segunda-feira, 31 de agosto de 2015

O DIABO E SEUS TRÊS CABELOS DE OURO- CONTOS DE GRIMM

  Em certa ocasião uma mulher pobre deu à luz um menino. Predisseram que, aos quatorze anos, o menino se  casaria com a filha do rei. Pouco depois o soberano passou pela vila onde moravam e, sem dar-se a conhecer, perguntou que novidades havia. Responderam-lhe:
    - Um dia destes nasceu aqui um menino. Pronosticaram-lhe que aos quatorze anos se casará com a filha do rei.
    O rei, que era um homem mau, aborreceu-se ao ouvir aquela profecia. foi aos pais do menino e, tratando-os com toda a amabilidade, disse-lhes:
    - Vocês são muito pobres; dêem-me o seu filho que cuidarei dele.
    A princípio o casal negou-se, mas como o forasteiro oferecesse grande quantidade de ouro, os dois pensaram: " Nasceu sob uma boa estrela e será para seu bem ". Acabaram , pois, concordando e lhe entregaram o menino.
   O rei deitou a criança numa caixa e com ela prosseguiu caminho até chegar a rio profundo. Ali jogou a caixa na água, pensando: " Libertei minha filha desse pretendente inesperado".
   A caixinha, porém, não submergiu. Ficou flutuando como um pequeno barco, sem que entrasse nela uma só gota d"água. Continuou boiando corrente abaixo até cerca de duas milhas da capital do reino, onde parou detida pelo dique de um moinho. Um dos empregados que, por sorte, ali estava, viu a caixa e apanhou-a com um gancho, acreditando  haver Nela um grande tesouro. No entanto, ao abri-la, deparou com um belo menino, alegre e cheio de vida. O rapaz levou-o ao moleiro e à sua mulher que, não tendo filhos , exclamaram contentes:
   - Deus nos enviou esta criança!
    E cuidaram, carinhosamente,, do menino enjeitado, o qual cresceu cheio de boas qualidades.
   Aconteceu que um dia o rei, surpreendido por uma tempestade, foi refugiar-se no moinho. Perguntou aos moleiros se aquele rapaz era seu filho.
    - Não- responderam eles- é um menino enjeitado. Há quatorze anos encontramos numa caixinha na represa do moinho e um dos rapazes o retirou das águas.
    O rei compreende que não podia ser outro senão o menino de sorte que ele jogara ao rio. Disse então:
    - Boa gente, esse rapaz não poderia levar uma carta à senhora rainha? Pago-lhe duas moedas de ouro pelo serviço.
    - O senhor é que ordena- responderam os dois velhos, e mandaram que o rapaz se preparasse. O soberano escreveu, então, uma carta à rainha nos seguintes termos: "Assim que o portador desta se apresentar aí o mandarás matar. Esta ordem deverá ser cumprida antes do meu regresso."
   O jovem saiu com a missiva, mas perdeu-se no caminho e à noite chegou a uma floresta. Avistou uma luzinha na escuridão e, dirigindo-se a ela foi ter a uma casa muito pequenina. Entrou e viu uma velinha, sentada junto ao fogo, completamente só. Ao perceber o rapaz assustou-se e disse:
   - De onde vens e para onde vais?
   - Venho do moinho- respondeu ele.- Levo uma carta que devo entregar à senhora rainha. Mas, como me perdi no mato, gostaria de passar a noite aqui.
     - Pobre rapaz - disse a mulher.- Vieste parar num covil de ladrões. Quando voltarem para casa e te enxergarem, na certa te matarão.
    - Venha quem vier, não tenho medo- respondeu o rapaz. - Sinto-me tão cansado que não posso dar mais um passo- e, entendendo-se num banco, adormeceu.
   Pouco depois chegaram os ladrões e perguntaram, enfurecidos, quem era aquele jovem.
   - Ah! - disse a velha- é um inocente que se perdeu na floresta e eu acolhi por piedade. Foi incumbido de levar uma carta à senhora rainha.
   Os ladrões abriram a carta e leram o seu conteúdo, ficando assim inteirados de que o rapaz deveria ser morto logo que chegasse. Apesar do seu coração empedernido, os bandidos ficaram com pena e o capitão rasgou a carta. Depois sentou-se e escreveu outra na qual ordenava  que, ao chegar o rapaz, o casassem com a filha do rei. Deixaram-no dormir tranquilamente no banco até à manhã  seguinte e quando despertou deram-lhe a carta e lhe indicaram o caminho certo.
     A rainha, ao ler a missiva, cumpriu o que nela estava escrito. Organizou uma festa magnífica e a princesa foi unida em matrimônio ao favorito da sorte. Como o jovem era belo e amável, sua esposa vivia feliz e satisfeita com ele.
    Passado algum tempo o rei voltou ao palácio e viu que  se havia cumprido a profecia: o rapaz de sorte casara-se com sua filha.
