O Belo e claro Rio Guden na Jutlândia do Norte, vai costeando uma grande mata. O terreno, naquele lugar, se ergue e arqueia em corcova, formando uma espécie de muralha através da floresta. Na orla da mata, para o lado do poente, vê-se uma casinha de camponeses, cercada de pequenas lavouras. Mas a terra ali é muito magra. por entre o centeio e a cevada, que vão brotando com dificuldade, aponta por toda a parte a areia.
Fazia alguns anos que os moradores daquela casa cultivavam o seu campo; possuíam três ovelhas, um porco e dois bois. Tinham de viver, se se pode chamar viver o contentar-se alguém com o que é estritamente necessário. Jeppe Jaens ocupava-se da cultura durante o verão; e no inverno fabricava tamancos. Tinha um aprendiz que, como ele, sabia fazer calçados de pau, sólidos e leves, e ainda de boa aparência. Trabalhavam também colheres e outros utensílios, que eram vendidos. Jeppe Jeans chegava a gozar de certa abastança.
Seu filho único, o pequeno Ib, tinha então sete anos; gostava de ver o pai trabalhar. Procurava imitá-lo, trabalhando madeira, e de vez em quando talhava também os dedos. Mas um dia mostrou aos pais, com ar de triunfo dois lindos tamanquinhos e declarou que ia dá-los de presente à sua amiguinha Cristina.
Cristina, a Cristininha, era a filha do barqueiro. Graciosa e delicada, se vestisse belos trajes, ninguém imaginaria que tinha nascido em uma cabana, na charneca vizinha.
Lá morava o pai, que era viúvo. Ganhava a vida carregando na grande barca a lenha cortada da mata, e levando-a para o domínio de Silkeborg, e até para a cidade de Randers. Não tenho em casa ninguém a quem confiasse a menina, trazia quase sempre na barca. Mas quando tinha de ir à cidade, deixava-a em casa de Jeppe Jaens, do outro lado da charneca.
Cristina contava um ano menos que Ib, e as duas crianças eram muito amigas; partilhavam sempre seu pão e suas bagas de mirtilo, e juntas brincavam de fazer covas na areia. Andava, por toda a parte, ao redor da casa brincando, saltando, divertindo-se. Um dia arriscaram-se até a entrar sozinhos mais a dentro do mato; acharam lá uma ninhada de ovos de marreca, e isso foi para eles um acontecimento memorável.
Ib não fora nunca à casa de Cristininha, nem estivera jamais na barca do pai dela. Mas um dia este levou-o a sua casa, do outro lado do macegal, para lhe mostrar a terra e o rio. No dia seguinte, de manhã encarapitou as duas crianças, sobre um montão de feixes de lenha. E o menino olhava com tanta atenção para tudo o que rodeava, que nem se lembrava de comer o pão e as bagas de mirtilo.
O bateleiro e seu ajudante impeliam a barca com varas; seguiam o curso da água e deslizavam rapidamente pelos lagos que o rio formava em certos trechos. Esses lagos pareciam às vezes inteiramente fechado pelos bancos de caniços e pelos carvalhos seculares que se debruçavam na água. Noutros lugares havia velhos amieiros deitado horizontalmente sobre a corrente, e todos cercados de lírios e nenúfares, formando ilhotas encantadoras, As crianças não se cansava de admirar tudo aquilo. Mas quando cegaram perto do castelo de Silkeborg, onde há grande barragem para prender as enguias, quando viram a água precipitar se com enorme fragor, escumando e fervendo, através da comporta - então Ib e Cristina declararam que aquilo era muito, muito bonito.
Naquele tempo não havia ali nem cidade nem fábricas; apenas se avistavam algumas construções de granja, onde morava uma dúzia de camponeses. O que dava vida a Silkeborg era o ruído da água, eram os gritos dos patos bravos.
