dizer-te. Faremos a carreira naquela lavoura grande, ali. O coelho correrá em um dos sulcos e eu no outro. Começaremos na parte alta. A única coisa que terás de fazer é agachar-te no outro extremo do sulco e, quando o coelho chegar perto, grita:
   - Já cheguei!
    Nesse meio tempo alcançaram a lavoura. O ouriço indicou à sua mulher o posto que deveria ocupar e encaminhou-se à parte de cima onde o coelho já o aguardava.
   - Podemos começar? - indagou este.
   - Sim senhor, - respondeu o ouriço.
    - Está bem.
   Cada qual se colocou num sulco. O coelho contou: um...dois...três...e, como um furacão, lanço-se lavoura abaixo. O ouriço não avançou mais que três passos; deu meia volta e se agachou no sulco, onde ficou esperando tranquilamente.
   Quando o coelho chegou, em disparada, ao outro extremo, a mulher do ouriço gritou-lhe:
    - Já cheguei!
    Imagina-se qual foi a surpresa e o pasmo do coelho, pois acreditou ser o próprio ouriço que ali estava; e isso não é de estranhar, já que a mulher do ouriço é parecidíssima com o marido. " É coisa do diabo" - pensou o coelho mas, em voz alta, disse:
   - Vamos correr de volta! Joguemos outra carreira!
    E partiu com a rapidez do vento, correndo tanto que suas orelhas pareciam asas. A mulher do ouriço, porém, ficou bem quietinha no seu posto. Quando o coelho chegou lá em cima, o ouriço o recebeu gritando:
   - Já estou aqui!
    O outro então, gritou furioso;
     - Mais uma vez! Vamos?
    - Por mim, - disse o ouriço,- podemos continuar por quantas vezes quiseres.
    E assim o coelho repetiu a carreira setenta e três vezes, enquanto o ouriço não se movia do lugar. Sempre que o corredor chegava em cima ou embaixo, o ouriço ou sua mulher gritava-lhe: - "Já cheguei".
    Mas na septuagésima quarta vez o coelho não chegou ao fim do sulco. Caiu na metade do caminho enquanto um jato de sangue lhe saía da boca. Morreu ali mesmo e o ouriço apossou-se da moeda de ouro e da garrafa de aguardante. Depois chamou a mulher e ambos partiram, alegremente, para casa e, se por acaso não morreram, estão vivos até hoje.
    Foi assim que o ouriço matou o coelho numa corrida. Desde então nenhum coelho quis mais apostar carreira com um ouriço.
    A moral da história, porém, é a seguinte: em primeiro lugar, ninguém, por mais importante que acredite ser, deve divertir-se à custa de outra pessoa de menos categoria, ainda que se trate de um ouriço; em segundo lugar: é aconselhável que aquele que pretenda casar, arranje uma mulher de sua classe e condição, que se pareça, bastante , consigo mesmo. Quem é, pois, um ouriço, deve procurar para esposa uma ouriça...e assim por diante. FIM

quinta-feira, 7 de julho de 2016

O PRESENTE DOS ANÕEZINHOS - CONTOS DE GRIMM

  Um alfaiate e um ourives saíram juntos. Certo dia, ao entardecer, quando o sol já desaparecera atrás das montanhas, ouviram os sons de uma música longínqua que ia se tornando cada vez mais nítida. Era uma melodia estranha, mas tão alegre que os fez esquecer a fadiga e acelerar os passos. A lua já estava no céu quando chegaram a uma colina e lá viram um grupo de homens e mulheres deste tamanhozinho e que, de mãos dadas, dançavam todos em roda. Enquanto isso, cantavam suavemente e era essa a música que os dois viajantes tinham ouvido.
    Ao centro do círculo estava sentado um velho, pouco mais alto que os outros. Vestia um traje multicor e uma  barba branca lhe caía sobre o peito. Os dois amigos pararam, assombrados, contemplando aquela cena. O velho fez um sinal convidando-os a entrar na roda e os anõezinhos abriram, prezerosamente, o círculo. O ourives, que era corcunda e, como todos os corcundas, muito corajoso, entrou sem titubear. O alfaiate, um tanto tímido, permaneceu indeciso por alguns momentos, mas por fim, contagiado com a alegria da turma, encheu-se de ânimo e entrou, também na roda. Em seguida o círculo tornou a fechar-se e os pequenos recomeçaram o canto, continuando a dançar e a saltar entusiasticamente. De súbito, o velho tirou uma grande faca da cintura e começou a afiá-la. Quando lhe pareceu bem afiada, olhou para os visitantes. Estes ficaram gelados de medo, mas não tiveram muito tempo para pensar; o velho agarrou o ourives e, com prodigiosa rapidez, lhe raspou o cabelo e a barba. O mesmo fez, depois, com o alfaiate. Mas o medo deles logo passou quando viram  que o velho, terminado o trabalho, lhes bateu amigavelmente no ombro, como querendo dizer-lhes que se haviam portado bem, suportando tudo sem um só protesto. Mostrou-lhes um monte de carvão que havia a um lado e, por meio de gestos, lhe  indicou que enchessem os bolsos. Ambos obedeceram, embora não sabendo para que lhes iria servir o carvão. Depois continuaram seu caminho, à procura de uma pousada para a noite, Chegados ao vale, o sino do convento próximo bateu as doze badalada da meia-noite. Imediatamente o canto cessou e apenas a colina  ficou ali, banhada pela luz da lua solitária.---
   Os dois viajantes encontraram um albergue e, sobre um leito de palha, se cobriram com seus casacos. Estavam cansados que nem ao menos pensaram em tirar o carvão dos bolsos. Pela manhã, acordaram mais cedo que de costume, sentindo um peso que lhes dificultava os movimentos. Meteram as mãos nos bolsos e não puderam acreditar nos seus olhos: estavam cheios...não de carvão, mas de ouro puro. Além disso, seus cabelos e barbas tinham voltado a crescer, tão espesso como antes.
    Os dois tinham virado agora gente rica, principalmente o ourives, que, cobiçoso por natureza, enchera o bolso muito mais que o alfaiate. Mas um avarento, quanto mais tem, mais quer e assim o ourives propôs a seu amigo passar outro dia ali e , ao anoitecer, voltar à colina para pedir mais ao velho. o alfaiate, porém, negou-se, dizendo:
   - Tenho o suficiente e me dou por satisfeito. Agora passarei a ser mestre em meu ofício e me casarei com minha noiva. Sou um homem feliz.
    No entanto, para não contrariar o amigo, resolveu permanecer mais um dia naquele lugar.
    Quando anoiteceu o ourives colocou no ombro algumas bolsas, com o propósito de carregar o mais possível, e dirigiu-se à colina, Como na véspera, encontrou os gnomos entregues a seus cantos e danças. O velho tornou a barbeá-lo e lhe fez sinal para apanhar carvão. Sem vacilar, encheu os bolsos o mais que pode. Depois, regressou feliz e contente. Deitou-se para dormir e se cobriu com seu casaco e as bolsas.
     - Por mais que o ouro pese, - pensou, eu aguentarei.
     E adormeceu na  doce esperança de acordar milionário no dia seguinte. Ao abrir os olhos levantou-se rapidamente para examinar seus bolsos, mas qual não foi seu espanto ao tirar dali apenas negro carvão. Carvão e nada mais!
      Desesperado, escondeu o rosto nas mãos enegrecidas e aí notou que tinha a cabeça completamente raspada, bem como a barba. Mas ainda não terminara seu azar: percebeu que, além da corcunda que já tinha, lhe havia nascido outra no peito, tão grande como a das costas. Reconheceu, então, que tudo aquilo era o castigo pela sua ambição e começou a chorar amargamente. O bom alfaiate, que acordou ouvindo aquele pranto, consolou o infeliz o mais que pode e lhe disse:
    - Foste meu companheiro durante a viagem; ficarás, pois, comigo e compartilharás do meu tesouro.
    E cumpriu sua palavra, Mas o pobre ourives foi obrigado a carregar as  duas  corcundas durante o resto da vida e a cobrir a careca com um gorro. FIM

