sexta-feira, 18 de novembro de 2016

O VELHO DO SONO - CONTOS DE ANDERSEN




                                                     




   Não há ninguém no mundo que saiba tantas histórias como o Velho-do-Sono. E são histórias tão lindas, as que ele conta! De noite, quando as crianças estão ainda à mesa, muito quietinhas, ou sentadinhas em seus bancos, ele tira os sapatos e sobe a escada, muito devagar, abre a porta sem fazer barulho e sopra pó nos olhos delas. Vai então, sempre no maior silêncio, para trás das crianças e sopra-lhes na nuca, muito suavemente, para que elas não sintam. E imediatamente as crianças sentem a cabeça pesada! Mas isso não é para lhes fazer mal: o Velho-do-Sono só quer que fiquem bem quietinhas e que vão para a cama. Se não ficarem bem quietinhas ele não poderá contar as suas histórias.
   Quando elas dormem ele se senta aos pés da cama. Tem umas roupas muito alegre, mas ninguém pode dizer de que cor são: a seda dos seu casaco era é verde, ora vermelha, ora parece azul - é conforme bate nela a luz. Leva uma sombrinha debaixo de cada braço: uma é toda pintada e ele a abre sobre as crianças boas, para que tenham sonhos agradáveis a noite inteira; a outra não tem pintura nenhuma- é que ele abre por cima das crianças más, e essas dormem um sono pesado, e acordam de manhã sem ter sonhado nada, nada.
   Agora vou contar as histórias que o Velho-do-Sono contou a um menino chamado Hialmar; o velho visitou-o durante uma semana, todas as noites, e cada noite contou um conto diferente: são portanto sete casos.

        SEGUNDA-FEIRA

  - Escuta! - disse o Velho-do-Sono, assim que Hialmar se viu bem acomodado na sua cama. - Agora vou enfeitar todo o teu quarto.
   E enquanto ele estava falando as flores dos vasos foram ficando árvores enormes, e os galhos se estendiam pelas paredes, e subiam até o teto, de modo que o quarto parecia um lindo caramanchão. Os galhos estavam cheios de flores, mas lindas que as próprias rosas; e se a gente provava uma delas, achava-a mais doce que confeitos. Frutas brilhantes que nem ouro pendiam das árvores; e pudinzinhos, cheios de passas. Nunca se vira coisa semelhante! Mas, no meio de tudo aquilo, ouvia-se uma lamentação, que saía da gaveta da mesa onde Hialmar guardava os livros da escola.
  - Que será isto? - disse o Velho-do-Sono, indo abrir a gaveta.
   Era a ardósia a causa daquela balbúrdia. Havia um algarismo errado na soma, e apedra parecia querer desconjuntar-se toda; enquanto isso, o lápis dava pulos e estirava o barbante que o prendia à ardósia, como um cachorrinho para ver se corrigia a soma; e não o conseguia. Mas adiante estava o caderno, de onde saíam também lamentos e queixas doloridas: no começo de cada linha havia uma letra maiúscula e outra minúscula, para serem copiada. Adiante delas viam-se outras letras que pretendiam imitar aquelas. Tinham sido escritas por Hialmar; mas pareciam ter caído deitadas sobre a s linhas, em vez de me se manterem de pé, como as do modelo.
    - Olhem para nós - diziam as do modelo - É assim que devem manter-se: um pouco inclinada...assim...e com uma voltinha.
