segunda-feira, 25 de abril de 2016

O CORVO - CONTOS DE GRIMM

     Era uma vez uma rainha que tinha uma filha muito pequena, de colo, ainda. Certo dia a menina estava choramingando muito e a mãe não conseguia aquietá-la. perdeu, por isso, a paciência e, vendo uns corvos que voavam em torno do palácio, abriu a janela e assim ralhou com a menina:
     - Que bom que fosses um corvo e saísses voando! Ao menos eu teria descanso...
      Mal pronunciara essas palavras, a criança transformou-se em corvo e saiu voando pela janela. Foi dar num bosque escuro, onde permaneceu muito tempo, sem que seus pais soubessem nada a seu respeito.
       Certa ocasião um homem, que passava pelo bosque, ouviu o grasnido de um corvo. Aproximando-se mais, notou que a ave falava:
       - Sou uma princesa de nascimento. Fui enfeitiçada, mas tu poderias livrar-me do encanto.
        - Que devo fazer? -indagou ele.
        - Segue pelo bosque a dentro até encontrares uma casa onde vive uma velha. Ela te oferecerá comida e bebida. Não aceites coisa alguma, pois, por pouco que  comeres ou beberes, ficará mergulhado num sono de pedra e já não será possível libertar-me. No jardim, atrás da casa, há um montão de feno. Sobe nele e ali espera por mim. Em três dias, seguidos, virei, às duas da tarde, numa carruagem puxada, primeiro, por quatro cavalos brancos; depois por quatro zainos e, no terceiro dia, por quatro cavalos negros. Se, então, em vez de acordado, estiveres dormindo, não me poderás desencantar.
          O homem prometeu fazer tudo, mas o corvo suspirou e disse:
         - Ai! Bem sei que não me salvarás; sinto que vais aceitar alguma coisa da velha.
        O homem tornou a afirmar que em nada tocaria. Quando chegou à casa indicada, a velha saiu ao seu encontro.
        - Pobre homem! - falou- como pareces fatigado! Entra e descansa um pouco . Aqui terás comida e bebida.
        - Não, - respondeu-lhe o homem, - não tenho vontade de comer nem de beber.
        Mas a velha retrucou, insistindo:
        - Se não queres comer, então bebe, ao menos, um traguinho; um só não se leva em conta. E o forasteiro, cedendo à tentação, bebeu um gole, Pela tarde, às duas horas, saiu ao jardim e sentou-se no monte de feno, onde pretendia esperar a chegada do corvo. Enquanto ali estava , sentiu de repente, um cansaço, tão grande que se deitou para repousar um pouco, com o firme propósito de não dormir. entretanto, mal se estendera sobre o feno, seus olhos se fecharam e ele adormeceu profundamente. Nada neste mundo o faria despertar. Às duas horas em ponto apresentou-se o corvo, em sua carruagem puxada por quatro cavalos brancos. Mas durante a viagem, um pressentimento, já vinha murmurando:
     - Sou capaz  de apostar que ele está dormindo!
   Aproximou-se dele, mas não conseguiu acordá-lo. No terceiro dia, a velha perguntou:
     - Que é isso? Não comes nem bebes? Acaso queres morrer?
     Mas ele respondeu, com firmeza:
    - Não quero e não devo comer nem beber!
     Mesmo assim, ela colocou à sua frente um prato de comida e um copo de vinho. Quando o convidativo aroma de bebida lhe subiu às narinas, o homem não pode resistir à tentação e tomou um bom trago. À hora marcada, saiu para o jardim e, subindo no monte de feno, quis aguardar a vinda da princesa. Sentindo-se, porém, mais fatigado que na véspera, deitou-se e dormiu de novo como uma pedra. Às duas horas apareceu o corvo, com quatro cavalos negros. A carruagem era, também negra. Cheia de profunda tristeza, a ave exclamava:
      - Bem sei que ele está dormindo e não irá libertar-me!
      Quando chegou onde ele estava, encontrou-o, com efeito, profundamente adormecido e, embora o sacudisse e o chamasse, não houve meio de despertá-lo. Colocou a seu lado um pão, um pedaço de carne e uma garrafa de vinho. mas era uma carne e um vinho que, por mais que ele comesse e bebesse, nunca terminariam. Enfiou-lhe no dedo um anel de ouro que tirara de uma de suas garras e que tinha gravado o nome dela. Por último, escreveu-lhe um bilhete e explicando o que lhe havia dado e que  aquela comida e bebida nunca terminavam. E acrescentou: "Bem vejo que aqui não me podes desencantar. Mas se quiseres mesmo fazê-lo, vai ao castelo de ouro de Stromberg. Está em teu poder libertar-me, disso tenho certeza."
      E, tendo-lhe deixado tudo aquilo, subiu, novamente, à sua carruagem e tomou o rumo do castelo de ouro de Stromberg.
      Quando o homem despertou e percebeu que dormira, sentiu grande tristeza e lamentou-se:
      - Decerto ela passou por aqui e eu não pude salvá-la!
     Aí viu os objetos depositados junto a ele; leu o bilhete e ficou sabendo como havia sucedido tudo. levantou-se e quis ir ao castelo de ouro de Stromberg. O pior de tudo é que não tinha a menor ideia de onde ficava ele. Depois de ter percorrido muitas terras, chegou um dia a uma floresta escura. Era uma floresta tão escura e vasta que por ali andou durante duas semanas sem encontrar saída. fatigado, estendeu-se entre uns arbustos e adormeceu. Na manhã seguinte, prosseguiu andando e, à tardinha, quando se dispunha a acomodar-se, de novo, numa moita, para passar a noite, ouviu lamentos e gemidos que não o deixaram adormecer. Quando chegou a hora em que se costuma ascender as luzes, viu brilhar uma, à distância, e se dirigiu a ela. Assim, chegou a uma casa que lhe pareceu pequeníssima, pois diante dela estava parado um gigante enorme. Pensou o homem: "Se eu entrar ali e o gigante me enxergar, isso pode custar-me a vida!"Por fim, dominado o medo, aproximou-se. Quando o gigante o avistou, lhe disse:
              - Que bom que vieste! Faz muitas horas que não tenho o que comer. Vou engolir-te agora!
           - Não faças isso! - respondeu-lhe o homem. - Não gosto da ideia de ser engolido. mas, se o que queres é comer, tenho o bastante para fartar-te.
           - Sendo assim, - disse o gigante, - podes ficar tranquilo. Só quis te devorar na falta de coisa melhor.
       Sentaram-se os dois à mesa e o homem serviu o pão, vinho e carne que nunca terminavam.
       Quando acabaram a refeição, o homem perguntou-lhe:
       - Por acaso não me poderás dizer onde fica o castelo de ouro de Stromberg?
       - Vou olhar no mapa - respondeu o gigante. - Ali estão marcadas todas as cidades, aldeias e casas do mundo.
      Foi buscar o mapa que guardava na sala e começou a procurar o castelo. Mas o castelo não estava  no mapa.
     - Não faz mal, - disse  o gigante. - No armário, lá em cima, tenho mapas muito maiores, para procurar mais coisas.
     Foi inútil. O castelo também faltava nos  mapas mais minuciosos. O homem, então , quis seguir seu caminho, mas o gigante pediu que esperasse ainda mais uns dias, até chegar seu irmão que saíra em busca de alimento. Quando regressou, perguntaram-lhe pelo castelo de ouro de Stromberg.
    - Depois do almoço  respondeu o gigante - consultarei o mapa.
     Subiram, depois, ao quarto e se puseram a procurar no tal mapa. Não encontraram, porém, o castelo. O gigante desencavou, então, novos mapas e não pararam de examiná-los, até que, finalmente, deram com ele. Situava-se a milhares de milhas dali.
    - Como poderei chegar lá? - perguntou o homem, desolado.
    Respondeu-lhe um dos gigantes:
     - Disponho apenas de duas horas. poso levar-te às proximidades do castelo; depois preciso voltar para dar de comer ao meu filho.
     O gigante transportou-o até umas cem horas de distância do castelo e lhe disse:
    - O resto do caminho poderás fazer com tuas próprias pernas- e regressou à sua casa.
      O homem continuou andando dia e noite até, finalmente, chegou. O castelo de ouro se Stromberg ficava no alto de uma montanha. Mas o cristal era muito liso e ele escorregava sempre. vendo como eram inúteis as suas tentativas, entristeceu-se muito e suspirou:
    - Ficarei aqui embaixo e esperarei por ela!
    Construiu uma choupana, onde viveu durante um ano inteiro. Todos os dias assistia à passagem da princesa em sua carruagem, sem nunca poder chegar até onde estava.
     Certa vez, viu, dentro da choupana, três bandidos que lutavam.
    - Deus seja convosco! - gritou para eles.
     Os homens interromperam a luta, mas, como não viram ninguém, recomeçaram a brigar com maior fúria que antes. A coisa ficou mesmo preta e o homem tornou a gritar-lhes:
      - Deus seja convosco!
      Novamente suspenderam a briga, mas, como tampouco viram alguém, logo recomeçaram. pela terceira vez, o homem gritou:
     - Deus seja convosco! - e pensou: " Preciso ver que se trata."
     Dirigiu-se então a eles e indagou por que motivo estavam brigando. Um dos homens respondeu-lhe que encontraram um bastão que abria qualquer porta, com um só golpe. o outro disse ter achado uma capa que tornava invisível a quem pusesse nos ombros. O terceiro contou haver pegado um cavalo que andava por todos os lugares e era capaz de subir a montanha de cristal. Brigavam por não saberem se deviam guardar as três coisas em comum ou se deviam separar-se, cada qual levando uma delas. Disse, então, o homem:
     - Dinheiro não tenho, mas trocarei essas três coisas por outras que valem mais. Antes porém, quero fazer uma prova para verificar se falaram a verdade.
      Os homens deixaram-no montar o cavalo e puseram-lhe a capa nos ombro e o bastão na mão. De posse daquilo tudo, ele tornou-se invisível e começou, então , a dar uma boas surra nos três, gritando-lhes:
     - Bandidos! Aí tem o que merecem. estão satisfeitos?
      Em seguida subiu a montanha de cristal e, ao chegar à porta do castelo, encontrou-a fechada. Bateu nela com o bastão e imediatamente a porta se abriu. O homem subiu a escadaria e chegou a um salão onde estava a princesa, ainda em forma de corvo, com um copo de ouro, cheio de vinho, à sua frente. Mas a princesa encantada não podia vê-lo, pois ele tinha nos ombros a capa que o tornara invisível. Aproximando-se, ele tirou o anel que ela lhe pusera no dedo e o deixou cair no copo. A  joia, ao tocar no fundo, fez um lindo tinido e logo a princesa exclamou:
       - Este é o meu anel! E o homem que há de me salvar deve estar aqui!
       Procuraram-no por todo o palácio mas não encontraram. Saindo do castelo, montou o seu cavalo e tirou a capa. Quando as pessoas chegaram à porta e o avistaram, irromperam em exclamações de alegria. o homem apeou e abraçou a princesa, que afinal tomara a forma humana e que lhe deu um longo beijo, dizendo:
      - Agora sim, estou livre do feitiço. Amanhã celebraremos o nosso casamento! FIM
   

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