Os contos que estou transcrevendo são de livros muito antigos que ganhei de meu querido pai. Quando percebi que eles estavam ficando velhos e amarelados, fiquei com medo de perdê-los. Resolvi então salvá-los para sempre, digitando letra por letra e me envolvendo em cada história. Obrigada pai e mãe, amo vocês! E um obrigada às novas tecnologias que me permitirão salvar meus livros e dar a outras pessoas a oportunidade de se emocionarem com Os Contos de Grimn e Andersen como eu me emocionei.
domingo, 21 de fevereiro de 2016
A Margarida das Galinhas - Contos de Andersen
Sobre as copas das velhas árvores esvoaçavam gralhas e corvos, granando sempre. Fervilhavam ali as aves, em número incalculável - e que parecia aumentar quando estourava um tiro entre elas. Lá do galinheiro onde a Margarida estava sentada, cercada de patinhos que corriam por cima dos seus tamancos a todo o instante, ouvia ela a vozearia das aves negras.
Ela conhecia as galinhas e os patos, um por um, desde que tinham descascado; e orgulhava-se das suas aves, e da bela casa que possuíam. Ela mesma tinha o seu quartinho nessa casa, um quartinho sempre limpo e agradável, como queria a dona da quinta. A dama ia muitas vezes até lá, acompanhada de visitas importantes e elegantes, às quais desejava mostrar o " quartel das galinhas e dos patos", como chamavam àquela casinha alegre.
No quarto da Margarida havia uma poltrona e um guarda- roupa: e até uma cômoda, sobre a qual se via uma placa de latão, bem areada. onde se via gravada a palavra " Grubbe". Era o nome da antiga e aristocrática família que dominara no antigo castelo senhorial. A placa foi achada em uma escavação do terreno, e, segundo dizia o sacristão, valia agora apenas como lembrança. E ele era bem informado, sabia muita coisa do lugar e dos antigos tempos. Sua sabedoria provinha dos livros; tinha na gaveta muitas notas que tomara. Mas... talvez a mais velha das gralhas ainda soubesse mais que ele, e propalava o que sabia lá na sua língua... Mas era língua de gralha, e o sacristão, por mais instruído que fosse, não entendia essa linguagem.
No verão, ao fim de um dia muito quente, pairavam brumas acima do pântano; parecia então que por detrás das velhas árvores, abrigo das gralhas, se estendia um grande lago. Assim era, na verdade, quando vivia ali o Cavalheiro Grubbe, no velho castelo de muralhas espessas e vermelhas.
Atravessando a torre chegava-se a um corredor ladrilhado, que ia ter aos quartos. As janelas eram estreitas e as vidraças muito pequenas, mesmo no grande salão de danças. Mas nos tempo do último dos Grubbe, ninguém já se lembrava que ali houvera bailes, noutra época! E contudo existia ainda lá um velho atabale, que servira na orquestra.
Havia um armário, ornado de artísticas esculturas, onde eram guardados bulbos de flores raras, pois a Sra. Grubbe gostava de plantas; cultivava árvores e arbustos, enquanto seu marido preferia sair a cavalo, à caça de lobos e javalis - sempre acompanhado de sua filhinha Maria. A menina, já aos cinco anos, montava admiravelmente, e saía a cavalo, os grande olhos negros encarando tudo e todos com arrogância. Era para ela um grande prazer dar chicotadas nos cães de caça; mas o pai desejaria antes que ela as fizesse cair nas costas dos camponesinhos que corriam a ver os amos, feito uns basbaques.
O camponês que morava na choça de barro ao pé do castelo tinha um filho chamado Soren, da idade da pequenina donzela aristocrata. Era seguro e ágil e trepava às árvores com a maior facilidade. A menina mandava-o subir para lhe trazer ninhos. As aves despojadas soltavam grandes gritos, e um dia uma grande ave deu-lhe uma bicada que o rapazinho ia ficar cego. Mas o olho não fora atingido.
Maria Grubbe chamava-o " o meu Soren - alto favor de que se valeria um dia o pai do rapazinho, o pobre Jon. Cometera ele uma falta qualquer e o castigo que lhe deram foi montar o cavalo de pau, que havia no patio. O cavalo tinha quatro estacas em vez de pernas, e as costas não eram mais que uma tábua estreita, sobre a qual tinha de se acomodar o cavaleiro improvisado. Além disso lhe amarraram aos pés pesados tijolos, para que não se sentisse tão comodamente instalado no cavalo... Soren, chorando, implorou piedade à menina, a qual deu ordem imediata para livrarem Jon daquele suplício. Como não lhe obedeceram, bateu o pé e foi puxar o pai pela manga até rasgá-la. Obtinha tudo quanto queria e tiveram de lhe fazer a vontade: o pai de Soren foi descido do cavalo.
Vinha entrando nesse momento a Sra. Grubbe; acariciou os cabelos da filha e deitou-lhe um olhar cheio de ternura - mas a menina não sabia por que era aquilo...
Maria preferiu ir ao canil, ver os cães de caça, a acompanhar a mãe que desceu pelo jardim, indo até o lago onde floresciam os lírios d'Água; os juncos acenavam por entre o canavial, as plantas aquáticas erguiam os penachos. Vendo aquela exuberância, sentindo aquela frescura, a mãe exclamou:
- Como isto aqui é agradável!
Havia naquele tempo uma árvore rara no jardim; ela mesma a plantara: era uma faia preta, de folhas muito escuras, espécie de mancha negra entre as árvores. É planta que precisa de muito sol: se viver sempre na sombra fica tão verde como as outras árvores e perde aquela particularidade esquisita.
Nos castanheiros altos abundavam os ninhos, assim como nas moitas do prado. Dir-se-ia que as aves sabiam que eram protegidas naqueles sítios, onde não era permitido matá-las a tiro.
Para lá se dirigiu a pequena Maria, acompanhada de Soren, o menino que trepava destramente pelos troncos acima. Por mais alto que se abrigassem ovos e filhotes ainda mal-emplumados eram desalojados das copas sem dificuldade. Cheias de medo, espantadas, esvoaçavam as aves, grandes e pequenas. No campo e nas copas das árvores gritavam incessantemente os quero-queros, os corvos e gralhas, tal qual como fizeram sempre e até hoje costumam fazer.
De repente a senhora perguntou:
- Que é que estão fazendo aí, meus filhos? Mas... isso é um crime!
Soren mostrou-se intimidado e a própria pequena donzela aristocrata baixou o olhar por um momento. Mas foi só um momento: respondeu com voz rápida e arrogante:
- Tenho licença do papai!
- Crá, crá, crá! Vamos embora, vamos embora! - gritaram as enormes aves pretas, voando para longe.
No dia seguinte, porém, voltaram todas pois aquela era a sua casa.
Quem não ficou muito tempo naquela casa foi a senhora suave e taciturna. Chamou-a o Senhor; e, na verdade, poder-se-ia dizer que sua terra estava antes lá ao lado de Deus do que naquela quinta. Dobravam os sinos do campanário, cheios de majestade, enquanto levavam o corpo para a igreja; e os pobres tínhamos olhos úmidos, porque ela sempre os tratara com muita bondade.
Depois que ela se foi, ninguém mais se ocupou com as plantas; o jardim transformou-se num deserto.
