quinta-feira, 23 de julho de 2015

JOÃOZINHO E MARIAZINHA - CONTOS DE GRIMM

       Perto de uma enorme floresta vivia um lenhador com sua segunda mulher e dois filhos do seu primeiro casamento. O menino se chamava Joãozinho e a menina Mariazinha. Pouco tinham para comer e, certa vez, quando houve uma grande miséria no país, o homem não conseguia mais ganhar nem o pão de cada dia.
   Uma noite em que, cheio de preocupações, ele se revolvia na cama sem poder dormir, disse, suspirando, à mulher:
   - Que será de nós? Como iremos sustentar meus pobres filhos se nem para nós resta coisa alguma que comer?
    - Sabes que mais? -respondeu a mulher.- Amanhã cedo,  levaremos as crianças a um lugar bem espesso da floresta. Ali acenderemos uma fogueira; daremos um pedacinho de pão a cada um e vamos tratar do nosso trabalho, deixando-os sozinhos. Não saberão encontrar o caminho de volta e ficaremos livres deles.
  - Não,  mulher! - disse o lenhador.- Não farei uma coisa dessas! Como poderia cometer a maldade de abandonar meus filhos no bosque? Em pouco tempo seriam devorados pelas feras.
  - Oh, seu tolo! - exclamou ela. - Não compreendes que então morreremos os quatro de fome? Já podes ir serrando as tábuas para os caixões!
   E não deixou o marido em paz até que ele, por fim, cedeu.
   - Mas tenho muita pena dessas pobres crianças! - dizia.
   Os dois irmãozinhos que, de fome, também não tinham podido dormir, havia escutado tudo o que a madrasta aconselhara a  seu pai. Entre lágrimas amargas, Mariazinha disse a Joãozinho:
   - Estamos perdidos!
   - Não chores - consolou o menino- e não te aflijas, que saberei como agir.
   Depois que os velhos adormeceram, ele se levantou, pôs o seu casaquinho e saiu pela porta dos fundos. A lua brilhava muito e as pedrinhas no chão, em frente à casa, reluziam que nem moedinhas de prata. Joãozinho abaixou-se e meteu tantas nos bolsos quantas cabiam. Feito isto, voltou para junto de Mariazinha e disse-lhe:
  - Coragem, irmãzinha, e dorme sossegada. Deus não nos abandonará.
  E deitou-se novamente. Pela madrugada, antes de sair o sol, a mulher foi acordar as criança.
   - Levantem-se, preguiçosos! Temos de ir à floresta buscar lenha!
   E, dando um pedacinho de pão a cada um deles, prosseguiu:
   - Tomem isso para o almoço, mas não comam antes, porque nada mais lhe darei.
    Mariazinha guardou os pedaços de pão no avental, já que Joãozinho tinha os bolsos cheios de pedras. depois todos se encaminharam para o bosque. Fazia algum tempo que andavam quando o menino, de trecho em trecho, passou a diminuir a marcha e a olhar para a casa. Disse-lhe o pai:
   - Joãozinho, que tanto olhas para trás? Anda, não te esqueças de caminhar!
   - Estou olhando meu gatinho branco que está lá no telhado me dizendo adeus - repondeu o menino.
   A mulher, porém, retrucou:
   - Idiota! Aquilo não é um gato; é o sol da manhã que se reflete no cano da chaminé!
     Mas Joãozinho não estava olhando gato nenhum; o que fazia era tirar do bolso as pedrinhas brancas que ia jogando ao longo do caminho.
    Quando chegaram ao meio da floresta, disse o pai:
   - Agora, meninos  procurem lenha. Vou acender um fogo para que não sintam frio.
    Joãozinho e Mariazinha juntaram um monte bem grande de lenha miúda. A seguir, foi acessa a fogueira e, depois que as chamas começaram a arder bem vivas, a mulher recomendou:
   - Fiquem perto do fogo, crianças, e descansem. Nós iremos adiante para cortar lenha. Quando estivermos prontos, viremos buscá-los.
   Os dois irmãozinhos sentaram-se junto à fogueira e, ao meio-dia, cada um comeu seu pedacinho de pão. Como estavam ouvindo golpes de machado, pensaram que seu pai andava ali perto. na verdade, o que ouviam não era o machado, mas um galho que o lenhador atara a uma árvore seca e que o vento fazia chocar contra o tronco. Depois de estarem sentados ali, por algum tempo, cansaço os obrigou a fechar os olhos e eles adormeceram profundamente.
    Quando acordaram, era noite fechada. Mariazinha começou a chorar e perguntou:
    - Como vamos sair da floresta?
     Mas Joãozinho a consolou:
    - Espera um pouco, até aparecer a lua, que logo encontraremos o caminho.
    E assim surgiu a lua cheia, o menino, tomando a mão de sua irmãzinha, foi seguindo as pedrinhas que, brilhando como prata batida, lhes indicaram o rumo. Andaram toda noite e, ao despontar da aurora, chegaram à casa de seus pais. Bateram à porta e a madrasta, que abriu, exclamou ao vê-los:
   - Meninos maus! Por  que ficaram dormindo tanto tempo no mato? Pensamos que nem quisessem voltar mais!
    Mas o pai alegrou-se com o regresso deles, pois sentia um peso na consciência por havê-los abandonado.
   Tempo depois houve outra época de fome no país e, certa noite , os meninos ouviram quando a madrasta, na cama, dizia ao marido:
    - Acabaram-se os alimentos. a não ser a metade de um pão, nada mais nos resta. É preciso nos desfazermos das crianças. Vamos levá-las mais para o fundo do mato, para que não possam encontrar o caminho de volta; do contrário, não haverá salvação para nós.
    O pai, desesperado, começou a discutir. Mas a mulher não quis ouvir suas razões e passou a insultá-lo e a censurá-lo. E como quem diz "A", diz "B", o marido, tendo cedido uma vez, teve de ceder novamente. Os meninos, que ainda estavam acordados, ouviram toda a conversa, e, quando os velhos adormeceram, Joãozinho levantou-se para ir juntar pedrinhas, como da outra vez; mas nada pode fazer porque a mulher tinha trancado a porta. E ele tratou de consolar a irmã, dizendo:
    - Não chores, Mariazinha. Dorme sossegada, que Deus Nosso Senhor há de nos ajudar.
    De madrugada, a mulher foi ao quarto tirá-los da cama. Deu a cada um deles um pedacinho de pão menor ainda que o da última vez. Pelo caminho, Joãozinho ia esmigalhando o pão no bolso e, detendo-se de vez em quando, deixava cair um pedacinho no chão.
   - Joãozinho, por que estás parado, olhando para trás?
- indagou o pai. - Vamos, não te distraias!
     - Olho a minha pombinha que está lá no telhado me dizendo adeus!
      - Tolo! - disse a mulher. - Não é a sua pombinha, é o sol da manhã no alto da chaminé!
       - Joãozinho, porém, continuou semeando migalhas pelo caminho.
       A madrasta conduziu os meninos ainda mais para o fundo da floresta, a um lugar onde jamais haviam estado. Ali acenderam uma grande fogueira e a mulher disse-lhes:
       - Fiquem aí, crianças! Se cansarem, durmam um pouco enquanto nós vamos cortar lenha. À tarde voltaremos aqui para buscá-los.
       Ao meio-dia, Mariazinha repartiu seu pão com Joãozinho, pois o seu ele espalhara na estrada. Depois adormeceram e, quando chegou a tarde, ninguém foi buscar os pobrezinhos. Só acordaram quando já era noite fechada. Joãozinho consolou a irmã, dizendo-lhe:
     - Espera, Mariazinha, até que saia a lua; então veremos as migalhas de pão que espalhei e que nos mostrarão o caminho de volta.
     Quando a lua apareceu, eles se dispuseram a voltar, mas não encontraram ao menos uma migalhinha.  Os passarinhos, que voam, aos milhares, pelos matos e pelas campinas, tinham comido tudo. Disse Joãozinho à Mariazinha:
  - Havemos de encontrar o caminho.
  Mas não o encontrara. Durante toda a noite e todo o dia seguinte andaram na madrugada até anoitecer, sem conseguirem sair da floresta imensa. Sentiam muita fome, pois, apenas tinham para comer umas poucas frutinhas silvestres que achavam pelo chão. estavam por fim tão cansados que as pernas se negavam a sustenta-los. Sentaram -se então ao pé de uma árvore e adormeceram.
   E amanheceu o terceiro dia, desde que haviam saído de casa. Começaram a andar, de novo. Entretanto, cada vez se perdiam mais. E se alguém não os socorresse, estariam condenados a morrer.
    Quando chegou ao meio-dia, viram um lindo pássaro, branco como a neve, pousado no galho de uma árvore. Cantava tão suavemente que os dois se detiveram a escutá-lo. Ao terminar sua canção, abriu as asas e saiu voando, mas Joãozinho e Mariazinha o seguiram até chegarem a uma cabana em cujo telhado ele pousou. De perto, viram que era toda feita de pão e coberta de bolos, e que as janelas eram de puro açúcar.
    - Olha! - exclamou Joãozinho- Vamos matar a nossa fome! Eu comerei um pedaço do telhado e tu, Mariazinha, a janela, que é doce.
    O menino foi ao telhado e tirou um pedacinho para provar o gosto, enquanto sua irmãzinha experimentava os cristais da janela. De repente, ouviram uma vozinha suave, vinda do interior da casa: 
   - Será, por acaso, um ratinho.
    Que rói a minha casinha?
   E as crianças responderam:
       - É o vento, é o vento,
       Que sopra neste momento.
   E continuaram comendo sem se deixarem estorvar. Joãozinho, que achou o telhado muito saboroso, arrancou um bom pedaço e Mariazinha tirou toda a vidraça e, sentando-se no chão, a saboreou com gosto.
    Subitamente a porta se abriu e uma mulher muito velha, apoiada a uma muleta, saiu da cabana. Joãozinho e Mariazinha se assustaram de tal modo que soltaram o que tinham nas mãos; a velha, porém ,sacudiu  a cabeça, e lhes disse:
   - Olá, crianças! Quem as  trouxe aqui? Entrem. Entrem e fiquem comigo, que não lhes farei mal.
   E, pegando a ambos pelas mãos, os introduziu na cabana. Ali serviu-lhes boa comida, leite com panquecas açucaradas, maças, nozes. Depois os levou a duas caminhas com lençóis brancos e Joãozinho e Mariazinha se deitaram nelas pensando estar no céu.
   Mas a velha estava apenas fingindo toda aquela gentileza, pois na realidade era uma feiticeira maldosa,acostumada a espreitar crianças, e só construíra a casinha de bolo para atraí-las. Se caíam em seu poder, ela as matava, cozinhava e comia. Era um dia de festa para ela! As bruxas tem olhos vermelhos enxergam pouco, mas, em compensação, seu olfato é muito desenvolvido, como o dos animais, e sentem de muito longe a presença das pessoas. Na véspera, enquanto Joãozinho e Mariazinha se aproximava, a velha dizia com um riso maldoso:
   - Já são meus, não hão de escapar!
   Levantou-se bem cedo, antes de as crianças despertarem e, ao vê-las descansar tão calmamente, com suas faces cheias e rosadas, murmurou:

   - Vai ser um prato gostoso!
   E pegando Joãozinho, com suas mãos secas, o levou a um pequeno estábulo e lá o encerrou atrás de uma porta de grades. O menino gritou com todas as suas forças, mas em vão.

   Depois a bruxa foi a cama de Mariazinha e, sacudindo-a, rudemente, gritou:
    - Levanta-te, preguiçosa! Vai buscar água e cozinha uns petiscos para teu irmão, que ficou no estábulo, para engordar. Depois se bem cevado, eu o comerei.
   Mariazinha começou a chorar amargamente, o que de nada lhe adiantou.
  Teve de cumprir o que a bruxa malvada ordenara. Daí por adiante, Joãozinho passou a comer pratos deliciosos, enquanto Mariazinha recebia, apenas, cascas de caramujo. Todas as manhãs, a velha aproximava-se do estábulo e dizia:
   - Joãozinho, mostra-me o teu dedo, que quero ver se já estás gordo.
    O menino, porém, mostrava-lhe um ossinho, e a velha, que não enxergava bem, pensava ser o seu dedo e muito se admirava por não haver jeito de ele engordar.
   Depois de quatro semanas, vendo que Joãozinho continuava magro , a bruxa perdeu a paciência e não quis esperar mais:
   - Ei, Mariazinha! - disse à menina.- Depressa, traz água. Gordo ou magro, amanhã vou matar e comer o teu irmão.
    Que aflição para a pobre pequena ao ver-se obrigada a trazer água! E como as lágrimas lhe corriam pelas faces!
   - Meu Deus, ajuda-nos! - rogava ela. - Antes as feras nos tivessem devorado; assim, ao menos teríamos morrido juntos.
    Para com esse choro! - gritou a velha.- De nada te adianta!
    De madrugada, Mariazinha teve de sair para encher de água a caldeira e acender o fogo.
   - Primeiro faremos pão - disse a feiticeira. - Já aqueci o forno e preparei a massa.
   E, abaixo de empurrões, levou a pobre menina até o forno, de onde saíam chamas.
    - Entra e verifica se o calor é suficiente para metermos o pão - ordenou a velha.
    O que ela tencionava era fechar a porta do forno quando a menina estivesse dentro, assá-la e comê-la também. Mas a Mariazinha lhe adivinhou o pensamento e disse:
     - Não sei como fazer para entrar aí.
    Criatura idiota! - replicou a bruxa. - A abertura é bastante grande. Vê, até eu passaria por ela.
    E, para demostrá-lo, adiantou-se e meteu  a cabeça na boca do forno. Nesse momento Mariazinha deu-lhe um empurrão tão forte que a precipitou lá dentro e, fechando a porta de ferro, correu depressa o ferrolho.
   Puxa! Como a velha berrou! Era horrível de se ouvir! Mas a menina saiu correndo e a bruxa miserável morreu queimada!

    Mariazinha foi logo ao estábulo onde estava Joãozinho e lhe abriu a porta, exclamando:
   - Estamos salvos, Joãozinho! A bruxa velha está morta!

    O rapazinho saiu como pássaro ao qual se abre a gaiola. Que alegria sentiram os dois e como se jogaram aos braços um dos outro, beijando-se de contentamento! Como não precisassem mais temer coisa alguma, entraram na casa da bruxa, onde encontraram, por todos os cantos, caixas cheias de pérolas e pedras preciosas.
   Essas valem mais do que as pedrinhas! - exclamou Joãozinho, enchendo os bolso com quanto cabia neles. Mariazinha manifestou-se:
   - Eu também quero levar algo para casa..... 
    E, por sua vez, encheu bem   seu aventalzinho.
   - Vamos agora! - disse o menino. - Devemos sair desta floresta enfeitiçada!
   Depois de terem andando alguma horas, chegaram a um rio muito grande.
   - Não podemos atravessá-lo - observou Joãozinho. Não tem uma ponte ao menos.
    - E nem um barco- acrescentou Mariazinha. - Mas ali está andando um pato branco; se lhe pedirmos, ele nos ajudará a passar o rio. E gritou:
    Patinho, patinho!
    Aqui estão Mariazinha e Joãozinho.
    Não há ponte para passar.
    Nas tuas costas brancas queres nos levar?
 O patinho aproximou-se e o menino subiu nele, convidando sua irmã a fazer o mesmo.
 - Não respondeu ela, - seria pesado demais para o patinho; que leve um, depois o outro.
   Assim fez o bom animalzinho e, quando já tinham alcançado a margem oposta e caminhando um pequeno trecho, a floresta lhes pareceu cada vez mais familiar. Até que enfim descobriram, ao longe, a casa de seu pai. Começaram, então a correr, e entrando como um pé- de- vento pela porta, atiraram-se os dois ao pescoço dele, abraçando-o. O pobre homem não havia tido uma hora só de de descanso, desde o dia em que abandonara seus filhos na floresta. Quanto à madrasta, havia morrido nesse meio tempo. Mariazinha esvaziou o avental, fazendo as pérolas e as pedras preciosas saltarem pelo chão e Joãozinho também, terminaram-se as preocupações e os três viveram muito felizes. Minha história acabou e um ratinho por ali passou! Quem conseguir pegá-lo, poderá fazer dele um grande casaco de peles.
FIM



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