quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O FEITO MAIS EXTRAORDINÁRIO - CONTOS DE ANDERSEN

   Casaria com a princesa, e ainda ficaria com a metade do reino o homem que realizasse o feito mais extraordinário.
   Não somente os moços, mas os velhos andavam a se esforçar, treinando o cérebro, os músculos e os tendões. Dois homens morreram de tanto comer; outro bebeu tanto que estourou - porque entendiam que era quilo que praticavam o feito mais extraordinário, ainda que não tivesse acertado com a solução. Até moleques da rua esforçavam-se por cuspir nas próprias costas, supondo que era isso o que há de mais difícil de executar.
   Foi marcado um dia para a exposição que cada um devia fazer do que considerava mais extraordinário. Faziam parte do júri crianças de três anos, e, subindo na escala da idade, havia juízes de mais de noventa.
   Houve, de fato, uma verdadeira exposição de coisas extravagantes; contudo não demorou o júri a chegar a uma acordo quanto ao vencedor; era o artista que fabricara um grande relógio de parede, executando, tanto no exterior como no interior, com engenho extraordinário. Ao bater as horas exibia o relógio quadros vivos, que indicavam as horas. Eram doze espetáculos inteiros, com figuras móveis, que cantavam e falavam.
    E era aquilo, certamente, o que havia de mais extraordinário - e nisso concordaram todos.
   O relógio deu uma hora; ergue-se Moisés no cimo de um monte, escrevendo nas Tábuas da Lei o primeiro Mandamento: " Eu Sou o Senhor teu Deus; não terás outros deuses diante de mim".
    Quando deram duas horas, surgiu o jardim do Paraíso; ali estava Adão e Eva, felizes, apesar de nada possuírem, nem sequer um guarda-roupa - coisa de que aliás não precisava mesmo.
   Às três horas apareceram os três Reis Magos; um era preto como carvão, mas a culpa não cabia a ele; o sol assim o tisnara. Traziam incenso e jóias.
   Às quatro horas mostravam-se as Estações : a primavera era representada por um cuco, empoleirado no galho verde de uma árvore; o verão por um gafanhoto sobre uma espiga de trigo madura; o outono apresentava um ninho vazio de cegonha; o inverno, uma velha gralha, daquelas que ficam a um canto da lareira, e sabem contar uma porção de histórias.
   Quando bateram as cinco, apareceram os cinco sentidos: o da vista era um óptico; o do ouvido, um violinista, com o seu instrumento; o do olfato vendia violetas e aspérculas; o paladar vinha vestido de cozinheiro, e o tacto era representado como um cego, apoiado ao seu bordão.
    Às seis, aparecia um jogador lançando os dados, num dos quais se via o lado dos seis pontos.
    Vinham agora os sete dias da semana; mas diziam outros que eram os sete pecados mortais: nesse ponto divergiam as opiniões, pois há estreita ligação entre uns e outros, de sorte que era difícil estabelecer distinção.
 Às oito aparecia um coro de monges, entoando a missa.


   As nove Musas acompanhavam as badaladas das nove horas; uma delas era funcionária do Instituto Astronômico, outra do arquivo Histórico, e as restantes pertenciam ao elenco do Teatro.
    Às dez em ponto reapareceu Moisés com as tábuas da Lei, onde estavam gravados todos os Mandamentos de Deus.
   Quando o relógio tornou a bater, apareceram onze meninas, saltando, dançando, e cantando:

           "Onze horas é má hora!
            Se não correres depressa
            Vem o tigre e te devora!"

   Ouviram-se então as doze badaladas; apareceu o guarda-noturno com a sua indumentária entoando a velha canção dos guardas:
             
              "Esta noite, à  meia-noite,
                Um salvador vos nasceu."

   E enquanto cantava, brotavam rosas, que iam se transformando em cabeças de anjos, suspensas por asas irisadas.
   Era magnifico tudo aquilo! O conjunto representava uma obra de arte sem igual, e todos concordavam em dizer que era aquele o feito mais extraordinário.
   O artista era um moço de coração bondoso, alegre como uma criança, cheio de atenções para com seus pais, que viviam pobremente. Diziam todos que merecia a princesa e a metade do reino.
   Chegou o dia do julgamento. A cidade inteira estava coberta de galas. A princesa sentava-se no trono acolchoado de crina - e nem por isso lhe parecia mais comodo nem mais agradável. Os juízes faziam sinais amistosos àquele que, sem nenhuma dúvida, seria o vencedor, e que lá estava, risonho e robusto, certo da vitória, pois realizara o feito mais extraordinário.
   Eis senão quando rompe por entre o povo um homenzarrão, alto e ossudo, gritando:
   - Alto lá! Quem vence sou eu! Sou o homem capaz de praticar o ato mais extraordinário!
   E- dito e feito! - meteu o machado naquela obra de arte, que se despedaçou em um momento. E eram só rodinhas e molas voando pelos ares.
    - Eu, eu o consegui! - exclamou o homem possante. - Meu feito é superior ao dele, e venci a todos: realizei o ato mais extraordinário - o que ninguém seria capaz de fazer!
   Destruir semelhante obra de arte!...Na verdade, fora a coisa mais inesperada e os juízes concordaram em que isso constitui o ato mais extraordinário.
    O povo disse o mesmo; e assim aquele homem obtera a mão da princesa e a metade do reino. A lei era a lei, ainda que aquilo fosse revoltante.
   Em todas as muralhas e torres da cidade ressoaram as trombetas:
  - Vai celebrar-se o casamento! Vai celebrar-se o casamento!
   A princesa, ainda que nada satisfeita com o que sucedera, mostrava um rosto alegre, e apresentou-se ricamente trajada.
    Ao escurecer a igreja resplandecia, toda iluminada; as donzelas nobres da cidade conduziram a noiva ao altar, entoando cânticos. Seguia o noivo a ordem dos Cavalheiros, e esses também cantavam. Quanto ao noivo, pavoneava-se, todo orgulhoso, como se não temesse que alguém pudesse jamais abatê-lo. De repente, quando tinham emudecido os cânticos, e o silêncio era tão grande que se poderia ouvir a queda de um alfinete, abre-se o grande portão da igreja e ouve-se um grande estrondo - Bum! Bum-bum-bum!
    Era toda a engrenagem do relógio, que vinha entrando pela nave a dentro; e foi postar-se entre os dois noivos. Ora, gente morta não pode tornar à vida, não há quem não saiba; mas uma obra de arte, essa sim, pode; o corpo  fora despedaçado, mas o espiríto não; e o espirito ali aparecia, como um fantasma, o que não era nada tranquilizador!
   Lá estava a obra de arte, tal como quando ainda permanecia intata. E foram ressoando as badalas dos sinos, uma após outra, até as doze horas, e a todas as horas iam aparecendo os respectivos vultos. Veio primeiro Moisés, com a fronte a arder, como se o cercassem labaredas de fogo. Atirou as pesadas tábuas de pedra aos pés do noivo, que ficou assim preso ao chão.
   - Não posso tirar-te daí - disse Moisés. - Tu me cortaste os braços. Ficarás pois seguro nesse lugar, c
 nesse lugar, como eu próprio fiquei!
    Vieram depois outros - Adão e Eva, os três Reis Magos, as quatro estações - e todos diziam ao noivo verdades terríveis. E ele ia ouvindo, entre outras coisas, apelos para que "criasse vergonha".
   Mas qual ! Ele não criou vergonha.
   Todos os vultos que anunciavam as horas foram saindo do relógio, e foram crescendo, crescendo, despropositadamente, já nem havia mais espaço na igreja para os homens de verdade.
   E quando ao soar a décima-segunda badalada, apareceu o guarda-noturno com todos os seus petrechos, inclusive a alabarda, houve estranha agitação entre os assistentes.
   O guarda foi direito ao noivo e abateu-o ali mesmo.
   - Fica aí agora! Quem com ferro fere, com ferro será ferido. Agora estamos vingados, nós e o mestre que nos criara!
   E, dirigindo-se aos vultos do relógio, bradou:
   - Vamo-nos!
   E sumiu-se toda o obra de arte.
   Mas as velas que ardiam iluminado a igreja, tornaram-se grandes flores de luz, e as estrelas douradas despediam raios rutilantes. O órgão tocou sozinho, e todos disseram que era isso o que houvera de mais extraordinário.
   Então falou a princesa:
   - Tenham agora a bondade de ir buscar o pretendente verdadeiro. Aquele que executou a obra de arte será meu marido.
   O artista estava na igreja. Todos o acompanharam alegrando-se com ele e cobrindo-o de bençãos.
    Não havia ali um único homem que sentisse inveja dele.
   E isso sim - isso foi o acontecimento extraordinário.
FIM

Alabarda é uma arma antiga composta por uma longa haste. A haste é rematada por uma peça pontiaguda, de ferro, que por sua vez é atravessada por uma lâmina em forma de meia-lua (similar à de um machado), com um gancho ou esporão no outro lado. )


segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A MENINA QUE PISOU NO PÃO - CONTOS DE ANDERSEN

     
Seja bem-vindo(a), se puder contribuir para o meu trabalho:meu pix : silasmr.contato@gmail.com , gratidão por estar aqui, boa leitura.

   Era uma vez uma menina pobre, mas de natureza rebelde, que revelou más inclinações desde muito cedo. Quando pequenina, seu maior prazer era apanhar moscas e arrancar-lhes as asas, para vê-las depois andar se arrastando. Apanhava besouros e grilos e espetava-os em um alfinete; punha depois uma folha de livro, ou qualquer pedaço de papel bem próximo dele, para que pudessem segurá-lo com as patinhas - só pelo prazer de vê-los agitaram-se e torcerem-se, na ânsia de se libertar do alfinete.

   - O besouro está lendo - dizia a pequena Inger.
- Vejam como ele vira a página!
   E, ao passo que ia crescendo, tornava-se cada vez pior. Era muito bonita, mas foi isso a sua infelicidade, sem dúvida.

   - Será preciso um rude golpe para te fazer curvar a cabeça, - dizia a mãe. - Quando era menor, muitas vezes pisoteaste meu avental; receio muito que quando fores grande me pisoteies o coração!