   - Bem o quiséramos - diziam as letras de Hialmar - mas não  podemos; estamos muito malfeitas.
   - É que vocês estão precisando do pó das crianças - disse o Velho-do-Sono.
  - Não, não! - gritaram as letras, erguendo-se  e ficando direitas que dava gosto.
   - Bem, por hoje não posso mais contar histórias - disse o Velho-do-Sono. - Tenho de ensinar estas letras - direita, esquerda! direita, esquerda!
  E ele exercitou as letras, até que ficaram tão direitas, tão perfeitas, como só se veem nos modelos de caligrafia.
   Mas, depois que ele foi embora...Oh! no dia seguinte, quando Hialmar olhou para elas...que horríveis! Estavam tão malfeitas como antes.
              TERÇA-FEIRA
    Assim que Hialmar foi para cama, o Velho-do-Sono tocou com a sua varinha de condão todas as peças da mobília do quarto; imediatamente elas começaram a falar. Falavam todos de si próprios, menos a cuspideira, que ficou calada, e muito escandalizada da vaidade dos que só se ocupavam de si, sem pensar nela, que ali estava, tão modesta, em um cantinho, e até suportava que lhe cuspissem em cima!  Sobre a comoda estava pendurado um quadro de moldura dourada; era uma paisagem onde se viam grandes árvores, relva matizada de flores, e um rio que atravessava o mato e passava em frente de um velho castelo antes de se ir lançar no mar.
    O Velho-do-Sono tocou o quadro com sua varinha mágica e imediatamente os passarinhos começaram a cantar, os galhos das árvores moveram-se, balançando à brisa, e as nuvens flutuavam no céu, projetando sombra sobre a paisagem.
   Então o Velho-do-Sono pegou em Hialmar e colocou-o na beira da moldura; o menino sentou-se nela, com as pernas para dentro do quadro, depois se pôs a correr na grama. O sol inundava tudo de luz, através da folhagem. O menino foi até a beira do rio e entrou em um barco pintado de vermelho e branco, com velas prateadas ; seis cisnes, de colar de ouro, passando junto de um verde bosque, cujas árvores estavam contando casos de ladrões e de feiticeiras, enquanto as flores narravam histórias de lindas fadas pequeninas, e coisas que as borboletas lhes contavam.
   Iam nadando atrás do bote peixes lindíssimos, de escamas de ouro e de prata; de vez em quando um deles dava um  salto na água, que esborrifava a cabeça de Hialmar. Pássaros vermelhos e azuis, grande e pequenos, voavam acompanhando o bote, em duas longas filas; os mosquitos dançavam formando pequenas nuvens,e  os moscados zumbiam. Queriam todos seguir Hialmar, e todos tinham coisa para lhe contar.
   Era um passeio encantador! O bosque ora parecia denso e sombrio, ora se mostrava florido e iluminado pelo sol. Por ente as árvores erguiam-se grandes palácios de cristal ou de mármore, em cujos balcões se debruçavam princesas, todas elas conhecidas de Hialmar, pois eram crianças com quem tinha brincado muitas vezes. Estendiam-lhe as  mãos, oferecendo-lhe figurinhas de açúcar, com a gente vê nas confeitarias. E eram lindas! Hialmar pegou na ponta de um  daqueles doces quando ia passando, mas a princesa ficou sempre segurando  





