sexta-feira, 25 de março de 2016

A POLEGARZINHA - CONTOS DE ANDERSEN

Era uma vez uma mulher que desejava muito ter uma menina, bem pequenina. Não sabendo onde havia de buscá-la, foi, procurar uma feiticeira velha e disse-lhe:
   - Desejo tanto ter uma meninazinha! Não podes indicar onde acharei uma?
   - Ora, não há coisa mais fácil! - respondeu a feiticeira. - Leva este grão de cevada; não é daquela que cresce no campos, nem da que se costuma dar aos pintos. Planta-o em um vaso e verás o que acontece.
    A mulher agradeceu muito à feiticeira e deu-lhe doze moedas de prata.
    Assim que chegou a casa, plantou-o, e imediatamente nasceu e se desenvolveu uma flor magnífica, semelhante a uma tulipa; mas tinha as pétalas cerradas, como se estivesse ainda em botão.
    - Que bela flor! - disse a mulher, beijando as pétalas amarelas e purpurinas.
     No mesmo instante o botão abriu-se, com um leve estalido. Era, de fato, uma tulipa; mas dentro da corola, sentadinha no veludo verde dos estames, estava uma menina, pequenina, sim, mas cheia de graça e gentileza. Não tinha mais que uma polegada de altura e por isso a mulher chamou-a Polegarzinha.
   Arranjou-lhe um berço pequenino também: uma casca de noz bem polida; o colchão era um punhado de pétalas de violetas, e a coberta, uma pétala de rosa. passava a noite dormindo no seu bercinho, mas durante o dia brincava em cima da mesa, onde a mulher pusera um prato cheio d'água, cercado de flores. No meio flutuava  uma grande pétala de tulipa na qual a Polegarzinha navegava, remando com dois fios de crina branca. Dava gosto vê-la, na verdade! A meninazinha cantava e sua vozinha era tão suave e tão melodiosa como nunca se ouvira outra igual.
   Uma noite, enquanto ela dormia na sua linda caminha, entrou pela janela um sapo porque havia um vidro quebrado. Era um sapo gordo, feio, pegajoso. saltou na mesa onde a Polegarzinha dormia coberta com uma pétala de rosa.
    - Que menina bonitinha para casar com meu filho!- exclamou o sapo.
     E, pegando na casca de noz, tornou a saltar pelo buraco da vidraça levando a |Polegarzinha consigo. atravessava o jardim um riacho em cuja margem lodosa vivia a família de sapos. O filho não era menos feio, nem menos asqueroso que a mãe - porque quem roubou a Polegarzinha foi a mãe do sapo. Quando ele viu a linda meninazinha, dentro da casca de noz, nem pode falar direito; e só se ouviam seus ásperos coaxos:
   - Coaxe, coaxe! Breque, quec, quec!
    - Não fales tão alto, senão ela acorda - disse a mãe. - Poderia escarpar-nos, pois é tão leve  como uma pena de cisne! Vamos guardá-la no arroio, sobre uma grande pétala de nenúfar; é tão pequenina e tão leve que será como uma ilha para ela. Ali ficará segura, enquanto vamos ao fundo do pantanal preparar a casa onde morarás com ela.
    Havia no arroio, grande quantidade de plantas, de grandes folhas verdes; a maior era a que ficava mais distante da margem e para essa folha nadou a velha mãe do sapo, levando a casquinha de noz em que jazia a Polegarzinha.
   Quando a pobre criatura acordou, no dia seguinte, e viu onde se achava , desatou a chorar, porque era só água por todos os lados -  e ela sem poder alcançar a margem!
   A mãe do sapo trabalhou lá embaixo para preparar e adornar a morada da futura nora, forrando-a com folhas de grama e botões de nelumbo amarelo; depois nadou para a superfície, levando consigo o horrendo filho. e foi para a folha onde estava a polegarzinha. Queriam levar a linda  caminha pra o quarto de noivado, antes de conduzir a menina. fez uma profunda reverência, pondo toda a cabeça fora água, e disse:
    - Este é o meu filho com quem vais casar; viverás muito feliz com ele, lá debaixo do charco.
    Mas o filho só pode dizer, como sempre:
      - Coaxe, coaxe! Breque, quec, quec!