    E assim aconteceu.
   Inger teve de ir para o campo, para servir em casa de uma família rica. Tratavam-na como se fosse filha e vestiam-na muito bem. Ia ficando cada vez mais bonita, mas o seu caráter não melhorava.

   Um ano depois de estar lá, disseram-lhe os patrões:
   - Deves ir visitar teu pais, Inger!
    Ela foi, mas apenas com a intenção de se mostrar, para que vissem como andava bem vestida. Ao chegar aos portões da cidade, viu alguns moços e moças que conversavam à beira do lago, e, sentada entre eles, sua mãe, com um feixe de lenha ao ombro.

   Inger deu volta. Sentiu-se envergonhada de ter por mãe- ela, tão fina! - aquela velha esfarrapada, que juntava lenha no mato. Não ficou nem de leve compadecida; ao contrário, sentia-se irritada com aquilo.
   Passou-se mais meio ano, e sua ama disse-lhe:
  - Inger, é preciso que vás visitar teus pais. Leva-lhes este pão de trigo. Hão de ficar bem contente de te ver.

  Inger vestiu suas melhores roupas e calçou os sapatos mais finos que tinha. Ergueu as saias, e caminhava com muito cuidado, para não sujar os sapatos. Certamente não merece censura por isso; mas quando chegou àquele ponto em que o caminho atravessa o brejo, e viu que estava todo cheio de lama, atirou no barro o pão que trazia, para passar por cima dele sem sujar os sapatos. Quando estava assim, com um pé sobre o pão e o outro erguido para dar mais um passo, o pão afundou-se, e foi se enterrando cada vez mais, até que desapareceu, levando-a consigo. E nada mais se viu ali a não ser o charco negro e cheio de bolhas.

   Mas a menina? Que foi feito dela?  Inger foi dar onde estava a mulher do Brejo, que tem uma cervejaria lá embaixo. A mulher do Brejo é irmã do rei dos Duendes, e tia da Bruxas, que são muito conhecidas. Muita gente tem escrito versos a respeito delas; outros pintaram os seus retratos; mas só o que sabemos a respeito da mulher do Brejo é que quando o nevoeiro se ergue nos campos, no verão, é que ela está fabricando sua cerveja. E foi nessa cervejaria que Inger caiu; mas lá ninguém pode permanecer muito tempo. Um carro de lixeiro é coisa suave, comparada com a cervejaria da mulher do Brejo. O cheiro dos barris é o quanto basta para deixar uma pessoa doente, e estão tão juntos que não se pode passar entre eles; além disso, onde há por acaso alguma frestinha, está cheia de sapos asquerosos e cobras viscosas. E foi entre todas estas horrendas imundícies vivas que caiu a pequena Inger. O frio era tão intenso que ela tremia, e já sentia os membros rígidos. O pão aderiu firmemente aos seus pés, e levou-a para baixo.

   A mulher do brejo estava em casa. O velho Trasgo e seu bisavô encontravam-se lá de visita. A bisavó é uma mulher venenosa, e nunca está ociosa. Nunca sai sem levar o seu trabalho, e tinha-o à mão naquele dia. Estava ocupada em fabricar couro andejo para por nos sapatos das pessoas, de modo que quem os usasse não podia ter descanso. Bordava mentiras, e juntava todas as palavras inúteis que caíam no chão, para fazer dano com elas. Sim! A velha bisavó pode fazer tricôs e bordados muito finos!
   Assim que avistou Inger pôs os óculos e olhou-a de alto a baixo, dizendo logo:
  - Esta menina me interessa! Gostaria de levá-la, como lembrança da minha visita. Daria uma boa estátua para o corredor exterior da casa do meu bisneto.
    Desse modo Inger foi a Terra dos Trasgos. Nem sempre as pessoas vão lá por esse caminho direto, visto que é fácil ir por caminhos mais extenso.

      Era um corredor que nunca se acabava: dava vertigem olhar para diante ou para trás. Lá estava uma multidão ignominiosa, à espera de que se abrisse a porta da misericórdia; mas muito tinham que esperar! Grandes e gordas aranhas agitavam-se, tecendo teias de mil anos ao redor de seus pés: e aquelas teias pareciam parafusos, que a prendiam fortemente, como se estivessem amarradas com correntes de cobre. Além disso, todas as almas padeciam um eterno desassossego; um tormento perpétuo. O infeliz que tinha esquecido a chave do seu cofre, sabia que a deixara na fechadura. Mas seria uma nunca acabar, se eu quisesse enumerar todas as torturas daquele lugar. Inger sofria o tormento de parar em pé como uma estátua, com um pão colado aos pés.
  - Foi o que ganhei, por querer conservar os sapatos limpos! - dizia ela consigo. - Vejam como eles olham para mim!

   Era verdade que todos olhavam para ela, e todas as suas más paixões lhes brotava, dos olhos, falando sem que os lábios se abrissem em palavras. Era uma visão terrível!
    - Deve dar grande prazer olhar para  mim!- pensava Inger. - Tenho um rosto lindo e belas roupas.

    Voltou então os olhos para se ver; o pescoço também estava rígido. Mas oh! como se sujara na cervejaria da esposa do Brejo! Nunca se lembrara de semelhante coisa...A roupa estava coberta de lama viscosa; uma cobra se lhe enroscara no cabelo e caía-lhe pelas costas. De cada prega do vestido espiava um sapo, coaxando sem parar. Era horrível! Mas sentia consolo, pensando:

    - Todo os outros que se encontraram aqui embaixo estão tão medonho como eu!
     Mas o pior era a fome devoradora que sentia; e não podia abaixar-se para tirar um pedaço do pão que tinha nos pés. Não; não podia; mãos e braços haviam endurecido, e todo o seu corpo era como um pilar de pedra. Só podia mover os olhos, mas isso, sim! podia movê-los em redor e olhar para trás. E que medonha visão aquela! Vieram as moscas, que lhe andavam por cima dos olhos, e por mais que ela pestanejasse, não iam embora; não, as moscas não podiam sair, porque ela lhes tinha arrancado as asas, virando-as em insetos rastejantes.



Era um grande suplício da fome que a devorara por dentro; parecia-lhe que já estava completamente vazia.
   - Se isto durar muito, eu não poderei suportar - pensou Inger.
   Mas aquilo continuou, ela teve de suportar.
   Foi então que uma lágrima escaldante lhe caiu sobre a fronte, e foi escorrendo pela face e pelo peito abaixo, até cair sobre o pão; e depois outra, e mais outra, e aquilo já parecia uma chuva.

   Mas quem estaria chorando pela pequena Inger? Pois ela não tinha uma mãe na terra? As lágrimas de tristeza que uma mãe chora pelo seu filho sempre o alcançam; contudo, não lhe trazem alívio; elas queimam, e tornam o tormento cinquenta vezes pior. E a fome terrível de novo a assaltou, e ela sem poder apanhar o pão que tinha nos pés! Afinal experimentou uma sensação estranha: parecia-lhe que estava a se comer a si própria, e que já nada mais era senão um caniço oco, que conduz todos os sons. Ouvia distintamente tudo o que se dizia na terra a seu respeito, e tudo o que ouvia eram palavras duras.

   Sua mãe, é certo, chorava triste e amargurada, mas dizia:
   - O orgulho sempre precede a queda! Foi a tua infelicidade, Inger! Como magoaste tua mãe!
   Não só sua mãe, mas todos na terra sabiam o que ela havia feito; sabiam que tinha pisado no pão e que submergira no paul. Souberam pelo pastor, que tinha visto tudo de cima do montículo onde se achava.
  - Como afligiste tua mãe -Inger - dizia a pobre mulher. - Mas eu bem te avisava!
   - Antes eu nunca tivesse nascido! - pensava Inger. - Seria muito melhor para mim. As lágrimas de minha mãe não me servem de nada agora!



    Ouviu também seus antigos patrões, pessoas tão boas, que tinham sido para ela o mesmo que pais, falando a seu respeito:
   - Era uma menina pecadora. Não dava valor aos dons de Deus, e pisava-os aos pés. Será difícil para ela abrir a porta da misericórdia!
   Mas Inger pensava lá embaixo;
  - Deviam ter-me educado melhor! Deviam ter dominado a minha soberba, se eu a tinha.
   Ouviu também uma canção que escreveram e que era cantada por toda a parte:
                 
                               " Menina tão arrogante.
                                 Que caminhou sobre um pão
                                  P'ra não sujar os sapatos!"

- E terei de ouvir sempre esta velha história, e sofrer com isso! - pensava ela. - Mas os outros também deviam ser punidos pelos seus pecados. Haveria muito o que castigar! Oh! como sofro!

    E seu coração se endurecia ainda mais que a casca de fora.
Ninguém poderá melhorar nada nesta companhia em que estou!  E eu não quero mesmo ficar melhor...Oh! Agora estão todos olhando para mim!

   E Inge tinha o coração cheio de ódio e má vontade para com todos.
   - Agora terão assunto para conversar lá em cima! Que tortura!
   Ouvia as pessoas contarem, sua história às crianças; e estas diziam sempre:
   - Malvada Inger! Era tão perversa que teve de sofrer tormentos!
   E só ouvia da boca das crianças palavras duras.
    Mas um dia, quando sentia o ódio e a fome a lhe roerem a casca vazia, ouviu o seu nome; alguém contava a sua história a uma criancinha inocente, uma meninazinha, e a criança rompeu a chorar, ouvindo a história da orgulhosa e vaidosa Inger. E perguntou:

   - Ela nunca subirá para a terra outra vez?
   - Ela nunca tornará a subir para a terra- disse a outra voz.
   - Mas e se ela pedir perdão e prometer não tornar a fazer isso? - perguntou a criança.
   - Ela não pedirá perdão - disseram-lhe.
   - Mas eu queria que ela pedisse! - insistiu a criancinha, que não aceitava explicações. - Eu dou a casa da minha boneca, para ela subir outra vez...É horrível o que aconteceu com a pobre da Inger!