A NOIVA VERDADEIRA - CONTOS DE GRIMM

  Era uma vez uma moça muito bonita e de muito bom coração. Cedo tornar-se órfã de mãe e sua madrasta a maltratava quanto podia. Quando a mulher lhe dava qualquer trabalho, por mais pesado que fosse, a moça empregava toda a sua boa vontade para executá-lo. Ainda assim, não conseguia conquistar a malvada criatura, que se mostrava sempre descontente, achando que nunca era bastante o que fazia e só pensava em amargurá-la. Um dia lhe disse:
    - Aí estão sete quilos de penas que deves desbarbar; se até logo à noite não tiveres aprontado isso, eu te darei uma boa surra. Pensas que vais ficar vadiando o dia inteiro?
     A pobre moça começou o trabalho, enquanto as lágrimas lhe corriam pelas faces, pois sabia muito bem que era impossível terminar a tarefa em um só dia. Tentava fazer um montesinho de penas, mas, ao menor movimento - se ela acaso juntava as mãos em desespero ou suspirava - lá se iam as penas voando e era preciso apanhá-las e começar tudo de novo. Em dado momento, apoiou os cotovelos na mesa e, ocultando o rosto nas mãos, exclamou:
    - Meus Deus! Não haverá ninguém neste mundo que tenha pena de mim?
    Nisto a moça ouviu uma voz que lhe dizia suavemente:
    - Consola-te, minha filha; eu vim para ajudar-te.
    Levantando os olhos, viu uma velha que estava a seu lado. Esta tomou-lhe, carinhosamente, a mão e continuou:
    - Conta-me as tuas mágoas.
    Como lhe falasse tão amavelmente, a moça lhe contou sua triste vida, como lhe impunham sempre uma carga após outra e ela não podia dar conta de tantos trabalhos.
    - Se esta noite eu não houver terminado esta tarefa, minha madrasta me dará uma surra. Ameaçou-me e sei que cumprirá sua palavra.
    E as lágrimas voltaram a correr; mas a boa velha consolou-a:
    - Tranquiliza-te, minha filha; deita-te e descansa, que eu farei o teu trabalho.
    A moça estendeu-se na cama e pouco depois adormeceu. A mulher sentou-se à mesa e começou a trabalhar. Ah! Precisavam ver como os fios saltavam das penas logo que a velha as tocava com os seus dedos magros. Em pouco tempo aprontou os sete quilos. Quando a moça acordou, viu os grandes montes de penas, brancas como a neve. Toda a casa estava limpa e em ordem, mas a velha tinha desaparecido. A moça deu graças a Deus e aguardou sentada, em silêncio, a chegada da noite. Ao entrar, a madrasta assombrou-se, mas não se deu por achada.
    - Viste, sua imprestável - disse-lhe ela - o que é possível fazer quando se trabalha com vontade? Ainda poderias ter feito mais alguma coisa, em vez de ficar aí sentada de mãos cruzadas! - E, ao sair, ainda disse consigo mesma; - Essa criatura serve para algo mais que comer. Devo dar-lhe trabalhos mais pesados.
     Na manhã seguinte chamou a jovem e lhe disse:
    - Aí tens uma colher; com ela esvaziara o lago grande . Se, à noite não tiveres terminado, já sabes o que te espera!
   A moça pegou a colher e viu que estava furada; e, mesmo que não estivesse, seria impossível esvaziar com ela o lago. Pôs-se, imediatamente, a trabalhar, ajoelhada à beira da água, na qual iam caindo suas lágrimas.
    Mas logo a boa velha tornou a apareceu e, quando soube o motivo de tanta tristeza, lhe disse:
    - Acalma-te, filhinha. Vai até aquela moita e deita-te para dormir. Farei o teu trabalho.
   Uma vez só, tocou, de leve, o lago com os dedos. Imediatamente a água elevou-se em forma de vapor, confundindo-se com as nuvens; e pouco a pouco o lago foi secando. Antes do pôr-do-sol a menina despertou e, quando se aproximou da margem, só viu os peixes que se debatiam na lama. Foi à sua madrasta e lhe anunciou que o trabalho estava feito.
   -Já devias  ter terminado há mais tempo! - respondeu-lhe esta, pálida de raiva. E logo se pôs a imaginar outra coisa para aborrecê-la.
   Na terceira manhã, disse à jovem:
   - Vais construir, para mim, um belo palácio, la naquela planície; e terás de terminá-lo até a noite.
    Assustada, a moça exclamou:
    - Como poderei fazer uma obra tão grande?
    - Não me respondas! - gritou a madrasta. - Se podes esvaziar um lago com uma colher furada, também poderás edificar um palácio. Ainda hoje à noite quero instalar-me nele e, se faltar o menor detalhe na cozinha ou na adega, já sabes o que te aguarda.
   E mandou sair a jovem. Esta encaminhou-se para o vale, onde encontrou um monte de rochas. Por mais que se esforçasse, não conseguiu mover  a menor delas. Sentou-se e começou a chorar, embora tivesse esperança de que a velha viesse em seu auxílio. E, realmente, a boa mulher não se fez esperar muito. Tranquilamente, de novo, lhe disse:
    - Deita-te naquela sombra e dorme. Construirei o castelo pra ti. E, se te agradar, poderás viver nele.
     Depois que  a moça se afastou, a velha tocou de leve as rochas, que imediatamente se puseram em movimento. Juntaram-se e se alinharam como se gigantes estivessem construindo uma muralha. Em cima surgiu o edifício. Parecia que inúmeras mãos invisíveis trabalhavam colocando pedra sobre pedra. O chão retumbava; grandes colunas erguiam-se por si mesmas e se colocavam em devido lugar. No telhado, as telhas se dispunham também na devida ordem e, ao meio-dia, já o cata-vento girava no alto da torre, como uma imagem dourada com as vestes ondulando ao vento. O interior do palácio ficou pronto ao anoitecer. Como a velha foi capaz disso tudo, eu não saberia dizer; o certo é que as paredes das salas estavam atapetadas de seda e veludo; havia cadeiras de todas as cores e lindas poltronas rodeavam mesas de mármore; lustres de cristal pendiam do teto, refletindo-se no soalho polido; papagaios verdes ocupavam gaiolas douradas e o outras aves exóticas cantavam belas canções. Em toda a parte havia um luxo como para hospedar um rei.
     O sol já ia desaparecendo no horizonte quando a moça despertou e viu o brilho de mil luzes. Correu ao palácio e entrou pela porta aberta. Havia um tapete vermelho na escadaria e, junto ao corrimão dourado, tinham sido colocadas árvores floridas. Ao contemplar a beleza dos salões, ela parau extasiada. Sabe-se lá o tempo que teria permanecido ali, se não se houvesse lembrado da madrasta. "Ah! - exclamou - se ao menos ela se desse por satisfeita e não me atormentasse mais!"
     E foi anunciar-lhe que o castelo estava terminado.
     - Vou ocupá-lo em seguida, - disse a mulher, levantando-se.
     E quando entrou no castelo, teve de cobrir os olhos com as mãos , pois o esplendor era tanto que a cegava.
    - Vês como foi fácil! - disse ela. - Eu devia ter-te encarregado de uma tarefa mais difícil.
        Percorreu todos os salões, esquadrinhando todos os cantos para ver se faltava alguma coisa ou encontrava algum defeito, mas não achou a menor imperfeição.
