sábado, 15 de outubro de 2016

A AVÓ - CONTOS DE ANDERSEN

                   A avó está muito velha. Rugas inumeráveis lhe sulcam o rosto, e a sua cabeleira ficou inteiramente branca. Mas os olhos, que brilham como duas estrelas - e até muito mais lindos que as estrelas - seus olhos tem uma expressão suave e amável. E faz bem olhar para aqueles olhos. Além disso, ela sabe contar as histórias mais belas do mundo, e tem um vestido de uma fazenda estampada, cheio de flores muito, muito grandes. É uma seda pesada, que farfalha. A avó sabe muita coisa, Ela possui um livro de oração com grandes fechos de prata, e o lê diariamente. Dentro do livro há uma rosa, toda achatada, e seca; não é tão bonita como as que a avó tem em um vaso, e contudo ela sorri carinhosamente para aquela rosa, e fica com os olhos cheios de lágrima. Por que será que a avó olha assim a flor murcha que está dentro do livro? Não o sabes?
                     Cada vez que as lágrimas da avó caem sobre a flor, as pétalas ficam de novo frescas; a rosa intumesce, e enche toda a sala de perfume. As paredes se esvaecem, como se fossem de névoa, e em roda da avó estende-se a magnífica mata verdejante, e o sol brilha na folhagem. E a avó - oh! a avó voltou a ser jovem, uma encantadora jovem de cabelos louros e crespos, de faces cheias e coradas, linda e graciosa: nenhuma rosa poderia ser mais bela! Mas os olhos, os meigos olhos suaves esses sim, ainda são os mesmos da avó. Ao lado dela está um moço alto e vigoroso. Ele lhe oferece a rosa, e ela sorri... Mas já não é mais assim o sorriso da avó! E contudo agora...
                       Mas já desapareceu o sorriso. Passam voando muitos pensamentos, muitos vultos. Sumiu-se o moço bonito, A rosa está no livro de oração, e a avó...a avó tornou a ser outra vez uma velha, a olhar para a rosa murcha imprensada no livro.
                         E agora a avó morreu.
                        Ela estava sentada na poltrona, contando uma linda história, uma história muito longa, e maravilhosa, e disse que a história acabara, e que se sentia cansada. Reclinou a cabeça para cochilar um pouquinho. E ressonava brandamente. Dormia. Mas depois tudo foi ficando silencioso  silencioso...O rosto da avó parecia cheio de felicidade e de paz. Era como se a luz do sol lhe iluminasse as feições. Ela sorriu novamente; e então as pessoas disseram que a avó acabava de expirar.
                    Deitaram-na no caixão preto, e ali jazia ela, toda em linho branco, ainda suave e bela, mas com os olhos cerrados. Tinham desaparecido todas as rugas. E ali estava ela estendida, com um sorriso nos lábios, e o venerável cabelo de prata. E a gente não sentia medo algum ao vê-la: ela continuava a ser a boa e querida vovó.
                      Puseram-lhe sob a  cabeça o livro de oração, de acordo com o seu pedido. E depois a enterraram.
                   Plantaram uma roseira no túmulo, que ficava bem junto do muro do cemitério. E lá estava ela, cheia de rosas; e o rouxinol cantava, esvoaçando sobre a sepultura e sobre as flores. De dentro da igreja vinham, na voz do órgão, os mais belos cânticos do livro que estava debaixo da cabeça da morta. O luar iluminava a sepultura, mas a morta não estava ali.


   Até uma criança podia andar tranquilamente pelo cemitério, mesmo à noite, e colher uma rosa junto ao muro. Os defuntos sabem mais do que sabemos todos nós, os vivos. Os mortos sabem quanto pavor se apoderaria de nós, se acontecesse um milagre e eles andassem entre nós. Os mortos são melhores do que nós, por isso não voltam.
   A terra acumulou-se acima do caixão, e também dentro dele há terra. As folhas do livro de oração tornaram-se poeira. A rosa com todas as suas recordações, desfez-se em pó. Mas acima dela, rosas frescas estão florindo. Lá mais acima, canta o rouxinol, e ressoa o órgão. Lá em cima vive a saudade da velha avó de olhos suaves e sempre jovens. Os olhos não poderão morrer, nunca! Os nossos um dia hão de tornar a ver a avó, moça e bela, como no tempo em que beijava pela primeira vez a fresca rosa vermelha que agora, no túmulo, se converteu em pó.
FIM

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