   Aquelas palavras chegaram ao coração de Inger, e parece que lhe fizeram bem. Era a primeira vez que alguém dizia: " Pobre da Inger!" sem acrescentar alguma coisa a respeito das sua más ações. Uma criancinha inocente chorava e orava por ela, e aquilo lhe causava uma sensação estranha: desejaria chorar também, mas seus olhos não podiam derramar uma só lágrima, e isso ainda lhe aumentava o tormento.

   Assim como os anos iam passando em cima, foram também correndo lá embaixo, sem que coisa alguma se modificasse: Inger já não ouvia falar tanto de si. Mas um dia percebeu um suspiro:
  - Inger, Inger, quanto desgosto me causaste! Eu bem sabia que havia de ser assim!
   Era sua mãe que estava moribunda.
   Ouviu também o seu nome repetido pelos seus antigos patrões, e as palavras menos cruéis que sua ama disse foram estas:
  - Chegarei a ver-te outra vez, Inger? A gente nunca sabe para onde irá!
   Mas Inger sabia bem que sua ama, tão boa, tão virtuosa, jamais iria ter ao lugar onde ela estava.

   Passou-se novo e longo período cheio de amargura. Inger tornou a ouvir o seu nome; e viu acima da sua cabeça duas coisas que pareciam duas estrelas cintilantes; eram de fato dois olhos que se fechavam na terra, tantos anos se passaram depois que aquela criança tinha chorado tão sentidamente ao ouvir a história da "pobre Inger", que ela era agora uma anciã, a quem o senhor chamava para ao Seu lado. No último momento, quando a vida inteira da criatura lhe volta à memória, ela se lembrou das lágrimas que derramara por causa de Inger. E a impressão era tão clara na hora da morte, que a velhinha exclamou em voz alta:

    - Senhor! Oxalá eu não tenha jamais, como Inger, calçados aos pés, sem o saber, teus dons abençoados. Oxalá também eu não tenha jamais nutrido orgulho no coração. Não me abandones agora na minha última hora!

   Fecharam-se os olhos da velha dama, e os olhos de sua alma se abriram para ver as coisa ocultas; e como Inger tinha estado tão nitidamente presente nos seus últimos pensamentos, via agora quão profunda fora a queda da menina. E, àquela vista, desatou a chorar. E fico, feito uma criança, chorando pela pobre Inger, no reino dos Céus. Suas lágrimas e suas preces ecoaram na casca oca e vazia que encerrava a alma prisioneira e torturada, agora completamente vencida por todo aquele amor vindo de cima. Um anjo de Deus, chorando por ela! Por que lhe era feita esta concessão? A alma torturada lembrava-se de cada ação terrena que praticara, e afinal desatou a chorar, e Inger chorou, como jamais fizera. Sentia-se agora cheia de tristeza pelos seus atos; chorou como se a grande porta de misericórdia nunca pudesse abrir-se para ela. Mas quando reconheceu isso em humildade e contrição, um raio de luz brilhou no abismo em que caíra. O poder daquele raio de luz era muito maior do que o da luz do sol que derrete o homem de neve feito pelos meninos no jardim; e mais depressa, muito mais depressa do que se derrete um floco de neve dos lábios quentes de uma criança, dissolveu-se diante dele a forma petrificada de Inger, e um passarinho voou com a rapidez do relâmpago para o mundo de cima. Estava muito assustado e tinha medo de tudo. Sentia-se vexado; receava encontrar o olhar de qualquer ser vivente; e procurou mais que depressa abrigar-se em uma fenda da parede. Naquele esconderijo encolheu-se todo, tremendo da cabeça aos pés; não podia articular som algum, porque não tinha voz. E ali ficou muito tempo, antes que pudesse olhar com calma as coisas admiráveis que o cercavam. Sim, era na verdade admiráveis! O ar era tão suave e tão fresco, a lua brilhava com tanto fulgor, as árvores e arbustos exalavam tanto perfume! E além de tudo isso, já tão agradável, ainda suas penas estava limpas, tão brilhantes! Como toda a criação falava de amor e de beleza! O passarinho bem desejaria cantar alegremente, exprimindo todos os sentimentos que lhe brotavam no peito; entretanto não lhe era possível cantar. Teria gorjeado com a maior alegria, como os cucos e os rouxinóis fazem no verão. O bom Deus, que ouve até os mudos hinos de louvor de um verme, compreendia também aquele cântico de gratidão que tremia no peito do passarinho, da mesma maneira que os salmos de David ecoavam no seu coração antes que tomassem forma em palavras e melodia. Aqueles pensamentos e aqueles cânticos sem voz foram crescendo e foram aumentando durante semanas; deviam expandir-se, e à primeira tentava para praticar uma boa ação, achariam a saída.

   Era o tempo da Festa de Natal. Os camponeses ergueram um mastro contra um muro e amarraram um feixe de aveia na ponta, para que os passarinhos pudessem ter um bom repasto naquele dia feliz.

  O sol surgiu brilhante e iluminou o molho de aveia, e os passarinhos cercaram o mastro, pipilando. Foi Então que daquela fresta da parede veio um pio fraquinho; os sentimentos sempre em aumento do passarinho tinham achado uma voz, e aquele débil pipilar era ao seu hino de louvor. Tinha despertado nele o pensamento de uma boa ação, e o passarinho voou, abandonando seu esconderijo; no Reino dos Céus era ele bem conhecido.

   O inverno corria áspero, e toda  a água estava coberta por uma camada de gelo. Era com grande dificuldade que as aves e os outros animais encontravam alimento. O passarinho voava à beira da estrada, encontrava de vez em quando um grão de trigo nos sulcos dos trenós. Achava também alguns farelos de pão perto das hospedarias, mas comia apenas uma migalha, pois queria deixar bastante alimento para os outros passarinhos que ali aparecessem. Voou então para as cidades e espiava nas cercanias. Onde quer que alguma mão carinhosa tivesse espalhado migalhas de pão para os passarinhos, ele comia apenas uma só e deixava o restante.
   No decorrer do inverno o passarinho tinha assim renunciado, em favor dos outros, tantas migalhas de pão que elas já igualavam em peso aquele pão inteiro que a pequena Inger calçara aos pés, para não sujar os sapatos. Então as asas cinzentas do passarinho ficaram brancas e foram se distendendo, e as crianças que viram aquela ave branca disseram:
   - Lá anda uma gaivota, voando sobre o mar.

  A ave ora mergulhava nas águas, ora voava e remontava muito alto. E, contra a intensa luz que brilhavam no espaço, não foi possível ver que fim levou.
   As crianças afirmaram que ela entrou no sol.
FIM

Revisado- obrigada por esta possibilidade de ler,ter,viver, ser . sentir e ver todos os meus livros de contos. -Silvaninha 


domingo, 25 de setembro de 2016

Novo Livro -Fotos -Contos de Andersen

Meus livros, que ganhei quando era pequenina, dos meus pais ! Eles estão comigo mais ou menos por 45 anos!
My books, I won when I was little, my parents! They are with me more or less for 45 years!







O ROUXINOL- CONTOS DE ANDERSEN





  Na China, como todos sabem, o imperador é chinês, e todos aqueles que o cercam são igualmente chineses. (Este caso aconteceu há muitos, muitos anos.) O palácio do imperador era ao mais magnificente do mundo inteiro- todo feito da mais fina porcelana. No jardim, cultivavam-se as flores mais raras e belas; e para lhes dar maior realce havia pequeninas campainhas de prata que tiniam constantemente, de modo que ninguém podia passar sem as ver. Sim, tudo era admiravelmente arranjado no jardim do imperador. E o jardim cobria tamanha extensão que nem o próprio jardineiro lhe conhecia os limites. Se agente fosse sempre andando por ele chegaria a uma floresta lindíssima, onde havia altas árvores e lagos profundos. Grandes navios podiam navegar neles sob a ramaria das árvores. E nessas vivia um rouxinol, cujo canto era  tão belo que até o pescador, que tinha tanto que fazer, parava estático a escutá-lo, quando saía à noite para deitar as redes.
  - Que lindo!- dizia ele.
    Mas, como tinha de atender ao seu ofício, esquecia o passarinho. Na noite seguinte o passarinho tornava a cantar, e o pescador tornava a ouvi-lo, e de novo exclamava:
   - Que lindo!
   De todas as regiões da terra vinham viajantes à cidade do imperador para conhecê-lo, e admirar o seu palácio, e o seu jardim; mas, ao ouvir o rouxinol, diziam:
   - Isto é o que há de melhor em todo o império!
    E, quando retornavam ao seu país, falavam naquilo; e homens ilustrados escreveram muitos livros a respeito da cidade, e do palácio, e do jardim, sem esquecer o rouxinol, que  elevavam acima de tudo o mais. E os poetas escreveram poemas magníficos,  cantando o rouxinol da floresta que ficava perto do lago profundo.
   Corriam mundo os livros, e alguns deles foram ter às mãos do imperador. Sentado no seu trono de ouro, ele lia, e lia: a cada passo ia acenando com a cabeça, em sinal de aprovação, porque lhe agradavam muito aquelas magistrais descrições da cidade, do palácio e do jardim, De repente, leu: " Mas o melhor de tudo é o rouxinol! " Aquilo estava escrito ali!----
   - Mas...que vem a ser isto? - exclamou o imperador. - Eu não sei o que é rouxinol! Há semelhante passarinho no meu império, e até no meu jardim? Nunca ouvi falar nele! E dizer-se que eu havia de vir a saber disto pelos livros!
  E chamou imediatamente o seu mordomo. Era este tão grande dignitário, que quando algum outro de categoria inferior ousava falar-lhe, ou dirigir-lhe alguma pergunta- "P!" - isto é, nada.
  - Dizem que há aqui um passarinho admirável, chamado rouxinol! E que é a coisa melhor que existe em todo o meu imenso império! Como nunca ouvi falar em semelhante coisa?
  - Não sei; nunca ouvi falar nele- respondeu o mordomo. - Nunca foi apresentado na Corte.
  - Pois ordeno agora que ele compareça hoje à noite, e que cante na minha presença!- disse o imperador. - Todo o mundo sabe que o possui, menos eu!
  - Nunca ouvi falar nele- repetiu o mordomo.- Mas vou procurá-lo; e hei de achá-lo!