Diziam que o Sr. Grubbe era homem duro. Mas, mesmo assim pequenina, a filha o dominava.
Ele só sabia rir para ela e a menina obtinha então quanto queria. Estava já com doze anos e era de compleição robusta. Aquele olhos negros pareciam varar a gente de lado a lado. Montava a cavalo como um homem e era tão destra no tiro de espingarda como um caçador experimentado.
Um dia passaram pela região visitantes ilustres; os mais ilustres que se podia imaginar: o jovem rei acompanhado do seu meio-irmão, o Sr. Ulrich Friedrich Gyldenlowe. Queria caças javalis e para isso foram à quinta onde passariam alguns dias.
À mesa ficou Gyldenlowe ao lado de Maria Grubbe. Tomou-lhe ele de repente a cabeça entre as mãos e deu-lhe um beijo, como se fossem parentes. Ela, porém, vibrou-lhe uma bofetada, declarando que não o suportava. E todos riram do caso como se fosse coisa muito engraçada.
E... quem sabe se não era mesmo engraçado? Passados cinco anos - tinha ela então dezessete - chegou um mensageiro com uma carta: o Sr. Guldenlowe pedia a mão da nobre donzela. E olhem que isso era coisa muito importante!
- É o cavalheiro mais distinto e valente de todo o reino - disse o Sr. Grubbe. - Não deves rejeitá-lo.
- Huuum ... Não gosto muito dele! - disse Maria.
Contudo, não rejeitou o homem mais distinto do reino, o que se sentava ao lado do rei.
Lá seguiram em um navio para Copenague a prataria e as roupas de fino linho e de lã, enquanto Maria Grubbe fazia a viagem por terra, em dez dias. Ora, aconteceu que ventos contrários a princípio, calmarias depois detiveram no caminho o enxoval, que levou quatro meses para alcançar a capital. E quando afinal lá chegou, já não encontrou a Sra. Gyldenlowe, que desaparecera...
- Antes quero dormir numa cama forrada com o pano mais grosseiro do que numa toda coberta de seda! E acho melhor andar descalça, a pé, do que ir sentada na carruagem ao lado dele!
Numa tarde de novembro, ao escurecer, duas mulheres a cavalo entraram na Cidade de Aarhuus; era a sra. Gyldenlowe e sua criada. Vinham da cidade de Weile, onde tinham desembarcado, vindas num navio de Copenague. Detiveram-se diante da casa de pedra que o Sr. Grubbe possuía em Aarhuus. O pai não gostou nada daquela visita inesperada; ralhou seriamente com a filha, mas acabou cedendo-lhe um cubículo para dormir. Serviam-lhe também pela manhã a sopa de cerveja a que estava habituada; mas o pai continuava zangado, e ela não estava acostumada com aquilo. Não era de caráter suave,e, como devemos sempre responder quando alguém nos fala, ela não poupava as respostas falando com amargura do marido, com o qual não queria viver: achava que sua dignidade não lhe permitia isso.
Assim se passou um ano - e não foi um ano agradável! Palavras iradas cruzavam-se muitas vezes entre pai e filha, coisa que jamais deveria acontecer! Ora, palavras ruins só podem produzir frutos ruins, e ninguém sabia de que maneira iria acabar tudo aquilo.
- Não podemos ficar ambos sob o mesmo teto - disse um dia o pai. - Vai instalar-te na nossa velha quinta. Mas... escuta: é preferível que mordas a língua a espalhares mentiras entre o povo!
Separaram-se. Ela foi estabelecer-se com a criada na velha quinta onde nascera e onde a mulher taciturna e silenciosa, sua mãe, jazia enterrada na cripta da igreja. Seu único protetor era um velho pastor que morava na quinta.
Os quartos estavam cheios de teias de aranhas, que pendiam do teto, pretas, pesadas, poeirentas. No jardim cresciam todas as plantas à vontade: entre árvores e moitas estendia-se o lúpulo e outras trepadeiras, formando extensas redes. A cicuta e a urtiga viçavam com um vigor extraordinário. A faia, toda coberta por outras plantas, estavam bem abrigada, e suas folhas eram agora verdes, como as da árvores comuns: nada lhe restava da antiga magnificência.
Gralhas e corvos voavam por cima dos altos castanheiros,e, a julgar pela vozearia que erguiam, haviam de ter novidades importantes para contar.
Ah! Ela estava de volta, a pequerrucha que mandava outrora roubar suas ninhadas...E o ladrão, o rapazinho que subia para ir buscar os ovos e os filhotes, içava-se agora em uma árvore sem folhas: lá estava ele sentado no alto do mastro de um navio - e apanharia boas chicotadas com uma corda bem grossa se se mostrasse desajeitado...
Foi o sacristão quem nos contou tudo isso, há pouco tempo. Reunira e compilara o material em livros e anotações, e guardara tudo em uma gaveta, com muitos outros escritos.
- O mundo tem altos e baixos - disse ele. A gente acha tudo isto tão estranho...Mas vejamos o que foi feito de Maria Grubbe, sem esquecer, contudo, a Margarida das galinhas, que habita agora a vistosa casinha das aves... Maria Grubbe também lá estava, no seu tempo, mas essa não pensava como pensa hoje a velha Margarida...
Passou o inverno: passou a primavera, e passou o verão. Voltou a época tempestuosa do outono, com as cerrações, tão úmidas e tão frias. Na velha quinta a vida era solitária e aborrecida.
Maria Grubbe pegava na espingarda e lá se ia para os campo, matar lebre e raposas, e quanta ave podia abater. Mais de uma vez encontrou o nobre Sr. Palle Dyre, de Norrebak que vagava também pelos campos com a espingarda e a matilha. Era alto e forte, e vangloriava-se disso toda vez que com ela conversava. Poderia competir com o Cavalheiro Brockenhuus, de Egeskov, na Ilha Fiôna, cuja memoria ainda estava presente na lembrança de toda a gente. Seguindo o exemplo do saudoso cavalheiro, mandara Palle Dyre suspender acima do potão do seu castelo uma buzina de caça, presa a uma corrente de ferro, e quando voltava a casa, apanhava a corrente, erguia-se do chão , com cavalo e tudo, e tirava um som da buzina.
- A senhora deve ir ver isso, D. Maria! O ar que se respira em Norrebak é um ar livre e fresco.
Não ficou registrado o dia em que ela foi para o castelo; mas os castiçais da Igreja de Norrebak tinham, gravados, os nomes dos doadores: Palle Dyre e Maria Grubbe
Sim, Palle Dyre era forte e alto, e bebia como uma esponja. Era como um barril sem fundo que jamais se podia encher. Grunhia como um chiqueiro inteiro; era vermelho e tinha o rosto inchado. É a filha de Grubbe dizia:
-É sujeito manhoso e pérfido.
Cansou-se de viver a seu lado, sem que as coisas melhorassem nunca. Um belo dia, servida a mesa, os pratos esfriaram: Palle Dyre saíra para caçar raposas e a senhora não foi encontrada em parte alguma. Palle Dyre tornou à casa pela meia-noite, mas a senhora não voltou, nem à meia-noite, nem no outro dia.
Montando a cavalo, saíra de Norrebak, sem adeuses e sem saudades.
O dia era úmido e sombrio e soprava um vento cortante. Um bando de aves negras voava, aos gritos, acima de sua cabeça.