     Pegaram então na linda cama pequenina e mergulharam com ela. A Polegarzinha ficou chorando, sozinha na folha verde, porque não queria viver com aquela gente tão feia e menos ainda casar com aquele sapo tão repugnante. os peixinhos que nadavam por ali tinham, sem dúvida, ouvido o que disse a mãe do sapo, e espichavam a cabeça para fora  dágua para ver a meninazinha. E, acharam-na tão linda que não se conformavam com a ideia de vê-la morar debaixo da lama com aqueles entes tão feios. era bonita demais para casar com um sapo! Não ! Não era possível! Reuniram-se todos ao redor do talo que sustentava a grande folha, onde estava a Polegarzinha, e tanto o mordiscaram que acabaram por cortá-lo; e a folha se foi, ao sabor da correte - e  não tardou que estivesse já muito longe, fora do alcance dos sapos.
     A Polegarzinha foi navegando assim, passando por muitos lugares; e os passarinhos pousados nas moitas, quando a viam passear, cantavam:
    - Mas que linda meninazinha!
    A folha ia cada vez mais depressa, mais depressa e já estava navegando em terra estrangeira.
   Uma linda borboleta branca ia voando sempre em roda dela e acabou por pousar na folha, porque simpatizara com a Polegarzinha. A meninazinha sentia-se agora completamente feliz: via-se livre  do sapo e navegava por entre coisas tão lindas...O sol se refletia na água, que parecia ouro liquido. Ela desatou então o cinto e amarrou uma ponta na borboleta e a outra na folha , que ia assim agora ainda mais depressa.
   Mas de repente apareceu voando um grande besouro; viu a menina e abateu-se sobre o frágil corpinho; segurou-a e levou-a nas garras, voando para uma árvore. . A folha verde lá ia flutuando, à deriva , arrastando a borboleta, que estava amarrada e não podia desprender-se.
  Que susto para a pobre Polegarzinha quando se viu assim arrebatada nos ares por aquele feroz besouro! Mas o que mais a afligia era a lembrança da pobre borboleta branca, que amarrara à folha, e que, se não conseguisse desprender-se, morreria de fome. O besouro, porém, pouco se importava com a aflição da meninazinha: depositou-a na maior folha da árvore e trouxe-lhe mel das flores. Disse-lhe que era muito bonita, ainda que não tanto como um besouro. Todos os besouros que moravam naquela árvore foram visitá -los. As senhoritas olhavam para a Polegarzinha e diziam, agitando as antenas:
    - Que feia, que feia! Ora!...Só tem duas pernas!
     - Não tem antenas! Nem sequer uma! - dizia outra.
      - E que cintura tão fininha! Cruzes! Parece uma criatura humana...Que horror!- diziam as damas. Falavam assim da Polegarzinha, tão linda e tão delicada! O besouro velho que a raptara achava-a linda; mas de tanto ouvir os outros dizerem que era feia, acabou por acreditá-lo, e não quis saber mais dela: podia ir para onde bem entendesse. Então, levaram-na para longe, deixando-a sobre um malmequer. E ela lá ficou chorando, porque, de tão feia, nem os besouros a queriam. E, no , entanto, era a criatura mais bela que se poderia imaginar: e tão delicada e suave como uma pétala de rosa.
    A pobre Polegarzinha teve de viver todo o verão completamente só no mato. Construiu uma cama de grama e pendurou-a, feito uma rede, debaixo de uma folha de bardana, bastante grande para a proteger das chuvas. Alimentava-se de mel das flores e bebia as gotas de orvalho que achava nas folhas. Assim passou ela verão e outono; mas afinal veio o inverno. Todos os passarinhos que cantavam para ela seus doces gorjeios emigraram ; as flores e as folhas das árvores tinham murchado e secado; a grande folha de bardana que a abrigava, enrolara-se como a lona de um toldo, e agora restava dela apenas um talo duro e amarelo. E ela tremia de frio, porque já  não tinha sobre o corpo senão andrajos, e era tão pequenina e tão frágil! Coitadinha! Ia certamente ficar gelada! Começou a nevar. Cada floco que caía sobre a menina era como uma pá de neve despejada sobre um de nós,, porque somos grandes, e ela não tinha mais que uma polegada de altura. Enrolou-se em uma folha seca que pouco agasalhava. E a menina tremia de frio.