Descarregados os feixes de lenha, comprou o bateleiro um cesto de enguias e um leitãozinho que acabava de matar. Meteu tudo em uma cesta, que pôs na popa da embarcação, e deu volta. Içaram a vela, e como o tempo era favorável, a barca subia o rio tão depressa como se fosse puxada por uma parelha.
Chegaram perto do lugar onde morava o ajudante. Os dois homens deviam ir até a casa. Amarraram solidamente a barca e recomendaram bem às crianças que ficassem ali sossegadas enquanto eles iam e voltavam.
Durante alguns minutos. Ib e Cristina não se mexeram, mas estavam muito aborrecidos. Depois foram ver o que havia no cesto. Levantaram a tampa, e acharam que era preciso tirar de dentro o leitãozinho e começaram tateá-lo e a virá-lo de todos os lados. Ambos queriam segurá-lo ao mesmo tempo, e tanto fizeram que o leitão caiu na água, e lá se foi, arrastado pela corrente. Que momento horrível!
Ib, de tão assustado, saltou imediatamente para a terra e disparou. Cristina atirou-se atrás dele, e lá se foram as duas crianças, amedrontadas, fugindo pelo mato. Afinal se sumiram.
Não tardou que se vissem entre espinheiros, que lhes furtavam a vista do rio - aquele maldito rio, que arrebatara o leitãozinho, com o qual esperavam divertir-se tanto!
Impelidos por esse pensamento, vão sempre avançando. De repente, Cristina tropeça em uma raiz e cai; põe-se a chorar, mas Ib diz-lhe:
- Coragem, Cristina; nossa casinha é ali daquele lado.
Mas o caso é que daquele lado não havia casa alguma, e as pobres crianças vão andando sempre. A seus passos estalam as folhas secas e os gravetos. De repente ouvem vozes de homens; param, a escutar. No mesmo instante retine um grito, agudo de águia que os assusta. Continuam a fugir. Avistam então os mais belos mirtilos, em assombrosa abundância. Aquela vista dissipa-lhes todo o terror, e elas atiraram-se às bagas, comendo-as à boca cheia. Já tem as faces manchadas de azul e vermelho, quando ouvem de novo os gritos longínquos de homem, e Cristina diz:
- Que castigo vamos apanhar!"
- Vamos fugir para casa do papai; ela fica aqui neste mato.
Recomeçaram a andar, chegam a um caminho, e vão seguindo por ele; mas o caminho não ia dar à casa de Jeppe Jaens.
Anoiteceu; o mato era muito escuro, e as crianças tinham um grande medo. Silêncio profundo por toda a parte. De vez em quando ouviam gritos de coruja e de outros animais que não conheciam. Estavam muito cansadas, mas continuavam a caminhar. Acabaram por se perder no meio dos espinheiros e Cristina desatou a chorar. Afinal, depois de muitos soluços, estenderam-se nas folhas secas e pegaram no sono.
Já o sol estava muito alto no céu, quando despertaram, transidas de frio. Através das árvores avistaram uma elevação escalvada e correram para lá, para se aquecer ao sol. Julgava Ib, que, de lá de cima, descobrira a casa de seu pai; mas estava longe dela, em um lugar distante da floresta. Subiram à colina e ficaram imóveis de surpresa: avistaram embaixo um belo lago, de água verde e transparente. Nadavam à superfície muitos peixes, aquecendo-se ao sol. Junto deles havia uma aveleira carregada frutos. Apressaram-se em colher as avelãs, ainda novas e muito delicadas.
Em dado momento, porém o espanto imobilizou-os. De pé, perto delas, como se tivesse surgido da terra, está uma mulher alta, de rosto trigueiro, cabelos reluzentes, e olhos tão brilhantes como os dos negros. Traz um saco às costas e apóia-se a um bastão nodoso. É uma cigana. Ela lhes fala, mas as crianças estão tão assustadas, que não voltam a si do assombro, e não compreendem a princípio a sua linguagem. Mostra-lhes três avelãs grandes, que tem na mão, e diz-lhes que são avelãs mágicas, que contêm as coisas mais surpreendentes do mundo.