    Mas onde estaria o rouxinol? O mordomo correu abaixo e acima, subiu e desceu escadas, atravessou salões e corredores, mas nenhuma das pessoas que encontrou ouvira jamais falar no rouxinol .E ele voltou à presença do imperador , e disse que aquilo devia ser uma lenda, inventada pelos escritores de livros.
   - Vossa Majestosa Imperial não imagina quanta coisa tem sido escrita, que não passa de ficção! E além disso há coisas a que chamam arte negra.
   - Mas o livro em que li isso me foi remetido pelo alto e poderoso imperador do Japão: portanto não pode conter falsidades. Quero ouvir o rouxinol! Quero que esteja aqui esta noite! Ele goza do meu favor imperial. E se não vier, toda a Corte será calcada aos pés, depois da ceia!
   - Tsing-Pe! - disse o mordomo.
   E lá voltou a correr abaixo a acima, subiu e desceu escadas, atravessou salões e corredores. E metade da Corte corria também atrás dele porque os cortesões não achavam graça nenhuma em ser pisoteados.
  Fez-se então um grande inquérito a respeito do rouxinol, que todo o mundo conhecia, exceto a gente da Corte.
   Encontraram, afinal, na cozinha, uma pobre rapariguinha, que disse:
  - O rouxinol? Mas sim, conheço-o bem; canta lindamente. Todos os dias, ao escurecer, levo para minha mãe, que está doente, alguma sobra da mesa. Ela mora lá embaixo, perto da praia. Quando volto, e me sinto cansada, sento à sombra do mato: e ouço então o rouxinol cantar.
   - Oh! serva! - exclamou o mordomo - obterei para ti um emprego permanente na cozinha, e permissão para veres o imperador jantar, se nos levares até onde está o rouxinol! Porque ele está citado para comparecer à Corte hoje mesmo!
    Então seguiram todos par a o bosque onde costumava cantar o rouxinol. Metade da Corte lá ia. Quando estavam a meio caminho, uma vaca começou a mugir.
   - Oh! - gritou o pajem da Corte - é ele! Mas que força, para um animalzinho tão pequeno! E eu já tenho ouvido isto!
   - Não, aquilo é o mugido da vaca- explicou a menina da cozinha. - Ainda estamos muito longe.
   Dali a pouco começaram as rãs a coaxar no brejo.
   - Admirável! - disse pregador da Corte chinesa. - Agora sim, é ele mesmo...parecem pequeninos sinos de igreja...
   - Não; aquilo são as rãs! - corrigiu ela. - Mas estamos perto do lugar.
   E então começou o rouxinol a cantar.
  - Agora sim! - exclamou a menina. - Agora é ele mesmo. Escutem! Escutem!E lá está ele num galho!
   E mostrava um passarinho cinzento, pousado em um ramo.
  - É lá possível! - brandou o mordomo. - Nunca imaginei que fosse assim! Como é simples! Sem dúvida perdeu as cores, ao ver tanta gente em roda!
   - Meu rouxinolzinho!- gritou a menina em altos brados. - Nosso muito gracioso imperador quer que cantes diante dele! - Com o maior prazer! - prontificou-se o passarinho, que rompeu logo a cantar.
  - É como o som das campainhas de vidro! - disse o mordomo. - Vejam como se move a sua gargante, tão pequenina! É assombroso que nós nunca o tenhamos ouvido até hoje! Este passarinho vai obter um grande êxito na Corte!
   - Tenho de cantar outra vez diante do imperador?
- perguntou o rouxinol que o julgava presente.



   - Meu delicado rouxinolzinho - retrucou o mordomo- tenho grande prazer em convidá-te para a festa na Corte, hoje à noite; encantarás então Sua Majestade Imperial com teu delicioso canto.
   - Meu canto soa melhor debaixo das árvores - disse o rouxinol, contrariado ao saber o que desejava o imperador.
  O palácio foi festivamente adornado. As paredes e o pavimento, que eram de porcelana, brilhavam à luz de milhares de lâmpadas de ouro: as flores mais raras, as que podiam tirar sons mais claros de suas campainhas, foram postas nos corredores. Era tal o barulho de idas e vindas e tão forte a corrente de ar - o que fazia tinirem as campainhas das flores - que as pessoas mal podiam ouvir a própria voz.
   No centro do grande salão, onde estava sentado o imperador, fora colocado um poleiro de ouro, e nele pousava o rouxinol. Toda a Corte se achava presente, e a pobre menina da cozinha obtivera permissão para ficar atrás da porta, porque recebera o título de cozinheira da Corte. Todos trajavam de grande gala, e olhavam para o passarinho cinzento, ao qual o imperador fez uma aceno com a cabeça.
   E o rouxinol cantou. Cantou tão bem, que o imperador ficou com os olhos cheios d'água; corriam-lhe as lágrima pelas faces; e então o rouxinol cantou ainda com mais sentimento, um canto que ia direito ao coração. O imperador ficou tão comovido, que declarou conceder-lhe a sua chinela de ouro, para que ele a usasse no pescoço; mas o rouxinol declinou desta honra, com muita cortesia, dizendo que já estava mais que recompensado.
   - Vi lágrimas nos olhos do imperador- e isto é para mim um verdadeiro tesouro. As lágrimas de um imperador tem virtude especial. Deus sabe que estou suficientemente recompensado!
    E cantou outra vez, um canto doce e suave.
   - Mas como ele é faceiro! - diziam as damas.
   E, quando alguém lhes falava, punham água na boca, para gorgolejar quando respondiam. E pensavam que sua voz era como a do rouxinol. E os lacaios e camareiras também se declararam satisfeitos; e isso não é dizer pouco, porque eram a gente mais difícil de contentar! Em resumo- o rouxinol obteve completo êxito.
   Ficaria na Corte, onde teria sua gaiola particular, com a liberdade de sair duas vezes ao dia, e uma à noite. Foram nomeados doze criados para acompanhá-lo quando quisesse passear, cada um dos quais o mantinha preso por um fio de seda, cuja ponta estava amarrada à perna do passarinho. E eles deviam segurar bem aquele fio! Não havia é claro, prazer algum em voar assim, preso por doze cordões.
    A cidade inteira não falava de outra coisa, senão do passarinho admirável, e quando se encontravam duas pessoas, uma dizia logo" rouxi..." enquanto a outra acabava:"nol"; não era preciso mais: suspiravam e compreendiam-se. Onze crianças, filhas de roupavelheiros, foram batizadas com o nome do passarinho; mas nenhuma delas chegou a cantar uma só nota.
   Um dia o imperador recebeu um grande pacote, sobre o qual estava escrito: " O Rouxinol".
   - Há de ser algum novo livro sobre o célebre passarinho - disse ele.
   Mas enganara-se. Era um trabalho de arte - um rouxinol artificial, todo incrustado de diamantes, rubis e safiras, e que devia cantar como o rouxinol de verdade. Assim que lhe deram corda, o passarinho artificial cantou um trecho - porque podia cantar mesmo - e movia a cauda para baixo e para cima, e brilhava, todo recamado de ouro e de prata. Trazia ao pescoço uma fita em que estava escrito: " O rouxinol do imperador do Japão é miserável, comparado com o do imperador da China."
   - É maravilhoso! - diziam todos.
   E o homem que trouxera o presente foi no mesmo instante agraciado com o título de " Carregador-chefe-o-rouxinol-imperial".
    - Agora eles devem cantar juntos; que lindo dueto vamos ouvir!
    E começaram a cantar juntos. Mas foi impossível continuar, porque o rouxinol de verdade cantava conforme sabia cantar, e o artificial só cantava valsas, como lhe permitia o maquinismo.
    - A culpa não é do passarinho artificial - disse o mestre de música. Ele segue o compasso e canta de acordo com a minha escola.
   Então o passarinho mecânico teve de cantar sozinho. Obteve tanto êxito como o verdadeiro, e além disso era muito mais bonito - rutilava como os alfinetes de gravata e as pulseiras.
   Cantou trinta e três vezes o mesmo trecho sem cansar. Ainda queriam todos ouvi-lo mais uma vez, mas o imperador disse que agora o rouxinol vivo devia cantar alguma coisa. Mas...que fim levara ele? Sem que ninguém notasse, voara pela janela aberta, e voltara para a mata.
   - Mas que é feito dele? - perguntava o imperador.
   E todos os cortesões censuram o rouxinol, chamando-o de criatura ingrata.
  - Mas ficou o passarinho mais valioso - disseram afinal.
   E assim foi que o passarinho mecânico teve de cantar outra vez; e era já a trigésima-quarta vez que ouviam o mesmo trecho. E ainda assim, ninguém o sabia de cor, porque era muito difícil. E o mestre de música louvava incessantemente o passarinho: era melhor que o rouxinol - declarava ele- não só quanto  à plumagem e aos lindos diamantes, mas também por dentro.


