sábado, 12 de dezembro de 2015

A MARGARIDA - CONTOS DE ANDERSEN

     Escuta  a minha história!
     Lá no campo, à beira da estrada, há um chalezinho de veraneio; e sabes que na frente do chalé fica o jardinzinho, cheio de flores. fechado por uma  cerquinha de sarrafos brancos, não é? Pois em um montículo de terra, fora da cerquinha, no meio da grama verde e fresca, nasceu uma margarida. O sol espalhava seus raios quentes e brilhantes por igual sobre as grandes e esplêndidas flores do jardim e sobre a margarida, e por isso ela cresceu rapidamente; e foi assim que uma manhã estava completamente desabrochada, com suas delicadas pétala alvas e lustrosas, que cercavam o pequenino sol amarelo do centro.
    Nunca a florzinha se lembrou de que ninguém a via, assim escondida no meio da relva; vivia contente. Voltava-se para o sol que a aquecia, olhava para ele, e ouvia o rouxinol que cantava no ar.
   A margarida sentia-se tão feliz como se fosse um dia de grande festa, e contudo era apenas segunda-feira. Todas as crianças estavam na escola; e enquanto lá estavam, sentadas nos bancos, aprendendo as lições, a florzinha, na sua haste verde, aprendia com o sol ardente e com tudo o que rodeava, como Deus é bom.
     Entretanto o pequenino rouxinol exprimia clara e lindamente tudo o que ela sentia em silêncio! E a flor olhava para cima com uma espécie de respeito para  o feliz passarinho, que podia voar e cantar. Não se entristecia de não poder fazer o mesmo, porque pensava:
     - Poso  ver e ouvir; o sol brilha e me aquece , e o vento me beija. Oh! Sou abençoada com tamanha riqueza!
       Lá dentro do jardim cercado erguiam-se algumas flores grandes e de haste rígida; e quanto menos fragrância, mais orgulhosas eram! As peônias enchiam-se de vento, para ver se ficavam maiores do que as rosas. As tulipas ostentavam as cores mais alegres de todas; e, como sabiam disso, erguiam-se direitas como velas, para serem bem vistas de todos. Nem sequer sabiam da existência da florzinha que viva fora do cercado, e que olhava sempre para elas, dizendo consigo:
      - Como são lindas! E ricas! Sim, aquele nobre passarinho certamente vai descer para vê-las. Como sou feliz por viver tão perto delas e poder ver tanta beleza!
       Justamente nesse momento ouviu-se um ruído que vinha do alto.
       E o rouxinol voou para o chão; contudo não procurou as peônias e tulipas; não, ele voou para a humilde margaridinha da grama, que até se assustou, de pura alegria. Não sabia o que havia de pensar daquilo, de tão surpreendida.
        O passarinho ia saltando em roda dela e cantando:
         - Oh! Que relva macia! E que linda florzinha, com o coração de ouro e toda vestida de prata!
       Porque o centro amarelo da margarida parecia mesmo de ouro, e as pequeninas pétalas que o cercavam brilhavam como alva prata.
        E que feliz era ela! Ninguém pode imaginar como era feliz. O passarinho beijou-a com o bico, cantou para ela, e depois tornou a subir para o céu azul. E passou-se um quarto de hora inteirinho , antes que a flor se recobrasse. Meio vexada , e ainda cheia de felicidade, olhou para as outras flores, as do jardim; certamente tinham visto a honra e a felicidade que lhe tinham sido conferidas, e deviam saber como se sentia feliz. Ma as tulipas esticavam-se , com o dobro da rigidez anterior, e tinham as faces vermelhas de raiva. Quanto às broncas peônias, era bom, na verdade , que não pudessem falar, porque senão a pequenina margarida não havia de ouvir coisas muito agradáveis. Bem via a pobre florzinha que estavam todas de mau humor e isso muito afingiu.
      Logo depois entrou no jardim uma menina, trazendo uma faca brilhante e aguçada; foi para as tulipas e cortou-as, uma  por uma.
     - Ai! Que coisa horrível! - suspirou a margarida; agora para elas está tudo acabado!
     A menina foi embora, levando as tulipas. E a margarida ficou muito alegre de ter nascido na grama , fora do cercado, e de ser uma florzinha desprezada! Sentia-se realmente grata por isso; e quando o sol e escondeu no poente, dobrou as pétalas e adormeceu, e sonhou toda noite com o sol e com o lindo passarinho.