      Junto do bosque em que ela vivera todo esse tempo, estendia-se um trigal, mas já tinha sido ceifado há muito, ficando só o restolho - um estendal de hastes secas e duras, cravadas na terra gelada. Para a Polegarzinha aquilo era o mesmo que um mato denso, que ela atravessou transida de frio. Afinal chegou à porta da casa de um rato do campo. Era uma toca, debaixo do restolho. O rato morava lá dentro, em uma casa confortável e quentinha; tinha a sua despensa, bem provida de grãos e uma boa cozinha.  A meninazinha parou à porta e pediu, como uma criança filha de mendigos, um farelinho de grão de cevada, porque , há dois dias que não comia nada.
     - Coitadinha! - disse a rata ( porque era uma rata a dona da casa) . - Entra, entra, que a minha casa é quentinha, e fica para jantar comigo.
       Aquela rata velha era muito boa e gostou logo da Polegarzinha. Dali a pouco foi dizendo à menina:
     - Olha se quiseres, podes ficar aqui todo o inverno;; mas hás de trazer minha casa bem limpa e arranjada e contar-me histórias, de que muito gosto.
    A Polegarzinha assim fazia e era muito feliz ali com a rata velha. Um dia a dona da casa disse:
    - Vamos receber uma visita; meu vizinho vem me  ver todas as semanas. É bem mais abastado que eu, o vizinho; tem uma casa muito maior do que a nossa, com grandes salas, e usa sempre uma peliça negra, muito linda. Se pudesses casar com ele, então sim, serias afortunada! Só o que há é que ele é cego: como não podes ver-te, deves contar-lhe alguma das tuas histórias mais bonitas, para agradá-lo.
    Mas à Polegarzinha pouco se lhe dava o vizinho da rata do campo. O vizinho era uma toupeira! E foi mesmo fazer uma visita esperada, vestido com a sua peliça negra. D. Rata do Campo não se esqueceu de falar na rua riqueza e na sua sabedoria, e contou que sua moradia era mais de vinte vezes maior que a delas. Sim, podia ser homem de muito talento, o parente das toupeiras, mas detestava a luz do sol e as belas flores, e falava delas com o maior desprezo, porque nunca as vira!
     A Polegarzinha teve de cantar para o visitante; cantou o Besouro, besouro, vai-te embora e Quando o pároco passeio no campo. E o " toupeiro" , ouvindo-lhe a voz tão suave, enamorou-se dela; mas nada lhe disse, porque era um varão cheio de prudência.
    Pouco  depois  ele cavou uma passagem de comunicação entre a sua moradia e a da rata do campo, e tanto ela como a menina podiam ir e vir por ali quando quisessem. Mas avisou-as de que não deviam assustar-se quando topassem com um passarinho morto, que estava atravessado no corredor. Era um passarinho de verdade, tinha bico  e  penas, e parecia morto há muito pouco tempo; não se sabe como fora enterrado justamente ali, onde ele abrira aquela passagem.
    A toupeira segurou na boca um toro de pau podre, para lhe servir de lanterna - porque sabia que a madeira apodrecida brilha no escuro com uma luz fosforescente - e foi adiante delas, para que não tropeçassem, naquela escuridão. Quando chegaram ao ponto onde estava o passarinho morto, a toupeira abriu um buraco  no teto, empurrando a terra para cima com o focinho, para iluminar o túnel. No chão jazia uma andorinha morta, com as lindas asas bem unidas ao corpo e a cabeça e as perninhas escondidas entre as penas: era evidente que o pobre passarinho morrera de frio. A Polegarzinha ficou muito comovida, porque gostava muito de todos os passarinhos- não tinham eles cantado e piado para ela com tanta meiguice todo o verão? Mas a toupeira afastou a andorinha morta para um lado, com a perna curta, observando friamente:
    - Agora não pias mais! Que miséria, nascer passarinho! Graças a Deus nenhum de meus filhos será assim! Porque o passarinho, que não pode fazer mais nada senão dizer " Tui-ti! Tui-tiii!" o verão inteiro, quando chega o inverno morre de fome!
     - São palavras de sabedoria, essas- disse logo a rata velha. - De que serve, na verdade, viver o passarinho chilreado quando vem o inverno? Terá então de morrer de fome e de frio! Mas dizem que isso é muito aristocrático!
    A Polegarzinha nada disse; mas quando os outros dois se afastaram dali, voltou atrás, afastou as penas que cobriam a cabecinha da andorinha e beijou-lhe os olhinhos fechados.
    - Quem sabe se não foi  este mesmo passarinho que cantou para mim no verão?- pensava ela. - E era tão suave e tão terno aquele canto...
    A toupeira fechou a abertura que fizera, para que não entrasse mais a luz, e acompanhou as duas senhoras à  casa delas. Mas a Polegarzinha não conseguiu dormir. Levantou-se, teceu um tapete de fibras de feno e levou-o para cobrir a cabecinha da andorinha. Depois reuniu fiapos de algodão, que achou espalhados pelo quarto da rata do campo, e calçou os dois lados da cabeça do passarinho, para que não sentisse tanto frio da terra. E disse:
   - Adeus, lindo passarinho! Adeus! Agradeço-te o lindo canto que cantaste no verão, quando as árvores eram verdes e o sol nos mandava seus raios quentinhos!
    Dizendo estas palavras, ela apoiou a cabeça no peito da andorinha; mas imediatamente endireitou-se, porque sentiu que lá dentro alguma coisa batia; toc-toc! Era o coração do passarinho; não estava morto, apenas congelara; uma vez que começou a aquecer-se, retornou à vida.
    No outono todas as andorinhas voam para longe; vão em busca de outros países, de clima mais brando; mas se um delas se atrasa, o frio  enregela, e a avezinha cai  como morta, fica ali, entanguida, e a neve a cobre toda, como uma mortalha.
    A Polegarzinha tremia de medo, porque o passarinho era muito grande, comparado com ela, que só tinha uma polegada de altura. Mas afinal revestiu-se da coragem e aconchegou bem o algodão em roda do pobre passarinho; foi então buscar uma folha de hortelã, que lhe servia de colcha, e estendeu-a sobre a cabeça da andorinha.
    No dia seguinte ela esperou a  noite e tornou a ir, furtivamente, ao túnel. para ver  como estava a andorinha; achou-a viva, mas muito fraquinha: mal pode abrir os olhos um momento para ver a menina, quando ela parou ao seu lado, segurando um pedaço de madeira podre- a única lanterna de que dispunha.
    - Muito, muito obrigada, linda menina - disse a andorinha doente. - Sinto-me agora tão bem, tão refeita, que não tardarei muito em poder voar de novo: irei então para o país do sol quente!
    - Mas está muito frio lá fora - disse a menina- porque cai constantemente neve e granizo. Fica aqui, na tua cama bem quentinha, que eu tratarei de ti!
     Foi buscar água em uma pétala de flor e deu-a à andorinha; e esta contou-lhe então que tinha ferido uma asa em um espinheiro e por isso não pudera voar com as outras para o país do sol. Caíra ao chão e perdera  os sentidos; não podia lembrar-se do que lhe aconteceu depois, nem como viera parar naquele lugar.
    A Polegarzinha tratou da andorinha todo o inverno, com a maior ternura, mas sem dizer palavra à rata do campo nem ao pai-toupeira,porque eles não gostavam de passarinhos e principalmente das andorinhas.
    Quando voltou a primavera e o  sol começou a aquecer de novo a terra, a meninazinha alargou o buraco que a toupeira tinha aberto com o focinho, para que andorinha pudesse sair. Entrou o sol, inundando de luz o corredor. A andorinha perguntou à Polegarzinha se não queira ir com ela. Levá-la-ia às costas; ambos voariam assim para longe, para a mata verde. Mas a menina achou que a rata velha podia zangar-se se a abandonasse assim, sem mais nem menos. E respondeu logo:
   - Não, eu não posso ir.
   - Então adeus, menina linda e bondosa!
    E a andorinha saiu voando para o vasto firmamento. A Polegarzinha segui-lhe o voo com os olhos rasos de água, porque já tinha amor à andorinha.
    - Quit- vit! Qui-vit!" - cantava o passarinho , antes de se sumir na ramaria da mata verde.
    A Polegarzinha viva agora muito triste. Não lhe permitiam que saísse a tomar sol. os homens tinham semeado trigo sobre a toca da rata do campo; o trigo estava já crescido e formava agora um bosque intrincado, onde a meninazinha poderia perder-se, pois tinha só uma polegada de altura.
