Para terminar este passeio através do Conto Brasileiro, nada mais indicado que um conto que represente bem o espírito popular brasileiro. E, para isso, nada mais apropriado que a seguinte versão das aventuras de Pedro Malazarte, de autoria de Lindolfo Gomes, escritor que é uma das maiores autoridades no assunto.
Pedro Malazarte é um dos poucos personagens de ficção conhecidos em quase os recantos do Brasil. Mais do que o Saci-Pererê, mais do que Iara, mais do que o Negrinho do Pastoreio, ele exprime bem, um certo ângulo da psicologia popular brasileiro: - ingênuos, arteira e irônica.
AVENTURAS DE PEDRO MALAZARTE
Quando o pai de Pedro Malazarte entregou a alma a Deus, fêz-se a partilha dos bens, uma casinha velha, entre os filhos e tocou a Pedro uma das bandeiras da porta da casa, com o que ele ficou muito contente.
Pôs a porta no ombro e saiu pelo mundo. Em caminho viu um bando de urubus sobre um burro morto. Atirou a porta sobre eles e caçou um urubu que ficou com a perna quebrada.
Apanhou-o, pôs a porta à costas e continuou viagem.
Obra de uma légua ou mais, avistou uma casa de onde saía fumaça. o que queria dizer que se estava preparando o jantar. Pedro Malazarte, que sentia fome, bateu à porta e pediu de comer.
Veio atendê-lo uma lambisgóia que foi logo dizer à patroa que ali estava um vagabundo, com um urubu e uma porta, a pedir de jantar.
A mulher mandou que o despachasse - que a sua casa não era coito de malandros.
O marido estava de viagem e a mulher no seu bem-bom a preparar um banquete para que bem ela muito bem o destinava. Neste mundo h´coisas.
Pedro Malazarte, tão mal recebido que foi, resolveu subir para o telhado, valendo-se da porta que trazia e lhe serviria de escada, Subiu e ficou espreitando o que se passava naquela casa, tanto mais que sentia o cheiro de bons petiscos.
Espiando pelos vãos das telhas viu os preparativos e tomou nota das iguarias, e ouviu as conversas e confidências da patroa e da empregada.
Justamente na hora do jantar chegou o dono da casa que resolvera voltar inesperado da viagem que fazia.
Quando a mulher percebeu que ele se aproximava mandou esconder os pratos do banquete e veio recebê-lo e abraçá-lo muito fingida, muito risonha, mas por dentro queimando de raiva.
Vai daí mandou por na mesa a janta que constava de feijão aguado, paçoca de carne seca e cobu, dizendo:
- Por que não me avisou, marido? Sempre se havia de aprontar mais alguma coisa....
Sentaram-se à mesa.
Pedro Malazarte desceu de seu posto e bateu na porta, trazendo o urubu.
O dono da casa levantou-se e foi ver quem era.
O rapaz pediu-lhe um prato de comida e ele chamou-o para a mesa a servir-se do pouco que havia.
A mulher estava desesperada, desconfiando com a volta do Malazarte.
Pedro tomou assento, puxou o urubu para debaixo da mesa, preso pelo pé num pedaço de corda de pita.
Estavam os dois homens conversado, quando de repente o Malazarte pisou no pé quebrado do bicho e este se pôs a gritar; uh!uh1 uh1
O dono da casa levou um susto e perguntou que diabo teria o bicho.
Pedro, respondeu muito sério:
- Nada! São coisas. está falando comigo.
- Falando! Pois o seu bicho fala?!
- Sim, senhor, nós nos entendemos. Não vê como o trago sempre comigo? É um bicho mágico, mas muito intrometido.
- Como assim?
- Agora, por exemplo, está dizendo que a patroa teve aviso oculto da volta do senhor e por isso lhe preparou uma boa surpresa.
- Uma surpresa! Conta lá isso como é.
- É deveras! uma excelente leitoa assada que está ali naquele armário...
-Pois é possível! Ó mulher, é verdade o que diz o urubu deste moço?
Ela com receio de ser apanhada com todo o banquete e certa já de que Pedro sabia da marosca, apressou-se em responder:
- Pois então? pura verdade. O bicho adivinhou. Queria fazer-te a surpresa no fim do jantar.