Maria dirigiu-se para o Sul e foi até a Alemanha. De caminho empenhava anéis de ouro e outras joias. Tomou depois rumo de Leste, mas voltou e seguiu para o Oeste. Viajava sem nenhum objetivo; ia andando e inimizando-se com todo o mundo - até com Deus Nosso Senhor, tamanha era a sua miséria moral. Dentro em breve sentia também o corpo abatido, a ponto de nem já poder andar. E, vendo-a caída sobre o montículo onde tinha o ninho, o quero-quero pôs-se a esvoaçar, gritando, conforme o costume: "Ladra!Ladra!" E, contudo, a pobre Maria jamais roubara bens alheios- somente, quando menina, mandava tirar os ovos e os filhotes das aves. E isso lhe vinha agora à memória...
Do ponto onde estava deitada, avistava as dunas. Lá, à beira-mar, viviam os pescadores, mas se sentia sem forças para ir até a praia. No alto esvoaçavam as gaivotas, gritando coma as gralhas e os corvos da velha quinta. Desciam no Voo e agora lhe pareciam negras como o carvão- e tudo ficou em trevas para os seus olhos.
Quando os reabriu, sentiu que alguém a levava. Um homem alto e robusto a erguera e levava-a nos braços. Olhou para o seu rosto barbudo: tinha sobre um olho uma cicatriz que lhe atravessava a sobrancelha, separando-a em duas metades. levou-a até o navio; lá ouviu do capitão palavras coléricas em troca do ato que praticara.
No dia seguinte o navio fez-se ao mar. Maria Grubbe não desembarcou; é de supor pois, que seguiu viagem nele. Parece que voltou mais tarde. mas quando? E onde aportou?
Também sobre esse ponto o sacristão sabia alguma coisa- e não era apenas uma história compilada por ele à custa de muito trabalho. Obtivera a estranha narração de um velho livro, digno de inteira fé, livro que qualquer um de nós pode também obter e ler. O escritor dinamarquês Ludwig Holberg, que escreveu tantos livros interessantes e tantas comédias cheias de graça, que nos mostram bem a sua época e os costumes contemporâneos, fala de Maria Grubbe nas suas cartas e narra como a encontrou. Vale a pena saber essa história, mas nem por isso havemos de esquecer a Margarida das galinhas, que lá vive, contente e bondosa, na bela casa das aves...
Tínhamos visto partir o navio que levava Maria Grubbe.
Passaram-se muitos anos.
A peste assolava agora Copenague - era o ano de 1711. A rainha da Dinamarca retirou-se para a sua Pátria. a Alemanha; o rei abandonou a capital. E só não fugia a toda pressa quem não tinha meio nenhum de escapar. Os estudantes, ainda que tivessem alojamento e alimentação gratuitos, abandonavam a cidade, o último que restava na hospedaria gratuita, foi-se também. Partira às duas da madrugada, levando a mochila que continha mais livro e manuscritos do que roupa. Pairava acima da cidade um nevoeiro úmido e nas ruas não se via alma vivente. Cruzes traçadas nas portas das casas indicavam que nelas penetrara a epidemia, ou que já exterminara os moradores. Passou uma grande carroça, aos sacolões. Aos estalos do chicote do cocheiro os cavalos galopavam: ia cheia de cadáveres. O moço estudante cobriu o rosto com a mão, inalando ao mesmo tempo álcool concentrado que levava em um tubo provido de uma esponja.
De um botequim, que ficava numa viela, vinham gritos e gargalhadas sinistras: gente que passava a noite bebendo para esquecer que a epidemia estava às suas portas e pronta a reuni-los também aos defuntos da carroça.
O estudante dirigiu-se para a canal, junto à ponte do castelo, onde se viam alguns navios pequenos: um deles ia levantar ancora para fugir à cidade empestada.
- Se Deus nos conservar a vida e se tivermos vento favorável, viajaremos para o Estreito de Groen, perto da Ilha de Falster - disse o capitão.
Indagou depois o nome do estudante que queria tomar parte na viagem.
- Ludwig Holberg- respondeu ele.
Aquele nome não tinha nenhum som diferente dos outros, naquele tempo; e contudo, hoje, é um dos mais ilustres da Dinamarca. Naquela época, porém não passava do de um jovem estudante desconhecido.
Deslizou o navio pela frente do castelo; ainda não era dia claro quando alcançaram o mar. Leve brisa enfunava as velas; o estudante acomodou-se no chão, rosto exposto ao ar fresco, e logo adormeceu -coisa que não era nada aconselhável.
Já na manhã do terceiro dia ancorava o navio na Ilha de Falster. O estudante perguntou ao capitão se conhecia alguém ali que quisesse hospedá-lo por pouco dinheiro.
- Acho que ficaria bem em casa na barqueira, em Borrehaus - disse o comandante. - Se quiser mostrar-se bastante cortês, chame-a de mãe Soren Sorenson Mullaer. Mas é bem possível que se enfureça se usar termos muito polidos. O marido está preso por ter cometido um crime, e é ela quem agora conduz a barca, pois tem pulso para isso!
Tomando a mochila, lá se foi o estudante em busca da casa da barqueira. Como a porta não estava fechada, entrou; viu uma peça ladrilhada, onde o móvel mais importante era um catre, coberto com uma grande colcha de pele. Uma galinha branca, rodeada da ninhada estava amarrada ao pé do catre. Tinha virado o bebedouro e a água escorrera pelo ladrilho. Não havia ninguém naquela peça, nem no cubículo contíguo, a não ser uma criança que dormia no seu berço.----
Afinal a barca voltou; vinha nela uma pessoa- não se podia dizer se era homem ou mulher: estava envolta em um vasto manto e trazia a cabeça abrigada com um capuz. A barca atracou.
Foi uma mulher quem desembarcou e entrou na casa. Era impressionante o seu aspecto, quando se aprumou. Olhos soberbos luziam sob as sobrancelhas negras. Era a mãe Soren, a barqueira. Mas... as gralhas e os corvos haviam de gritar outro nome, um nome que conhecemos bem!
Vinha carrancuda: não parecia gostar muito de conversas. Mas enfim ficou assentado que o estudante se hospedaria em sua casa por tempo indeterminado - enquanto as condiçoes de vida não melhorassem em Copenague.
Alguns homens sérios da pequenina cidade vizinha iam de vez em quando visitar a casa da barca : o cutileiro Franz e o cobrador de impostos, Sivert. Tomavam uma caneca de cerveja e discutiam com o estudante. Diziam que era moço de muito valor, que lia latim e grego, e dava outras provas de grande sabedoria.
Ao que a mãe Soren replicava:
- Quantos menos uma pessoa sabe, menos a sabedoria lhe pesa...
Um dia disse-lhe Holberg, ao ver como abria os nós de pinho com as mãos e depois as mergulhava na áspera barrela em que embebia a roupa:
- Dura é a vida que a senhora leva...
- Oh! Isso é comigo!
- E desde criança sempre teve de se cansar assim?
- O senhor pode ver nas minhas mãos.
Mostrou-lhas: eram pequenas, mas ásperas e de unhas quebrada. E continuou:
- O senhor é um erudito, sabe ler...
