sexta-feira, 2 de junho de 2017

O CARACOL E A ROSEIRA - CONTOS DE ANDERSEN


      Era um jardim todo cercado de aveleiras; e para além do jardim ficavam os campos e os prados, onde pastavam as vacas e as ovelhas. No centro do jardim ostentava-se uma roseira, em plena floração. Embaixo da roseira morava um caracol, que se tinha em grande conta.
   - Esperem, esperem que chegue a minha hora - dizia ele. - Hei de fazer muito mais do que produzir rosas, ou avelãs, ou dar leite, como as vacas!
   - Eu espero muito de ti - dizia a roseira. - E quando será isso?
   - Leva seu tempo, leva; mas tu estás sempre a trabalhar com tamanha pressa! Nem podes despertar curiosidade em ninguém: todos já sabem o que vais dar.
   No ano seguinte o caracol lá estava, quase no mesmo lugar, apanhando sol, ao pé da roseira, que já começava a florescer: os botões iam abrindo em flores, sempre frescas, sempre novas. E o caracol saiu a eio da concha, esticou as antenas, e tornou a recolhê-las.
   - Tudo está como no ano passado; nã houve progresso em coisa alguma. A roseira ainda tem rosas - ela não faz outra coisa...
   Passou o verão; o outono passou; e a roseira sempre dando botões e dando rosas, imperturbável, até que caiu a primeira neve. era agora frio e chuvoso o tempo; a roseira inclinou-se para o chão; o caracol meteu-se pela terra a dentro.
   Veio de novo a primavera; a roseira reviveu, floresceu de novo; o caracol saiu da terra.
   - Agora não és mais que uma roseira velha - disse ele. - Já é tempo do ires secando. já deste ao mundo tudo o que podias. Se isso valia alguma coisa ou se não valia nada, é questão que não tenho tempo de considerar, mas o que é fora de dúvida é que nada fizeste em teu próprio proveito; se assim fôra, terias produzido coisas muito melhores! Que dizes em tua defesa? Negarás isto? Não tardarás muito a ser apenas uma vara seca. Compreendes o que te digo?
   - Tu me assustas! - disse a roseira. - Nunca pensei nisso!

   - Não mesmo; parece que nunca te preocupaste muito em pensar. Mas nunca pensaste nestas coisas: por que florescias, e de que modo florescias - por que de uma maneira e não de outra?
   - Não; eu desabrochava com alegria, porque era isso o que sabia fazer: o sol e o ar me davam energias...eu bebia o orvalho cristalino, e a chuva torrencial; eu respirava, eu vivia! Do chão erguia-se uma força dentro do meu ser; de cima vinha sobre mim uma força! Sentia uma felicidade, sempre nova, sempre grande, e tinha sempre de florescer, dar botões e dar rosas. Era isto a minha vida. Eu não podia fazer outra coisa!
    - Sim, levaste uma vida muito suave!
   - É verdade, tens razão; recebi tudo de graça. Mas agora,nada mais me será concedido...Mas tu, foste muito mais bem dotado do que eu! Tens uma natureza meditativa, um espírito profundamente pensador, desses que hão de assombrar o mundo!
   - Não tenho essa intenção - disse o caracol. - Para mim o mundo nada vale. Que me importa o mundo? Tenho de me ocupar comigo mesmo! E isso me basta!
   - E não devemos então - todos nós, que vivemos no mundo - dar aos outros o que há de melhor em nós? não é o nosso dever contribuir com aquilo que está em nosso poder? Sim! É verdade, eu só tenho dado rosas. Mas e tu? Tu, que tanto recebeste - que deste ao mundo? Que vais dar-lhe ainda?
   - Que lhe dei? Que hei de dar?...Que me importa dar?E de que serve isso? Não. isso não me interessa. Eu cuspo para o mundo! Continua tu a dar rosas...Não podes fazer mais nada! A aveleira que dê avelãs...As vacas e as ovelhas que deem leite! Cada um tem seu público: tu tens o teu, elas lá tem cada uma o seu. Quanto a mim, tenho o meu público dentro de mim mesmo, e lá ficarei. O mundo para mim nada vale: eu cuspo para o mundo!
     E o caracol encolheu-se para dentro da sua casa e fechou-a.
   - Que pena! - exclamou a roseira. - mas eu, por mais que o desejasse, não poderia entrar para dentro de mim mesma...Tenho de brotar, brotar sempre em rosas. As pétalas caem e o vento leva-as para longe. Mas vi uma de minhas rosas dentro do livro de orações de mina dona. Vi uma de minhas rosas no peito de uma moça linda. E vi outra receber um beijo dos lábios de uma criança, transportada de alegria ao vê-la. E tudo isso e fez tanto bem...Foi para mim uma verdadeira benção - e é uma das mais belas recordações de minha vida!
   E a roseira continuou a florescer na sua inocência, e o caracol retirou-se para a sua casa viscosa - o mundo nada valia para ele!   E o anos foram correndo.
   O caracol era pó no pó; a roseira era terra na terra. A rosa reca, imprensada no livro de orações, também se desfez em pó - mas no jardim floresciam novas roseiras; no jardim cresciam outros caracóis. E eles se encolhiam dentro de casa, cuspindo desdenhosamente - o mundo nada valia para eles!
   Valeria a pena ler também a história deles?
   Não: ela não seria diferente.
FIM

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