   - Porque devo observar a todas as damas e cavalheiros, e acima de todos ao nosso gracioso senhor e imperador de todos nós - com um rouxinol de verdade a gente nunca sabe com o que pode contar; mas neste passarinho artificial tudo está regulado. A gente pode explicá-lo; pode abri-lo, e fazer o povo compreender de onde vem as valsas, como são executadas, e como uma se segue à outra.
  - É exatamente essa a minha opinião - disse cada um dos presentes.
  E o mestre de música teve ordem de mostrar o rouxinol mecânico ao povo no domingo seguinte. todos deviam ouvi-lo cantar, conforme a ordem, do imperador. E todos ouviram e gostaram muito do canto - até parecia que se tinham embriagado com chá, conforme a moda chinesa; e gritavam:
    - Oh! Oh!
   E erguiam o dedo indicador, e acenavam com a cabeça. Mas o pobre pescador, que ouvira o rouxinol de verdade, dizia:
  - É, é muito lindo; e as melodias são todas semelhantes umas às outras; mas falta ainda alguma coisa- embora eu não saiba dizer o que é.
   O verdadeiro rouxinol viu-se banido do império. O artificial foi acomodado sobre uma almofada de seda, ao pé da cama do imperador. Todos os presentes que lhe tinham sido oferecidos- ouro e pedras preciosas - estavam em ordem, ao redor dele. Seu título era o de Supremo-Cantor-Imperial-depois-do-jantar; e quanto à categoria, teria o número um da ala esquerda. O imperador considerava esse lado o mais importante, por ser o do coração - porque até nos imperadores o coração está do lado esquerdo. O mestre de música escreveu  uma obra de vinte e cinco volumes a respeito do passarinho artificial. Era obra muito erudita e muito longa, inçada das palavras mais difíceis da língua chinesa; mas ainda assim todos declararam que a tinham lido e compreendido - com receio de serem considerados estúpidos, e ainda pisados aos pés.
   Passou-se um ano inteiro. O imperador, a Corte e todos os outros chineses conheciam e já sabiam de cor cada pequenino pio do canto do passarinho artificial. Mas por isso mesmo gostavam daquele canto do passarinho artificial; podiam acompanhá-lo cantando também, e todos o faziam, na verdade. Os moleques cantavam na rua: " Tsi-tsi-tsi-glu-glu!" e o próprio imperador também cantava aquilo. Sim, era notável aquela música.
    Mas uma tarde, quando o passarinho artificial estava no melhor do canto, e o imperador o escutava, estendido na cama, ouviu que alguma coisa, dentro do maquinismo, dizia: " Uuuuiizzzz!"  E alguma coisa estalava: Uuuiiirrr!" Todas as rodas desandaram a girar, e a música parou.
  Saltando da cama imediatamente, o imperador mandou chamar o seu médico; mas que podia esta fazer? Chamaram então um relojoeiro; e depois de muito palavrório, de muita investigação, ficou o passarinho mais ou menos em ordem. Contudo, o relojoeiro disse que era preciso o maior cuidado, porque as molas estava gastas, e não havia possibilidade de substituí-las: nesse caso o rouxinol não cantaria mais. E grande foi a lamentação - só uma vez por ano poderia o passarinho cantar, e isso mesmo...ainda seria muito!
   Foi então que o mestre de música fez um pequeno discurso, todo formado de palavras difícies, dizendo que gosto acabrunha a nação. Os chineses gostava muito do rouxinol estava tão bom como antes - e é claro que estava mesmo.
    Correram ainda cinco anos; e eis que um grande desseu imperador, e agora vinham a saber que ele estava muito doente, e que não tinha vida para muito tempo. Já fora escolhido o novo imperador, e o povo, reunido na rua, indagava do mordomo como estava o antigo.
   -P! - disse ele, sacudindo a cabeça.
   E, estendido no seu grande leito deslumbrante, lá estava o imperador, lívido e gelado. Toda a Corte o julgou morto, e todos correram a render homenagem ao novo senhor. Os camareiros saíram, para tratar de seus negócios, e as camareiras resolveram reunir-se para tomar café. Por toda a casa tinham estendido tapetes, que abafavam o rumor dos passos, de sorte que reinava no palácio um silêncio absoluto.
   Mas o imperador ainda não estava morto; lívido e gelado, jazia estendido no grande leito deslumbrante, adornado de longas cortinas de veludo e pesadas borlas de ouro. Uma alta janela ficara aberta, e o luar caía sobre o imperador e sobre o passarinho artificial.
   O pobre imperador mal podia respirar; parecia-lhe que tinha um peso sobre o peito: abriu os olhos e viu que era a Morte, que estava sentada ali, e pusera na cabeça a sua coroa de ouro. Trazia em uma das mãos a espada do imperador e na outra a sua linda bandeira. E em roda dele, de dentro das pregas das esplêndidas cortinas de veludo, cabeças estranhas espiavam: algumas medonhas, mas outras muito amáveis e humildes. Eram todas as ações do imperador - boas e más - que ali estavam diante dele, agora, que tinha a Morte sentada sobre o coração.



   - Lembra-te disto? - sussurrava uma a outra. - Lembras-te daquilo?
    E contaram-lhe tantas coisas, que o suor começou a lhe escorrer da fronte.
    - Eu não sei o que é isto! - disse o imperador. - Música! Música! O grande tambor chinês! Para abafar o que estão dizendo!
   Mas continuavam falando, e a Morte acenava com a cabeça, como fazem os chineses, a tudo quanto diziam.
   - Música! Música! - gritava o imperador. - Oh! passarinho precioso, passarinho de ouro, canta, canta! Dei-te regalias e presentes valiosos; pendurei minha chinela de ouro ao pescoço- canta agora! Canta!
   Mas o passarinho permanecia calado; ninguém estava ali para lhe dar corda, e sem isso ele não podia cantar. E a Morte continuava a olhar para o imperador, com seus grandes olhos vazios, quieta, espantosamente quieta.
   Então soou de repente, vindo da janela, o canto mais lindo que se pode ouvir. Era o rouxinolzinho vivo, que estava ali fora, pousado em uma árvore próxima. Ouvira falar no estado em que se achava o imperador, e viera cantar para ele, um canto de consolo e de esperança. E enquanto ele cantava os espectros foram ficando pálidos, cada vez mais pálidos; o sangue começou a circular mais depressa nos membros enfraquecidos do imperador; e até a Morte se pôs a escutar; e disse:
   - Continua, rouxinol, continua!
   - Mas dar-me-às essa esplêndida espada de ouro? E não me darás essa rica bandeira? E também a coroa do imperador?
   E a morte lhe foi dando aqueles tesouros, de um em um, cada vez que ouvia novo canto. E o rouxinol cantava e cantava; cantou o cemitério tranquilo, onde vicejam rosas brancas; onde recende tão suavemente a flor do sabugueiro; onde as lágrimas dos vivos vem regar a grama fresca. Então a Morte começou a sentir saudades do seu jardim, e foi flutuando para a janela, na forma de um nevoeiro esbranquiçado e gélido.
      - Obrigado!Obrigado! - disse o imperador. - Oh
   Passarinho celestial! Conheço-te, sim! Desterrei-te do meu país e do meu império, e ainda assim vieste enxotar do meu leito aquelas medonhas carrancas, e expulsaste a Morte do meu coração! Como hei de recompensar-te?
    Já me recompensaste - replicou o rouxinol.- Arranquei lágrimas dos teus olhos, quando cantei para ti da primeira vez- jamais hei de esquecê-los. São  essas as joias que alegram o coração de um cantor. Mas agora dorme, e ficarás de novo forte e bem disposto. Vou cantar para adormeceres.
 


 


    E cantou; e o imperador caiu em um sono profundo e suave. Ah! que sono calmo e reparador!
   Iluminava-o o sol, que entrava pela janela, quando ele despertou, restabelecido e forte. Nem um único servo voltara ainda, porque todos pensavam que estava morto; só o rouxinol permanecia ao seu lado, e cantava.
   - Agora ficarás comigo para sempre! - disse o imperador. - Cantarás como quiseres; e vou quebrar o passarinho artificial em mil pedaços.
   - Não- replicou o rouxinol.- Ele cumpriu a sua missão enquanto pode. Conserva-o, como o fizeste até agora. Eu não posso construir meu ninho no palácio, para morar nele; mas deixa-me vir quando tiver vontade; pousarei, ao por do sol, naquele ramo acima da janela, e cantarei alguma coisa que te deixe alegre e pensativo ao mesmo tempo. Cantarei os felizes e os que padecem. Cantarei o bem e o mal que teceram. O cantorzinho de asas voa por toda a parte: vai ter com o pobre pescador, pousa no teto do aldeão, e de todos os que vivem longe de ti e da tua Corte. Ouvindo meu canto, viverás com o teu  povo.
   E o imperador ali estava embevecido, de pé, trajado com o seu manto imperial - porque se vestira sozinho- apertando ao peito à espada, pesada de ornatos de ouro.
   Entraram então os servos, que vinham ver seu imperador defunto. E...sim, ele lá estava, o seu imperador, e apenas lhes disse:
     - Bom dia!
FIM

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

HÁ COISAS QUE O CORAÇÃO NÃO ESQUECE - CONTOS DE ANDERSEN

 







Velho era o morgado, e lamacento o fosso que o cercava; e a ponte levadiça raras vezes era baixada -pois nem todas as visitas são gente de distinção. Lá estavam, abaixo das goteiras, os balestreiros, por onde se podia despejar água fervendo, e até chumbo derretido sobre o inimigo, caso se aproximasse demais.
   Lá dentro as salas eram muito altas, o que tinha sua utilidade, porque uma espessa fumarada se erguia da lareira, onde se consumia lentamente os grandes nós de madeira úmida. Das paredes pendiam os retratos de homens revestidos de armadura, e de mulheres soberbas, trajando ricos vestido. mas a mais bela de todas andava por ali, em carne e osso; era a dona do morgado, e chamava-se Mete Mogens.
   Á noite chegaram alguns salteadores; degolaram três dos homens do castelo, e mais o cão de guarda. Feito isso, prenderam a dona da casa no canil, amarrando-a com a corrente do cachorro, e foram pavonear-se pelas salas, tomando o vinho e a cerveja que acharam na adega.
    E enquanto isso a dama, acorrentada no canil, nem se quer podia ladrar!
   Mas nisso aproximou-se cautelosamente o escudeiro de um dos bandidos. Cautelosamente, sim: se fosse descoberto, seria trucidado, E disse à dona da casa.
   - Sra, Meta Mogens, lembra-se a senhora de meu pai? Lembra-se que foi obrigado a montar o cavalo de pau, ainda em vida de seu marido?  A senhora pediu por ele, mas não foi atendida. Queriam que ficasse assim montado, até que as pernas se despegassem do corpo. Foi então que a senhora desceu e foi, devagarinho, como eu fiz agora, e colocou-lhe uma pedra debaixo de cada pé, para que eles tivessem um apoio. Ninguém a viu; e, se alguém viu, fingiu não ver - porque a senhora era jovem dona da casa. Meu pai contou-me essa história, que guardei na memória; não a esqueci, não. E agora vou libertá- la, Sra. Meta Mogens.
   Tiraram os cavalos de estrebaria e saíram, arrostando a chuva e a tempestade, até encontrar amigos que lhes prestaram auxílio.
  - De modo que aquele pequeno serviço que prestei outrora ao velho, veio a ser-me amplamente retribuído - disse Meta Mogens.
   - Sim: há coisas que o coração nunca esquece - disse o rapaz.
  Os salteadores morreram na forca.
   