    - Agora vamos à parte de baixo, - disse ela e, lançando um olhar maldoso à jovem: - Ainda preciso examinar a cozinha e a adega. Se te esqueceste de um só detalhe, não escapas ao castigo.
     Mas o fogo ardia no fogão; nas panelas a comida estava cozinhando; a lenha, partida, e a machadinha encostada à parede; nas prateleiras cintilava a bateria de cobre. Nada faltava; nem a caixa do carvão, nem o balde de água.
    - Onde fica a entrada da adega? - perguntou a mulher. - Se não tiver bons vinhos, vais ver o que te acontece.
     E ela  mesma levantou o alçapão e começou a descer as escadas; no segundo degrau, porém, a pesada tampa, que estava apenas encostada, lhe caiu em cima. A moça ouviu um grito e correu para auxiliá-la, mas a madrasta caíra escada abaixo e estava morta.
     Assim a moça ficou sendo a única proprietária do magnífico palácio. A princípio nem podia acreditar em sua sorte. Os guarda-roupas estavam cheios de belos vestidos e as arcas repletas de ouro e prata, pedras preciosas e pérolas, e não havia desejo que ela não pudesse satisfazer. Não demorou que a fama de sua formosura  e riqueza se estendesse pelo mundo afora e começaram a se  apresentar pretendentes. Mas nenhum era de seu agrado. Até que um dia chegou  um príncipe que soube conquistar-lhe o coração e ela tornou-se sua noiva. No jardim do palácio havia uma tília verde, a cuja sombra costumavam os dois sentar-se. Em dada ocasião, ele lhe disse:
   - Partirei para casa a fim de pedir o consentimento do meu pai. Espera-me em baixo desta tília. Voltarei dentro de poucas horas.
    A moça deu-lhe um beijo na face esquerda e recomendou-lhe:
    - Quero que me sejas fiel e não deixes nenhuma mulher beijar-te nesta face. Ficarei à tua espera em baixo desta tília até regressares.
    E a jovem continuou sentada junto à árvore até o pôr-do-dol ,mas o príncipe não voltou. Esperou-o durante três dias, em vão, da manhã à noite. No quarto dia, ao ver que não regressava, refletiu:
     - Na certa lhe aconteceu algum mal. Sairei à sua procura e não voltarei sem o ter encontrado.
    Levou consigo três dos seus mais lindos vestidos: o primeiro, bordado com estrelas brilhantes; o segundo, com luas prateadas e o terceiro com sóis dourados. Atou um punhado de pedras preciosas num lenço e se pôs a caminho. Por onde ia, perguntava pelo noivo, mas ninguém o tinha visto nem sabia dele. Percorreu grande parte do mundo, sem encontrá-lo. Finalmente, tão desiludida estava da vida que entrou a serviço de um camponês como pastora e enterrou suas roupas e jóias embaixo de uma pedra.
     Passou, então, a viver como pastora, guardando os rebanho, triste e cheia de saudades do seu amado. Havia uma terneirinha que comia em sua mão e, quando lhe dizia:
                      Terneirinha, terneirinha, fica ajoelhada
                        nunca te esqueças de mim,
                       como o príncipe que esqueceu a noiva amada
                        a esperá-lo sob a tília do jardim,
 o animalzinho se ajoelhava, deitava-se a seus pés e se deixava acariciar.
     Depois de ter vivido assim por alguns anos, correu pelo país a notícia de que a filha do rei se dispunha a celebrar seu casamento. A estrada real passava pela  aldeia onde residia a nossa jovem e, certo dia, ao levar o rebanho ao campo, passou por ali o noivo da princesa. Ia montado a cavalo, com porte arrogante e nem a olhou; ela, porém, logo viu que era o seu amado. Uma dor aguda lhe feriu como uma flecha o coração.
    - Ah! - exclamou. - Pensei que me tivesse sido fiel, mas vejo que me esqueceu.
   No dia seguinte, o príncipe passou pelo mesmo caminho. Ao aproximar-se, a moça dirigiu-se à ternerinha dizendo:
               Terneirinha, terneirinha, fica ajoelhada
               e nunca te esqueças de mim,
                como o príncipe que esqueceu a noiva amada
               a esperá-lo sob a tília do jardim.
      Quando ele ouviu sua voz, baixou os olhos e parou o cavalo. Por um momento olhou o rosto da pastora, levou a mão à fonte, como esforçando-se para recordar alguma coisa, mas em seguida continuou seu caminho e desapareceu.
      - Oh! - suspirou ela. - Nem  ao menos me reconhece, - e sentiu-se mais triste do que nunca.
           Algum tempo depois foi anunciada uma grande festa no palácio. Devia durar três dias e o povo todo foi convidado. " Farei uma última tentativa" - pensou a jovem. Quando chegou a noite, foi à pedra embaixo da qual escondera seus tesouros. Tirou o vestido de sóis dourados, vestiu-o e se enfeitou com as pedras preciosa. Soltou os cabelos que ocultava sob o lenço e os lindos cachos lhe caíram sobre os ombros. A seguir encaminhou-se para a cidade e, como era noite cerrada, ninguém a viu. Ao entrar no salão esplendidamente iluminado, todos os presentes deixaram passar, maravilhados, mas ninguém a reconheceu. O príncipe saiu a recebê-la e dançou com ela. Ficou tão encantado com sua beleza que chegou a esquecer-se da noiva. Ao terminar a festa, a moça despareceu entre a multidão e regressou ao povoado, onde se vestiu, novamente, de pastora.
      Na noite seguinte, pôs o vestido de luas prateadas e ornou os cabelos com uma meia-lua de brilhantes. Ao apresentar-se na festa, todos os olhares se concentraram nela. O príncipe correu a saudá-la e com ela dançou a noite inteira, sem fazer caso de nenhuma outra. Antes da moça partir, obrigou-a a prometer-lhe que não faltaria à festa na terceira noite.
     Quando se apresentou, pela terceira vez, usava o vestido de estrelas que cintilavam a cada passo; o diadema e o conto eram também de estrelas, formada de pedras preciosas. O príncipe, que já a esperava, apressou-se em sair-lhe ao encontro.
    - Dize-me quem és, - implorou ele. Tenho a impressão de que te conheço há muito tempo.
    - Não te lembras do que fiz quando te despediste de mim? - retrucou a moça.
     E, aproximando-se, beijou-o na face esquerda. Naquele instante, o príncipe sentiu como se lhe caísse uma venda dos olhos e reconheceu a sua primeira noiva.
   - Vem, - disse-lhe então, - não deves continuar aqui. - E, estendendo-lhe a mão, a conduziu a uma carruagem.
    Mal entraram nela, os cavalos saíram em disparada, como impelidos pelo vento até chegarem ao palácio encantando. Passando pela tília, viram inúmeros vaga-lumes voando entre as folhas, enquanto as flores esparziam seu doce aroma. Sobre os degraus da escadaria, as plantas estavam em flor e dos aposentos vinha o grito das belas e estranhas aves. Na sala principal achava-se reunida toda a Corte e o sacerdote aguardava para realizar o casamento do príncipe com a verdadeira noiva. FIM
   