E gritou pela empregada.
- Maria, traz a leitoa.
A empregada veio logo correndo, mas de má cara, coma leitoa assada na travessa.
Daí a pouco Pedro Malazarte pisou outra vez no pé do Urubu quesoltou novo grito.
O dono da casa perguntou;
- O que é que ele está dizendo?
- Bicho intrometido! Está candogando outra vez.
Cala a boca, bicho!
- O que é?
- Outras surpresas.
-Outras!
- Sim, senhor; um peru recheado...
- É verdade, mulher?
- Uma surpresa, maradinho do coração. Maria, traz o peru recheado que preparei para tu amo.
Veio o peru. E pelo mesmo expediente conseguiu Pedro Malazarte que viessem para a mesa todas as iguarias, doces e bebidas que haviam em casa.
Ao fim do jantar, o dono da casa vendo que o urubu de Pedro Malazarte era encantando e sabia descobrir todos os segredos, propôs-lhe comprá-lo.
Malazarte pescando que estava em véspera de fazer um bom negócio, encareceu ainda mais as virtudes do urubu e pediu este mundo e o outro.
O homem vacilou em fechar o negócio, e Pedro, justamente quando a empregada veio trazer o café na sala, disse ao dono da casa de modo que a mucamba ouvisse:
- Este bicho é deveras encantado, patrão. E e é capaz de descobrir outras coisas que se passam em sua casa sem o senhor saber.
- Não me diga isto!
- É o que lhe digo. Mas, para que ele não emudeça e possa contar tudo que tenha visto, é preciso que haja o maior cuidado para que nenhuma mulher lhe verta água na cabeça. E se quiser experimentar deixe-o esta noite ficar no corredor que amanhã teremos que saber muitas novidades. O homem aplaudiu a proposta e prometeu comprar o urubu, se saísse certo o que dizia o Malazarte.
Mas a empregada que tinha visto a combinação mal saiu da sala foi contar tudo à senhora, que ficou muito assustada, pois que, naquela noite, havia de receber a visita do sacristão da vila, e não sabia com arranjar para que o urubu candongueiro não pusesse tudo a perder.
A empregada teve uma luz, e disse que não havia perigo, pois ela se encarregaria de verter água na cabeça do urubu para que ele perdesse o encanto.
Às tantas da noite todos se foram acomodar, tendo Malazarte cuidado de deixar o bicho no corredor, fazendo de sentinela.
Vai senão quando, lá para a virada da noite, a dona da casa, pé que pé, veio abrir a janela, por onde saltou para dentro o sacristão, enquanto a empregada estava fazendo o que prometera na cabeça do urubu.
Quando o bicho se viu com a cabeça toda molhada, não teve mais conversa- tico! e deu uma bicada na governanta lá onde quis e ela ficou segura, e vai então a empregada soltou um grito.
A senhora, temendo que o marido despertasse, correu para arrancar a sua mucamba do bico do bicho. Agarrou-a pelo braço, mas não houve meio. A rapariga, então, no auge do aperto, apegou-se no braço da senhora que se pôs também a gritar. o sacristão acudiu para ver se podia ajudar as duas a desvencilharem-se. mas já a este tempo. Pedro Malazarte havia despertado o dono da casa, E os dois correram a ver o que era e encontraram aqueles três assim como estavam.
E vai então o dono da casa descobriu tudo, desancou o sacristão a pau, moeu os ossos tanto da senhora como da escrava e resolveu comprar o urubu.
Ma aí é que foi a história. Pedro Malazarte pediu pelo bicho cinco contos de réis. Abate que não abate, o homem teve mesmo de escorropichar o cobre, vintenzinho por vintenzinho, e Pedro Malazarte , deixando ficar o urubu, de quem se despediu chorando, pôs-se a caminho, mas vendo no pátio da fazenda uma carneirada, resolveu levá-la também e foi tocando a carneirada como se fosse dono dela.
Vendo que a vítima vinha em sua perseguição, " deu tudo quanto tinha" e ao aproximar-se de um riacho encontrou uma mulher a lavar roupa. Estava perdido,porque a lavadeira diria ao perseguidor a sua direção.
