A candeia lançava sobre os jogadores uma luz amarelada muito trêmula, e fumaça, levada para todos os lados pelo vento agudo que passava, tinha um cheiro atordoador de mamono ainda verde. Ao redor da mesa de jacanrandá, que a velhice deixara bamba e toda negra, viam-se Antonio Cuba e o Venceslau, o Craro e o Chico Prequeté, cada qual mais tupina e mais prosa no truque. O Antônio Cuba, dono da casa, dizia, a cada passo, que até sentia vexame de dar sova tão grande, como ia dar, no Prequeté e no Craro, mas que, enfim, quem entra na chuva é para se molhar. E o Prequeté, seco na paçoca para um falseio, roncador que nem coi-coi, respondia-lhe, muito sério. que quem vai dar leva saco.
Antes de começar a primeira mão, o Cuba, gritou à filha, a Ismena( aquilo é que era caboclinha linda!)
- Traga uma luz aqui, minha filha, aquela da garrafa branca! Sinão esta gente desconfia duma vez comigo, que nunca mais me deixa estribar!
Veio a pinga, uma pinga zangada, de trazer água aos olhos e um pigarro teimoso à garganta. E, enquanto a Ismane acendia o fogo para o café e a queimada, correu-se a primeira mão. Não houve coisa de maior: O Craro e o Petrequé ganharam ao empate, com jeito frio, sem uma palavra ao menos.
Mas já na segunda mão principiou o calor, dizendo o Venceslau:
- Ora, o premeiro milho é dos pinto....
- É dos pinto? - perguntou o Prequeté. Pode ser também dos galo!
A vaza foi do Cuba, que matou um três com a sete-ouros.
- Eu sou pé, e não sou qualquer! Agora, aguente o repuxo, parceiro!
Na outra vaza, apareceu logo um dois do Prequeté:
- Eu sou todo seu: " tou-lhe ajudando já, seu Cravo!
Mas o Venceslau cortou o dois de golpe:
- Aqui não passa cachorro magro!
O Craro bradou entusiasmado para o Cuba:
- Componha a sua casa. pra mim dar uma diligência!
O Cuba, entretanto, prudenciou:
- Bamos, embora, Venceslau? Trucar de falso, chamar com elas!
O Cuba foi mão. E enchouriçou o pescoço:
- Vocês já tenham a primeira e a segunda, e tão ganjentos, não é? Pois eu vou acabar com seu gaz de repente! Lá vou eu, seu Chico, e vou tinindo! Reboco de igreja velha! Esteiro de bexiguento! Espirro de lambari! Já tá c'a pacuera batendo?
O Prequeté afastou o banco:
- Ué! "tou esperando o baque! Si você tiver corage" e não quiser topar c'a ronda, fale! Bamo ver quem é que tem mais peito!
- Pois antão truco mesmo!
- Caia!
A carta do Cuba era a espadilha. E o Prequeté ergueu-se, bateu o chapéu na testa, arrastou os pés no assoalho, fez um barulhão:
- Você já sai de coiração-de-negra, e bufa de mão, só p'ra abichornar a gente? Antão é tudo ou nada: "tava seca amanilha, seo poaia? Ora, vá com seis!
- Agora é lá p'ra diante - disse o Cuba. Eu fui adonde vão os bom, p'r'além não psoso! Como é, companheiro, você quer ver os home' inda mais de perto?
O Venceslau afiançou que o Chico era baixo oara estourar a espadilha:
- Home, quer saber o que mais? Eu, por mim, chamava.
- Se o meu parceiro chama, eu não deschamo - concluiu o Cuba: derrube essa frieza de carta!
Era uma sota! Mas o Cuba e o Venceslau ficaram meio murchos, porque a sota do Craro era guia de sete-copas no corte passado. E não houve picança, tudo foi na ordem: só se tivesse acontecido algum extravio não se achariam mais juntos aqueles dois perigos. O Venceslau pôs na mesa uma carta branca, a do Prequeté foi um às vermelho, e entrou precedida de licença. Cuba voltou com um seis, o Venceslau apertou o Prequeté com um dois, o Prequeté desceu um três, o Cuba cortou de rápete.
Houve uma flauta por parte dos contrários: - Aquele três " rancou tudo, não seo Cuba? E com que dor de coiração! Lá se foi tudo quanto Marta fiou! E o zápe" rompeu sem brado de arma!
O Venceslau, entretanto, afirmou de cabeça, levantada:
- Antão? Mostraram uma cara deste tamanho, não mostraram?
O primeiro jogo foi do Craro e do Prequeté. E o Cuba fez zombaria:
- Sri pinto come premeiro ire pode comer também o premeiro prato! Depois é que vocês vão ver que birimbau não é gaita!
O baralho estava com o Venceslau. que trançou as cartas e o entregou ao Craro. O Craro cortou se soco, mas uma carta desprendeu-se, virou de costas, apresentou à companha a cata barbuda do rei de paus. E o doador de cartas galhofou às direitas:
- Pingou, perdeu! Inda mais que você buliu certinho nas veneneira' toda Pode ajuntar a trouxa, que ali vem chuva! Eu inté nem quero ver as minhas; a mó' que já tou passando amão no rápe, e na ste-ouro', e o parceiro na sete-copa' e na espadilha!
O Chico Prequeté bateu um três com força, e ainda andou esfregando pelas mãos do Cuba, que pegou a rir-se;
- Ora venha onte! Isso não é chuva ´p'ra quem tem ponche!
Arrecolha esse três e jogue coisa que sirva!
- Você não pode co'ele; "tá fazendo grandeza à toa. Agora! Si você for gente, pise adiante desse três!
- Olhe que ue piso e piso bem!