segunda-feira, 4 de julho de 2016

O CRAVO - CONTOS DE GRIMM

        Um comerciante havia feito bons negócios na feira. Vendera toda a sua mercadoria e estava com a sacola, que não era nada pequena, toda cheia de moedas de ouro e prata. Resolveu, então, regressar à sua casa antes do anoitecer. Acomodou a sacola com o dinheiro no lombo do cavalo, montou e pôs-se a caminho. Ao meio-dia parou para descansar numa cidade. Quando quis continuar a viagem, o rapaz da hospedaria, ao entregar-lhe o cavalo, disse:
     - Senhor, na pata esquerda, de trás, falta um cravo da ferradura.
    - Não importa, - respondeu o comerciante. - O ferro aguentará as seis horas que me restam de viagem. Estou com pressa.
   À tarde, depois de ter apeado para outro descanso e ordenado que dessem  feno ao animal, o criado entrou na sala e disse:
    - Senhor, vosso cavalo perdeu a ferradura da pata esquerda, de trás. Quereis que o leve ao ferreiro?
    - Deixa! - respondeu o comerciante. - O animal aguentará as poucas horas que me restam de viagem. Tenho pressa.
    E partiu. Pouco depois o cavalo começou a mancar. Não demorou muito tropeçou e, por fim, caiu e quebrou uma perna. O comerciante teve de abandoná-lo na estrada, carregar a pesada sacola e percorrer, a pé, o resto do trajeto, chegando em casa tarde da noite.
    - A culpa toda é de um maldito cravo, - disse consigo mesmo.
    Nunca percas a calma quando estiveres com pressa. FIIM

A SEREIA DO LAGO - CONTOS DE GRIMM

   Era uma vez um moleiro que vivia feliz com sua esposa. Tinha dinheiro e terras e sua riqueza aumentava de ano para ano. Mas a desgraça surge quando menos se espera. Tão depressa como crescera, sua fortuna, um dia, começou a diminuir. Até que, por fim, só lhe restou o moinho em que vivia. O moleiro andava triste e, quando ia deitar-se depois do trabalho diário, não podia dormir e ficava a virar-se de um lado para outro na cama.
  Certa manhã, levantou-se antes do amanhecer e saiu para o campo, esperando que o passeio lhe restituísse um pouco de ânimo. Ao passar pelo lago do moinho, o sol recém lançava seus primeiros raios. Nisto, o homem percebeu um rumor. Voltou-se e viu uma linda mulher que saía, lentamente, das águas. Seus cabelos longos, que  segurava com as delicada mãos, lhe caíam sobre os ombros, cobrindo-lhe o corpo.
    O  moleiro logo viu que se tratava da sereia do lago e, assustado, não sabia se ficava ou fugia. no entanto, ela fez ouvir sua voz harmoniosa. Chamando-o pelo nome, perguntou-lhe o motivo de sua tristeza. De início ele permaneceu mudo, mas, vendo-a falar tão amistosamente, criou coragem e lhe contou como, depois de haver sido rico e feliz, se vira reduzido a tal pobreza que já não sabia o que fazer.
   - Tem paciência, - disse-lhe a sereia. - Eu te farei mais rico e feliz do que nunca. A única coisa que terás de fazer é prometer-me entregar o que acaba de nascer em tua casa.
     " Que outra coisa poderá ser, senão um cachorrinho ou um gatinho?" - pensou o moleiro. E prometeu dar-lhe o que pedia.
     A sereia desapareceu nas águas e o homem voltou, consolado e contente, a seu moinho. Ainda não havia chegado quando a criada veio a seu encontro, felicitando-o porque sua esposa acabava de dar à luz um menino. O moleiro parou, como ferido por um raio, pois compreendeu que a pérfida sereia o havia enganado. Acercou-se, cabisbaixo, do leito de sua mulher.
    - Por que não te alegras com este belo menino? - perguntou-lhe ela.
    Contou-lhe então o moleiro o que lhe acontecera e a promessa feita à sereia.
    - De que me servirão riqueza e prosperidade, - acrescentou, - se vou perder meu filho? Que me resta fazer?
     Ninguém lhe pode dar um conselho, nem mesmo os parentes que vierem para felicitá-lo.
     Realmente, a prosperidade voltou à casa do moleiro. Saía bem em todos os negócios e, não demorou muito, sua fortuna tornou-se maior do que antes. Parecia que as arcas se iam enchendo por si mesmas e o dinheiro se multiplicava durante a noite. Mas não lhe era possível gozar tranquilamente a sua fortuna, pois a promessa feita à  sereia lhe oprimia o coração. Sempre que passava à margem do lago, temia vê-la sair da água e lembrar-lhe sua dívida. Quanto ao menino, o moleiro não o deixava de modo algum andar por ali.
     - Cuidado! - dizia-lhe.- se tocares a água, surgirá um braço de dentro do lago que vai agarrar-te e puxar para o fundo.
   Vendo, porém, que os anos iam passando e a sereia não se apresentava, o homem foi perdendo a inquietação.
   O menino cresceu; tornou-se moço e foi enviado a um monteiro para a aprender o ofício de caça. Terminada a aprendizagem e sendo já hábil caçador, entrou a serviço do senhor da aldeia. Havia ali uma jovem formosa e honesta, pela qual o rapaz se apaixonou. Quando seu amo percebeu o que havia, presentou-o com uma pequena casa. Em seguida, foi celebrado o casamento e os dois passaram a viver sossegados e felizes, pois se queriam muito.
    Certo dia, uma corça, perseguida pelo caçador, saiu do bosque e deitou a correr pelo campo. O rapaz que estava próximo ao lago perigoso, foi até a margem para lavar as mãos ensaguentadas, pois havia estripado a presa. mas no momento em que tocou a água, apareceu a sereia. Soltando uma gargalhada, envolveu-o com seus braços molhados e tão rapidamente o puxou para o fundo que as ondas logo se fecharam sobre sua cabeça.
    Ao anoitecer, a esposa, vendo que ele não regressava, começou a sentir uma grande angústia. Saiu à sua procura e, como muitas vezes ele lhe contara que devia acautelar-se da sereia e não se aproximar do lago, logo suspeitou do que havia acontecido. Correu depressa, até o lago e encontrando a bolsa de couro na margem, não teve mais dúvidas quanto à sua desgraça. Chorando e retorcendo as mãos, gritava em vão pelo nome do marido. Encaminhou-se para o outro lado do lago e repetiu suas chamadas; lançou amargas injúrias à sereia, mas não obteve a menor resposta. A superfície da água continuava tranquila, refletindo a face imóvel da meia-lua.
    A  pobre mulher não se afastou do lago. Sem um momento de descanso, contornava-o incessantemente, às vezes em silêncio, outras vezes soltando gritos agudos ou gemendo baixinho. Por fim suas forças se esgotaram e ela caiu por terra, adormecendo profundamente. Começou, então, a sonhar...
    Subia, aflita, por uma  montanha, caminhando entre grandes penhascos. Espinhos e ramagens baixas prendiam seus pés; a chuva lhe açoitava o rosto e o vento lhe emaranhava a longa cabeleira. Quando chegou ao alto da montanha, tudo mudou por completo. O céu era azul e o ar era suave. O terreno se estendia à sua frente em fácil descida e, no meio de um prado verde e florido, erguia-se uma cabana muito bem cuidada. Dirigiu-se a ela e abriu a porta. Dentro estava uma velha de cabelos brancos que lhe fez um sinal amistoso. Naquele momento a pobre mulher acordou...