Mais que depressa tocou a carneirada a travessar o riacho, e tomando um dos carneiros, tirou-lhe as tripas e meteu-as debaixo da camisa. Quando a manada passou, ele arrancou da faca, fingiu que abriu o ventre e deixou cair na água as tripas do carneiro que ali levou ocultas.
A lavadeira deu um grito, caiu desmaiada ao presencial tal cena e Malazarte desapareceu.
Quando o perseguidor chegou a toda, e perguntou à lavadeira se tinha visto passar um homem com uma carneirada, ela respondeu, quase sem poder falar, que Pedro Malazarte havia feito o que ficou dito.
E porque Pedro já estava longe com o rebanho, o homem voltou soltando um milhão de pragas.
Já muito longe encontrou um porqueiro que vinha tocando também uma capaderia superior para vendê-la na vila.
Pedro Malazarte que já previa que o fazendeiro havia de vir no seu rastro, propôs troca dos carneiros que valiam menos pelos porcos que valiam mais.
Fecharam o negócio, tendo o porqueiro feito uma volta em dinheiro.
Malazarte seguiu com a porcada e o outro com os carneiros, em direção oposta.
O porqueiro foi pousar em casa do dono dos carneiros.
Ao ver o seu rebanho, o homem avançou para o porqueiro, e exigiu entraga do que era seu. O porqueiro quis resistir, mas vendo que o homem estava armado até os dentes e tinha muitos capanga, não teve outro, remédio senão fazer a restituição, ficando no prejuízo, e tocou pra trás a ver se encontrava o Malazarte que já estava longe, tendo tomado por um atalho que foi dar numa fazenda. E vai então vendeu a porcada, por um precinho barato, mas com a condição de o comprador deixar que ele cortasse a ponta do rabo de cada porco.
Fecharam o negócio e Pedro Malazarte meteu no embornal os rabinhos dos porcos e bateu o pé na estrada.
E foi dar no castelo de um ricaço que era casado e tinha uma filha, e, ofereceu-se para empregado. e foi aceito.
Como era tempo de chuva, o chiqueiro estava que era mesmo um lameiro. E Malazarte teve logo uma ideia.
De noite tocou para longe a porcada do ricaço e, voltando espetou no lameiro as caudas dos porcos.
E quando de manhã o dono da casa veio ver o porcada, Malazarte lhe apontou o lameiro e disse-lhe que os porcos estavam atolados, apenas com os rabos de fora.
O dono da casa mandou-o logo que fosse à casa buscar duas enxadas a ver se podiam desenterrar os animais.
Pedro, Malazarte foi numa corrida e, lá chegando, viu a dona e a filha passeando no jardim e lhes disse:
- O patrão mandou que as senhoras me acompanhem.
Elas duvidaram, mas Malazarte gritou, perguntando ao patrão que estava lá, embaixo:
- As duas, patrão?
- Sim, as duas, e sem demora! As duas, pateta!
E então as senhoras não puseram mais diferença e acompanharam Pedro que tomou com elas outra direção.
Já longe o velhaco amarrou-as numa árvore, tirou-lhes todas as jóias que eram de grande preço, fugiu e foi tocar a porcada que tinha ocultado no dito retiro.
E quando o ricaço cansado de esperar foi à casa e não encontrou a mulher e a filha, bateu a procurá-las até que as achou amarradas onde Malazarte as havia deixado.
E quando voltou é que viu que dos porcos só havia os rabinhos , e que ele é que era um pateta de marca.
A muitas léguas dali o Malazarte negociou a porcada, recebeu o cobre, comprou um bom terno de roupa e foi parar em certa cidade, onde, logo na entrada, havia uma bonita chácara que era do doutor juiz de direito,
Era já por umas dez da noite.
O Malazarte bateu à porta e pediu pousada dando o nome do doutro fulano que vinha visitar aquela terra.
O Juiz costumava entrar tarde, pois ficava até meia-noite fora de casa, jogando marimbo com um seu compadre.
E vai então o filho do juiz, na sua simplicidade, mandou entrar o hóspede e, depois de um bom chá, deu -lhe pousada, no quarto da sala, onde o juiz costumava se vestir.
E quando o juiz chegou, o filho lhe contou o que se tinha passado e o tolo ficou muito satisfeito daquela hospedagem.
