Compõe-se esta história de duas partes. A primeira poderia, sem nenhum inconveniente, ficar em silêncio. Entretanto vou contá-la; servirá para o leitor conhecer um pouco os personagens.
Estávamos no campo, em um castelo. Os donos se haviam ausentado por alguns dias. Nessa ocasião, apresentou-se lá uma senhora, viúva de um curtidor, que morava na cidadezinha próxima, e se fazia acompanhar de um cãozinho. Vinha pedir um empréstimo sob hipoteca, trazendo já a papelada, públicas-formas, etc. Aconselhamos a dama a meter tudo aquilo em um envelope com o endereço do proprietário do castelo: Sr. Comissário-Geral das guerras, cavalheiro X...
Ela ouviu com toda atenção, tomou a pena, deteve-se um momento e pediu-nos que repetíssemos o endereço, mas lentamente. E assim fizemos, ela escreveu: Sr. Comis...
Nesse ponto parou de novo, porque não sabia se era com um ou com dois ss. Suspirou:
- Aí de mim! Não passo de um pobre mulher!...Como poderei escrever todas essas palavras?
Quanto ao doguezinho, tinha-se deitado no soalho; rosnava, e não parecia satisfeito senão a meio. De fato, não tinha feito aquela viagem senão para sue deleite, e em benefício da própria saúde, e ninguém lhe oferecia sequer um tapetinho para descansar!
Com aquele focinho chato e aquela bossa de gordura, não era nada bonito; e continuava a rosnar surdamente. Mas a dama disse:
- Não façam caso; ele não morde - primeiro, porque já não tem dentes; e depois porque é um bom animal. Nós o temos há tanto tempo, que já faz parte da família. Meus netos é que lhe estragam o caráter. Representam, com suas bonecas, uma peça em que há um casamento, e querem que este pobre animalzinho figure de juiz. O coitado do velho fica cansado e de mau humor.
Enfim ela acabou por escrever o endereço e foi embora, levando o cachorrinho debaixo do braço.
E aqui está a primeira parte da história, a que poderia bem ficar de lado.
O cãozinho morreu. E aqui começa a segunda parte da história.
Tínhamos ido à cidade a hospedamo-nos em um hotel, em frente à casa daquela senhora. Nossas janelas davam para o pátio dessa casa. Era dividido em duas partes por uma cerca de tábuas. De um lado estavam peles e outros materiais próprios, de um curtume. Do outro lado havia um jardinzinho, onde brincava um bando de crianças - os netos da senhora.
Tinham acabado naquele momento de enterrar o pobre cãozinho; ergueram-lhe um soberbo mausoléu, digno da sua bela raça: formaram ao redor um cercado de cacos de louça; no centro uma garrafa rachada erguia o gargalo para o céu.
Depois de celebrar uma cerimônia fúnebre, com toda a gravidade, dançaram uma ronda ao redor do tumulo. Um deles, um meninozinho de sete anos, espírito prático, propôs que se fizesse uma exposição daquele magnífico monumento, mostrando-s às outras crianças da vizinhança. O preço de entrada seria um botão de calça. Cada menino havia de ter um, com certeza, e muitos dariam de boa vontade mais outro por uma das meninas; e assim poderiam fazer copiosa colheita de botões.
Aprovado o projeto, unanimemente, correram todos a anunciá-los à criançada dos arredores.
E da rua inteira, e das travessas vizinhas, acorreram os visitantes. Cada um deu o botão requerido. Naquela tarde houve certamente muitos guris que entraram em casa com as calças seguras apenas por um único suspensório; mas também, tinham podido admirar o túmulo do cãozinho!
À entrada do pátio, encostada ao portal, estava uma meninazinha coberta de andrajos. Era bem graciosa; tinha o cabelo crespo e lindo, e os olhos azuis, de um azul muito suave. Não dizia uma só palavra, e também não chorava. Mas cada vez que a porta se abria, deitava lá para dentro do pátio um olhar muito comprido. Ela não possuía o botão para a entrada e bem sabia que ninguém lhe daria um. E permaneceu no mesmo lugar, de expressão triste, até ver que todos já tinham apreciado o túmulo e se retiravam dali.
Então, sentou-se no chão, pôs as mãozinhas diante dos olhos e desatou em pranto. Só ela não tinha podido ver o túmulo do cachorrinho! E aquilo lhe causava tão grande mágoa como qualquer desgosto que alguém posa sofrer em outra idade.
Nós tínhamos visto tudo, lá das nossa janelas; e na verdade, quando olhamos assim de cima os grandes pesares dos outros - e até os nossos mesmo - não podemos deixar de sorrir.
FIM
Os contos que estou transcrevendo são de livros muito antigos que ganhei de meu querido pai. Quando percebi que eles estavam ficando velhos e amarelados, fiquei com medo de perdê-los. Resolvi então salvá-los para sempre, digitando letra por letra e me envolvendo em cada história. Obrigada pai e mãe, amo vocês! E um obrigada às novas tecnologias que me permitirão salvar meus livros e dar a outras pessoas a oportunidade de se emocionarem com Os Contos de Grimn e Andersen como eu me emocionei.
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