   - Vais casar, polegarzinha - disse-lhe um dia a rata do campo. - Meu vizinho pediu a tua mão. Vê que sorte para uma menina tão pobrezinha como tu! Agora tens de pensar em fazer teu enxoval. Precisas de roupas de linho e de lã - porque à mulher de Dom Toupa nada há de faltar!
     E a Polegarzinha teve de fiar e fiar. A rata do campo alugou quatro lagartas que teciam para ela noite de dia. O "toupeiro" visitava-a todas as noites. E levava sempre  a observar que, passado o verão, já o sol perderia aquele calor abrasador, com que torrava agora a terra, endurecendo-a como pedra. Então celebrariam o casamento. Quem não estava contente com esses projetos, porém, era a Polegarzinha, que não podia suportar aquele pai-toupeira aborrecido. Todos os dias - à hora de nascer o sol e quando ele desaparecia no poente - saía ela da boca da toca; e, se  soprava o vento, separando as espigas de trigo, e aparecia uma nesguinha do céu azul, via em imaginação a beleza e o esplendor das terras quentes. E ansiava por tornar a ver a sua querida andorinha. Mas esperava em vão! Ela não voltava ...sem dúvida ficara presa aos encantos da mata reverdecida.
     Quando chegou o outono estava pronto o enxoval da noiva. A rata do campo disse-lhe:
    - Daqui a quatro semanas será teu casamento.
     Pôs-se a Polegarzinha a chorar, porque não queira casar com aquele sujeito tão desenxabido.
    - Manhas! - disse a rata velha. -  Não sejas  teimosa! Olha que te dou uma dentada...Ah! Verás então como são afiados os meus dentes! Onde pensas que irias achar outro marido tão distinto? Nem mesmo a rainha tem uma peliça negra tão fina! E tem cozinha e despensa bem sortidas! Deves dar graças à Providência que te enviou um marido assim!
     E chegou o dia do casamento. Já Dom toupa tinha chegado e ia levar a Polegarzinha, que teria de viver dali em diante com ele, lá embaixo da terra, sem sair jamais ao ar livre para tomar sol, porque ele não gostava do sol nem da luz. A menina estava acabrunhada. Já não lhe seria permitido, como até aqui, olhar para o sol, da porta da toca, e tinha de se despedir da luz para sempre!
    Saiu, pois, da entrada da toca pela última vez, para dizer adeus ao sol. Estava terminada a ceifa e só ficara o restolho seco no trigal. Ergueu os braços e disse para o firmamento:
  - Adeus, adeus sol esplêndido!
 Depois, cingindo  com os braços uma florzinha vermelha, disse-lhe também:
    - Adeus, adeus! Dá saudades minhas à andorinha, se por acaso a vires ainda!
    Nisto ouviu, acima da cabeça, um chilreio:
   - Quit-vit! Qui-vit!
     Olhou para cima e enxergou a sua andorinha, que ia passando e ficou muito contente de ver a menina. Contou-lhe esta quando lhe desagradava aquele casamento com o feio Toupa, porque teria de viver toda a vida debaixo da terra, em uma toca onde nunca entra o sol. E chorava ao narrar o seu infortúnio, de tão triste que estava.
    - Vem aí o inverno - disse a andorinha. - Voarei então para outras terras, mais quentes do que a nossa. Queres ir comigo? Posso levar-te às costas. Amarra-te bem com tua faixa e eu voarei para bem longe do feio noivo Toupeira e da sua toca sombria. Voaremos para longe...longe...por cima das altas montanhas; iremos pra uma terra onde o sol é muito mais brilhante do que aqui, onde o verão é eterno e onde vicejam as flores mais lindas do mundo. Voa comigo, minha querida Polegarzinha - tu, que me salvaste a vida, quando eu estava enregelada, naquela toca medonha!
      - Sim, irei contigo - disse a Polegarzinha.
      E aninhou-se nas costas da andorinha, apoiou os pés sobre as suas asas e amarrou o cinto em uma das penas mais fortes. A andorinha ergueu o voo, subiu muito alto, atravessou mares e florestas e passou por cima das mais altas montanhas, cobertas de neves perpétuas.Muito frio teria sentido a pequenina criatura se não se abrigasse bem debaixo das quentes penas da andorinha: só deixava de fora a cabecinha, para apreciar a paisagem magnífica que ficava lá em baixo.