E vai então lá pela madrugada o Malazarte começou a sentir umas coisa na barriga...
Procurou o vaso e, não o encontrando, abriu a janela.... mas lá fora havia uma cachorrada, que foi um barulho de latidos que nunca se viu.
O Malazarte estava suando frio. Mas nisto avistou na prateleira uma caixa. abriu, havia dentro uma cartola de pelo. estava salvo! Tirou a cartola, fez o que quis, pôs outra vez na caixa e esta no lugar onde antes estava.
De manhã, quando ouviu tropel dos criados saiu e...este mundo é meu!...
Quando vieram chamar o Malazarte para o café, não o acharam mais.
A hora do almoço, o juiz saiu do quarto e foi par ao cômodo em que se costumava vestir.
Era dia de júri. Vestiu a sobrecasaca, e distraído, tirou a cartola que enterrou, de um golpe, na cabeça. Para que tal fizeste! Ficou com a cara enlameada e sentiu um cheiro que quase o afogou.
Começou então a gritar. A família veio toda, pensando que tinha acontecido alguma desgraça.
Ao vê-lo naquele estado, correram todos a buscar socorro. O filho trouxe-lhe um banho, a filha água-florida, a mulher sabonete de cheiro.
E depois houve risada que não foi brinquedo, enquanto o juiz bufava de raiva. e os jurados já estavam cansados d eesperar porele...
Mas o malazarte já estav alonge, Até parecia que tinah parte com Belzebu.
Nisto ele soube no caminho que sua mãe tinha morrido, e, como era muito extremoso, foi logo ter em casa.
Lá encontrou os irmãos que se fingiam chorosos. Ele também derramou muitas lágrimas e resolveram logo a fazer a partilha, pois que cada um queria cuidar de sua vida.
A herança não era grande, mas sempre havia um sítio, umas colheitas, umas terras uma casinha...
Os irmãos começaram a escolher o que havia de melhor. Mas, Pedro Malazarte disse:
- Lá por isso não seja a dúvida. Eu quero somente três coisas: uma folha da porta da casa, o corpo de minha mãe e o cavalo matungo.
Os outros estranharam aquilo, mas como era fácil de contentar, combinaram na partilha.
Pedro amarrou o corpo da velha no selim do matungo e em posição de cavaleiro, e saiu puxando o cavalo, prometendo voltar , depois, em procura da porta.
Foi dar numa fazenda, já tarde da noite e pediu pousada. A gente da casa, já estava acomodada, mas a pessoa que veio abrir consentiu na hospedagem, porque Pedro alegou o cansaço da velha, a doença dela coitadinha!
Mostraram-lhe um quarto na entrada, onde os dois ficaram.
A certa hora, Pedro Malazarte pegou no cadáver, enveredou com ele pelo corredor e foi colocá-lo à porta do quarto do dono da casa.
Este, quando, pela manhã, abriu a porta, levou um grande susto ao ver um corpo pesado caiu dentro do quarto.
E havia no chão muito sangue, pois a cabeça da defunta, quando caiu se tinha quebrado.
O homem fez um grande alarme, vindo logo Pedro, esfregando os olhos fingindo ter-se acordado naquele momento.
Ao ver aquele quadro, lançou-se sobre o cadáver da velha e fez um grande choro, acusou o fazendeiro de haver sido o assassino de sua mãe e pediu grossa gratificação, sob pena de ir queixar-se à justiça.
O fazendeiro não teve remédio senão cair com o cobre e ainda fazer o enterro do corpo.
Pedro Malazarte voltou para casa em procura da porta, tendo ainda no caminho vendido o punga que logo, logo, cansado da viagem, arriou na estrada e morreu. Pedro Malazarte quando chegou com a porta onde ficara o cavalo, viu que sobre este estava um bando de urubus, atirou a porta sobre o bando, apanhou um urubu que ficou com a perna quebrada e seguiu viagem.
Este dito urubu, foi o mesmo que ele vendeu por cinco contos; estão lembrados?
Em certa altura deu-lhe vontade de verter água. Encostou-se a um grande paredão pertencente a uma bonita quinta. E, quando estava no melhor, apareceu o dono da chácara muito zangado a pergunta-lhe quem lhe tinha dado ordem para fazer aquilo ali.