Há por aquelas bandas outro velho morgado. Não é o mesmo da Meta Mogens: pertence a outra família aristocrática.
    Este caso é dos dias que correm.
   O sol ilumina a flecha dourada da torre. Pousam na água, como ramalhetes, ilhotas cobertas de mato; e em volta delas nadam os cisnes. O jardim está cheio de roseiras floridas. Mas a dona da casa é na verdade a mais delicada pétala de rosa, radiante de alegria, da alegria que vem das boas ações. É um brilho que não esplende pelo mundo afora, mas que fica no mais íntimo do coração; e o que ali esta guardado não ficará esquecido.


  Neste momento ela sai do castelo e dirige-se à choupana de um camponês, no campo. Mora ali uma menina paralítica. A janela do quarto dá para o lado onde não penetra o sol. A menina só pode ver um pedacinho de campo, fechado por alta cerca. Mas hoje é um dia de sol: o quente sol, o sol maravilhoso de Deus Nosso Senhor entrou no quartinho. Entrou pela janela nova, rasgada onde outrora só se via a parede nua.
   A paralítica fica sentada. à luz quente do sol, olhando para o mato e para o lago. O mundo tornou-se tão grande, tão lindo...e tudo veio de uma única palavra da caridosa dona de morgado.
     - A palavra era tão fácil - disse ela, e a ação tão pequenina...E a alegria que elas me proporcionaram é imensa, e cheia de bençãos.
   É porque ela pratica tantas ações meritórias, e pensa sempre naqueles que vivem nas casas pobres e nas moradas suntuosas - onde também há gente aflita.
   Tudo isso está oculto e guardado, Mas há coisas que o coração nunca esquece.


   Na grande cidade, de tráfego animado, havia uma casa muito velha, cheia de salas e quartos. Não entraremos nela: vamos ficar na cozinha, cheia de luz e calor, e onde tudo está asseado e alegre. As panelas de cobre reluzem. A mesa parece encerada, de tão lustrosa. A pia é tão polida como um espelho. E tudo isso é obra de uma única criada, que ainda achou tempo para se vestir e arranjar como se fosse para a igreja.
   Traz uma laçada na touca, uma laçada preta, que indica luto. Contudo não tem ninguém por quem usar luto: nem, pai, nem mãe, nem parentes, nem bem-amados. É uma mocinha pobre. Dantes teve um noivo. Contrara casamento com um moço também pobre, e amavam-se muito. Mas um dia ele lhe disse:
  - Nós nada possuímos; e a rica viúva, dona daquela adega, disse-me palavras de amor. Ela me oferece a prosperidade. Contudo, és tu quem vive no meu coração. Que me aconselhas?
    - Que faças o que te parece que te dará a felicidade. Sê bondoso e carinhoso com ela; mas te previno: desde o momento em que nos separarmos, não devemos tornar a ver-nos.
  Passaram-se anos. Um dia ela encontrou na rua o antigo noivo. Pareceu-lhe tão doente, e envelhecido, que ela não pode deixar de lhe perguntar:
  - Como vais?
   - Sou rico, e tudo me vai bem, em todos os sentidos. Minha mulher é boa; mas tu continuas a viver no meu coração. Travei uma grande luta dentro de mim, mas está quase terminada agora. Só nos tornaremos a ver diante de Deus.
   Passou-se mais uma semana. Hoje de manhã ela leu  no jornal a notícia da sua morte. E é por isso que veste luto. Morreu ele, deixando a esposa e três enteados, diz o jornal.
   Essas palavra soam como uma pancada no metal fendido, e contudo, absolutamente puro.
  A laçada preta indica luto; o rosto da moça revela-o ainda mais claramente. Ele está guardando no seu coração, e jamais será esquecido.   
  Há coisas que o coração nunca esquece.

  Ora aí está! Contei três histórias, três folhas em uma só haste.
  Queres ainda mais folhas de trevo? No pequenino livro do coração existem muitas, muitas!
FIM

terça-feira, 20 de setembro de 2016

AS CEGONHAS - CONTOS DE ANDERSEN

 

 Era uma vez uma cegonha que construiu o ninho no teto da última casa da aldeia. A mãe estava no ninho com seus quatro filhotes, que espichavam a cabeça, com seus bicos escuros - porque ainda não tinham ficado vermelhos.
   Perto deles estava o pai cegonha, na beirada do telhado, duro e têso, pousado em um pé só, para ter ao menos alguma preocupação, enquanto montava guarda. Parecia até feito de madeira, de tão quieto e duro que estava!
    E pensava lá consigo:
   - É certamento grande honra para minha mulher, ter uma sentinela de guarda ao seu ninho! As pessoas não sabem, que sou o marido dela, e pensam que tive ordem de vir fazer sentinela aqui... Isto é muito aristocrático!
   E continuava parado, sobre uma perna só,
   Na rua brincava um bando de crianças; quando viram a cegonha, um dos meninos mais atrevidos começou a cantar a velha cantiga das cegonhas, e os outros o acompanharam imediatamente. Mas cada um cantava os versinhos como lhe vinham à cabeça:
   "Cegonha, cegonha da perna comprida!
    Vai para o teu ninho, cuidar dos filhotes:
    Um deles agora vai ser enforcado;
    O outro em seguida será esfolado;
   O outro num tiro vai perder a vida;
   E o derradeiro dos teus pensamentos
    Vai ser no espeto varado e assado!"

 - Mas escutem o que aquelas crianças estão cantando! - disseram os filhotes da cegonha;- dizem que nós vamos ser enforcados e assados no espeto!
     - Ora não façam caso deles - retrucou a mãe cegonha. - Se vocês não lhe derem ouvidos, não terão de que se incomodar.
     Mas os rapazinhos continuavam a cantar, apontando com o dedo para as cegonhas; só um pequerrucho, chamado Peter, declarou que era um injustiça se divertirem assim à custa dos pobres animais, e não tomou parte na brincadeira.
    A mãe cegonha consolava os filhos:
   - Não se importem com eles, não se inquietem assim; olhem para o papai, com está ali tão quieto, e por sinal, em uma perna só!
   - Mas nós estamos com tanto medo...- disseram os pequenotes, encolhendo a cabeça para dentro do ninho.
   No outro dia, quando as crianças voltaram e  viram as cegonhas, começaram a velha cantiga:

   " Um deles agora vai se enforcado;
    E o derradeiro dos teus pequenotes
    Vai ser no espeto varado e assado!"

- Então nós vamos ser enforcados e assados? - perguntaram os filhotes.
  - Nada disso ! Não! - respondeu a mãe. - Vocês vão mas é aprender a voar; eu vou exercitá-los; depois iremos aos campos, fazer uma visita às rãs; elas nos cumprimentarão lá dentro d'água, e cantarão: Coaxe! Coaxe! Coaxe!...e nós as comeremos. Será um excelente petisco, acreditem-me!
    - E depois? - indagaram os filhotes.
   - Depois todas  as cegonhas da terra se reunirão em assembléia, e começarão as manobras do outono. E vocês todos devem saber voar muito bem, porque isso é muito importante. O general atravessa com o bico todos os que não sabem voar; por isso devem tratar de aprender alguma coisa nos ensaios.
    - Então, afinal acabaremos todos no espeto, como disseram os rapazes, e...oh! Lá estão eles cantando outra vez aquilo.
    - Ouçam-me a mim, e não aos rapazes - disse a mãe cegonha. - Depois da grande revista, voaremos para longe daqui, para os países quentes, por sobre montes e florestas. Iremos ao Egito, onde há três casas de pedra, cujo topo alcança as nuvens - chamam-lhes Pirâmides, e são mais velhas do que uma cegonha pode imaginar. E naquela mesma terra há um rio que transborda das margens, e vira o país inteiro em um lodaçal. então nós entramos na lama e comemos rãs.
  - O...oh! ...- exclamaram todos os pequerruchos.
   - É um lugar verdadeiramente delicioso! A gente pode comer o dia inteiro, e enquanto estamos passando bem por lá, aqui neste país não há uma só folha verde nas árvores! É tão frio aqui que até as nuvens se transformaram em massa geladas e caem em farrapos.
    Ela queria falar na neve, mas  não sabia explicar-se melhor.
   - E aqueles rapazes malvados também vão ficar em uma massa gelada? E cair em farrapos? - perguntou o filhote mais novo.
  - Não; eles não ficam em massa gelada, mas não andam muito longe disso; e são obrigados a ficar apatetados em uma sala triste, enquanto vocês estarão voando em terras estrangeiras, onde há flores e sol quente.

   Passou-se algum tempo; os filhotes tinham crescido tanto que já podiam ficar de pé no ninho e olhar em roda. E todos os dias o pai cegonha trazia lindas rãzinhas, cobrinhas, e toda a espécie de manjares do agrado das cegonhas, que podia encontrar. E divertido era ver todas as brincadeiras que ele fazia para distraí-los! Metia a cabeça debaixo da calda; depois batia o bico como se fosse uma pequena matraca; e depois contava histórias, toda elas relativas aos brejos e pauis.
   - Vamos, agora devem aprender a voar- disse um dia a mãe cegonha.
    E os quatro nenês se viram obrigados a ir para o beiral. Mas como cambaleavam! Tentaram equilibra-se com as asas, mas quase caíram ao chão.
   - Olhem para mim- disse a mãe. - É assim que devem manter a cabeça! E ponham os pés deste jeito!" Assim! Um, dois! Um, dois! Um ,dois! Isto há de ajudá-los a vencer no mundo.
    Ela fez um voo um pouco longo, e os filhotes deram um pequeno salto sem assistência, mas - bumba! foram abaixo, direitinho; porque ainda tinham o corpo muito pesado.
   - Eu não quero voar! - disse um, arrastando-se para o ninho. - Não me importo de ir para as terras quentes!
   - Gostarias mais de ficar aqui, e ficar gelado no inverno, feito um bloco? E esperar que os rapazes te venham enforcar, queimar ou assar no espeto? Pois bem, então vou chamá-los já e já!
   - Não , não! - disse o filhote, saltando outra vez para o teto, com os outros.
  No terceiro dia já começaram a voar um pouco, e pensaram então que já podiam pairar no espaço, amparados nas asas; mas, quando tentaram a façanha, caíram e foram obrigados a bater as asas o mais que podiam.Os meninos tinha aparecido lá embaixo, cantando a sua canção

    "Cegonha, cegonha, da perna comprida..."

