quarta-feira, 6 de setembro de 2017

A ROUPA NOVA DO IMPERADOR - CONTOS DE ANDERSEN



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       Houve, há muitos anos, um imperador que não pensava senão em vestir roupas novas, e gastava tudo o que tinha em panos finíssimos. Não se importava com o exército, nem com o teatro; mas passar as suas tropas em revista, ouvir uma peça de teatro, ou dar um passeio de carro - tudo para ele eram pretexto para estrear novos trajes. Tinha uma casaca para cada hora do dia; e assim como se diz de um rei:" Está na sala do Conselho". O que se dizia dele era:" O imperador está no seu toucador." A grande cidade em que ele vivia era muito alegre e movimentada; todos os dias chegavam forasteiros. Um dia apresentaram-se dois malandros, dizendo que eram tecelões, e declararam que podiam tecer a tela mais fina que se possa imaginar. E não só as cores e os padrões eram de beleza fora do comum, mas - diziam eles- as roupas feitas daquele tecido tinham uma virtude extraordinária: tornavam-se invisíveis para toda e qualquer pessoa que ocupasse um cargo de que não entendia, ou que fosse irremediavelmente estúpida.
   - Mas seria uma roupa admirável! - pensou o imperador. - Usando-a, eu posso descobrir os homens do meu império que ocupam cargos imerecidamente, e posso distinguir os sábios dos tolos. É assombroso! Preciso de uma roupa desse tecido imediatamente!
   Deu, pois, aos dois meliantes, grande soma de dinheiro, para que se pusessem sem tardança ao trabalho. Os dois tecelões instalaram-se com seus teares, e fingiam-se muito atarefados. Pediam dinheiro, e mais dinheiro, para comparar a seda mais fina, o ouro mais precioso, e metiam tudo no bolso; punham-se então a fingir que trabalhavam com empenho nos seus teares, nos quais, entretanto não havia nada, nada! E assim entravam pela noite adentro,
   - Ora, eu gostaria bem de saber em que pé vai o meu vestuário - disse consigo o imperador.
   Mas imediatamente acudiu-lhe à lembrança que quem não fosse apto para o cargo que exercia não podia ver o tecido, e sentiu-se muito inquieto. Não que receasse não ver o pano, não! Por sua parte nada temia. Contudo, pareceu-lhe mais prudente, pelo sim, pelo não, mandar que um outro fosse lá ver como ia o trabalho. Todos na cidade sabiam que o tecido possuía aquela estranha propriedade; e cada um estava ansioso por ver até que ponto ia a inépcia ou a estupidez do vizinho.
    - Vou mandar meu honrado primeiro ministro - disse consigo. - Poderá julgar da qualidade do pano, porque é inteligente, e ninguém desempenha melhor seu ofício do que ele.
   E o bom velho ministro lá foi ter à sala onde dois cavalheiros de indústria manejavam os teares vazios.
   - Louvado seja Deus! - disse consigo o velho ministro, arregalando os olhos. - Não vejo nada!
   É claro, porém, que não o confessou.
   Pediram-lhe os dois meliantes que chegasse mais perto, e desse sua opinião para os teares vazios. O coitado do ministro continuava a arregalar os olhos: não via nada, nada , porque nada havia ali, naturalmente.
   - Misericórdia! - pensava lá consigo o velho servidor. - Serei assim tão estúpido? Sou pois indigno do meu cargo? Nunca imaginei tal coisa! E agora...não! Ninguém há de saber que não vejo o tecido!
   E um dos tecelões, vendo que ele sacudia a cabeça peguntou:
   - Então, senhor! Não diz nada a respeito do tecido?
   - E ...é muito lindo...é um encanto! - disse então o velho ministro, examinando o tear através dos vidros dos óculos. - O desenho é muito bonito, e...que cores! Sim, vou dizer ao imperador que estou encantado com o que vi.
   - Estimamos muito que lhe agrade - disseram logo ambos os tecedores.
   E iam indicando as cores, e explicando o estranho desenho. O velho ministro ouvi-os atentamente, para poder repetir aquelas minúcias ao imperador. E assim foi.
    Os patifes pediram então mais dinheiro, para comprar seda e ouro. Meteram tudo no bolso e o tear continuava sem um fio - mas eles continuavam a trabalhar. Alguns dias depois despachou o imperador outro cortesão, para examinar o trabalho e ver se faltava ainda muito para estar pronto. E, como acontecera ao primeiro ministro, aquele nada enxergava no tear, onde nada havia, de fato.
   - Não lhe agrada ? - perguntaram os homens, gabando e mostrando as belas cores, que lá não existiam.
   - Não! Eu não sou estúpido! - pensava consigo o cortesão. - Deve ser então o meu cargo, para o qual não tenho competência...Um cargo tão lucrativo...É absurdo, e hei de me guardar bem de confessá-lo!