    - Como pode acontecer isso? - perguntou.- Em minha carta dei ordem bem diversa.
     A rainha, então, apresentou-lhe a missiva, pedindo que ele mesmo lesse o que continha. O rei leu a carta  notou que fora trocada. Mandou chamar o jovem e perguntou o que havia sucedido com a mensagem que lhe confiara e por que a tinha substituído por outra.
    - Não sei de nada- respondeu o rapaz .- Devem tê-la trocado durante a noite em que dormi na floresta.
    - Isso não fica assim - falou o rei,zangado.- Quem quiser minha filha terá, antes, que ir ao inferno e me trazer três cabelos de ouro da cabeça do diabo. Se fores capaz disso, conservarás tua esposa.
      Dessa maneira o rei esperava livrar-se dele para sempre. Mas o favorito da sorte respondeu-lhe:
      - Trarei os três cabelos de ouro. Não temo o diabo!
     A seguir despediu-se da esposa e empreendeu viagem.
     Seu caminho o conduziu a uma grande cidade. A sentinela que estava diante do portão indagou qual era o seu ofício e que coisas sabia.
     - Sei tudo- respondeu o jovem.
      - Nesse caso poderás prestar-nos um favor- disse o guarda. - Explica-nos por que a fonte da praça, que antes vertia vinho, secou e agora não tem água sequer?
    - Saberão o motivo- prometeu ele - só esperem a minha volta.
    Continuou andando e chegou a outra cidade onde a sentinela do portão também lhe perguntou qual o seu ofício e que coisas sabia.
     - Sei tudo- respondeu.
     - Então poderás nos fazer um favor dizendo por que razão uma árvore da nossa cidade, que costuma dar maçãs de ouro, agora nem folhas apresenta?
     - Vocês saberão - retrucou ele. - Esperem pela minha volta.
     Seguindo caminho e chegou às margens de um grande rio, que era preciso atravessar. O barqueiro perguntou-lhe que ofício era o seu e quais as coisas que sabia.
    - Sei tudo- respondeu ele.
    - Sendo assim, podes prestar-me um favor- falou o homem. - Dizem-me por que motivo tenho que andar remando, sempre, de uma para outra margem, sem que nunca me venham substituir.
    Eu te direi- afirmou o rapaz- espera, apenas, que eu volte.
     Tendo atravessado o rio, encontrou a entrada do inferno. Lá tudo era preto e cheio de fuligem . O diabo havia saído, mas sua avó estava sentada numa cadeira de balanço.
     - Que queres? - perguntou ela ao jovem, sem parecer zangada.
    - Gostaria de obter três cabelos de ouro da cabeça do diabo- respondeu ele-pois sem isso não poderei conservar minha esposa.
     - Pedes muito- respondeu a velha. - Se o diabo vem e te encontra aqui, será a tua desgraça. Mas tenho pena de ti e vou ver se posso ajudar-te.
    Transformou o jovem numa formiga e lhe disse:
    - Esconde-te nas pregas da minha roupa que aí estarás seguro.
    - Sim- respondeu ele- está tudo muito bem, mas é que, além de conseguir isso ainda gostaria de saber três coisas: por que a fonte, que antes vertia vinho, secou e não dá nem sequer água; por que uma árvore que dava maças de ouro não tem agora nem folhas, e por que um barqueiro é obrigado a remar, constantemente de uma para outra margem, sem nunca o venham substituir.
    - São perguntas difíceis de responder- retrucou ela- mas permanece quieto e presta atenção ao que disser o diabo quando eu lhe arrancar os três cabelos de ouro.
     Ao anoitecer, o demo chegou em casa e assim que entrou percebeu que o ar não estava puro.
     - Estou cheirando, cheirando, carne humana! - disse. - Há algo estranho por aqui!
     E pôs-se  a olhar em todos os cantos, procurando e rebuscando, mas nada encontrou. A velha, então, passou-lhe uma descompostura:
    - Acabo de varrer e arrumar e agora estás pondo tudo em rebuliço de novo. Tens sempre o cheiro de carne humana nas narinas! Senta-te e come a tua janta. Vamos !
   O diabo, então, comeu e bebeu e, como estivesse cansado, pôs a cabeça no colo da avó, pedindo-lhe que o catasse um pouco.
   Não demorou muito adormeceu, ressonando e roncando. Aí a velha pegou um de seus cabelos de ouro, arranco-o e o pôs de lado.
    - Ui!- gritou o diabo- que estás fazendo?
   - Tive um pesadelo- respondeu-lhe a avó- e nisso agarrei os teus cabelos.
      - E que sonhaste? - indagou o diabo.
     - Sonhei que a fonte de uma praça, que sempre vertia vinho, secou e nem sequer água voltou a dar. Qual será  motivo?
   - Oh , se o soubessem! -exclamou o diabo. - Há um sapo debaixo de uma pedra da fonte; se o matassem voltaria a verter vinho.