      No outro dia, quando a nossa pequenina flor, fresca e cheia de alegria, tornou a abrir suas brancas pétalas para o sol brilhante e o claro ar azulado, ouviu a voz do passarinho; mas seu canto era triste, E o pobre rouxinol tinha razão para estar triste: fora apanhado em um laço e posto em uma gaiola perto da janela aberta. Ele cantava, cantava as alegrias do voo livre e ilimitado; cantava a beleza do trigo novo nos campos e o prazer de alçar-se no espaço sem fim. O pobre passarinho era certamente muito infeliz . - prisioneiro naquela gaiolinha estreita!
     Bem quisera- e com que vontade! - a pequenina margarida ajudá-lo, mas que podia ela fazer? Não o sabia , não: mas esqueceu imediatamente como tudo era lindo ao redor dela, como o sol brilhava, e esqueceu-se até da alvura e beleza de suas pétalas. Ela só pensava agora no passarinho prisioneiro, ao qual não podia auxiliar de modo algum.
     Saíram do jardim dois meninozinhos; um trazia na mão uma faca, aquela com que a menina tinha cortado as tulipas. Foram direto à pequenina margarida, que não podia imaginar o que pretendiam fazer. E um deles disse:
     - Aqui podemos cortar um lindo torrão para o rouxinol.
       E começou a cortar ao redor da margarida, deixando-a no centro do torrão.
       - Arranca a flor - disse o outro.
        A margaridinha estremeceu de medo, porque sabia que se fosse arrancada morreria, e desejava tanto viver, pois que ia ser posta dentro da gaiola do rouxinol.
       -  Não, deixa-a aí! - disse o primeiro. - É tão bonita!
        E assim foi: deixaram-na ali, e posta dentro da gaiola.
         Mas o pobre passarinho lamentava a perda da liberdade, batendo as asas contra os arames da gaiola; e a florzinha não podia falar- não podia  dizer uma só palavra de conforto, como tanto desejava...E assim se passou toda a manhã.
       - Não há água aqui! - gemia o rouxinol cativo; foram embora e esqueceram-se de mim; nem uma só gota de água para beber! Tenho a garganta seca e ardente! Tenho fogo e gelo dentro do corpo! E não posso respirar!" Ai! Vou morrer! Tenho de deixar o calor do sol, as frescas árvores verdes, todas as lindas coisas que Deus criou!    
      Meteu o bico na relva fresca, para se refrescar um pouco... e então avistou a margarida; cumprimentou-a, beijou-a com o biquinho e disse-lhe:
      - Tu também, tu também, pobre florzinha, vais murchar e secar aqui! Cada talinho, cada folhinha de  relva, há de ser para mim como uma árvore verde, e cada uma das tuas pétalas brancas, como uma flor perfumada! Mas ah! Tu me avivas ainda mais a recordação do que perdi!
       - Se eu pudesse consolá-lo! - pensava a margarida.
       Contudo não podia mover uma pétala... mas o passarinho notou a sua dedicação e , ainda que tivesse despedaçado as folhinhas de relva, na angústia da sede, não tocou na flor.
          Chegou a hora do crepúsculo, mas ninguém trouxe para o pobre passarinho uma gota d'Água ; ele distendia as lindas asas, batendo-as convulsivamente ; seu canto era um gemido lamentoso; a cabecinha inclinou-se para a flor, e seu coraçãozinho despedaçou-se de sede e de angústia. Agora a flor não podia, como fizera na véspera, fechar as pétalas para dormir: triste e aflita, prendeu para o chão.
     Os meninos só apareceram na manhã  seguinte; e quando acharam o passarinho morto, choraram muitas lágrimas. Cavaram um pequenino túmulo, que adornaram de pétalas de flores; meteram o cadáver em uma caixinha vermelha, muito linda - e foi um enterro principesco, o enterro do pobre passarinho!
      Enquanto ele ainda vivia e cantava, esqueceram-no deixaram-no padecer na sua gaiola- e agora, que estava morto, cobriam-no de enfeites e de lágrimas.
      Mas o torrão de terra com a margarida, esse foi atirado à estrada: ninguém se lembrou daquela que mais lamentara a sorte do pobre rouxinol e que tanto desejara consolá-lo.
 

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