    Já estava amanhecendo quando a jovem tomou a resolução de seguir as indicações do sonho. Subiu, aflita, ao alto da montanha e encontrou tudo tal qual vira à noite. A velha a recebeu amavelmente e lhe indicou uma cadeira para sentar-se.
    - Deve ter sofrido uma desgraça, - disse-lhe.- já que vieste à minha cabana solitária.
    Chorando, a jovem lhe contou o que acontecera.
   - Consola-te, - falou a velha. - Eu te ajudarei. Aí tens um pente de ouro. Espera pela lua cheia. Vai, então, ao lago, senta-te à beira e penteia teus cabelos longos e negros com este pente. Depois que terminares, deixa-o na margem e verás o que acontece.
    A moça voltou para casa e o tempo lhe pareceu longo, à espera da lua cheia. Finalmente, o disco prateado brilhou no céu e ela se encaminhou para o lago. Sentou-se à margem e penteou os cabelos negros com o pente de ouro. Feito isto, deixou-o perto da água. Dentro de poucos momentos, ouviu-se um borbulhar vindo do fundo. Uma onda levantou-se e rolou até a margem, arrastando consigo o pente. Não demorou mais o que o tempo de chegar ao fundo, quando a cabeça do caçador veio à tona das águas. Não falou, limitando-se, apenas, a olhar para sua esposa com olhos muito tristes. Imediatamente veio uma segunda onda e cobriu a cabeça do homem. Em seguida tudo voltou ao normal. As águas do lago se tornaram serenas como antes, só se vendo nelas o reflexo da lua cheia.
    Desconsolada, a jovem voltou à sua casa. Durante a noite o sonho a transportou, de novo, à cabana da velha. De manhã repetiu o caminho e, apresentando-se à velhinha, contou o ocorrido. Esta entregou-lhe, então, uma flauta de ouro, dizendo-lhe:
    - Aguarda, outra vez, a lua cheia. Depois apanha a flauta, senta-te na margem e toca uma bonita melodia. Assim que terminares, deixa o instrumento na areia e verás o que acontece.
     A jovem seguiu as instruções da velha e, nem bem havia depositado a flauta sobre a areia, ouviu-se um borbulhão e uma onda se elevou, apoderando-se do instrumento. Pouco depois apareceu, não só a cabeça, mas a metade do corpo do caçador, no meio das águas. Estendia, ansioso, os braços para sua esposa; mas a segunda onda o cobriu e arrastou para o fundo.
    - Ai de mim! - exclamou a infeliz jovem - De que me serve ver meu amado e logo tornar a perdê-lo?
     E o desespero encheu, de novo, o seu coração. Mas o  sonho a transportou, pela terceira vez, à cabana da velha.
    No dia seguinte, pôs-se a caminho e a boa mulher deu-lhe uma roca de ouro, dizendo:
    - Ainda não terminou tudo. Espera a lua cheia. Vai, então, com a roca até o lago; fia até encheres a bobina e, quando houveres terminado, deixa a roca perto da água e verás o que acontece.
   A jovem seguiu, fielmente, as suas indicações. Assim que a lua cheia apareceu, ela levou a roca à margem do  lago e se pôs a fiar até que encheu a bobina. Mal abandonara a roca, ouviu-se na água uma agitação mais intensa que  das vezes anteriores e uma onda enorme precipitou-se sobre a margem, levando o aparelho. No mesmo instante a cabeça e, depois, o corpo inteiro do caçador, surgiu das águas. Saltando, rapidamente, para a margem, apanhou a mão de sua esposa e deitou a correr com ela. Haviam corrido apenas alguns passos, quando a massa das águas se levantou com grande fúria e invadiu a todo o prado. Os fugitivos já estavam vendo a morte ante os olhos. Então a jovem, desesperada, invocou o auxílio da velha e, no mesmo instante, ficaram ambos transformados: ele num sapo e ela numa rá. A inundação, ao alcançá-los, não lhes pode causar maior dano. Contudo, separou-os, arrastando-os para muito longe um do outro.
     Depois que as águas se haviam escoado e os dois voltaram a tocar a terra enxuta, recuperaram a forma humana. Entretanto um não sabia onde o outro se encontrava. Viam-se entre pessoas estranhas. Montanhas altas e vales profundos os separavam. Para ganhar a vida, os dois tiveram de se tornar pastores. E assim, durante muitos anos, conduziram os rebanhos por campos e bosques, a alma cheia de tristeza e saudade.
     Certa vez, quando chegou a primavers, saíram ambos com seus rebanhos no mesmo dia, e quis o acaso que tomasse cada um o rumo do outro. Ele avistou, ao longe, nas faldas de uma montanha, um rebanho de ovelhas e conduziu o seu naquela direção. Encontraram-se num vale, mas não se reconheceram. No entanto, sentiram-se satisfeitos por não estarem mais tão sozinhos. Daquele dia em diante, passaram a levar seus rebanhos à mesma pastagem.
   Uma noite, a lua brilhava  no céu e as ovelhas já dormiam; o pastor tirou a flauta do seu bolso e pôs-se a tocar uma bela mas triste canção. Ao terminar, notou que a pastora chorava.
    - Por que choras? - perguntou-lhe
   - Ai! - repondeu ela. - A lua cheia brilhava assim quando toquei essa mesma canção e a cabeça do meu amado surgiu das águas do lago.
    Ele, então,  olhou para ela e fou como se lhe caísse um véu dos olhos. Reconheceu sua esposa querida. E quando ela, por sua vez, olhou para ele e a lua lhe iluminou o rosto, reconheceu-o também. Abraçarem-se, beijaram-se e...é desnecessário perguntar se foram felizes. FIM




