     A velha continuou catando a cabeça do diabo até que ele tornou a adormecer e a roncar, fazendo vibrar as janelas. Arrancou-lhe, então, o segundo cabelo.
    - Ui, que fazes? - gritou o diabo, furioso.
    - Não leves a mal- desculpou-se ela -é que o fiz sonhando,
     - E que sonhavas agora?
     - Sonhei que num certo reino havia um pé de maças que antes produzia frutos de ouro e, agora, nem folhas tem. Qual seria o motivo disso?
     - Ah, se soubessem!  - respondeu o demônio. - Há um rato roendo as raízes. Se o matassem, a árvore voltaria a dar maças de ouro. Caso não o faça, a macieira acabará secando totalmente. Mas deixe-me em paz com teus sonhos. Se voltares a me amolar te darei uma bofetada.
   A avó tranquilizo-o e prosseguiu catando até que ele, novamente, adormeceu e roncou. De um golpe arranco-lhe, então o terceiro cabelo ao que o diabo se levantou de um salto, vociferando e disposto a dar na velha. Esta, porém, consegui acalmá-lo outra vez, dizendo-lhe:
    - Que culpa tenho de estar com pesadelos?
   - E que sonhaste agora?- voltou a perguntar o demo, pois não deixava de estar curioso.
    - Sonhei com um barqueiro que se queixava de ter que estar remando uma margem para outra , sem que ninguém apareça para substituí-lo. Por que razão?
      - Bah! O idiota! - respondeu-lhe o diabo. - Se chegar alguém e pedir que o leve à outra margem e ele puser o remo nas suas mãos, o outro será obrigado a remar e ele ficará em liberdade.
     Como já lhe havia arrancado os três cabelos de ouro e as três perguntas haviam sido respondidas, a velha deixou o tinhoso dormir em paz até a madrugada.
    Depois que o diabo foi embora, a velha tirou a formiga da prega de seu vestido e devolveu ao rapaz sua forma humana.
    - Aí tens  os três cabelos de ouro- disse-lhe. - E suponho que ouviste o que o diabo respondeu às tuas três perguntas.
   - Sim- retrucou o jovem -ouvi e não me esquecerei delas.
    - Já tens, pois, o que querias. Podes ir embora.
     Agradecendo à velha o auxílio, o rapaz abandonou o inferno, contente por ter  se saído tão bem. Chegando ao lugar onde estava o barqueiro, este pediu-lhe a resposta à sua pergunta.
   - Primeiro passa-me para o outro lado - disse o jovem- depois te direi de que maneira  podes libertar-te.
     Na margem oposta, lhe transmitiu o conselho do diabo:
     - Ao primeiro que te pedir que o passes no teu barco, coloca-lhe o remo nas mãos.
      Seguiu seu caminho e chegou à cidade da árvore estéril, onde encontrou o guarda a quem havia prometido uma resposta. Repetiu-lhe as palavras do diabo:
    - Matem o rato que está roendo a raiz da árvore e ela voltará a dar  maças de ouro.
     O homem lhe agradeceu, oferecendo-lhe em recompensa dois burros carregados de ouro.
    Depois de algum tempo chegou ao portão da outra cidade, aquela em que a fonte secara. Disse ao guarda o que ouvira do diabo.
     - Há um sapo embaixo de uma pedra da fonte. Procurem-no e o matem  que a fonte tornará a verter vinho em abundância.
    O guarda lhe agradeceu e o presentou, também, com dois burros carregados de ouro.
   Finalmente, o afortunado rapaz chegou ao palácio onde estava sua esposa, que sentiu grande alegria ao revê-lo e a quem contou suas aventuras. Entregou ao rei o que lhe havia pedido: os três cabelos do diabo. Quando o monarca viu os quatro burros carregados de ouro, disse-lhe muito satisfeito:
   - Cumpriste todas as condições e podes, pois, ficar com a minha filha. Mas dize-me, querido genro, onde tiraste tanto ouro? É um tesouro imenso!
    Atravessei um rio-respondeu o rapaz - e o colhi na margem oposta, onde havia ouro em vez de areia.
   - E eu não poderia trazer um pouco? - perguntou o rei cobiçoso.
    - Tanto quanto quiserdes- respondeu o jovem.- Há um barqueiro na beira do rio que vos passará à outra margem, onde podereis encher os sacos.
    O rei, gannacioso, pôs-se a caminho sem perda de tempo. Chegando ao rio, pediu ao barqueiro que o passasse. Este o fez entrar no barco e, quando alcançaram a outra margem, colocou-lhe o remo nas mãos e saiu correndo. Desde aquele dia, o rei foi obrigado a remar como castigo por seus pecados.
   Se ainda continua remando?
   Claro que sim! Ninguém foi até lá para lhe tirar o remo das mãos.
   FIM
 





















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