Pelo Natal caíram fortes nevadas. Vieram os grandes frios, Soprava um vento cortante, que até parecia carregar água-forte para lavar o rosto das pessoas. À mãe Soren pouco importava que soprasse o vento ou que o frio lhe cortasse o rosto. Enrolava-se no manto, punha o capuz à cabeça e arrostava o tempo. Ainda ia em meio a tarde e já a casa estava às escuras. Ela meteu a lenha e turfa na lareira e sentou-se para cerzir as meias, pois não tinha quem a ajudasse nos trabalhos da casa. Ao anoitecer começou a conversar com o estudante e disse-lhe mais palavras do que era seu costume. falou do marido.
- Por imprudência ,matou um marinheiro de Dragor e por isso foi condenado a trabalhos forçados: terá de trabalhar três anos, acorrentado. Como é um simples marinheiro, aplicaram-lhe logo a lei.
- A lei também pune as classes superiores - disse Holberg.
- O senhor acha que é assim?
Durante alguns momentos esteve a olhar para as chamas, depois retomou a palavra:
- Nunca ouviu falar de Kai Lykke, que mandou demolir uma igreja que havia nas suas terras e, como o pregador Martin o censurasse do púlpito por isso, mandou prendê-lo e julgá-lo pelo tribunal, que o condenou à morte, e, de fato, foi decapitado? Não foi um homicídio por imprudência,e, contudo, Kai Lykke nada sofreu.
- Segundo as leis da época, era direito seu. Fizemos progressos, de então para cá...
- Sim... O senhor pode dizer isso ao tolos!
E a mãe Soren levantou-se, foi ao quartinho onde dormia a criancinha, acomodou-a melhor e voltou. Fez a cama do estudante, a quem dera a colcha de pele porque era mais friorento do que ela, apesar de ter nascido na Noruega.
O dia de Ano Bom raiou, na verdade, claro e cheio de sol. O frio era contudo tão forte que a neve caída durante a noite endurecera, podendo-se caminhar sobre ela. Os sinos da cidadezinha repicavam, chamando os fiéis à igreja. O estudante Holberg cobriu-se com seu manto de lã para ir à cidade. Por sobre a casa da barca voavam gralhas e corvos, e tal era a gritaria que soltavam que mal se ouvia o repique dos sinos. A mãe Soren estava enchendo de neve uma caldeira de latão, para o derreter ao fogo e obter assim água potável. Olhava para as aves que fervilhavam por cima da casa, e lá martelava as suas idéias...
O estudante Holberg dirigiu-se para a igreja. Tanto na ida como na volta passou pela casa do cobrador Sivert, que ficava junto ao portão da cidade. Convidaram´-no para romar uma caneca de cerveja quente , com mel e gengibre. A conversa recaiu sobre a mãe Soren, a respeito de quem o cobrador não sabia lá grande coisa: não sabia mais que a maioria das pessoas, pois pouca gente estava informada de sua vida . Disse que ela não era da Ilhna de Falster e que provavelmente em outro tempos dispusera de recursos mais abundantes: o marido era um simples marujo de temperamento fogoso, que matara um marinheiro de Dragor e batia na mulher. E, apesar disso, ela o defendia!
- Não era eu quem havia de tolerar semelhante tratamento! - declarou a mulher do cobrador. - É verdade que descendo de gente melhor: meu pai era fabricante de meias da Casa Real.-----------------
- Por isso mesmo a senhora casou com um funcionário real! - disse Holberg, cumprimentando a ambos com mesura.
Chegou a noite de Reis. A mãe Soren acendeu um círio dos Magos para Holberg - isto é, uma vela de sebo de três pontas, que ela mesma preparava.
- Cada ponta por um homem! - disse Holberg.
- Como? - disse ela, lançando-lhe um olhar penetrante.
- Sim, cada um dos Homens Santos do Oriente.
- Ah! Sim...
Calou-se a mulher. Mas foi nessa mesma noite que ele veio a saber mais alguma coisa.
- A senhora dedica um verdadeiro carinho a seu marido - disse o estudante. - E contudo dizem que ela a maltrata...
- Isso é coisa que só a mim diz respeito - e a mais ninguém! As pancadas poderiam ter-me feito bem, em criança. Agora as recebo pelos meus pecados. Mas eu sei o bem que ele me fez.
E, levantando-se, continuou:
- Quando eu lá estava, atirada no campo deserto, doente, sem que ninguém se interessasse por mim, quando todos evitavam o meu contato, exceto as gralhas e os corvos, que ansiavam por me comer a bicada, ele me carregou nos braços, e ainda teve de suportar as palavras de censura por levar semelhante despojo para bordo do navio... Como não me abato por pouca coisa, depressa me refiz. Cada um tem o seu jeito e o seu modo de viver: Soren tem o dele e não se deve julgar o cavalo pelo cabresto. O que é certo é que vivi ao seu lado uma vida mais agradável do que com aquele a quem me chamavam o mais distinto, o mais elegante , entre todos os súditos do rei...Tive por esposo o Governador Gyldenlowe, meio irmão do rei, depois casei com Palle Dyre...Um valia tanto quanto o outro, cada qual à sua maneira - e eu cá à minha... Pois digo-lhe que falei muito hoje, mas agora já o senhor sabe tudo...
Era Maria Grubbe! Que estranho jogo da vida!
Não viu muitos dias de Reis além daquele. Holberg conta que ela morreu em 1716, não registrou. porém, o fato que se passou, quando ela jazia morta, na casa da barca: uma multidão de aves negras, enormes, esvoaçavam em volta da casa, mas sem gritar. Dir-se-ia que sabiam que num enterro devemos guardar silêncio. Assim que ela foi enterrada, desapareceram as aves; mas nessa mesma noite surgiram lá na Jutlândia, nos arredores da velha quinta, bandos enormes de gralhas e corvos, gritando cada qual mais alto, como se tivessem alguma coisa para contar. Talvez quisessem falar daquele meninozinho que lhes roubava os ovos e os filhotes, o filho do camponês a quem o rei presentou com uma jarreteira de ferro e da donzelinha aristocrata que acabou a vida como mulher de barqueiro...
- Crac! crac! Bravo! bravo!- gritavam as aves.
E toda a sua descendência gritava, quando demoliam o velho castelo:
- Crac! crac! Bravo! bravo!
E o sacristão começou a falar:
- Elas ainda gritam do mesmo modo, e contudo já não ha mais motivo para gritar: a linhagem extinguiu-se; o castelo foi demolido,e, no sítio em que se erguia dantes, apruma-se agora um lindo aviário, com seu cata-vento dourado; e lá está a Margarida das galinhas, muito contente com a sua agradável morada...
Depois concluiu:
- Porque, se ela não tivesse achado aquele lugar para viver, teria ido parar no asilo de mendigos.
Acima da cabeça dela arrulhavam as pombas. Pelo chão tagarelavam os perus; os patos não paravam um momento de grasnar. E diziam lá entre si:
- Ninguém a conhece. Ela não tem família...E é por pura misericórdia que a deixam ficar aqui. Não tem nem pai-pato, nem mãe galinha, nem tampouco possui descendentes...
Mas a verdade é que a Margarida tinha uma família. É que eles não sabiam, nem mesmo o sacristão, a despeito de ter tanta coisa escrita na gaveta.