 

sexta-feira, 1 de julho de 2016

A CASA DO BOSQUE - CONTOS DE GRIMM

           Um pobre lenhador viva com sua mulher e três filhas, numa  cabana situada à beira de um bosque solitário. Certa manhã, ao sair para o trabalho, disse à esposa:
    - Deixa que a nossa filha mais velha me leve o almoço; do contrário não aprontarei o serviço. E para que ela não se perca,- acrescentou, - levarei um saquinho com grãos de milho miúdo, que espalharei pelo caminho.
     Quando o sol já estava bem alto no céu, a moça encheu uma sopeira e se pôs a caminho. Mas os pardais do campo e do mato, e demais passarinhos, já tinham comido os grãos há muito tempo e ela não pode orientar-se. Ficou vagando, sem rumo, até que o sol se pôs e chegou a noite. As árvores farfalhavam na escuridão; as corujas piavam e a menina começou a sentir medo.
     De repente avistou , ao longe, uma luz que brilhava entre os arbustos. " Acho que ali mora alguém" - pensou.- " Com certeza me dará pousada por uma noite"; e encaminhou-se para a luz. Não tardou em chegar a uma casa com as janelas iluminadas. Bateu à porta e uma voz rude falou:
    - Entre!
   A jovem entrou na varanda escura e bateu à porta.
    - Pode entrar,- repetiu a voz .
   Ela abriu a porta e encontrou-se diante de um homem muito velho sentado a uma mesa. Tinha o rosto apoiado nas mãos e sua barba branca era tão longa que se estendia por cima da mesa quase até o chão. Junto ao fogão havia três animais: um galozinho, uma galinhazinha e uma vaca malhada. A moça contou ao velho o que lhe acontecera e pediu que a acolhesse por aquele noite. Disse, então, o homem:
                Meu galozinho,
                Minha galinhazinha,
                E tu, bela vaca malhada.
                Eu devo dar-lhe pousada?
   - Rrru! - reponderam os animais e isso, sem dúvida, queria dizer: "Estamos de acordo!" O velho prosseguiu:
    - Aqui há tudo em abundância; vai ao fogão e prepara-nos o jantar.
   Havia de tudo na cozinha e a menina preparou uma comida muito apetitosa. Mas não se lembrou dos animais. Levou para a mesa o prato cheio, sentou-se junto ao velho, comeu até se fartar e depois disse:
     - Agora estou cansada. Onde há uma cama em que eu possa deitar e dormir?
     Responderam-lhe os animais:
                         Com ele comeste,
                         Com ele bebeste,
                         Sem nada nos dar...
                        Vê lá que noite vais passar!
E disse-lhe o velho:
 - Sobe aquela escada e encontrarás um quarto com duas camas; sacode os travesseiros e põe lençóis de linho, limpos, que logo eu irei dormir também.
      A jovem subiu e, feitas as camas, deitou-se numa delas e logo adormeceu. Passado algum tempo, o velho entrou. Por alguns instantes, ficou contemplando a moça à luz da lâmpada, enquanto abanava a cabeça. Vendo que ela dormia profundamente, abriu um alçapão que havia no assoalho e a deixou cair no porão.
    Tarde da noite o lenhador regressou à sua casa e culpou a mulher por havê-lo deixado passar fome o dia todo.
    - Não tenho culpa, - justificou-se ela, - pois mandei a menina com o almoço e ela deve ter-se perdido: na certa votará amanhã.
   Antes do amanhecer, o lenhador levantou-se para ir ao mato e exigiu que sua segunda filha lhe levasse a comida.
    - Levarei um saquinho com lentilhas, - disse. - Os grãos são maiores que milho miúdo. Ela as enxergará melhor e não pode errar o caminho.
   Ao meio-dia, a menina saiu com a sopeira. mas as lentilhas já lá não estavam. Como na véspera, os pássaros do bosque as tinham comido sem deixar vestígios. A jovem andou errante pelo mato até de noite e, por sua vez chegou à casa do velho. Convidada a entrar, pediu comida e pousada. O homem das barbas brancas voltou a perguntar aos animais.
               Meu galozinho,
              Minha galinhazinha.
             E tu, bela vaca malhada,
             Eu devo dar-lhe pousada?
    Os animais responderam novamente: "Rrru! e a cena se repetiu como na noite anterior. A jovem preparou uma boa janta , comeu e bebeu com o velho, mas nem lhe ocorreu pensar nos animais. E quando perguntou por um leito, eles responderam:
              Com ele comeste,
             Com ele bebeste,
             Sem nada nos dar...
            Vê lá que noite vais passar!
  Depois que ela  adormeceu, entrou o velho; olhou-a, abanado a cabeça, e a deixou cair no porão.
    Na manhã do terceiro dia, o lenhador disse à mulher;
    - Manda hoje a pequena com a sopa. Sempre se mostrou boa e obediente e não se afastará do caminho como suas irmãs.
    - A mãe pôs-se, dizendo:
    - Hei de perder, também, a minha filha preferida?
   - Não te preocupes, - replicou ele. - A menina não se perderá, pois é esperta e ajuizada. Além disso, eu espalharei ervilhas, que são maiores que as lentinhas e lhe mostrarão o caminho.
   Mas, quando a menina chegou ao mato, as pombas já estavam com as ervilhas no papo. Desorientada, ela não soube para onde dirigir-se. pensava aflita, em seu pobre pai passando fome e como sua mãe ficaria desesperada se ela não voltasse logo. Por fim, quando já escurecia, viu a luzinha e chegou à casa do bosque. Pediu, humildemente, que a abrigassem por aquela noite e o home m da barba branca voltou a perguntar aos animais:
         Meu galozinho,
        Minha galinhazinha,
       E tu, bela vaca malhada,
       Eu devo dar-lhe pousada?
 - Rruu! - responderam eles. A jovem  aproximou-se do fogão, perto do qual descansavam os animais; afagou o galozinho e a galinhazinha, alisando-lhes as penas e coçou a cabeça da vaca , entre as guampas. Quando, depois, atendendo ao pedido do velho, preparou um bom prato e o trouxe para a mesa, disse consigo;
     - Como poderei comer e deixar estes pobres animais passando fome? Aí fora há tudo em grande abundância; primeiro cuidarei deles.
     Saiu em busca de cevada e a deu às aves, para a vaca trouxe um bom monte de feno cheiroso.
    - Comam e fartem-se, meus bons animais, - disse-lhes, - e se estiverem com sede, eu também lhes darei de beber.
     A seguir trouxe um balde de água e  o galozinho e a galinhazinha se empoleiraram nele e, como fazem as aves, meteram o bico no líquido, levantado depois as cabecinhas para beber. A vaca também saciou sua sede.
     Depois de alimentados os animais, a jovem se sentou à mesa em companhia do velho e comeu o que ele lhe havia deixado. Não demorou muito, o galozinho e a galinhazinha começaram a meter a cabeça embaixo das asas e a vaca malhada a fechar os olhos. Disse, então, a menina:
    - Não seria hora de irmos dormir?
             Meu galozinho,
             Minha galinhazinha,
              E tu, bela vaca malhada,
              Depois disso, não dizem nada?
E os animais responderam: "Rrru!"
          Conosco comeste,
            Conosco bebeste,
           Sem nos olvidar...
          Que bela noite vais passar!