    E elogiou o tecido, que não existia, e louvou as cores que não via, e o belo desenho, e tudo. E foi dizer ao imperador que o tecido era encantador.
  Na cidade não se falava em outra coisa mais que na famosa fazenda, e próprio imperador desejou vê-la enquanto ainda estava no bastidor. E, com uma grande e escolhida comitiva - iam também os dois conselheiros velhos que já lá tinham estado - foi ver os dois finórios, que trabalhavam agora com o maior empenho, mas sem fio algum.
    - Não é magnífico? - perguntaram os dois cortesãos que já tinham ido ver a tela. - Veja Vossa Majestade estas cores, estes desenhos!
   E iam apontando para a moldura vazia do tear, julgando que os demais viam o pano.
   - Mas...que é isso? - pensava o imperador. - Não vejo nada, nada! Mas é horrível! Sou estúpido? Ou...serei indigno do meu império? Isso seria a coisa mais espantosa! 
   Afinal disse em voz alta:
   - Sim, é muito lindo! Merece meu maior louvor.
    E curvou-se, muito satisfeito, ao que parecia examinando com a maior atenção o tear vazio, para que não soubessem que nada via nele. E todos os do seu séquito olhavam, e olhavam, senão viam mais que o imperador e os cortesãos. Mas todos diziam:
   - É lindo, lindo!
    E aconselharam-no a estrear aquele traje em uma procissão solene que se realizaria em breve. E todos repetiam em coro:
   - Esplêndido! Excelente! Magnífico!
   E todo o mundo estava muito contente. e o imperador concedeu aos dois intrujões o título de Tecelões da Corte Imperial, com uma comenda.
   Na véspera do dia designado para a procissão, trabalharam os dois patifes a noite inteira, com mais de dezesseis lâmpadas acesas. E todo o mundo via que assim se afadigavam para que o o traje novo do imperador estivesse pronto na hora precisa. Fingiram que tiravam a tela do tear; deram cortes no ar com tesouras enormes; coseram horas e horas, com agulhas sem fio; e afinal disseram: 
   - O traje novo do imperador está à disposição de Sua Majestade!
    Chegou o imperador, acompanhado de seus mais nobres cavalheiros, e os dois embusteiros erguiam ora um braço, ora outro, e diziam:
   - Vejam!  Aqui estão os calções...aqui está a casaca! Aqui está o manto! São tão finos, tão leves, como teias de aranha. E caem como se a gente não tivesse nada no corpo. mas aí é que está mesmo a beleza do tecido!
   - Sem dúvida! - diziam os cortesãos.
  Contudo não podiam ver nada, onde nada havia, na verdade.
   - digne-se Vossa Majestade tirar as roupas que traz - disseram os trapaceiros. - Nós teremos a honra de vestir Vossa Majestade com no novo traje, aqui diante do espelho grande.
   Tirou o imperador a roupa, e os patifes fingiram vestir-lhe a roupa nova, peça por peça; e ele se virava, olhando-se diante do espelho. E todos diziam:
   _ Que bonito! E como assenta bem!
   - E que desenho!
  - E as cores?! É um traje esplêndido!
   - Magnífico!
   - Maravilhoso!
   - Lá fora, já está o pálio, sob o qual Vossa Majestade acompanhrá a procissão - informou o mestre-de-cerimônias.
   - Estou pronto- disse o imperador. - Não me assenta bem, isto?
     E voltou-se outra vez para se ver no espelho, aparentando assim que examinava a roupa com grande interesse.
   Os dois camaristas que deviam segurar-lhe o manto curvaram-se até o chão, como se estivessem erguendo a cuda; e do mesmo modo continuaram a fingir que sustinham alguma coisa no ar; não queriam mostrar que nada viam.
   E assim seguiu o imperador na procissão, debaixo do rico pálio; e todos os que o viam da rua ou das janelas exclamavam:
   - Que roupa admirável leva o imperador!
   - E a cauda do manto! Que comprida!
   - E como lhe assenta bem, tudo aquilo!
   É que ninguém queria mostrar que não via coisa alguma: ninguém queria mostrar que era estúpido, ou que não estava habilitado para exercer o cargo que tinha. E o caso é que traje algum do imperador provocara jamais tantos louvores!
   - Mas ele está nu! - gritou afinal uma meninazinha.
   - Justos céus! Ouviram o que diz esta criança inocente? - perguntou o pai da menina.
   E foram todos dizendo, em cochilos, uns aos outros. o que dissera a criança.
   - Mas ele está nu!- diziam. - Uma criança diz que ele está nu!
   E afinal acabaram todos por dizer:
   - Está nu! Está nu!
    Aquilo chegou aos ouvidos do imperador, que teve um arrepio. mas lá no seu íntimo resolveu:
    - Agora, que aqui estamos, não devo voltar atrás.
   E empertigou-se mais ainda, e os camareiros se retesaram mais um pouco, e continuaram a andar, segurando com mais força a cauda do manto que não existia.
FIM

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