Ib anima-se enfim a encará-la. Falava com tanta doçura que o menino ganha coragem a pergunta se ela que dar aquelas avelãs. A cigana entrega-as e vai colher outras na árvore, enquanto as crianças examinam as três avelãs, de olhos arregalados.
- Nesta aqui, haverá uma carruagem com dois cavalos? - pergunta Ib.
- Há aí dentro um carro dourado com dois cavalos de ouro - respondeu ela.
- Então dá-me essa - diz Cristina.
Ib entrega-a; a mulher amarra avelã no fichu da menina.
- E nesta aqui - indaga Ib - haverá um fichu tão lindo como aquele que Cristina tem no pescoço?
- Aí dentro estão dez, mais bonitas ainda; e mais uma porção de lindos vestidos, sapatos bordados, um chapéu de plumas e um véu de renda.
- Então também quero essa! - gritou a menina.
- E Ib deu-a, generosamente.
Restava a terceira, que era toda negra. Cristina disse ao menino:
- Essa agora deve ficar contigo; também é muito bonita.
- Mas que é que ela tem dentro? - perguntou à cigana.
- Aí dentro está o que há de melhor nas três.
IB aperta na mão a preciosa avelã. A mulher promete mostrar-lhe o caminho certo, para votarem à casa; mas toma rumo contrário. Não é que a cigana quisesse roubar as crianças, não. Ela mesma não sabia muito bem o que dizia,e não as enganava de propósito.
A certa distância apareceu-lhe o guarda-florestal, que recohnece as crianças, e leva-as à casinha de Jeppe Jaens. Lá estavam todos inquietos, cheios de angústia. Ib e Cristina foram perdoados, é certo, mas depois de ouvirem explicar muito bem que tinham merecido um bom castigo, primeiro por terem deixado cair à água o leitãozinho, depois- e principalmente - por terem assim fugido para ao mato.
Cristina foi levada para casa. Quando Ib se viu sozinho, a primeira coisa que fez foi tirar do bolso a avelã que encerrava uma coisa de mais valor que uma carruagem dourada! Colocou-a com precaução entre a porta entreaberta e a ombreira, e puxou a porta. Quebrou-se a casca; nem amêndoa havia lá dentro: um verme comera-a. Só o que se via era um pozinho, semelhante a rapé, ou a terra enegrecida.
- Era isso mesmo que eu pensava - disse Ib. - Pois como podia haver lugar, dentro desta avelãzinha, para coisas tão lindas, para o que há de melhor? Nem Cristina vai achar também seus belos vestidos, nem carruagem puxada por cavalos de ouro...
II
Veio o inverno, e depois a primavera. E passaram-se muitos anos.
Ib devia fazer a Primeira Comunhão e ser confirmado. Passou o inverno em casa do pastor da aldeia mais próxima, para receber a instrução religiosa necessária. Por essa época, o bateleiro foi visitar os pais de |Ib, e contou-lhes que Cristina ia servir como criada. Era uma boa fortuna, o que lhe ofereciam: entrava para a casa da gente melhor do mundo, os proprietários da estalagem de Herning, que ficava muito longe, para Oeste, a muitas léguas da floresta.
Teria de ajudá-los nos trabalhos da casa e servir os fregueses. ficaria lá para fazer a Primeira Comunhão; se se mostrasse trabalhadora e delicada - coisa de que ninguém podia duvidar - aquela boa gente tinha a intenção de ficar com ela, como filha.
Foram buscar Ib, para se despedir de Cristina, porque todos os chamavam de noivinhos. No momento da partida, a menina mostrou lhe as duas avelãs que ele lhe dera na mata. Disse que ainda guardava igualmente, com muito cuidado em uma caixinha, os lindos tamanquinhos que ele tinha feito quando era tão pequeno. Depois se separaram.