 Ela subiu as escadas, sacudiu os travesseiros de penas e pôs roupa limpa nas camas. Feito isso, veio o velho e deitou-se numa delas e sua barba caía para fora da cama. A menina se meteu na outra, rezou suas orações e adormeceu.
       Dormiu, tranquilamente, até a meia-noite, hora em que se produz na casa um ruído estranho que a despertou.  Ouviu-se barulhos nos cantos e a porta se abriu bruscamente, batendo contra a parede; as vigas estalavam com  se as estivessem arrancando; parecia que estavam derrubando a escada e, finalmente, se ouviu um estrondo como se o telhado viesse abaixo. Como, no entanto, a calma voltasse a reinar logo depois, sem a menina ter sofrido nada, tranquilizou-se e voltou a dormir. Quando despertou na manhã seguinte, num dia de sol maravilhoso, o que viram seus olhos? Achava-se num espaçoso salão e, em redor, tudo brilhava de tanta beleza. Ao longo das paredes crescia flores douradas, sobre um fundo de seda verde; a cama era de marfim e o dossel de veludo vermelho e, em cima de uma cadeira colocada ao lado havia um par de chinelos bordados com pérolas. A jovem pensava estar sonhando, mas nisso entraram três criados em ricas roupagens e perguntaram o que lhes ordenava.
     - Podem ir, - retrucou ela, - eu me levantarei em seguida para preparar uma sopa que darei ao velho e depois darei comida ao galozinho, à galinhazinha e à bela  vaca malhada.
     Estava convencida de que o velho já se havia levantado, mas, ao dirigir o olhar à sua cama, viu nela um homem estranho. E quando o olhou com maior atenção, notou que era jovem e formoso. Nisto, ele despertou e disse-lhe:
    - Sou um príncipe a quem uma bruxa malvada enfeitiçou, condenando-me a viver no bosque sob a forma de um velho de barbas brancas. Ninguém podia estar comigo a não ser meus três criados, convertidos num galozinho, numa galinhazinha e numa vaca de pelo malhado. E o feitiço não seria quebrado até que chegasse à nossa casa uma jovem de tão bom coração que tratasse não só aos homens mas também aos animais com todo o carinho. E essa jovem foste tu, por isso, à meia- noite ficamos todos libertados e a velha casa do bosque se transformou, de novo, em meu palácio real.
     Depois de terem levantado, o príncipe ordenou aos seus três criados que fossem aos pais da jovem e os acompanhassem ao castelo para assistirem ao casamento.
    - Mas onde estão minhas duas irmãs? - indagou a moça.
     - Eu as encerrei no porão e amanhã as farei conduzir ao bosque, onde servirão em casa de um carvoeiro, até que se tenham emendado e não façam passar fome aos pobre animais.FIM