Mas uma das gralhas velhas sabia da história e contou-a. A mãe e avó tinham-lhe falado da mãe e da avó da Margarida das galinhas. Nós também lhe conhecemos a avó: nós a vimos, ainda criança, cavalgando soberba, atravessando a ponte levadiça e lançando ao redor olhares arrogante, como se o mundo e todos os ninhos de aves lhe pertencessem, Nós a vimos no charneca, e nas dunas, e finalmente na casa da barca. A neta, a derradeira da estirpe, voltara àquela terra, onde outrora se elevava o velho castelo do morgado, àquela terra onde as negras aves silvestres levantavam a sua gritaria.
La porém. lá estava sentada entre as aves domésticas, que a conheciam e gostavam dela. E a Margarida das galinhas nada tinha a desejar: esperava a morte com alegria, pois já estava bastante idosa.
- Crá! crá! crá! - gritavam as gralhas , esvoaçando por cima da casa.
E isso, lá na língua das gralhas, por certo queria dizer:
- Cova ! cova! cova!
Pois bem: a Margaridas das galinhas teve afinal a sua cova, mas ninguém sabe onde ela fica, a não ser a velha gralha preta - se é que ainda não morreu também.
Ficaste, pois, sabendo toda a história daquela velha quinta, da antiga estirpe dos Grubbe, e de toda a família da Margarida das galinhas.
FIM
Círio:
Vela grande, com aproximadamente 80 centímetros de comprimento com 10 cm de diâmetro, usada nas cerimônias religiosas
Despojo:
substantivo masculino plural
tudo aquilo que sobra; restos, fragmentos.
sábado, 13 de fevereiro de 2016
A AVE DOS CÂNTICOS DO POVO- CONTOS DE ANDERSEN
Inverno. A camada de neve que recobre a terra parece uma capa de mármore, talhado da rocha. O ar é límpido e claro, o vento, afiado como uma espada de aço batido. As árvores erguem-se , cobertas de corais brancos, como amendoeiras em flor. A atmosfera é leve e fresca como nos cimos dos Alpes.
À luz da aurora boreal, a noite é magnífica, no esplendor de estrelas sem conta.
Vem as tempestades. As nuvens levantam-se no céu, sacodem-se e deixam cair plumas de cisne. Os flocos de neve turbilhonam, cobrem desfiladeiros e casas, campos abertos e ruas fechadas.
Mas nós estamos sentados na sala aquecida, ao pé da estufa cheia de brasas, contando histórias dos tempos antigos. Ouçamos uma lenda:
Erguia-se à beira-mar um túmulo pré-histórico. À meia-noite achava-se sentado sobre as pedras o espírito do herói ali sepultado, e que fora outrora um rei. Luzia-lhe na fronte o diadema de ouro, enquanto o vento lhe agitava os cabelos. Estava todo revestido de ferro e aço. A cabeça pendia-lhe, pesarosa, sobre o peito; e o espírito suspirou, como se mágoa profunda o abatesse: dir-se-ia uma alma penada.
Aproxima-se um navio; a maruja lança âncora e desembarca. Vem entre os marujos um poeta, que se acerca do espírito do rei, indagando:
- Por que estás triste? Que é que te aflige assim?
E o defunto respondeu:
- É que ninguém contou os meus feitos. Estão todos mortos, esquecidos. Nenhum canto os transmite a outras terras, nem os grava no coração dos homens. por isso não encontro paz nem descanso.
E o espectro falou de suas obras, de suas façanhas, conhecidas dos seus contemporâneos, que não tinham celebrado, pois que não havia entre eles um só poeta.
Então o bardo tangeu as cordas da lira e cantou; cantou o valor juvenil do herói, a força do homem, a grandeza das sua boas ações. E, ao ouvi-lo, o rosto do morto resplandecia, como a orla da nuvem à luz do luar. Alegre e feliz ergueu-se o vulto, rodeado de raios e de auras, e sumiu-se, como a aurora boreal. Só se via agora o túmulo coberto de grama verde, cujas pedras não tinham letra alguma. Mas sobre ele esvoaçava aos últimos acordes da lira, e como se desta vez tivesse saído, uma avezinha, um passarinho encantador; tinha a voz sonora do tordo, a voz animada do coração humano, o próprio som da pátria, tal como o ouve a ave de arribação. E o passarinho vou sobre montanhas os vales os campos e bosques : Era o ave dos cânticos do povo que nunca morre. E nós ouvimos o seu canto. Ouvimo-lo agora na sala, enquanto lá fora as abelhas brancas caem em exames e a tempestade se abate sobre as coisas. A ave não canta somente a nênia do herói- canta também cantos de amor, meigos e suaves, e cantos ardentes, cantos numerosos, da lealdade que impera no Norte. Canta contos de fadas, em palavras e sons, adágios e máximas rimadas, que, dispostas como runas sob a língua do finado, o constrangem a falar.
E é assim, que o cântico do povo fica sabendo tudo da sua terra natal.
Nos velhos tempos pagãos, na era dos "vikings", a voz da ave ficou morando na harpa do bardo.
Nos dias dos castelos dos cavalheiros, no tempo em que a balança da Justiça se erguia do punho fechado do forte, na era em que a razão repousava na força, naqueles tempos em que um camponês não tinha mais valor que um cão - onde iria a ave do cântico do povo encontrar abrigo e proteção? Nem a rudeza nem a estupidez se preocupavam com ela.
Mas no mirante do castelo feudal, a castelã, sentada diante do pergaminho, anotava velhas recordações e lendas e cantigas antigas: a velhinha do bosque e o mascate que anda vagando pelo mundo vão visitá-la, e contam-lhe essas lendas e essas cantigas- e eis que a ave voa por sobre a sua cabeça, batendo as asas, gorjeando e cantando, a ave que nunca morre, que não morrerá enquanto houver na terra uma colina onde possa pousar: a ave dos cânticos do povo.
Agora chega até nós o seu canto. Lá fora tudo são trevas e cai neve. Ela nos insinua as runas debaixo da língua. Conhecemos a nossa terra natal. Deus fala conosco na na nossa língua materna - na voz da ave dos cânticos do povo . Ressurgem as velhas recordações; avivam-se as cores desmaiadas; a lenda e o canto instilam uma bebida abençoada, que eleva a alma e enobrece os pensamentos a tal ponto que a noite se transforma em uma festa - uma festa de Natal.
Turbilhonam os flocos de neve; estala o raio; impera a tormenta, pois dela é o poder: ela nos domina - e contudo não é Deus, não é Nosso Senhor.
Inverno. O vento corta como uma espada de aço batido. Turbilhonam os flocos de neve. Parece que está nevando há dias, há semanas; a neve se acumula sobre a grande cidade, numa montanha imensa, como um pesadelo na noite hibernal. Tudo o que há na terra está oculto: desapareceu tudo, exceto a cruz dourada da igreja, símbolo da fé. A cruz ergue-se acima do túmulo de neve, brilhando no ar azul, à clara luz do sol.
E sobre a cidade sepultada voam as aves do céu; voam as aves, grandes e pequenas, gorjeando, chilreando, piando, cada uma com a voz que Deus lhe deu.
Vem em primeiro lugar o bando de pardais, piando ao menor incidente que apareça na rua e na travessa, no ninho ou na casa; eles sabem histórias de todas as peças das casa, e dizem:
- Piu, piu, piu! Conhecemos a cidade sepultada! Piu, piu! Tudo que ali vive tem voz: Piu, piu, piu!
