quinta-feira, 7 de julho de 2016

O PRESENTE DOS ANÕEZINHOS - CONTOS DE GRIMM

  Um alfaiate e um ourives saíram juntos. Certo dia, ao entardecer, quando o sol já desaparecera atrás das montanhas, ouviram os sons de uma música longínqua que ia se tornando cada vez mais nítida. Era uma melodia estranha, mas tão alegre que os fez esquecer a fadiga e acelerar os passos. A lua já estava no céu quando chegaram a uma colina e lá viram um grupo de homens e mulheres deste tamanhozinho e que, de mãos dadas, dançavam todos em roda. Enquanto isso, cantavam suavemente e era essa a música que os dois viajantes tinham ouvido.
    Ao centro do círculo estava sentado um velho, pouco mais alto que os outros. Vestia um traje multicor e uma  barba branca lhe caía sobre o peito. Os dois amigos pararam, assombrados, contemplando aquela cena. O velho fez um sinal convidando-os a entrar na roda e os anõezinhos abriram, prezerosamente, o círculo. O ourives, que era corcunda e, como todos os corcundas, muito corajoso, entrou sem titubear. O alfaiate, um tanto tímido, permaneceu indeciso por alguns momentos, mas por fim, contagiado com a alegria da turma, encheu-se de ânimo e entrou, também na roda. Em seguida o círculo tornou a fechar-se e os pequenos recomeçaram o canto, continuando a dançar e a saltar entusiasticamente. De súbito, o velho tirou uma grande faca da cintura e começou a afiá-la. Quando lhe pareceu bem afiada, olhou para os visitantes. Estes ficaram gelados de medo, mas não tiveram muito tempo para pensar; o velho agarrou o ourives e, com prodigiosa rapidez, lhe raspou o cabelo e a barba. O mesmo fez, depois, com o alfaiate. Mas o medo deles logo passou quando viram  que o velho, terminado o trabalho, lhes bateu amigavelmente no ombro, como querendo dizer-lhes que se haviam portado bem, suportando tudo sem um só protesto. Mostrou-lhes um monte de carvão que havia a um lado e, por meio de gestos, lhe  indicou que enchessem os bolsos. Ambos obedeceram, embora não sabendo para que lhes iria servir o carvão. Depois continuaram seu caminho, à procura de uma pousada para a noite, Chegados ao vale, o sino do convento próximo bateu as doze badalada da meia-noite. Imediatamente o canto cessou e apenas a colina  ficou ali, banhada pela luz da lua solitária.---
   Os dois viajantes encontraram um albergue e, sobre um leito de palha, se cobriram com seus casacos. Estavam cansados que nem ao menos pensaram em tirar o carvão dos bolsos. Pela manhã, acordaram mais cedo que de costume, sentindo um peso que lhes dificultava os movimentos. Meteram as mãos nos bolsos e não puderam acreditar nos seus olhos: estavam cheios...não de carvão, mas de ouro puro. Além disso, seus cabelos e barbas tinham voltado a crescer, tão espesso como antes.
    Os dois tinham virado agora gente rica, principalmente o ourives, que, cobiçoso por natureza, enchera o bolso muito mais que o alfaiate. Mas um avarento, quanto mais tem, mais quer e assim o ourives propôs a seu amigo passar outro dia ali e , ao anoitecer, voltar à colina para pedir mais ao velho. o alfaiate, porém, negou-se, dizendo:
   - Tenho o suficiente e me dou por satisfeito. Agora passarei a ser mestre em meu ofício e me casarei com minha noiva. Sou um homem feliz.
    No entanto, para não contrariar o amigo, resolveu permanecer mais um dia naquele lugar.
    Quando anoiteceu o ourives colocou no ombro algumas bolsas, com o propósito de carregar o mais possível, e dirigiu-se à colina, Como na véspera, encontrou os gnomos entregues a seus cantos e danças. O velho tornou a barbeá-lo e lhe fez sinal para apanhar carvão. Sem vacilar, encheu os bolsos o mais que pode. Depois, regressou feliz e contente. Deitou-se para dormir e se cobriu com seu casaco e as bolsas.
     - Por mais que o ouro pese, - pensou, eu aguentarei.
     E adormeceu na  doce esperança de acordar milionário no dia seguinte. Ao abrir os olhos levantou-se rapidamente para examinar seus bolsos, mas qual não foi seu espanto ao tirar dali apenas negro carvão. Carvão e nada mais!
      Desesperado, escondeu o rosto nas mãos enegrecidas e aí notou que tinha a cabeça completamente raspada, bem como a barba. Mas ainda não terminara seu azar: percebeu que, além da corcunda que já tinha, lhe havia nascido outra no peito, tão grande como a das costas. Reconheceu, então, que tudo aquilo era o castigo pela sua ambição e começou a chorar amargamente. O bom alfaiate, que acordou ouvindo aquele pranto, consolou o infeliz o mais que pode e lhe disse:
    - Foste meu companheiro durante a viagem; ficarás, pois, comigo e compartilharás do meu tesouro.
    E cumpriu sua palavra, Mas o pobre ourives foi obrigado a carregar as  duas  corcundas durante o resto da vida e a cobrir a careca com um gorro. FIM

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