na outra ponta, e como ele ia navegando, o doce se partiu, ficando um pedaço na mão da princesa, outro - o maior na mão dele. Em todos os castelo erguidos meninas montando guarda, com as espada s erguidas atiravam-lhe passas e soldadinhos de chumbo. Eram princesas de verdade! Hialmar navegava ora pelo meio dos bosques, ora por dentro de grandes salões, ora pelas ruas de uma cidade. E foi assim que atravessou a cidade onde vivia sua amada, aquela o que trouxera nos braços durante tanto tempo, e que muito o amava. Ao vê-lo passar, ela abanou-lhe a mãos, fez muitos cumprimentos, e cantou os lindos versos que lhe mandara, e que ela mesmo tinha composto:
      " Em ti pensando, Hialmar, passo as horas
       Recordo quando eras pequenino,
       E eu me curvava para o teu bercinho,
       Beijando-te nas faces, meu menino!

        Meus foram teus primeiros balbucios;
        Hoje te envio este saudoso adeus,
        Pedindo que o Senhor sempre te guarde
         Para que alcances teu lugar nos céus!"

     E todos os passarinhos cantavam com ela, as flores dançavam nas hastes e as velhas árvores sacudiam a fronde, porque o Velho-do-Sono contava suas histórias para eles também.

                QUARTA-FEIRA

         Como chovia! Hialmar ouvia o barulho da chuva mesmo dormindo, e quando o Velho-do-Sono abriu a janela, a água já estava tocando o peitoril: havia um verdadeiro lago em frente à casa, e nele se via um lindo barco.
    - Queres embarcar comigo, pequeno Hialmar?- perguntou o Velho-do-Sono. - Visitaremos esta noite terras estrangeiras, e amanhã cedo estaremos de volta.
    E no mesmo instante Hialmar, trajando sua roupa domingueira, estava a bordo do navio.
    Já tinha cessado a chuva, e o tempo agora era claro; navegavam rua abaixo, passaram pela igreja, e já estavam flutuando sobre o mar imenso. Não tardou que perdessem de vista a cidade e a terra; só avistavam um bando de cegonhas que vinham do país de Hialmar, e iam em busca de outra terra mais quente. Voavam uma atrás da outra, em fila, e já tinham deixado a terra muito para trás. Uma delas, porém, estava tão fraca, que as asas mal podiam sustê-la; vinha no fim da fila, e distanciava-se pouco a pouco das outras. Por fim foi baixando o voo, de asas distendidas; ainda tentou continuar a movê-las, mas em vão: elas tocaram a cordoagem do navio, a ave foi deslizando pela vela, e zaz! caiu no convés.
    Apanhou-a então o grumete e levou-a para o galinheiro, onde viviam misturados, além de galinhas, patos e perus, tudo na maior confusão.
   - Mas olhem, que sujeito esquisito! - disseram todas as galinhas.
   O peru inchou até onde pode, e depois perguntou-lhe quem era, enquanto os patos iam recuando, empurrando-se uns aos outros, e dizendo somente:
   - Quá, quá, quá! como quem dizia; Idiota, idiota, idiota!
   Contou-lhes então a cegonha o que sabia; falou-lhes na sua África, tão  quente, nas pirâmides; e da avestruz, que corre no deserto, como um cavalo selvagem. Mas os patos não entenderam nada do que ela contou, e só o que faziam era empurrar-se uns aos outros, dizendo:
   - Pois já se viu ave mais estúpida?

      QUINTA-FEIRA

   - Sabes o que trago aqui na mão? - perguntou o Velho-do-Sono. Não tenhas medo: é um ratinho.
   Abriu a mão, e lá estava mesmo um camundongo pequenino, e muito lindo.
   Vem convidar-te para a boda de dois ratinhos, que se casam hoje. Moram debaixo do soalho da despensa da tua mamãe: para eles  é casa de muito luxo!
   - Mas como vou entrar pelo buraquinho que é a porta deles?
   - Deixa isso ao meu cuidado - replicou o Velho-do-Sono, - Vais ficar pequenininho.
   E tocou-o com sua varinha de condão; o menino foi minguando, minguando, até que ficou do tamanho de seus dedos.
  - Agora vai pedir ao soldado de chumbo que te empreste o uniforme. Creio que há de te servir, e a farda fica muito bem em uma festa de cerimônia.
   - É mesmo - disse Hialmar.
    E num abrir e fechar de olhos estava fardado.
   - Quer ter a bondade de se sentar no dedal de sua mãe? -disse o ratinho. - Terei a honra de arrastá-lo.
   - É muita amabilidade sua - disse o menino. - Mas por que vai ter esse trabalho?
   E lá se foram, para o noivado dos ratos.
   Seguiram primeiro por um corredor, debaixo do soalho, e tão baixinho que mal dava para andarem por ali com o dedal; era todo iluminado com mecha.
   - Não é agradável o perfume que se sente aqui? - perguntou camundongo. - Todo o corredor foi esfregado com toucinho. Não há aroma mais delicado!
   Entraram no salão da boda. À direita estava todas as senhoras ratinhas; falavam animadamente, e pareciam muito alegre. À esquerda ficavam os cavalheiros, e todos cofiavam os bigodes com a patinhas. No centro do salão estavam os noivos, sentados em uma casca oca de queijo; beijavam-se a cada instante, diante de todos. Ora, eram noivos, e iam casar dali a pouco.



    A cada momento chegavam convidados; tantos que já não cabiam na sala, e como o par de noivos se postara bem no meio da porta de entrada, ninguém mais podia entrar nem sair. Toda a sala, bem como o corredor, estava untada de toucinho: era com isso unicamente que obsequiavam os convidados, Mas à hora da sobremesa passou de mão em mão um grão de ervilha, em que um ratinho, parente dos noivos, gravara a dentadas as iniciais do par. Não foi uma ideia original?
   Todos os ratos estavam de acordo em que foi uma festa de noivado magnífica, e que nela reinara a maior harmonia e cordialidade.
   Ao voltar a casa, reconhecia Hialmar que estivera em uma sociedade muito distinta; mas nem por isso se sentia menos amesquinhado, por ter ficado tão pequenino; e ainda por cima, vestira o uniforme de seus soldadinhos de chumbo!
                   