   - Nós não vamos voar para baixo e dar-lhes bicadas? - perguntaram os pequenos.
   - Não; deixem os meninos- disse a mãe. - Escutem o que eu digo; isto é muito importante - um...dois...três! Agora vamos voar para a direita. Um...dois...três! Agora para esquerda, ao redor da chaminé. Foi muito bem! Este último golpe de asas foi tão lindo, e tão direito, que dou licença de voarem comigo amanhã para o brejo. Estão já aparecendo lá algumas famílias de cegonhas muito elegantes, e todas com seus filhos; quero que se veja que os meus são os mais bem-educados de todos, e recomendo que andem por lá com o devido grau de altivez, porque isso produz bom efeito e traz consideração.
    - E não vamos nos vingar dos rapazes perversos?
   - Ora! Deixemo-los gritar quanto quiserem. Vocês podem voar até as nuvens, e ir para a terra das Pirâmides, enquanto eles estão ficando gelados, e não veem uma só folhinha verde, nem tem uma maçã doce para comer.
  - Sim, mas nós havemos de nos vingar! - cochicharam eles entre si.
    E foram exercitar-se de novo.
    De todos os meninos da rua o mais encarniçado em repetir a cantiga escarninha era o pequenote que a cantara no primeiro dia; e era tão pequeno, que mal teria seis anos. Os filhotes, porém, julgavam que ele havia de ter pelo menos cem , pois era maior que as cegonhas grandes. Mas - que sabem os filhotes de cegonha da idade das crianças, ou da gente grande? O certo é que tinham resolvido dirigir a sua vingança contra aquele rapazinho, porque fora ele o primeiro a cantar, e teimava sempre em motejar deles. Os filhotes estava muito irritados, e quanto mais cresciam menos paciência sentiam para aturar insultos e sua mãe viu-se afinal obrigada a prometer-lhes que seriam vingados, sim, mas somente no dia da partida.
   - Precisamos ver primeiro como vocês se portam na revista geral, Se vocês não cumprirem seu dever, e o general tiver de espetá-los com o bico, então os rapazes terão razão de falar, pelo menos nesse ponto. Vamos pois esperar até as grandes manobras.
   - Sim, a senhora vai ver! - disseram os filhotes.
    E deram-se tanto trabalho, ensaiando todos os dias que chegaram a voar com muita elegância e leveza: era um prazer vê-los.
    Chegara enfim o outono, tempo em que todas as cegonhas começam a reunir-se e partem afinal para os países quentes, deixando para trás o inverno. E que manobras! As avezinhas recém- empenadas receberam ordem de voar sobre florestas e aldeias, para ver se já sabiam voar direito,
porque tinham uma longa viagem a fazer. Mas as jovens cegonhas deram tais provas de capacidade, que seu certificado rezava assim: " Voaram com maestria notável - com uma rã e uma cobra de prêmio." Era certamente prova palpável de que se saíram a contento; e podiam agora comer a rã e a cobra - e não perderam tempo em começar!
   - Agora- diziam eles- à nossa vingança!
   - Sim, certamente- disse a mãe cegonha - e descobri qual há de ser a mais bela vingança. Sei onde fica a lagoa em que estão esperando todas as criancinhas humanas, até que as cegonhas as vão buscar, para levá-las a seus pais. Lá então dormindo as criancinhas mais lindas do mundo, e sonhando sonhos tão suaves como jamais tornarão a sonhar no futuro. Todos os pais desejam muito um filhinho, e todas as crianças querem um irmãozinho. Ora, vamos agora voar para a lagoa e trazer um para cada uma das crianças que não cantaram aquele canto perverso, nem escarneceram das cegonhas.
    - Mas o menino malvado, aquele menino feio, que foi o primeiro a cantar a cantiga - gritaram os filhotes - que vamos fazer dele?
    - Há lá na lagoa um nenezinho que ficou sonhando, e não  acordou: ele está agora morto. Vamos levá-lo para a casa do menino mau e ele vai chorar, porque nós lhe levamos um irmãozinho morto. Mas para aquele menino bonzinho - vocês não se lembram dele?- aquele que disse que era uma pena escarnecer dos animais? Pois para esse vamos levar um irmão e uma irmã. E, como aquele menino se chama Peter, vocês todos ficarão com o nome de Peter, em honra dele.
   E assim se fez. Desde então todas as cegonhas se chamaram Peter, e assim são chamadas até hoje.
FIM

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

QUER CONHECER ONDE EU SOU FELIZ? POR FAVOR ENTRE.

Amigos este é o lugar que mais gosto de ficar na minha querida casa, aqui é onde transcrevo essas histórias mágicas dos Irmãos Grimm e Andersen, livros que ganhei dos meus pais. Meu pai era vendedor de livros, um homem muito trabalhador e minha mãe, dona de casa. Quero dizer para vocês o quanto significa para mim ter meu blog. Sou uma dona de casa, mãe de 3 filhos e um marido paizão. Entre meus afazeres domésticos, que não são poucos, sento aqui e viajo pelas histórias, eu amooooooooooooo muito isto. E ver visualizações do blog me enche de amor e gratidão!
                  OBRIGADA!




sábado, 17 de setembro de 2016

O SOLDADINHO DE CHUMBO- CONTOS DE ANDERSEN












  Era uma vez vinte e cinco soldadinhos, todos irmãos, pois tinham sido todos fundidos da mesma colher de chumbo, já muito velha. Todos levavam o mosquete ao ombro, e olhavam direito em frente; todos tinham o mesmo belo uniforme azul e vermelho. As primeiras palavras que ouviram no mundo, quando pela primeira vez alguém ergueu a tampa da caixa em que estavam encerrados foram estas:
    - Soldadinhos de chumbo!
   Vinham dos lábios de um menino, que batia palmas, de contente; eram um presente de anos. Enfileirou-se em cima da mesa; eram todos iguais. Sim, todos iguaizinhos, menos um, que tinha uma diferença notável dos  demais: tinha só uma perna. Fora fundido por último, e o chumbo não chegou. Ficou por isso só com uma perna, mas mantinha-se tão firme nela como os outros nas duas, e foi também o único que alcançou a celebridade.
   Sobre a mesa em que foram colocados havia muitos brinquedos, mas sobressaía de todos um belo castelo de papelão, por cujas janelas se viam as salas; À frente do castelo, que era rodeado de árvores, havia um lago, feito de um pedaço de espelho, e no qual nadavam alguns cisnes de cera que a água refletia. Tudo ali encantava a vista; mas a coisa mais linda era uma moça que estava à porta. Era também recortada em papelão, mas vestia um vestido de musselina branca, e tinha uma gravata de fita azul, que caía e um belo laço sobre o ombro. Trazia ainda ao peito uma rosa brilhante, feita de lentejoulas, não menor que a cabeça da bonequinha. Tinha os braços estendidos, e levantava tanto uma perna que o soldadinho de chumbo não a enxergava: supunha, pois, que era como ele, perneta, porque ignorava o que é uma dançarina.
  - É esta, certamente, a mulher que me convém para esposa - pensou ele. Mas é muito importante para mim. Mora em um castelo, enquanto eu vivo numa caixa , com mais vinte e quatro companheiros... Não, não é lugar próprio para ela. Contudo, como falando é que a gente se entende, hei de me aproximar dela.
   Escondeu-se, então, atrás de uma caixinha de rapé, e dali podia contemplar à vontade a linda donzela, que continuava firme sobre uma perna só, sem perder o equilíbrio.
  Á noite acomodaram todos os outros soldadinhos na caixa e a família foi dormir. Começaram então os brinquedos a brincar de "visita", e de "guerra", " bailes". Lá dentro da caixa os soldados de chumbo estava louquinhos por tomar parte no divertimento, mas era impossível sair, porque não conseguíam levantar a tampa. O polichinelo dava saltos mortais, o lápis de pedra divertia-se sozinho em cima da mesa; tanta era algazarra que o canário acordou, e pôs-se a recitar poesias. Só não se mexeram dos seu lugar a dançarina e o soldado de chumbo. Ela ali estava, direita sobre a ponta do pé, e de braços estendidos; ele, firme também sobre a sua perna única, não despregava os olhos da moça.
  O relógio bateu meia-noite e zás! levantou-se a tampa da caixa de rapé; não havia nela nem uma pitada de rapé, mas sim um anãozinho negro, um boneco de mola.
   - Soldado de chumbo - disse o boneco - queres deixar de olhar desse jeito?
   Mas o soldadinho fingiu que não tinha ouvido.






   - Está bem, espera até amanhã e vais ver uma coisa - tornou o boneco.
   Quando, no dia seguinte, os meninos apareceram, o soldadinho de chumbo foi colocado sobre o peitoril da janela. E de repente, fosse por culpa do boneco de mola, fosse por um pé-de-vento, a janela se abriu e o soldado precipitou-se de cabeça para baixo, do terceiro piso até o solo. Foi uma queda terrivelmente rápida. Ficou de perna para o ar, com a baioneta cravada entre dois ladrilhos do passeio.
   A criada e o menino desceram logo a procurá-lo, Chegados lá embaixo, estiveram a ponto de esmagá-lo com o pé, mas não o encontraram. Se o soldadinho tivesse gritado: "Aqui estou!" sem dúvida o teriam visto; porém ele achou que não devia gritar, porque estava fardado.
   Começou a cair uma chuva forte, que logo se transformou em aguaceiro. Depois que terminou a chuva, passaram casualmente por ali dois garotos.
   - Olha! - gritou um deles. - Um soldadinho de chumbo! Vamos largá-lo num barco!
   Fizeram um barquinho com uma folha de jornal, puseram o soldadinho no meio  e largaram o barco no regato que se formara com a água da chuva. os dois garotos corriam ao lado do botezinho e batiam palmas. Santo Deus, que ondas tinha o regato, e que corrente impetuosa! É verdade que a chuva tinha sido torrencial. O bote balançava, subia e descia, e à vezes girava tão depressa que o soldadinho sentia palpitar-lhe o coração; mas apesar de tudo, permanecia firme com o mosquete ao ombro, olhando para a frente.
 De súbito, a corrente arrastou o bote para um cano de esgoto; estava tão escuro ali com na caixa de papelão em que o soldadinho morava antes.
  " Aonde irei parar? - pensava ele. - Tudo isto é por culpa do boneco. Se ao menos a mocinha estivessem aqui a meu lado, pouco me importaria esta escuridão."