As negras gralhas e os corvos negros voam sobre a neve branca:
- Grasn! grasn! grasn!
Eles queriam dizer: Sepultura, sepultura! Mas a língua não ajudava ; e então grasnavam:
Lá embaixo talvez ainda se arranje alguma coisa para o papo - e é isso o que serve, afinal, segundo a opinião da maioria dos que lá vivem. E é uma opinião respeitável, a da gente grave! Grav! grav! grav!
É isso; não podiam dizer o que pretendiam, porque a língua não ajudava.
Vem os cisnes bravos, com as asas a zunir, e cantam coisas magníficas, coisas grandiosas, que ainda um dia hão de brotar dos pensamentos e dos corações humanos lá embaixo, na cidade que descansa, sob a camada de neve.
Lá não há morte; lá reina a vida. E nós a ouvimos, nos sons que retinem como o órgão da igreja, que nos comovem como as melodias de colina dos silfos, como os hinos de Ossiam; como o bater ruidoso das asas das valquírias. Que harmonia! Ela fala ao nosso coração, elava-nos as ideias- é a ave dos cânticos do povo que estamos ouvindo....
Nesse instante vem do céu um bafejo quente. os montes de neve enchem-se de fendas, por onde penetra a luz do sol. Vem a primavera, vem as aves, novas gerações de aves, com as mesmas vozes da Pátria.
Escuta a história do ano:
O poder da nevasca, o pesadelo da noite hibernal- tudo se transforma, tudo se eleva, ao esplêndido gorjeio da ave dos cânticos do povo, da ave que jamais há de morrer!
FIM
Bardo:Um bardo, ou aedo, na Europa antiga, era uma pessoa encarregada de transmitir histórias, mitos, lendas e poemas de forma oral, cantando as histórias do seu povo em poemas recitados. Era simultaneamente músico e poeta e, mais tarde, seria designado de trovador. É a principal raiz da música tradicional irlandesa. O bardo usava frequentemente um alaúde para tocar suas melodias e músicas, que contavam na maioria das vezes uma história triste.
Tordo: O tordo-comum, tordo-músico ou tordo-pinto (Turdus philomelos) é uma ave pertencente ao género Turdus.[2] [3] Ocorre naturalmente na Europa, Norte de África, Médio Oriente e Sibéria,[4] e foi introduzida na Austrália e Nova Zelândia durante a segunda metade do século XIX.[5] Dependendo da latitude, pode ser residente, migratória ou parcialmente migratória, possuindo trêssubespécies geralmente aceites.[4]
À luz da aurora boreal, a noite é magnífica, no esplendor de estrelas sem conta.
Vem as tempestades. As nuvens levantam-se no céu, sacodem-se e deixam cair plumas de cisne. Os flocos de neve turbilhonam, cobrem desfiladeiros e casas, campos abertos e ruas fechadas.
Mas nós estamos sentados na sala aquecida, ao pé da estufa cheia de brasas, contando histórias dos tempos antigos. Ouçamos uma lenda:
Erguia-se à beira-mar um túmulo pré-histórico. À meia-noite achava-se sentado sobre as pedras o espírito do herói ali sepultado, e que fora outrora um rei. Luzia-lhe na fronte o diadema de ouro, enquanto o vento lhe agitava os cabelos. Estava todo revestido de ferro e aço. A cabeça pendia-lhe, pesarosa, sobre o peito; e o espírito suspirou, como se mágoa profunda o abatesse: dir-se-ia uma alma penada.
Aproxima-se um navio; a maruja lança âncora e desembarca. Vem entre os marujos um poeta, que se acerca do espírito do rei, indagando:
- Por que estás triste? Que é que te aflige assim?
E o defunto respondeu:
- É que ninguém contou os meus feitos. Estão todos mortos, esquecidos. Nenhum canto os transmite a outras terras, nem os grava no coração dos homens. por isso não encontro paz nem descanso.
E o espectro falou de suas obras, de suas façanhas, conhecidas dos seus contemporâneos, que não tinham celebrado, pois que não havia entre eles um só poeta.
Então o bardo tangeu as cordas da lira e cantou; cantou o valor juvenil do herói, a força do homem, a grandeza das sua boas ações. E, ao ouvi-lo, o rosto do morto resplandecia, como a orla da nuvem à luz do luar. Alegre e feliz ergueu-se o vulto, rodeado de raios e de auras, e sumiu-se, como a aurora boreal. Só se via agora o túmulo coberto de grama verde, cujas pedras não tinham letra alguma. Mas sobre ele esvoaçava aos últimos acordes da lira, e como se desta vez tivesse saído, uma avezinha, um passarinho encantador; tinha a voz sonora do tordo, a voz animada do coração humano, o próprio som da pátria, tal como o ouve a ave de arribação. E o passarinho vou sobre montanhas os vales os campos e bosques : Era o ave dos cânticos do povo que nunca morre. E nós ouvimos o seu canto. Ouvimo-lo agora na sala, enquanto lá fora as abelhas brancas caem em exames e a tempestade se abate sobre as coisas. A ave não canta somente a nênia do herói- canta também cantos de amor, meigos e suaves, e cantos ardentes, cantos numerosos, da lealdade que impera no Norte. Canta contos de fadas, em palavras e sons, adágios e máximas rimadas, que, dispostas como runas sob a língua do finado, o constrangem a falar.
E é assim, que o cântico do povo fica sabendo tudo da sua terra natal.
Nos velhos tempos pagãos, na era dos "vikings", a voz da ave ficou morando na harpa do bardo.
Nos dias dos castelos dos cavalheiros, no tempo em que a balança da Justiça se erguia do punho fechado do forte, na era em que a razão repousava na força, naqueles tempos em que um camponês não tinha mais valor que um cão - onde iria a ave do cântico do povo encontrar abrigo e proteção? Nem a rudeza nem a estupidez se preocupavam com ela.
Mas no mirante do castelo feudal, a castelã, sentada diante do pergaminho, anotava velhas recordações e lendas e cantigas antigas: a velhinha do bosque e o mascate que anda vagando pelo mundo vão visitá-la, e contam-lhe essas lendas e essas cantigas- e eis que a ave voa por sobre a sua cabeça, batendo as asas, gorjeando e cantando, a ave que nunca morre, que não morrerá enquanto houver na terra uma colina onde possa pousar: a ave dos cânticos do povo.
Agora chega até nós o seu canto. Lá fora tudo são trevas e cai neve. Ela nos insinua as runas debaixo da língua. Conhecemos a nossa terra natal. Deus fala conosco na na nossa língua materna - na voz da ave dos cânticos do povo . Ressurgem as velhas recordações; avivam-se as cores desmaiadas; a lenda e o canto instilam uma bebida abençoada, que eleva a alma e enobrece os pensamentos a tal ponto que a noite se transforma em uma festa - uma festa de Natal.
Turbilhonam os flocos de neve; estala o raio; impera a tormenta, pois dela é o poder: ela nos domina - e contudo não é Deus, não é Nosso Senhor.