Ib foi confirmado, e voltou para junto de sua mão; o pai tinha morrido. Tornou-se um tamanqueiro muito hábil. No verão, cultivava o campo, poupando a mãe a despesa de um lavrador.
Somente de tempos em tempos tinham notícias de Cristina, por algum estafeta ou mascate. Ia bem, em casa do rico estalajadeiro. Quando se confirmou, escreveu ao pai uma longa e bela carta, enviando também cumprimentos a Ib e sua mãe. Contava que a ama lhe fizera presente de seis camisas novas e de um lindo vestido, que quase nem tinha sido usado. Eram muito boas notícias.
Na primavera seguinte, bateram um dia à porta da mãe de Ib. E as visitas não eram outras senão o bateleiro e Cristina. A moça tinha vindo passar o dia com o pai, aproveitando o carro da estalagem, que fora enviado a um lugar próximo. Era linda como uma moça da cidade. trazia um vestido que lhe assentava muito bem, porque tinha sido feito pelas suas medidas; aqueles não eram um vestido velho da ama.
Ali estava pois Cristina, magnificamente vestida. Ib trajava sua roupa do diário. Não pode dizer uma só palavra; contudo, pegou a mão da moça e conservou-a entre as suas. Sentia-se tão feliz...mas era-lhe impossível por a língua em movimento. Com Cristina aconteceu o contrário; não cessava de tagarelar, de contar coisas, e abraçou Ib sem o menor embaraço.
E quando ficaram a sós, perguntou-lhe:
- Então não me reconheceste logo? Ficaste mudo como um peixe!
E de fato, conservando sempre a mão dela segura, Ib continuava meio desorientado; por fim, recobrou a palavra:
- É que tu te tornaste uma jovem tão elegante, enquanto eu aqui estou, mal vestido, como um pobre camponês...Mas se soubesse quanto tenho pensado em ti, e no nosso tempo de crianças!...
Saíram a passear, de braço dado, pelo terreno alto que ficava por detrás da casa. Olhavam para os arredores, para o rio, a mata, as colinas cobertas de urzes. Ib pensava mais do que falava; mas quando voltaram, tinha chegado à conclusão de que Cristina devia ser sua mulher. Todos os chamavam de noivinho. Parecia-lhe claro: estavam prometidos um ao outro.
Era preciso que Cristina voltasse naquela mesma noite à aldeia, onde o carro devia ir de manhã muito cedo buscá-la. Seu pai e Ib iriam acompanhá-la. Era uma linda noite: a lua e as estrelas brilhavam no céu. Quando chegaram, e Ib tornou a pegar na mão de Cristina, não sabia mais como havia de se separar dela. Não tirava os olhos do seu rosto tão suave. E estas palavra saíram-lhe com grande esforço, mas do fundo do coração.
- Se tu não estás muito habituada ao conforto, Cristina, e se quiseres morar na casa de minha mãe, como minha esposa, casaremos em um dia...Mas podemos ainda esperar um pouco.
- É verdade, temos tempo - respondeu ela, apertando-lhe a mão. - Não nos apressemos muito. Tenho confiança em ti e creio bem que te amo; mas quero ter toda a certeza disso.
Ib abraçou-a ternamente, e separam-se.
De volta à casa, disse ao bateleiro que ele e Cristina eram o mesmo que noivos, e desta vez, de verdade. O pai respondeu que jamais desejara outra coisa. Acompanhou Ib à casa de sua mãe e ficou lá até muito tarde; e não se falou senão no futuro casamento.
Passou-se um ano. Foram trocadas duas cartas entre Ib e Cristina, e o que se lia no fim delas era: "Fiel até a morte".
Um dia o bateleiro foi visitar Ib, e levar-lhe recados de Cristina. Pôs-se depois a contar muitas coisas diferentes, mas sem muita ligação no que dizia, e sempre com certo embaraço. Afinal Ib pode compreender o que ele queria dizer.
Cristina ficara cada vez mais bonita. Todos a mimavam, todos gostavam dela. O filho do estalajadeiro, que tinha um excelente emprego em um grande estabelecimento em Copenhague, fora visitar os pais. Achara a moça encantadora, e agradara-lhe também. Os pais estavam muito contentes de ver que os dois se entendiam bem. Mas Cristina não esquecera quanto Ib lhe queria. E estava pronta a repelir a sua felicidade.
E, chegando aqui calou-se o barqueiro, mais embaraçado que no começo.
Ib tudo ouvira sem dizer palavra, mas ficara mais branco que a cal da parede. Por fim, sacudia a cabeça, e balbuciou:
- Não! Cristina não deve rejeitar a felicidade!
- Pois bem; escreve-lhe algumas palavras.
Ib tomou pena e papel. Depois de muito refletir, escreveu algumas palavras, que logo riscou. Traçou outras, que riscou também. Depois rasgou a folha e escreveu uma outra, que acabou rasgando ainda. Enfim, foi somente no outro dia de manhã que ele conseguiu escrever, sem emendar, a seguinte carta que foi enviada a Cristina:
" Li a carta que escreveste a teu pai. Por ela soube que até agora tudo tem saído à medida de teus desejos, e que ainda podes vir a ser mais feliz. Interroga teu coração, Cristina, e reflete na sorte que te espera se casares comigo. O que possuo é bem pouca coisa. Não penses em mim, nem no que eu poderia sofrer, mas lembra-te do teu próprio futuro. Não estás ligada a mim por promessa alguma, e se, no teu coração, tinhas feito uma em meu favor, desligo-te dela. Que a felicidade espalhe sobre ti, Cristina, seus mais ricos dons! Deus saberá dar consolo ao meu coração.
" Teu amigo, que te será para sempre devotado. Ib"
Cristina acho que ele era um rapaz muito generoso. No mês de novembro foram feitos os pregões, e ela seguiu para Copenhague com a futura sogra, pois o casamento devia celebra-se na capital: o noivo não podia sair de lá em vista de sus afazeres. De caminho, o pai foi reunir-se a ela. A moça indagou de Ib; não tornara o bateleiro a vê-lo, mas soubera, pela mãe, que viva taciturno e ensimesmado.
Em suas reflexões, recordara-se Ib das três avelãs que lhe dera a cigana. As duas em que deviam estar o carro com os cavalos dourados, e os ricos vestidos, tinha oferecido a Cristina; e de fato, ia ela agora possuir todas essas coisas maravilhosas. Do seu lado, também se cumpria a predição: tocara-lhe em partilha a terra negra.
- Era o que havia de melhor- dissera a cigana.
- Como adivinhou! A terra mais negra, o túmulo mais sombrio - não é o que mais me convém?
Passaram alguns anos, não muitos. Para Ib, contudo, passaram um século. O velho albergueiro morreu; morreu depois a mulher. Deixaram ao filho único, milhares de escudos. Cristiha teve então uma bela carruagem e magníficos vestidos, em quantidade.
Correram mais dois anos. O bateleiro quase não recebia notícias da filha. Afinal chegou uma longa carta. Tudo estava bem mudado. Nem ela nem o marido tinham sabido gerir sua riqueza. Até parecia que Deus não a abençoara. Começavam a se sentir em dificuldades.
De novo refloriu a urze*, para tornar a secar. A neve abateu-se sobre mata, que protegia a casa de Ib contra a violência do vento. Depois a primavera trouxe de novo o sol. Ib lavrava seu campo. De repente a charrua* encontrou um obstáculo muito resistente. Ele remexeu a terra e tirou dela um objeto que parecia uma argola de pau, enegrecida; mas o ponto em que o ferro da charrua tocara, brilhava ao sol. Era um bracelete de ouro maciço, que provinha de um túmulo de gigante. Cavou e achou outras peças de ornato de um herói dos tempos antigos. mostrou aquilo ao pastor, que encaminhou ao burgomestre, com algumas palavras de recomendação. e o burgomestre( prefeito) disse-lhe:
- O que encontraste na terra é o que há de mais raro, e de melhor!