                                        SEXTA-FEIRA

        - Parecia mentira - dizia o Velho-Sono - parece mentira que haja tanta gente velha que suspire ainda por mim, e me queira ver a seu lado! Principalmente os que praticaram alguma maldade. E estão sempre a me dizer: " Velhinho querido, não podemos pregar olho a noite inteira, atormentados por nossas más ações! Elas se sentam na beira da cama, como duendes medonhos, e nos escaldam com água fervendo. Se tu ao menos viesses enxotá-las, poderíamos dormir um bom sono!" Suspiram então, do fundo da alma, e depois dizem: " Nós te pagaremos bem...Boa-noite, Velho-do-Sono! O dinheiro está na janela!" Ah! Mas eu não venho por dinheiro, não!
    E hoje, que vamos fazer? - perguntou Hialmar;
   - Não sei se gostaria de assistir a outro casamento...É muito diferente daquele de ontem. A boneca de tua irmã, aquela que parece um homem, e se chama Germano, vai casar com a outra, a Beatriz. Além disso é o dia do aniversário da noiva, e hão de receber muitos presentes.
    - Sim, sim! Já sei - disse Hialmar - Quando as bonecas querem vestidos novos, minha irmã diz que é o dia do aniversário, ou do casamento delas. Acho que já se casaram cem vezes, pelo menos!
     - Sim; mas hoje é o casamento número cento e um. E quando chega a essa conta, elas não podem casar mais. Por isso o casamento de hoje será uma festa esplêndida! Olha, olha só para aquilo!
    Hialmar olhou para a mesa onde estava a casinha das bonecas. As janelas apareciam iluminadas, e à porta soldados de chumbo apresentavam armas. Os noivos estavam sentados no chão, apoiados à perna da mesa. Pareciam muito preocupados - e para isso, certamente, não faltariam motivos! Nesse meio tempo o Velho-do-Sono enfiara o vestido preto da avó, e casou-os. Terminada a cerimônia, todos os móveis se puseram a cantar esta canção, escrita pelo Lápis:
                  Leva, brisa gentil, nossos adeuses
             À casinha dos noivos, tão amena,
             Com seu teto de pele de cabrito.
             Direitos ele são como a açucena
             Esticada na haste. E que bonito
             O belo par, lá na casinha amena...
              Leva, brisa gentil, nossos adeuses!"
  
  Começou então a apresentação dos convidados. E os noivos recusaram delicadamente os comestíveis, pois bastava o amor recíproco para alimentá-los.
      - E agora - perguntou o noivo - o que será melhor; ir para o campo, ou fazer uma viagem ao estrangeiro?
     Para resolver esta questão foram consultadas a andorinha, que tinha viajado muito e uma galinha velha, que já descascara cinco ninhadas. E a andorinha falou daqueles cachos enormes de uvas suculenta; onde o ar é lépido e perfumado, e as montanhas se tingem de cores nunca vistas em nossa terra.
   - Mas lá não há couves verdes, como as nossas!- disse a galinha. - Passei um verão no campo, com toda a minha ninhada; havia lá um buraco cheio de areia, onde a gente podia esgravatar á vontade. Além disso tínhamos licença de entrar na horta, cheia de couves verdes. E como eram verdinhas! Não creio que haja nada mais lindo no mundo!
   - Mas ora! um pé de couve é exatamente igual a outro pé de couve - disse a andorinha. - Quem vê um vê todos. Além disso, aqui o tempo é tão úmido!
    - Ora! É só a gente se habituar a isso - disse a galinha.
    - Mas faz tanto frio...e cai neve!
    - Pois se isso é o melhor que há para a couves! De mais a mais, aqui também pode fazer calor, de vez em quando: não tivemos, há quatro anos, um verão que durou quatro semanas? Era tanto o calor, que a gente nem podia respirar. E aqui não temos animais venenosos que vivem nos países estrangeiros; e estamos livres de ladrões. Só mesmo um ente desnaturado não acharia o nosso país mais belo que todas as outras regiões do mundo! E semelhante criatura não merece viver aqui! 
    E a galinha começou a chorar. E repetia:
   - Eu também tenho viajado, tenho viajado, sim: viajei mais de doze milhas dentro de uma cesta. Não há prazer nenhum em viajar, não!
     - A galinha tem razão - disse Beatriz. - Não acho graça em andar abaixo e acima, viajando por montes e vales! Não: nós iremos ali àquele monte de areia ao pé do portão, e daremos um passeio pela horta, a ver as couves.
    E estava resolvida a questão.