Inverno. O vento corta como uma espada de aço batido. Turbilhonam os flocos de neve. Parece que está nevando há dias, há semanas; a neve se acumula sobre a grande cidade, numa montanha imensa, como um pesadelo na noite hibernal. Tudo o que há na terra está oculto: desapareceu tudo, exceto a cruz dourada da igreja, símbolo da fé. A cruz ergue-se acima do túmulo de neve, brilhando no ar azul, à clara luz do sol.
E sobre a cidade sepultada voam as aves do céu; voam as aves, grandes e pequenas, gorjeando, chilreando, piando, cada uma com a voz que Deus lhe deu.
Vem em primeiro lugar o bando de pardais, piando ao menor incidente que apareça na rua e na travessa, no ninho ou na casa; eles sabem histórias de todas as peças das casa, e dizem:
- Piu, piu, piu! Conhecemos a cidade sepultada! Piu, piu! Tudo que ali vive tem voz: Piu, piu, piu!
As negras gralhas e os corvos negros voam sobre a neve branca:
- Grasn! grasn! grasn!
Eles queriam dizer: Sepultura, sepultura! Mas a língua não ajudava ; e então grasnavam:
Lá embaixo talvez ainda se arranje alguma coisa para o papo - e é isso o que serve, afinal, segundo a opinião da maioria dos que lá vivem. E é uma opinião respeitável, a da gente grave! Grav! grav! grav!
É isso; não podiam dizer o que pretendiam, porque a língua não ajudava.
Vem os cisnes bravos, com as asas a zunir, e cantam coisas magníficas, coisas grandiosas, que ainda um dia hão de brotar dos pensamentos e dos corações humanos lá embaixo, na cidade que descansa, sob a camada de neve.
Lá não há morte; lá reina a vida. E nós a ouvimos, nos sons que retinem como o órgão da igreja, que nos comovem como as melodias de colina dos silfos, como os hinos de Ossiam; como o bater ruidoso das asas das valquírias. Que harmonia! Ela fala ao nosso coração, elava-nos as ideias- é a ave dos cânticos do povo que estamos ouvindo....
Nesse instante vem do céu um bafejo quente. os montes de neve enchem-se de fendas, por onde penetra a luz do sol. Vem a primavera, vem as aves, novas gerações de aves, com as mesmas vozes da Pátria.
Escuta a história do ano:
O poder da nevasca, o pesadelo da noite hibernal- tudo se transforma, tudo se eleva, ao esplêndido gorjeio da ave dos cânticos do povo, da ave que jamais há de morrer!
FIM
Bardo:Um bardo, ou aedo, na Europa antiga, era uma pessoa encarregada de transmitir histórias, mitos, lendas e poemas de forma oral, cantando as histórias do seu povo em poemas recitados. Era simultaneamente músico e poeta e, mais tarde, seria designado de trovador. É a principal raiz da música tradicional irlandesa. O bardo usava frequentemente um alaúde para tocar suas melodias e músicas, que contavam na maioria das vezes uma história triste.
Tordo: O tordo-comum, tordo-músico ou tordo-pinto (Turdus philomelos) é uma ave pertencente ao género Turdus.[2] [3] Ocorre naturalmente na Europa, Norte de África, Médio Oriente e Sibéria,[4] e foi introduzida na Austrália e Nova Zelândia durante a segunda metade do século XIX.[5] Dependendo da latitude, pode ser residente, migratória ou parcialmente migratória, possuindo trêssubespécies geralmente aceites.[4]
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016
O PRÍNCIPE MALVADO - CONTOS DE ANDERSEN
Era uma vez um príncipe muito perverso, que só pensava em conquistar todos os países do mundo e inspirar medo às criaturas humanas. Por onde passava, ia assolando a terra a ferro e fogo. Seus soldados pisoteavam as sementeiras, incendiavam as casas dos camponeses, deixando as chamas vermelhas lamberem a folhagem do pomar, de tal maneira que as frutas ficavam assadas nas árvores enegrecidas e estorricadas. Quantas mães não procuraram refúgio, com os filhinhos nos braços, atrás das paredes ainda fumegantes da casa incendiada! Mas lá mesmo iam os soldados descobri-las, e, dando, com as infelizes, ainda achavam maior estímulo para seus diabólicos instintos! O próprio gênio do mal não poderia proceder com maior maldade do que aquela soldadesca. Mas o príncipe entendia que assim devia ser, que aquilo era regular e lícito.
Aumentava dia a dia o seu poder. Seu nome era de todos temido, e sempre se saía bem de todas as façanhas. Possuía grandes tesouros, que levara das cidades conquistadas para o seu país, e na capital acumulavam-se riquezas que não tinham rival em parte alguma. Mandou construir castelos suntuosos, igrejas, salões de recepção; e quem via aquelas magníficas construções e os tesouros que continham, não podia deixar de exclamar, tomando de respeito:
- Que grande príncipe!
Mas é porque não se lembrava então da miséria que ele andara espalhando pelas outras terras; é porque não ouvia os suspiros e os gemidos que erguiam das cidades reduzidas a cinzas.
Contemplando todo o seu ouro e seus esplêndidos edifícios, o príncipe também pensava como a multidão: " Que grande príncipe sou eu!" Mas vinha-lhe logo outro pensamento:
- É preciso que tenha mais ainda, muito mais! Nenhum poder deve igualar ao meu e menos ainda ultrapassá-lo!
E, assim pensando, moveu guerra aos vizinhos, vencendo-os a todos. Jungiu ao seu carro, com cadeias de ouro, os reis vencidos, e assim se exibiu pelas ruas da capital. Quando se regalava à mesa, os reis vencidos tinham de se ajoelhar aos pés e dos cortesãos, e só podiam comer os restos que lhes atiravam.
Acabou por fazer erigir a própria estátua nas praças públicas e nos castelos reais; e se não a instalou também nas igrejas, diante do altar do Senhor, foi porque os sacerdotes se lhe opuseram, dizendo:
- Vossa Alteza é grande, mas Deus é maior. E nós não obedeceremos a semelhante ordem.
- Pois então - bradou o príncipe- vencerei também a Deus!
E na sua arrogância e estúpida impiedade, mandou construir um suntuoso navio, para nele sulcar os ares,
Era um navio de magnífico aspecto e todo pintado de cores variegadas. Parecia salpicado de milhares de olhos, mas , na verdade, cada olho era um cano de fuzil. Sentado no centro da nave, bastava-lhe calçar uma alavanca para que mil balas disparassem de todos o lados, enquanto as bocas de fogo eram imediatamente carregadas de novo. Centenas de águias foram atreladas ao navio, e, rápidas como flechas, subiram em direção ao sol.
Como a terra se estendia lá embaixo!Com suas montanhas e florestas, parecia apenas uma lavoura cheia dos sulcos do arado. Mas dali a pouco já se assemelhava a um mapa raso, de traços não muito distintos; e por fim aparecia toda envolta em névoas e nuvens.
E as águias voavam cada vez mais alto, mais alto nos ares...