- É que ele entende, sem dúvida - dizia Ib consigo, amargamente - que é tudo o que há de melhor para um homem como eu. Mas vem a dar no mesmo; se estes objetos são considerados como o que há de melhor, a cigana predisse certo, afinal de contas, em tudo.
A conselho do burgomestre partiu Ib ,para levar seu tesouro ao museu de Copenhague. Para ele, que raras vezes tinha atravessado o rio que passava perto de sua casa, aquela viagem era como a travessia do oceano.
Chegou a Copenhague, onde lhe deram grande soma: seiscentos escudos. Saiu a passear na cidade, que pretendia deixar na manhã seguinte, partindo no mesmo barco que o trouxera. À noite extraviou-se em um dédalo de ruas e achou-se no arrabalde de Christianshavn. Entrou em uma viela de aparência muito pobre, onde não viu ninguém . Contudo, saiu de uma das casa mais miseráveis uma meninazinha, e ele lhe perguntou por onde devia ir para voltar ao centro. Olhou-o a criança com ar tímido e se pôs a chorar. Tomado de compaixão, interrogou a criança, e ouviu-a murmurar algumas palavras incompreensíveis. Andaram assim alguns passos e chegaram juntos de um lampião, cuja luz deu em cheio no rosto da menina. Ib ficou desorientado: via diante de si Cristina, absolutamente como ela era em pequena. Não, não podia enganar-se, tinha seus traços gravados com muita precisão na memória!
Pediu à criança que o levasse á sua casa, e a menina, vendo-lhe o ar tão bondoso, deixou de chorar e entrou com ele na pobre morada. Subiram uma escada estreita e vacilante. Lá bem em cima, debaixo do telhado, entraram em um peça miserável, onde o ar era pesado e malsão (nocivo à saúde; insalubre, doentio) Não havia luz, e ouviu-se alguém respirar penosamente em um canto, suspirando e gemendo.
Ib acende um fósforo e percebe que sobre um catre jaz a mãe da meninazinha.
- Posso se-lhe útil em alguma coisa? - perguntou ele. - A menina me trouxe aqui, mas sou estranho na cidade. A senhora não conhece algum vizinho, ou outra pessoa, que eu possa chamar apara auxiliá-la?
Vendo que a cabeça da doente resvalara do travesseiro, ergueu-a para acomodá-la. Olhou então para o rosto da infeliz; era Cristina , era aquela que fora a rainha da charneca!
Há muito tempo não ouvia falar nela: todos evitavam pronunciar seu nome diante dele, para não despertar recordações penosas, tanto mais que que as notícias que vinham eram cada vez mais dolorosas. O marido, ao herdar os bens legados pelos pais, perdera a cabeça; julgara-os inesgotáveis. Renunciara ao emprego que tinha e saíra a correr países estrangeiros, com aparato de grande senhor. De volta a Copenhague, continuara a gastar do mesmo modo. E, quando lhe faltou o dinheiro, endividou-se, afundando-se cada vez mais na ruína. Os amigos e camaradas, que tão prontamente o tinham ajudado a devorar seus haveres, voltaram-lhes as costas, dizendo ainda que bem merecera aquele infortúnio porque cometera tantas loucuras. Afinal, uma manhã acharam seu corpo no canal.
Desde muito tempo trazia Cristina a morte na alma. Seu filhinho mais novo, vindo ao mundo já no meio da miséria, morrera. Restava-lhe uma filha, a Cristina aquela que Ib encontrara. Viviam, a -mãe a criança, naquele miserável retiro, abandonadas, padecendo frio e fome. E por fim viera a doença.