Pedro disfarçou e respondeu:
- Ah! meu senhor, desde manhã que estou aqui encostado, sem comer, nem beber só por causa dos outros.
- Por causa dos outros? Então como é lá isso?
- Estou escorando o muro.
- Você está doido!
- Pois é verdade, patrão, vinha eu caminhando no meu quieto, mas, quando cheguei neste lugar, me apareceu a figura de um anjo que veio descendo do céu e que me disse estas palavra:
- Por ordem do senhor Deus o mundo vai acabar à meia-noite de hoje.
Imagine o susto que não levei! Mas o anjo me aquietou:
- Há remédio para se evitar isto: é encontrar alguém que escore este muro, desde este momento.
- Só por isso não seja a dúvida, respondi, vou já cortar uma estaca...
- Não, não há tempo. Antes de um minuto o muro deve estar escorado. E me empurrou para aqui onde me acho, sem poder arredar pé, se saio, o mundo vem abaixo.
- Deveras?!
- Ah! se o patrão me fizesse o favor de tomar o meu lugar enquanto eu vou ali no mato cortar uma escora, tudo estava arranjado, mesmo porque, se eu ficar por mais tempo, não resistirei e com a minha morte o mundo virá abaixo e ninguém escapará.
O homem pensou e resolveu tomar o lugar de Pedro que prometeu voltar logo com a escora, e até hoje está sendo esperado.
Quando chegou na cidade Pedro meteu-se em divertimentos com os estudantes e gastou todo o dinheiro. E antes que ficasse de todo limpo comprou uma panelinha de trempe, uma matula e seguiu viagem.
Já havia caminhado muito, quando avistou um rancho desocupado.
Resolveu descansar ali. Fez fogo, pôs a panela de três pés com a matula a aquecer.
Mas nisto, vem chegando uma tropa. Pedro Malazarte mais que depressa pôs um monte de terra sobre, o fogo e ficou muito quieto diante da panela que fumegava. os tropeiros, vendo aquilo, ficaram muito espantados e perguntaram:
- Que moda é esta, patrício, de cozinhar sem fogo?
Pedro respondeu logo:
- Isto não é para todos.pois não vêem logo que a minha panela é mágica?
- Então cozinha sem fogo?
- É como estão vendo e a qualquer hora. Mas, como a fada me disse que estou por poucos dias, posso negociá-la.
Os tropeiros viram naquilo um acahado; provaram da comida e acharam tudo muito bom.
Comprara a panela, pagando por ela quanto lhes foi pedido.
Quando à hora da ceia foram cozinhar sem fogo, deram com a marosca, mas, já era tarde, o Malazarte tinha-se posto a muita distância...
Malazarte ia viajando quando lhe deu vontade de dar de corpo. Agachou-se no meio da estrada, e ali ficou.
Nisto avistou um senhor que andava caçando.
Malazarte tirou o chapéu e colocou-o sobre o que havia feito. O senhor quando se aproximou perguntou-lhe:
- Que está fazendo aí a segurar este chapéu com tanto cuidado?
- É um lindo passarinho que apanhei debaixo do chapéu. canta que é um gosto. E eu não quero perde-lo. Estou à espera de alguém que queira tomar conta dele, enquanto vou buscar uma gaiola.
O homem ficou muito curioso de ver o canário, pois era grande apreciador de pássaros cantadores.
Propôs comprá-lo, mas com a condição de Malazarte ir buscar a gaiola.
Pedro, depois de muitas negaças, fechou o negócio por um bom dinheiro, deixou o tolo a tomar conta, e foi buscar a gaiola.
O tempo ia passando e Malazarte não voltava. então o homem, já impaciente, tomou o partido de apanhar o pássaro com a mão e levá-lo para casa.
Com toda a cautela, meteu a mão debaixo do chapéu e, quando pensou que pegavao canário, agarrou uma coisa muito diferente.
Deu os pregos, soltou pragas, enquanto, Pedro já estava muito distante, e se divertindo à custa do trouxa...
Foi então que Pedro se encontrou com um dos seus irmãos, com quem gastou em pândegas muito dinheiro.
Esvaziada a bolsa, seguiram de viagem juntos.