- No fringir dos ovos é que se vê a manteiga que sobra.
- À vista dos autos truco! Adiante e atrás! Diga por que não quer!
O Craro disse de golpe:
- É bom.
E o Cuba apresentou a espadilha. Mas Craro ficou desaconchado, bem se lhe percebeu o encalistramento no modo por que falou ao Venceslau:
Seis adiaante!
O Venceslau arrastou um surrão danado:
- Seu Craro, não se atreva a ponhar cuca num home' sacudido que nem eu. Repare que eu sou pé e não sou de capim! P'r' amor de o desforo, quero mais três milho; vá com nove.
Mas os tentos eram de olho-de-cabra. O Prequeté mostrou coração alegre:
- Si fosse milho menso, eu chamava de tôpo, poque p'ra vocês dosi abasta o peito, não precisa carta. mas p'ra fazer pouco caudo ansim de nove sementes bonitas como esta, isso eu não faço.
O Venceslau convidou então o Cuba:
- Jorge p'ra mim, parceiro, que essa gentinha não presta.
E apontaram todas manilhas entre os dois, coisa que fez o Craro andar pelas turilhas e armar um perequê medonho:
- Otam caiçarada ruim! que p'ra jogar com dois são' e sarado'ver eu e o seu Chico tem que fazer potrinho, sinão perde na certeza! Vocês não tenham sangue na cara, taperada?
Tudo se acalmou em poucos instantes. O Craro deu as cartas, e o Venceslau não quis cortar o baralho, mandou apenas queimar três. O Cuba deu de cantar entredentes a moda do truque:
Zape matou sete-copa.
menina, falsi comigo na horta;
sete-copa' matou espadilha.
menina, falai comigo de dia;
espadilha matou sete-ouro;
menina, seus olhos parece' besouro;
sete-ouro' que mata um três; um três que mata um dois,
menina, falai comigo depois;
um dois que mata um às,
menina, comigo não fala mais.
O Craro zangou-se por em cheio:
- Quando acabar a cantoria, diga, que é p'ra entrar em lenha como boi ladrão!
Contraveio-lhe, porém, o Venceslau, casquinando uma risada de machucar.
- Apanhar? Quem? Qual é o caborjudo que bate em home's como eu e o Cuba? Na terra! Vocês podem falar, o fazer é que é nove! Eu inté nem quero outra vez olhar as carta; não olho mesmo. Saracura é bicho feio, tem cabelo até o joelho....
E o Truco de flor, o Venceslau.
Mas o Prequeté não esteve pelos autos, achou que era demais:
Só si você fez algum maço! Quando não, tá frito. Ora bamo, ver c'o que foi que você trucou!
O Venceslau ergueu as cartas da mesa, mostrou-as uma por uma; cinco, sete à toa, valete
- Parceiro dum anjo! desta vez eu 'tou que de louça nem um piré! Sou a sua vergonha, destavez.
O Cuba, entretanto, não quis entregar a rapadura com a palha e tudo:
- Agora deixe correr, que você não tá sozinho no mundo! Jogue a pior!
Preparou um pé de três e de zápete, fez o corpo mole, aceitou a chamada de seis, ganhou o jogo.
Mas, no desempate de queda, a sorte principiou a declarar-se pelo Prequeté e pelo Craro. Chamavam com qualquer carta, pouco trucavam, iam fazendo um jogo manso e razoável. E a cachaça passeava de um lado para outro, num toada. Quando já tinham nove tentos, o Venceslau fez um escacéu temeroso:
- Eu gosto que me esquentem premeiro, depois ou destemido mesmo, sou um teba sem rival; vou trucar nos tentos desses pamonhas. Truco, tapera, quem foge não espera! Eu corro atrás de quem corre!
O Prequeté pôs-lhe medo:
- Não vem não, laranja azeda, que eu te chupo!
E o Craro segundou a ameaça:
-Não chega não, cachaça braba, que eu te bebo!
Decidiram, porém, fugir:
- Nada! Nós 'tamo alto'!
Correu em silêncio a outra mão, e a décima inda.
Quando o Cuba, já meio tomado, perguntou:
- Home', em que mão estamo'?
O Craro respondeu-lhe, pegando no baralho:
- Nas onze, e o baralho na mão do bronze:
Deu cartas, consultou o parceiro, não mandaram. Os outros apenas tinham quatro tentos. E afinal ganharam a queda.
Ao romper da segunda queda, que também ganharam, o Antonio Cuba exclamou um tanto passado:
- Eu 'tou sentindo que você ' tá c'ua meia catinga de água, parceiro. ou sou eu que 'tou? Isto é a falta da queimada. Ismena, traga aqui a do gengibre, bem quente!
Não lhe deram resposta. Pediu segunda vez a queimada, quando ia jogar a terceira queda, e o mesmo silêncio continuou no interior da casa. Só então veio um compadre, dizer, meio choroso:
- Você não viu a hora, em que houve um tropel de cavalo aqui mesmo na porta? Foi o Maré Roxo que roubou a Ismana.
Todos ficaram assustados, porque Cuba era um caboclo brigão e sacudido: acercaram-se dele. Mas o Cuba tinha entrado por demais na branca, estava bem afiançado: levantou-se com os olhos muito arregalados e vermelhos, jogando o corpo, encanou as cartas, puxou-as até a um lado do peito e gritou furiosos:
- Pois já que 'tá tudo perdido mesmo, truco!
(Mixuangos)
- 1.transitivo diretodar, soltar (risada trocista)."casquinou uns risinhos de zombaria"
- 2.intransitivodisparar uma série de risadas."casquina sem parar quando ouve aquela piada
continua
Que contos Perfeitos:-)
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