sábado, 3 de outubro de 2015

O CRAVO- CONTOS DE GRIMM

 Certa vez vivia uma rainha a quem Deus não concedera a graça de ter filhos. Todas as manhãs ela ia ao jardim rogar ao Senhor que lhe desse um filho. Um dia baixou do céu um anjo, que lhe disse:
   - Alegra-te, pois terás um filho com o dom de ver satisfeitos todos os seus desejos; basta que os formule.
    A rainha transmitiu ao esposo a boa notícia e, quando chegou a hora, nasceu o menino. O rei alegrou-se imensamente.
   Cada manhã a rainha ia ao parque com a criança e ali a lavava numa fonte muito límpida. Mas aconteceu que um dia ela adormeceu com o menino no colo.
   O velho cozinheiro, que andava ali por perto e conhecia o dom do menino, aproximou-se e raptou-o. Depois matou um galo e derramou o sangue  sobre o avental e o  vestido da rainha. A seguir, levou o pequeno a um lugar oculto e encarregou uma  ama de o amamentar. Feito isso, apresentou-se ao rei, para acusar a rainha de haver deixado que as feras lhe roubassem o filho. Quando o soberano viu o sangue que manchava o avental da rainha, acreditou no cozinheiro e, cheio de cólera , mandou construir uma torre alta, onde não penetrava  a luz  sol nem da lua. E encerrou nela sua esposa, para que morresse de fome e sede. Deus Nosso Senhor, porém, enviou-lhe dois anjos do céu, em forma de pombas brancas, que baixavam voando duas vezes por dia e lhe traziam alimento.
   Um dia o cozinheiro refletiu: " Se esse menino tem o poder de ver satisfeitos os seus desejos e estando eu aqui, poderá até provocar a minha desgraça." Saiu, pois do palácio, foi ao encontro do menino, que já havia crescido bastante, e assim lhe disse:
   - Deseja um palácio com jardim e tudo o mais.
    Mal o menino repetiu aquelas palavras,a aparaceu tudo o que desejara.
   Passado algum tempo, o cozinheiro tornou a falar-lhe:
    - Não é bom que vivas sozinho. Deseja uma bela menina para tua companheira. O principezinho expressou o desejo e imediatamente apresentou-se uma menina tão formosa como nenhum pintor teria sido capaz de pintar.
     Daí em diante os dois brincavam juntos e se queriam ternamente. Enquanto isso, o velho cozinheiro se dedicava à caça, como um aristocrata. Mas um dia veio-lhe a idéia de que o príncipe poderia expressar o desejo de querer estar ao lado do pai . E isso poderia trazer grandes transtornos ao seu raptor. Chamou , então , a menina e lhe disse:
    - Esta noite, quando o príncipe estiver dormindo, tu te aproximarás de sua cama e, depois de cravar-lhe uma faca no peito, me trarás seu coração e sua língua. Se não fizeres isso, pagarás com a tua vida.
    Em seguida afastou-se . Ao voltar no dia seguinte, a menina não havia cumprido sua ordem.
    - Por que devo -disse ela- derramar sangue de quem nunca fez mal a ninguém?
     - Se não fizeres o que te mando, hás de pagar com a vida- insistiu o cozinheiro.
     Mas, depois que ele saiu, a jovem mandou que lhe trouxessem uma corça bem novinha e ordenou que a mantassem. Tirou-lhe o coração e a língua e os pôs num prato. E, ao ver que o velho se aproximava, disse ao príncipezinho.
    - Vai para cama e cobre-te com o lençol.
    Pouco depois o malvado entrou, perguntando:
    - Onde estão o coração e a língua do teu amiguinho?
    A menina estendeu-lhe o prato, mas no mesmo instante o príncipe, descobrindo-se, exclamou:
    - Velho infeliz! Por que quiseste matar-me? Ouve agora a tua sentença. Irás transformar-se num cão negro com uma corrente dourada ao pescoço e te  alimentarás de brasas e o fogo te saíra pela boca.
    Mal acabara de pronunciar essas palavras, o velho se transformou num cão negro com uma corrente dourada ao pescoço. Os cozinheiros davam-lhe brasas para comer e o fogo lhe saía pela goela.
    O filho do rei ainda permaneceu algum tempo ali, sempre pensando em sua mãe; se estaria viva ou morta. Um dia disse à sua companheirinha:
   - Desejo ir à minha terra. Se queres acompanhar-me eu cuidarei de ti.
    - Oh! - exclamou ela. - O caminho é tão longo! E que faria eu num país onde não conheço ninguém?
     Vendo o príncipe que ela estava indecisa, embora não quisesse separa-se dele, transformou-a logo num belo cravo, que guardou consigo.
     Pôs-se, então, a caminho e o cão preto foi obrigado a acompanhá-lo. Andou até a torre onde sua mãe estava prisioneira. Mas a torre era muito elevada e ele expressou o desejo de ter uma escada que alcançasse o topo. Subiu por ela e perguntou:
    - Mãezinha querida, senhora rainha, vives ainda?
   E ela respondeu-lhe, pensando que eram os anjos:
    - Acabei de comer e não tenho fome.
    O rapaz tornou a falar:
   - Sou o teu filho querido, que disseram que as feras tinham arrebatado do teu colo. Ainda estou vivo e quero libertar-te.
     E descendo da torre , foi ao palácio do rei, seu pai, onde se fez anunciar como um caçador que solicitava emprego na corte. O rei aceitou seus serviços com a condição de que lhe arranjasse boa caça, coisa que no seu reino nunca existira. Prometeu-lhe o rapaz arranjar-lhe quantidade suficiente para prover a mesa real. Em seguida mandou reunir todos os caçadores e ordenou-lhes que se dispusessem a sair com ele à floresta. Partiram juntos e , quando lá chegaram, o príncipe os colocou numa grande clareira, ficando ele no centro. Formulou, então, um desejo e imediatamente entraram ali mais de duzentos magníficos animais de caça, e os homens não tiveram outro trabalho senão derrubá-los  a tiros. Encheram uns sessenta carros que foram levados ao rei e este viu , finalmente , sua mesa repleta de caça, de que estivera privado por muitos anos.
     Satisfeitíssimo, o rei, no dia seguinte, convidou a corte inteira para um esplêndido banquete. Quando todos estavam presentes, disse ele ao jovem caçador:
   - Já que mostraste tanta habilidade , te sentarás a meu lado.
    - Vossa Majestade está me concedendo uma honra que não mereço- respondeu-lhe o rapaz. - Não passo de um simples caçador.
   Mas o rei insistiu, dizendo:
   - Quero que te sentes a meu lado.
    O jovem obedeceu, mas, enquanto estava sentando à mesa, ficou a pensar em sua mãe querida e desejou que um dos cortesões mais importantes falasse nela e perguntasse como estava passando na torre a senhora rainha; se ainda vivia ou se já morrera. Apenas havia formulado, em sua mente , este desejo, um marechal dirigiu-se ao rei, perguntando-lhe:
    - Majestade , já que estamos todos aqui, contentes e satisfeitos, dizei-nos como passa a senhora rainha; vive ainda ou já morreu?
    - Retrucou o rei:
    - Ela permitiu que as fera devorassem meu filho querido; não desejo que se fale nela.
    Aí o caçador levantou-se, dizendo:
    - Meu senhor e pai, a rainha vive ainda e eu sou seu filho. Não foram as fera que me roubaram . O cozinheiro malvado foi quem me arrebatou do seu colo enquanto ela dormia, manchando depois seu avental com o sangue de um galo. E mostrando-lhe o cão que tinha ao pescoço a corrente dourada, continuou:
    - Este  é o criminoso!
     Mandou trazer carvões acesos que o animal comeu, forçado, na presença de todos , saindo-lhe as chamas pela boca. Depois , perguntou ao rei se queria vê-lo em sua verdadeira forma e, ante a resposta afirmativa, desejou que se transformasse, novamente, em cozinheiro. Este apareceu logo de avental branco e com a faca à cinta. Vendo-o, o rei ordenou, enfurecido, que o jogassem no mais profundo calabouço.
    O caçador, então, prosseguiu:
   - Meu pai, deseja ver também aquela que cuidou de mim com todo o carinho e a quem ele ordenou que me tirasse a vida sob ameaça de morte?
   - Sim, com todo o gosto- respondeu o rei.
    - Meu digno pai, eu a mostrarei em forma de uma bela flor- disse o rapaz. E, tirando do bolso o cravo, colocou-o sobre a mesa real. Era tão belo como o rei jamais vira outro semelhante. A seguir, o moço disse:
     - Agora vou apresentá-la em forma humana.
    E desejou que se transformasse em moça. No mesmo momento, ela apareceu diante dos presentes tão formosa como nenhum pintor a teria pintado mais linda.
    O rei enviou uma camareira e dois criados à torre, para trazerem a rainha, com ordem de acompanhá-la até a  mesa real. Mas , quando ela chegou, negou-se a comer, dizendo:
   - Deus misericordioso e compassivo , que me sustentou na torre , me chamará dentro em breve.
     Ainda viveu três dias, morrendo, após, como  uma santa. Quando foram sepultar, as duas pombas brancas que a haviam alimentado durante o cativeiro e que eram anjos do céu, acompanharam, voando o seu enterro, indo pousar em sua tumba. O velho rei mandou que esquartejassem o cozinheiro. Entretanto, o pesar se apoderara do seu coração e ele não tardou em morrer também. Seu filho casou-se com a linda moça que trouxera em forma de flor e, se continuam vivendo , só Deus é quem sabe.
FIM

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