Depois de caminharem muitas léguas, varados de fome, chegaram em casa de um casal de velhinhos, gente de lavoura e muito pobre.
Pediram pousada. Mas os velhos não tinham cômodo nem nada - disseram- que lhes dar para matar a fome....
- Só se quiserem dormir na salinha, no monte de palha...
Pedro aceitou logo a oferta.
Os velhos forma para os eu quarto, e os irmãos ficaram na palha.
Mas, de madrugada, o Malazarte sentiu um cheirinho bom e ouvia o chiado de uma panela lá na cozinha, e perguntou ao irmão:
- Manuel, você não está ouvindo um chiado?...
Quem sabe se na cozinha há alguma coisa que se coma?
O outro respondeu:
- É possível. Essa gente da lavoura costuma deixar a panela no fogo durante a noite, para comerem de manhã antes de irem para o trabalho.
Pedro, andando na ponta dos pés, levou o irmão para a cozinha, onde encontraram no fogo uma panela de mingau de fubá, fumegante,
Comeram quanto quiseram, até farta-se e, como Pedro era um grande pândego, não podia passar sem fazer das suas, disse que estava com muita pena da velha e que ia também dar um pouco de mingau.
Foram para o quarto e enquanto o irmão segurava com muito medo a panela, o Malazarte ia pondo com a colher o mingau onde supunha que era a boca da velha.
De vez em quando ouviam uns sopros e Pedro dizia baixinho:
- Está quente, avózinha? sopra, minha velha!
Depois de irem levar a panela à cozinha, os dois irmãos puseram-se ao fresco, logo ao amanhecer.
Já estavam longe, quando o velho despertou furioso com a mulher, a quem acusava de ter desfeiteado a cama...
- Eu? seu tratante! eu?
- Não faça de tola, que não foi outra senão você mesmo!
Mas então a velha sentiu alguma coisa lá nela mesma. E os dois que nunca tinham brigado agarram-se à unhadas, saltando fora da cama toda cheia de mingau!
Correram para a cozinha e acharam a panela vazia, foram a sala e já lá não estavam os hospedes.
Rogaram muitas pragas e juraram não dar mais pousada a ninguém, salvante a Nosso Senhor Jesus Cristo.
Quando Malazarte morreu e chegou no céu, disse a São Pedro que queria entrar.
O santo porteiro respondeu:
- Está louco! Pois ainda tens coragem de querer entrar no céu, depois que tantas fizestes lá pelo mundo?
- Quero, São Pedro, pois é o céu é dos arrependidos, e tudo quanto acontece é por vontade de Deus.
- mas o teu nome não está no livro dos justos e portanto não entras.
- Mas então eu desejava falar com o Padre Eterno.
São Pedro zangou-se com aquela proposta. E disse:
- Não, para falares a Nosso senhor, precisava entrar no céu, e quem entra no céu dele não pode mais sair.
Malazarte se pòs a lamentar e pediu que o santo ao menos o deixasse espiar o céu, só pela frestinha da porta para que tivesse uma ideia do que fosse o céu, e lamentasse o que havia perdido por causa das más artes.
São Pedr. já amolado, abriu uma fresta da porta e Pedro meteu por ela a cabeça.
mas de repente gritou:
- Olha, São Pedro, Nosso Senhor que vem falar comigo. Eu mão te dizia!!!
São Pedro voltou-se com todo o respeito para dentro do céu, a fim de render homenagens ao Padre Eterno que supunha ali vir.
E Pedro Malazarte então pulou para dentro do céu.
O Santo viu que tinha sido enganado. Quis por o Malazarte para fora, mas ele contrariou:
- Agora é tarde! SãoPedro, lembre-se de que me disse que do céu, uma vez entrando, ninguém mais pode sair. É a eternidade!
E São Pedro não teve outro remédio senão deixar o Malazarte lá ficar.
FIM
Continua, querido leitor tenho muitos afazeres por isso não consigo digitar os contos no mesmo dia. Amanhã teremos mais.
Adicionais
Pedro Malazarte
figura era um exemplo da esperteza, da inteligência, da criatividade, mas não se sentia nenhum pouco culpado em usar a mentira e enganar as outras pessoas em proveito próprio.