         SÁBADO

     Logo que Hialmar se viu na cama, na noite seguinte, foi perguntando ao Velho-do-Sono:
    - Não me contas uma história hoje?
     - Não tenho tempo - disse o Velho - abrindo a sombrinha, aquela toda pintada, Olha estes chineses!
    A sombrinha era uma paisagem chinesa, cheia de árvores azuis  e pontes muito altas, por onde passeavam chinesinhos, movendo a cabeça para os lados.
    - Amanhã, cedo, o mundo inteiro tem de estar todo em ordem -disse ele. - É dia de festa, é domingo. Vou ao campanário, a ver se o gnomos, estão areando os sinos. Devem cantar amanhã um repique alegre. Depois irei ao campo, a ver se os ventos estão varrendo bem o pó das ervas e das folhas. O mais difícil é fazer descer as estrelas, para dar-lhes brilho. Junto-as todas no avental, mas primeiro é preciso numerá-las, assim como os furos em que estão cravadas, lá no céu, para que fique depois cada uma no seu lugar, Senão ficariam frouxas, e começariam a cair...e era uma chuva de estrelas cadentes.
    - Escuta, Velho-do-Sono - disse então um antigo retrato, pendurado perto da cama de Hialmar - Não sabes que sou o tataravô do Hialmar? Agradeço-te muito as histórias que vens contar ao menino; mas não deves estar metendo caraminholas na cabeça dele...As estrelas não saem do seu lugar para serem polidas, não: elas são mundos, como a nossa Terra!
    - Obrigada, velho tataravô! - disse o Velho-do-Sono. - Muito obrigado! És muito velho na verdade, mas eu ainda sou mais velho do que tu! Sou mais velho pagão; os gregos e romanos chamavam-me o Deus dos Sonhos. Tenho sempre visitado casas de famílias muito importante, e casas de pobre; e ainda faço a mesma coisa. E sei muito bem como me haver com os grandes e com as crianças. Agora é a tua vez: conta uma história, conta o que te parecer!
    E o Velho-do-Sono foi embora, com suas sombrinhas.
   - Ora esta! - dizia o retrato da parede. - Então a gente não pode expor a sua opinião?
   Nisto Hialmar despertou.

                 DOMINGO


      - Boa-noite! - disse o Velho-do-Sono.
   Hialmar, mais que depressa, levantou-se na cama e virou o retrato do tataravô de cara para a parede, para que não interrompesse a história, como o fizera na véspera.
   - Conta-me agora a história das cinco ervilhas verdes, que viviam dentro da vagem, e a do galo que namorava a galinha, e a da agulha de cerzir, que era tão fina que se julgava uma agulha de bordar.
   - Até as coisas boas podem ser demais - disse o Velho. - Antes quero hoje mostrar meu irmão. Ele nunca visita a ninguém mais de uma vez; e quando visita uma pessoa leva-a na garupa. E vai contando histórias: uma delas é de beleza inexprimível, tão linda como ninguém pode imaginar; a outra é medonha, espantosa...nem é bom descrever.
    E o Velho-do-Sono ergueu o pequeno Hialmar até a janela, dizendo-lhe:
   - Lá está  meu irmão, o outro Velho-do-Sono; seu nome é Morte! Estás vendo que não é tão feio como se vê nos livros de estampas, onde parece uma caveira. Não: ele tem uma roupagem toda bordada de prata- um belo e alegre uniforme! Vê o manto de veludo negro que lhe caí dos ombros, e se estende pela garupa do cavalo! Olha como galopa!
   E Hialmar viu o outro Velho-do-Sono galopando, levando consigo gente velha e gente moça; punha uns na frente, outro atrás - mas depois de perguntar a cada um que espécie de notas trazia.
   - Boas - respondiam todos.
   - Deixa-me vê-las - retrucava ele.
   E todos eram obrigados a lhe mostrar as notas. Os que tinham "muito boa", "ótima, iam na frente, e ouviam a história linda; mas os que tinham apenas a palavra "regular", ou "má", escrita no certificado, deviam ficar na garupa do cavalo, e ouviam a história horrível. Tremiam, e choravam; tentavam saltar do cavalo abaixo, mas não o conseguiam, pois pareciam amarrados firmemente, como se houvessem criado raízes ali.
   - A Morte é um Velho-do-Sono muito bonito- Disse Hialmar - Eu não tenho medo dela.
      - Nem precisas ter - afirmou o Velho-do-Sono.
      -  É só tratares de ter uma boa nota para lhe mostrar.
   - Ora aí está uma história muito instrutiva! - disse o retrato do velho tataravô. Então sempre serve para alguma coisa a gente dar a sua opinião...
   E soltou um grande suspiro de contentamento.
   E esta história do velho-do-Sono. Quem sabe se ele não virá em pessoa, esta noite, contar-te alguma outra?

     FIM                                 

       
Este é o ultimo conto deste volume, portanto vamos degustá-lo bem carinhosamente! É um conto longo, portanto vou digitando aos poucos



























































      







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