Mas eis que Deus mandou um dos seus inúmeros anjos - um único. O príncipe malvado lançou contra ele milhares de balas; elas porém, ricocheteavam , sem ferir as asas brilhantes do anjo, e caíam como simples grãos de granizo. Contudo, uma gota de sangue, uma só gota, brotou de uma das alvas penas e foi cair no navio do príncipe. E essa gota única corroeu o navio, pesou sobre ele como milhares de quintais de chumbo e arrastou-o para baixo, em uma queda precipitada. Partiram-se as robustas asas das águias. O vento uivava ao redor da cabeça do príncipe e as nuvens formadas pela fumaça das labaredas das cidades incendiadas transformavam-se em vultos ameaçadores - caranguejos marinhos, de milhas de comprimento, que estendiam para ele garras e pinças; e amontoavam-se formando imensos penedos. E desses penedos rolavam blocos, que se convertiam logo em dragões a cuspir fogo...
E o príncipe jazia semimorto no bojo do navio, que ficou afinal suspenso, depois de um baque tremendo, sobre uma floresta.
- Quero vencer a Deus! - bradava o príncipe. - Jurei-o e hei de fazer o que quero!
E sete anos se passarem na construção de artísticos navios que haviam se singrar os ares, como veleiros. O príncipe mandou cortar raios do aço mais resistente para despedaçar as fortificações do céu. Concentrou-se guerreiros de todos os países que conquistara: formavam filas de milhas de extensão. Embarcaram esses exércitos nos navios engenhosamente construídos; o príncipe aproximou-se do que lhe era destinado...
Mas eis que Deus enviou um enxame de mosquitos- um único enxame, não muito grande, de mosquitos que dançavam em redor do príncipe, picando-lhe o rosto e as mãos. Enraivecido, desem bainhou a espada e deu golpes no ar. Mas era só no ar que acertava mesmo: não apanhava um só mosquito. Mandou então buscar tapetes preciosos e enrolou-se neles, para se livrar dos insetos. Os criados executaram todas as suas ordens. Mas um mosquito- um único mosquito - ficou no interior do tapete e introduziu-se no ouvido do príncipe. Picou-o e a picada ardia como fogo que queima. O veneno do mosquito infiltrou-se-lhe no cérebro e o príncipe, como um louco, lançou longe os tapetes em que se envolvia. Despedaçando as roupas, pôs-se a dançar, completamente despido, diante dos seus ferozes guerreiros. Estes agora zombavam do príncipe doido, que quisera guerrear Deus e fora vencido por um só mosquito, por um minúsculo mosquito. FIM
Aumentava dia a dia o seu poder. Seu nome era de todos temido, e sempre se saía bem de todas as façanhas. Possuía grandes tesouros, que levara das cidades conquistadas para o seu país, e na capital acumulavam-se riquezas que não tinham rival em parte alguma. Mandou construir castelos suntuosos, igrejas, salões de recepção; e quem via aquelas magníficas construções e os tesouros que continham, não podia deixar de exclamar, tomando de respeito:
- Que grande príncipe!
Mas é porque não se lembrava então da miséria que ele andara espalhando pelas outras terras; é porque não ouvia os suspiros e os gemidos que erguiam das cidades reduzidas a cinzas.
Contemplando todo o seu ouro e seus esplêndidos edifícios, o príncipe também pensava como a multidão: " Que grande príncipe sou eu!" Mas vinha-lhe logo outro pensamento:
- É preciso que tenha mais ainda, muito mais! Nenhum poder deve igualar ao meu e menos ainda ultrapassá-lo!
E, assim pensando, moveu guerra aos vizinhos, vencendo-os a todos. Jungiu ao seu carro, com cadeias de ouro, os reis vencidos, e assim se exibiu pelas ruas da capital. Quando se regalava à mesa, os reis vencidos tinham de se ajoelhar aos pés e dos cortesãos, e só podiam comer os restos que lhes atiravam.
Acabou por fazer erigir a própria estátua nas praças públicas e nos castelos reais; e se não a instalou também nas igrejas, diante do altar do Senhor, foi porque os sacerdotes se lhe opuseram, dizendo:
- Vossa Alteza é grande, mas Deus é maior. E nós não obedeceremos a semelhante ordem.
- Pois então - bradou o príncipe- vencerei também a Deus!
E na sua arrogância e estúpida impiedade, mandou construir um suntuoso navio, para nele sulcar os ares,
Era um navio de magnífico aspecto e todo pintado de cores variegadas. Parecia salpicado de milhares de olhos, mas , na verdade, cada olho era um cano de fuzil. Sentado no centro da nave, bastava-lhe calçar uma alavanca para que mil balas disparassem de todos o lados, enquanto as bocas de fogo eram imediatamente carregadas de novo. Centenas de águias foram atreladas ao navio, e, rápidas como flechas, subiram em direção ao sol.
Como a terra se estendia lá embaixo!Com suas montanhas e florestas, parecia apenas uma lavoura cheia dos sulcos do arado. Mas dali a pouco já se assemelhava a um mapa raso, de traços não muito distintos; e por fim aparecia toda envolta em névoas e nuvens.
E as águias voavam cada vez mais alto, mais alto nos ares...
Mas eis que Deus mandou um dos seus inúmeros anjos - um único. O príncipe malvado lançou contra ele milhares de balas; elas porém, ricocheteavam , sem ferir as asas brilhantes do anjo, e caíam como simples grãos de granizo. Contudo, uma gota de sangue, uma só gota, brotou de uma das alvas penas e foi cair no navio do príncipe. E essa gota única corroeu o navio, pesou sobre ele como milhares de quintais de chumbo e arrastou-o para baixo, em uma queda precipitada. Partiram-se as robustas asas das águias. O vento uivava ao redor da cabeça do príncipe e as nuvens formadas pela fumaça das labaredas das cidades incendiadas transformavam-se em vultos ameaçadores - caranguejos marinhos, de milhas de comprimento, que estendiam para ele garras e pinças; e amontoavam-se formando imensos penedos. E desses penedos rolavam blocos, que se convertiam logo em dragões a cuspir fogo...
E o príncipe jazia semimorto no bojo do navio, que ficou afinal suspenso, depois de um baque tremendo, sobre uma floresta.
- Quero vencer a Deus! - bradava o príncipe. - Jurei-o e hei de fazer o que quero!
E sete anos se passarem na construção de artísticos navios que haviam se singrar os ares, como veleiros. O príncipe mandou cortar raios do aço mais resistente para despedaçar as fortificações do céu. Concentrou-se guerreiros de todos os países que conquistara: formavam filas de milhas de extensão. Embarcaram esses exércitos nos navios engenhosamente construídos; o príncipe aproximou-se do que lhe era destinado...
Mas eis que Deus enviou um enxame de mosquitos- um único enxame, não muito grande, de mosquitos que dançavam em redor do príncipe, picando-lhe o rosto e as mãos. Enraivecido, desem bainhou a espada e deu golpes no ar. Mas era só no ar que acertava mesmo: não apanhava um só mosquito. Mandou então buscar tapetes preciosos e enrolou-se neles, para se livrar dos insetos. Os criados executaram todas as suas ordens. Mas um mosquito- um único mosquito - ficou no interior do tapete e introduziu-se no ouvido do príncipe. Picou-o e a picada ardia como fogo que queima. O veneno do mosquito infiltrou-se-lhe no cérebro e o príncipe, como um louco, lançou longe os tapetes em que se envolvia. Despedaçando as roupas, pôs-se a dançar, completamente despido, diante dos seus ferozes guerreiros. Estes agora zombavam do príncipe doido, que quisera guerrear Deus e fora vencido por um só mosquito, por um minúsculo mosquito. FIM
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