Ib ouviu-a murmurar:
- Vou morrer e deixar esta pobre criança sem nada, sem proteção. que vai se dela?
Já sem forças, calou-se. Ib acendeu um coto de vela que descobriu e o quarto ficou menos sombrio. Olhava para a criança e nela via cada vez mais distintamente os traços de Cristina naquela idade; e compreendeu imediatamente que aquela menina, que via pela primeira vez, lhe era já muito cara, por amor da mãe.
Avistou-o a moribunda, que abriu os olhos desmesuradamente. Tê-lo-ia reconhecido? Ele jamais o soube. Dali a um momento ela expiava, sem ter proferido uma palavra.
E eis-nos de novo no bosque, perto do Rio Guden. Já não há flores na charneca. As tempestades do outono varrem com violência as folhas secas, atirando-as contra a casa do bateleiro, onde moram hoje pessoas estranhas. Mas, abrigada por uma elevação do terreno, protegida por grandes árvores, a casa de Jeppe Jaens está toda rebocada e caiada. Lá dentro arde o fogo na lareira; se o sol está oculto, atrás das nuvens, a casa é alegrada pelos olhos brilhantes de uma linda criança. Quando ela move os lábios rosados e sorridentes, é como o canto dos passarinhos. Com a menina, entraram na casa a vida e a alegria. Neste momento dorme nos joelhos de Ib, que é para ela a um tempo, pai e mãe.
Ib vive hoje na abastança; seu trabalho não foi estéril: ele fez frutificar aquele ouro que tirou do seio da terra - e achou outra vez a sua Cristininha!
FIM
*URZE: São espontâneas em terrenos pobres em cal e com flores de cores diversas. As espécies existentes em Portugal são muito comuns e encontram-se em todo o país, mas sobretudo nas montanhas de granito a norte de Portugal continental. Contudo esta espécie chega até as ilhas da Madeira e do Porto Santo, podendo ai ser encontradas desde a sua descoberta.
Continua....
Meus querido amigos, eu transcrevo minhas histórias quando eu tenho um tempinho, e quando paro relato o que eu vou fazer.
Hoje é o primeiro dia de junho, como está passando rápido este ano. Estou adorando esta história, mas tenho consciência que estpu demorando para transcreve-la. Hoje está muito chuvoso aqui , portanto vou terminar hoje este conto. Beijos amo vocês!
dia 28 , domingo, vou tomar meu café da manhã.
dia 23 e maio mais uma folha transcrevo , mas o dever me chama, se Deus permitir um dia viverei de escrever, ganhando algum dinheiro para pagar uma pessoa para fazer o serviço doméstico, que não é pouco. Beijos
Bom dia, hoje dia 22 de maio de 2017 , aqui cidade Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul país Brasil está um lindo dia de outono. Ontem deixei meu serviço todo adiantado para poder transcrever minhas histórias. Agora vou tomar café da manhã e se der digito um pouco mais mais desta incrível história. Eu estava pensando sobre a ingenuidade de uma criança. Até o momento em que ela cria uma memória seja boa ou má ela não tem nenhuma experiência. Por isso os pais tem que falar várias vezes sobre um assunto seja bom ou não para a criança poder pensar sobre suas decisões. Elas estão conversando com uma estranha sem medo algum.Que fome , vou tomar meu leite de soja com bolacha integral, requeijão e mel. Amo tudo isso
Os contos que estou transcrevendo são de livros muito antigos que ganhei de meu querido pai. Quando percebi que eles estavam ficando velhos e amarelados, fiquei com medo de perdê-los. Resolvi então salvá-los para sempre, digitando letra por letra e me envolvendo em cada história. Obrigada pai e mãe, amo vocês! E um obrigada às novas tecnologias que me permitirão salvar meus livros e dar a outras pessoas a oportunidade de se emocionarem com Os Contos de Grimn e Andersen como eu me emocionei.
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