        Nesse momento apareceu um enorme rato que vivia no cano de esgoto.
               - Tens passaporte? - perguntou o rato. - Mostra-me o teu passaporte!
     O soldadinho de chumbo não respondeu, e segurou o mosquete com mais força. O bote foi andando águas abaixo, mas o rato foi nadando atrás. Ah, como ringia os dentes e gritava pedindo auxílio às palhas e pedaços de pau que boiavam no regato!
   - Agarrem-no! Agarrem-no! Não pagou direitos de alfândega, nem quer mostrar o passaporte!
   A corrente era cada vez mais impetuosa; já o soldado avistava a luz do dia, no extremo do cano. Mas ouvia também um barulho atroador, que bem podia assustar até um homem mais valente do que ele. E bem se pode imaginar se era ou não temeroso - a ponta do túnel, isto é, o cano de esgoto, ia ter a um grande  canal. Ora, para o soldado de chumbo era isto tão perigoso como seria para nós uma grande cascata. Mas estava já tão próximo que não podia parar: o bote foi arrastado na torrente, e o pobre soldado de chumbo firmava-se como podia no seu posto - e ninguém poderia dizer que sequer pestanejou. O Bote deu três ou quatro voltas, encheu-se d'água, e começou a a fundar. O soldado de chumbo mantinha-se ereto, com água até o pescoço. Mas o bote ia afundando, afundando, e o papel ia-se dissolvendo aos poucos; afinal a água fechou-se sobre a cabeça do soldado de chumbo. E naquele instante seus pensamentos se voltaram para a bailarina dos seus sonhos, a linda bailarina que não tornaria a ver; e pareceu-lhe ouvir uma voz que cantava:
     "Adeus, adeus, bravo e fiel guerreiro!
     Chegou o teu momento derradeiro!"
   Desfez-se o papel, e o soldadinho foi ao fundo; mas no momento em que caía, apanhou-o um peixe, que logo o engoliu.
    E como era escuro, lá dentro do peixe! Era mais escuro ainda que o cano de esgoto, e muito mais estreito. Mas o soldado de chumbo permaneceu imóvel, estirado de todo comprimento, sempre empunhando o mosquete.
   Nadava o peixe abaixo e acima; fazia os movimentos e contorções mais variados. De repente ficou quieto. Afinal brilhou através de seu corpo um relâmpago: a luz do dia raiou, esplêndida, e uma voz gritou:
   - O soldado de chumbo!
   É que o peixe tinha sido pescado, levado ao mercado, vendido ali, e transportado para a cozinha, onde a cozinheira acabava de abri-lo com uma faca comprida. Ela segurou o soldado entre os dedos e levou-o à sala da família, onde todos estava ansiosos para ver o homem notável que tinha viajado no ventre de um peixe. Contudo, o soldado de chumbo não tirava daí nenhum motivo de orgulho. Puseram-no em cima da mesa, e- mas que coisas extraordinárias podem acontecer neste mundo! - o soldado de chumbo viu-se na mesmíssima sala em que estivera antes! Lá estavam as mesmas crianças, os mesmos brinquedos sobre a mesa; e lá estava o lindo castelo, com graciosa dançarina. Ainda se equilibrava em um pé, mantendo a outra perna estendida no ar. Também ela era fiel. Isto comoveu o soldado de chumbo: estava quase a romper em pranto, mas conteve-se; não, um soldado não chora. Limitaram-se pois a se olhar em silêncio.
FIM


Traduzido por Google tradutor
It was once twenty-five soldiers, all brothers, for they had all been cast from the same spoon lead, too old. All took the musket on his shoulder, and looked right in front; all had the same beautiful blue and red uniform. The first words heard in the world when the first time someone lifted the box lid that were closed were these:
    - Lead Soldiers!
   They came from the lips of a boy, who clapped, contentedly; It was a birthday present. lined up on the table; They were all the same. Yes, all just alike, except one, which had a notable difference from the others: only had one leg. It casts off last, and lead not arrived. It was so with only one leg, but remained as firm as her others in both, and was also the one who has achieved celebrity.
   On the table they were placed there were many toys, but excelled all a beautiful cardboard castle, for whose windows saw the rooms; In front of the castle, which was surrounded by trees, there was a lake, made of a piece of mirror, in which swam some wax swans water reflected. Everything there charmed view; but the most beautiful thing was a girl who was at the door. He was also cut in cardboard, but wore a white muslin dress, and had a blue ribbon tie, falling and a beautiful bow on the shoulder. He had yet to chest a bright pink, made of sequins, no less than the head of the doll. He had his arms outstretched and raised both a leg that the tin soldier saw not: supposed, because that was how he, legless, because it ignored what is a dancer.
  - This is certainly the woman who suits me to wife - he thought. But it is very important to me. Lives in a castle, while I live in a box, with twenty-four companions ... No, it's not the proper place for it. However, since talking is what we understood, I will approach her.
   He hid it, then, behind a snuffbox, and there could look at will the beautiful maiden, who remained firm on one leg without losing her balance.
  At night they settled all other soldiers in the box and the family was sleeping. then they began toys to play "visit" and "war", "balls". Inside the tin soldiers the box was louquinhos by taking part in fun, but it was impossible to get out, because they could lift the lid. The jumping jacks gave somersaults, stone pencil amused himself alone on the table; so was hubbub that the canary woke up and began to recite poetry. Just did not move from its place the dancer and the tin soldier. She was there, right on the tip of the foot, and arms outstretched; he also firm on his single leg, not despregava the girl's eyes.
  The clock struck midnight and wham! He rose to snuff box cover; there was in it or a pinch of snuff, but a black dwarf, a spring doll.
   - Lead Soldier - said the doll - want to stop looking like that?
   But the soldier pretended he had not heard.
   - Okay, wait until tomorrow and you'll see something - became the doll.
   When, the next day, the boys appeared, the tin soldier was placed on the window sill. And suddenly it was spring doll's fault, was not for a walk-to-wind, the window opened and the soldier rushed upside down from the third floor to the ground. It was a terribly rapid fall. It's leg into the air, with the bayonet stuck between two sidewalk tiles.
   The maid and the boy went down just looking for him, arrived downstairs, were about to crush him with his foot, but did not find him. If the soldier had shouted: "Here I am!" undoubtedly they would have seen; but he thought he should not cry because he was in uniform.
   He began to fall heavy rain, which soon became a downpour. After they finished the rain, casually passed by two boys.
   - Look! - Shouted one of them. - A tin soldier! Let's drop it on a boat!
   They made a little boat with a sheet of newspaper, put the soldier in the middle and dropped the boat in the stream that had formed with rainwater. the two boys ran beside the little boat and clapped. Good God, that waves had the stream, and that rushing stream! It is true that the rain had been torrential. The boat rocked, bounced up and down, and sometimes turned so quickly that the soldier felt beating his heart; but nonetheless remained firm with his musket on his shoulder, looking forward.
 Suddenly, the current dragged the boat to a sewer pipe; It was so dark there with the cardboard box where the soldier lived before.
  "Where will stop - he thought -. This is all doll's fault If only the girl were here at my side, little mind this darkness.."
        At that moment it appeared a huge rat that lived in the drainpipe.
               - Do you have a passport? - Asked the mouse. - Show me your passport!
     The tin soldier did not answer, and held his musket tighter. The boat was moving downstream, but the mouse was swimming behind. Oh, how ringia teeth and cried out for help to the straw and sticks that were floating in the stream!
   - Grab it! Seize him! Not paid customs duties, or want to show your passport!
   The chain was increasingly impetuous; since the soldier could see the light of day in the barrel end. But I also heard one roaring noise, which might well frighten even a braver man than he. And you can well imagine whether it was awesome - the end of the tunnel, that is, the drainpipe, would be a great channel. Now, for the tin soldier was as dangerous as it would be for us a great waterfall. But it was so close I could not stop: the boat was dragged into the torrent, and the poor soldier lead steadied himself as he could in his post - and no one could say that even flinch. The boat has three or four laps, filled water, and began to found. The tin soldier remained upright, Tanked. But the boat was sinking, sinking, and the paper would gradually dissolving; after all the water closed over the head of the tin soldier. And at that moment his thoughts turned to the dancer of your dreams, the beautiful dancer who did not become to do; and it seemed to hear a voice that sang:
     "Bye, bye, brave and true warrior!
     Now it's your last time! "
   Undid the paper, and the soldier was in the background; but at the time it fell, he caught him a fish, which soon swallowed.
    And as it was dark inside the fish! It was still darker than the drainpipe, and more narrow. But the tin soldier remained motionless, stretched the whole length, always wielding the musket.
   I swam the fish below and above; It was the most varied movements and contortions. Suddenly he became quiet. After all flashed through his body lightning: daylight dawned, splendid, and a voice shouted:
   - Lead Soldier!
   It is that the fish had been caught, taken to market, sold there, and transported to the kitchen where the cook had just opened it with a long knife. She held the soldier between his fingers and took it to the family room where everyone was eager to see the remarkable man who had traveled in the belly of a fish. But the tin soldier did not take then no proud of. They put it on the table, and-but that extraordinary things can happen in this world! - Lead soldier found himself in the very same room where he had been before! There were the same children, the same toys on the table; and there was the beautiful castle with graceful dancer. It was balanced even on one leg, keeping the other leg extended in the air. Also she was faithful. This moved the lead soldier, was about to break into tears, but he held back; not a soldier does not cry. They were limited as to look in silence.
END
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