     Chegaram afinal ao país quente, onde o sol brilhava com mais fulgor e o céu parecia duas vezes mais alto; lá se estendiam por montes e vales parreirais sem fim, carregados de cachos de lindas uvas, brancas e pretas, e bosques extensos de limoeiros e laranjeiras. Por toda a parte recendia o suave perfume do mirto e da erva-cidreira; e pelos caminhos corriam lindas crianças brincando com borboletas enormes e de cores brilhantes. mas a andorinha continuou o voo - e a  paisagem era cada vez mais bela . Chegaram afinal a um lugar onde se erguia magnífico palácio antigo, todo de mármore de brancura deslumbrante. Cercava-o um parque esplendido e a seus pés estendiam-se um lago de águas azuis. Nos altos pilares enroscavam-se os parreirais, em cuja densa ramaria viam-se muitos ninhos de andorinhas; em um deles morava a que trouxera a menina.
    - Aqui está a minha casa- disse ela. Não ficarás morando comigo, porque não tenho quartos em que possas viver comodamente. deves procurar uma das flores mais lindas no jardim. lá embaixo, e eu te colocarei sobre ela; serás então feliz.
     - Como isto aqui é lindo! - gritou a menina,batendo palmas de contente.
     Estendida no chão estava uma coluna de mármore, partida em três pedaços; entre eles cresciam as flores mais belas que a Polegarzinha já vira na vida; grandes e alvíssimas. A andorinha desceu com a menina e pousou-a sobre uma das grandes pétalas de uma delas . Mas que surpresa! Ali estava já um anãozinho, um pequenina donzel do tamanho de meninazinha, branco e transparente como cristal. Estava sentando no centro da flor; cingia-lhe a cabecinha um coroa lindíssima, toda de ouro, e adornavam-lhe os ombros duas asas delicadas. Era o espírito da flor. Em cada cálice morava um casalzinho de anjos assim, mas aquele era o rei do povinho maravilhoso.
     _ Como é belo! - suspirou a Polegarzinha ao ouvido da andorinha.
      O  princepezinho assustou-se ao avistar o enorme pássaro - um gigante ao pé dele - mas ao enxergar a meninazinha, ficou encantado, pois nunca vira nenhuma assim tão linda. Tão enamorado ficou, que tirou da cabeça a sua coroa e colocou-a na dela; perguntou-lhe como se chamava, e se queria casar com ele e ser a rainha de todas as flores. Era  na verdade um pretendente muito diferente do filho do sapo ou do mestre Toupa, com sua rica peliça! Por isso mesmo ela foi logo dizendo "sim" ao  pedido do principezinho. Imediatamente começaram a aparecer damas e cavalheiros - todos tão pequeninos como os noivos - que saíam do cálice das flores; estavam tão bem vestidos e eram tão formosos que a gente não se cansava de olhá-los. Cada um ofereceu um presente  à Polegarzinha; mas o melhor de todos foi um par de asas muito lindas, como as de uma grande  borboleta branca. Quando foram ajustadas aos ombros da menina, ela também pode voar de flor em flor. Grande era  a alegria em todo o jardim. A andorinha, pousada no ninho, foi convidada a cantar um hino de esponsais, ela cantou o melhor que pode, porque estava triste, no fundo do coração: desejaria poder viver sempre com a Polegarzinha e agora teria de separar-se dela.
    Então os espíritos das flores disseram;
    - Não te chamarás mais polegarzinha; esse nome não  não é bonito e tu és linda...Nós  agora te chamaremos Maia.
    - Adeus, adeus! - dizia a  andorinha, como o coração cheio de tristeza, quando levantou voo outra vez, para retornar ao seu país.
     Deixou as terras quentes e lá se foi.
     De chegada, armou um ninhozinho perto da janela, na casa onde mora o homem que escreveu esta história. E contou-lhe tudo:
    - Qui-vit! Qui-vit! Qui-vit!
     E foi assim que chegou até nossos ouvidos toda esta narrativa.
 FIM!















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