sexta-feira, 8 de julho de 2016

O COELHO E O OURIÇO - CONTOS DE GRIMM

    Esta história, meninos, pode parecer mentira. Mas é a pura verdade, pois meu avô, quando a contava para mim, sempre dizia:
    - Tem que ser verdadeira, meu filho; do contrário não a contariam.
    Eis a história.
    Era uma manhã de domingo, na época da colheita. O sol brilhava nas alturas; a brisa da manhã soprava sobre as searas; as cotovias cantavam no ar; as abelhas zumbiam entre o trigo, e as pessoas, em seus trajes domingueiros, se dirigiam à igreja. Todas as criaturas se sentiam contentes e o ouriço também. Parado em frente à porta de sua casa, de braços cruzados, tomava a fresca, cantarolando uma das suas cançõezinhas, nem melhor nem pior do que pode fazê-lo um ouriço, numa esplêndida manhã de domingo. E, estando assim a cantar, ocorreu-lhe que, enquanto sua mulher limpava e vestia os pequenos, bem que ele poderia dar uma voltinha pela lavoura para ver que tal cresciam seus nabos. Consideravam-os como se fossem mesmo seus, porque a plantação ficava próxima à sua casa e ele e sua família iam ali comê-los. O ouriço fechou a porta e pôs-se  a caminho da lavoura. Não estava, ainda, longe de sua moradia - pois contornava o pé da ameixeira junto à plantação de nabos - quando se encontrou com o coelho, que havia saído com um propósito mais ou menos semelhante; pretendia dar uma olhada na sua horta de couves. O ouriço, ao avistar o coelho, deu-lhe, amavelmente, o seu bom dia , mas o outro, que se julgava personagem importante e era muito orgulhoso, nem se dignou responder-lhe à saudação. Disse-lhe, apenas, com ironia:
    - Que aconteceu para andares tão cedo pelas lavouras?
    - Estou passeando,- respondeu o ouriço.
     - Passeando? - preguntou o coelho e pôs-se a rir. - Acredito que poderias fazer melhor uso das tuas pernas.
   Tal resposta aborreceu, profundamente, o ouriço. tudo ele tolerava, menos que se falasse de suas pernas, tortas por natureza.
    - Estás convencido- indagou o ouriço- de que te arranjas muito mais com as tuas?
   - É claro! - retrucou o coelho.
    - Isto só com uma prova! - contestou o ouriço.- Aposto que te ganho uma carreira.
   - Boa piada! Tu,com as tuas pernas tortas? - disse o coelho. - Mas, por mim, aceito, já que estás com tanta vontade. Que apostamos?
   - Uma moeda de ouro e uma garrafa de aguardante, - propôs o ouriço.
    - Aceito, - respondeu o coelho. - Aqui está minha mão; choca estes ossos e já podemos começar!
  -  Calma! Não tenho tanta pressa, - retrucou o ouriço. - Ainda estou em jejum e antes vou em casa tomar um café. Dentro de meia hora estarei de volta, aqui neste lugar.
    E afastou-se, pois o coelho se declarara de acordo.
    Durante o caminho, o ouriço ia pensando: " O coelho se fia em suas pernas longas, mas eu ganharei. Não resta dúvida de que é um senhor importante; mesmo assim, não passa de um burro e há de me pagar!" Quando chegou em casa, disse à sua mulher:
    - Vamos, veste-te rapidamente. Tens de ir à lavoura comigo.
   - Que há? - indagou ela.
    - Apostei uma moeda de ouro e uma garrafa de aguardente com o coelho. Vamos jogar uma carreira e quero que estejas presente.
    - Santo Deus!- exclamou a mulher. - Não estás regulando bem! - Perdeste o juizo? Como podes querer ganhar uma carreira do coelho?
    - Cala boca, mulher! - replicou o ouriço! Não teve remédio senão segui-lo, com ou sem vontade.
    No caminho disse-lhe o ouriço:
    - Agora presta atenção para o que vou dizer-te. Faremos a carreira naquela lavoura grande, ali. O coelho correrá em um dos sulcos e eu no outro. Começaremos na parte alta. A única coisa que terás de fazer é agachar-te no outro extremo do sulco e, quando o coelho chegar perto, grita:
   - Já cheguei!
    Nesse meio tempo alcançaram a lavoura. O ouriço indicou à sua mulher o posto que deveria ocupar e encaminhou-se à parte de cima onde o coelho já o aguardava.
   - Podemos começar? - indagou este.
   - Sim senhor, - respondeu o ouriço.
    - Está bem.
   Cada qual se colocou num sulco. O coelho contou: um...dois...três...e, como um furacão, lanço-se lavoura abaixo. O ouriço não avançou mais que três passos; deu meia volta e se agachou no sulco, onde ficou esperando tranquilamente.
   Quando o coelho chegou, em disparada, ao outro extremo, a mulher do ouriço gritou-lhe:
    - Já cheguei!
    Imagina-se qual foi a surpresa e o pasmo do coelho, pois acreditou ser o próprio ouriço que ali estava; e isso não é de estranhar, já que a mulher do ouriço é parecidíssima com o marido. " É coisa do diabo" - pensou o coelho mas, em voz alta, disse:
   - Vamos correr de volta! Joguemos outra carreira!
    E partiu com a rapidez do vento, correndo tanto que suas orelhas pareciam asas. A mulher do ouriço, porém, ficou bem quietinha no seu posto. Quando o coelho chegou lá em cima, o ouriço o recebeu gritando:
   - Já estou aqui!
    O outro então, gritou furioso;
     - Mais uma vez! Vamos?
    - Por mim, - disse o ouriço,- podemos continuar por quantas vezes quiseres.
    E assim o coelho repetiu a carreira setenta e três vezes, enquanto o ouriço não se movia do lugar. Sempre que o corredor chegava em cima ou embaixo, o ouriço ou sua mulher gritava-lhe: - "Já cheguei".
    Mas na septuagésima quarta vez o coelho não chegou ao fim do sulco. Caiu na metade do caminho enquanto um jato de sangue lhe saía da boca. Morreu ali mesmo e o ouriço apossou-se da moeda de ouro e da garrafa de aguardante. Depois chamou a mulher e ambos partiram, alegremente, para casa e, se por acaso não morreram, estão vivos até hoje.
    Foi assim que o ouriço matou o coelho numa corrida. Desde então nenhum coelho quis mais apostar carreira com um ouriço.
    A moral da história, porém, é a seguinte: em primeiro lugar, ninguém, por mais importante que acredite ser, deve divertir-se à custa de outra pessoa de menos categoria, ainda que se trate de um ouriço; em segundo lugar: é aconselhável que aquele que pretenda casar, arranje uma mulher de sua classe e condição, que se pareça, bastante , consigo mesmo. Quem é, pois, um ouriço, deve procurar para esposa uma ouriça...e assim por diante. FIM

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