segunda-feira, 21 de março de 2016

AS VELAS - CONTOS DE ANDERSEN

Era uma vez uma grande vela de cera, que conhecia perfeitamente seu próprio valor.
    - Nasci de cera - dizia ela - e fui fundida em um molde. Dou melhor luz mais tempo que as outras velas. Meu lugar é no lustre ou no castiçal de prata.
    - Que vida esplêndida! - disse a vela de sebo.- Eu sou de sebo - uma simples vela escorrida, mas tenho um consolo: valho um pouco mais que a vela de tostão, que só foi mergulhada no sebo oito vezes. para ficar de uma grossura conveniente. Ora, isso me basta! Não há dúvida  que pode mesmo escolher o seu lugar neste mundo... As velas de cera vão para o salão, são postas no lustre de cristal enquanto eu fico na cozinha. Mas ora... afinal a cozinha é também um bom lugar: não é de lá que sai toda a alimentação da casa?
     - Mas há coisa mais importante do que o alimento - retrucou a vela de cera. É a vida social! Ver os outros brilharem, enquanto a gente mesmo está resplandecendo! Esta noite vai haver um baile na casa, e daqui a pouco virão buscar-me - a mim e a toda a minha gente.
        Mal acabara de dizer essa palavras, vieram mesmo buscar as velas de cera; mas também levaram a de sebo. A própria senhora tomou-a nas mãos delicadas e levou-a para a cozinha. Lá estava um menino com uma cesta, que encheram de batatas; puseram nela também algumas maças. A bondosa dama deu tudo aquilo ao menino pobre:
   - Toma também esta vela, meu menino. Tua mãe fica a trabalhar até altas horas; a vela lhe poderá se útil.
   A filhinha da casa, que estava ao pé da mãe, disse, radiante de alegria:
  - Eu também vou ficar acordada até altas horas! Temos um baile hoje e eu vou levar no vestido compridas fitas vermelhas.
   E que luz lhe iluminava o rosto! Que alegria! Nenhuma vela de cera pode resplandecer como os olhos de uma criança!
    E a vela de sebo pensava consigo:
   - Que coisa magnifica!" Nunca me hei de esquecer disto - e nunca mais tornarei a ver coisa semelhante!
    Meteram-na na cesta, fecharam a tampa e o menino carregou tudo para casa.
    - Quem sabe onde irei agora!... Meu destino é ir para casa de gente pobre. Talvez nem me deem sequer um castiçal de latão - enquanto a vela de cera lá está, rodeadas de prata, e vendo só gente fina...Como há de ser lindo espalhar luz para gente distinta!Mas minha sorte é ser de sebo e não de cera!
    E a vela chegou à casa da gente pobre: uma viúva e três filhos, que moravam num quartinho muito baixo, bem defronte ao palacete.
   - Deus abençoe a bondosa senhora pelo seu presente! - disse a mãe. - Uma vela esplêndida, que pode ficar acesa até altas horas da noite!
    E acendeu a vela.
    - Apre! - disse ela. - Que mau cheiro deitou esse fósforo com que ela me acendeu! Lá no palacete ninguém se atreverá certamente  oferecer coisa semelhante a uma vela de cera!
    Lá também tinham acendido as velas, que derramavam luz para a rua. Vinham chegando, todas sacolejantes, as carruagens que traziam os convidados, vestidos de gala; e a música retinia.
   - Lá começa a festa - pensou a vela de sebo.
    E, lembrando-se do rosto radiante da meninazinha, que brilhava ainda mais que todas as velas de cera, repetiu:
    - Nunca mais tornarei a ver uma coisa assim!
    Naquele instante entrou a filhinha menor da casa pobre. Abraçou os irmãos, dizendo que tinha uma notícia muito importante- tão importante que só podia comunicá-la em segredo. E cochichou:
   - Imaginem! Hoje vamos comer batatas assadas!
    E o seu rosto irradiava de tanta felicidade. A vela desprendeu mais brilho e viu uma alegria tão grande como a que presenciara no palacete, quando a menina rica disse:
    - Hoje há um baile em casa e vou usar um vestido com compridas fitas vermelhas!
    - Será então uma felicidade tão extraordinária comer batatas assadas? Porque noto que aqui, pelo menos entre as crianças, reina a mesma alegria que lá...
    Nisto deu um espirro- isto é, respingou, pois  a vela de sebo não pode fazer mais que isso.
    Puseram a mesa e comeram as batatas. Que saborosas! Foi um verdadeiro festim; depois cada criança recebeu uma maça. E a menor recitou:
          " Graças Te dou, Pai do Céu,
                  Por este alimento,
            Que nos deu Tua bondade,
                 Pra nosso sustento.
                         Amém!
 - Mamãe, mamãe! Não recitei bem os versinhos?
  - Não é nisso que deves pensar, filhinha: lembra-te somente do bom Deus,  que te deu o que comer.
   Depois as crianças foram para a cama,e, com um beijo da mãe, adormeceram logo.
  A senhora ali ficou sentada , a coser, até altas horas da noite: precisava ganhar com que comprar o sustento para si e para as crianças.
  Do palacete, lá do outro lado da rua, vinham os sons da música e o brilho das velas. As estrelas cintilavam acima de todas as casas, das da gente rica e das da gente pobre, luzindo com fulgor igual, com igual simpatia.
    - Afinal, a noite foi bem agradável - declarou a vela de sebo. - Acaso as velas de cera, lá no castiçal de prata, terão tido momentos melhores? Gostaria bem de sabê-lo antes de me extinguir...
     Pensava nas duas crianças, igualmente felizes, uma - a meninazinha iluminada pelas velas de cera; a outra - radiante à luz da vela de sebo...
    E acabou-se a história.
FIM


Um comentário: